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16 DE ABRIL DE 2011

Actas
das

Jornadas

A Linguagem
da VOZ

Organização:
UNIVERSIDADE
DE LISBOA
AGRADECIMENTO

Os alunos do 2º Curso de Doutoramento em Voz, Linguagem e Comunicação da


Universidade de Lisboa agradecem todo a dedicação, o empenho, a disponibilidade e a
oportunidade que o Professor Doutor Mário Andrea lhes proporcionou contribuindo assim
para o seu desenvolvimento pessoal, académico e científico.

Professor Doutor Mário Andrea

Sendo Director do Departamento de ORL, Voz e Perturbações da Comunicação do


Hospital de Santa Maria - Centro Hospitalar Lisboa Norte, o Professor Mário Andrea foi o
grande impulsionador do Dia Mundial da Voz, avançando a proposta da data em Setembro de
2002 na quarta reunião da Sociedade Europeia de Laringologia (da qual era Presidente).

Do Professor Mário Andrea pode dizer-se com orgulho e brio que…

“O Homem pensa e a Obra nasce”

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ÍNDICE

Prefácio ………………………………………………………………………………..…… 4

Programa …………………………………………………………………………………… 5

Resumos das Comunicações ……………………………………………………………….. 6

Introdução …………………………………………………………………………………. 10

Comunicações ……………………………………………………………………………... 12

Voz e identidade na Comunicação Aumentativa ………………………………………... 12

Auto-percepção da voz em adolescentes com Perturbação de Ansiedade Generalizada .. 18

Gaguez adquirida ou neurogénica ……………………………………………………….. 33

The King’s Speech - A Gaguez e a Terapia da Fala ……………………………………... 46

A Voz na Educação: os problemas de voz nos professores do 1º ciclo …………………. 58

A vez e a voz dos alunos ………………………………………………………………… 71

Implicações da Otite Serosa na comunicação da criança ……………………………….. 78

A voz das emoções no jornalismo de televisão …………………………………………. 87

3
PREFÁCIO

As presentes actas contêm a totalidade dos trabalhos elaborados pelos alunos do Curso
de Doutoramento em Voz, Linguagem e Comunicação da Universidade de Lisboa (Faculdade
de Medicina e Faculdade de Letras) que foram apresentados nas 1ª Jornadas “A Linguagem
da Voz”. Este evento decorreu no dia 16 de Abril de 2011 no Grande Auditório do Edifício
Egas Moniz da Faculdade de Medicina de Lisboa, no âmbito das comemorações do Dia
Mundial da Voz 2011 e do Centenário da Universidade de Lisboa.

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PROGRAMA

9.30 h – Introdução
Professor Doutor Mário Andrea

9.45 h – Voz e identidade na Comunicação Aumentativa


João Ferreira

10.00 h - Auto-percepção da voz em adolescentes com Perturbação de Ansiedade


Generalizada
Paula Monteiro

10.15 h - Gaguez adquirida ou neurogénica


José Fonseca

10.30 h – The King’s Speech - A Gaguez e a Terapia da Fala


Cristina Ferreira

10.45 h – Discussão

Pausa / Café

11.15 h – A Voz na Educação: os problemas de voz nos professores do 1º ciclo


Sónia Lima

11.30 h – A vez e a voz dos alunos


Carina Pinto

11.45 h – Implicações da Otite Serosa na comunicação da criança


Ângela Nogueira

12.00 h – A voz das emoções no jornalismo de televisão


Susana Portinha

12.15 h – Discussão / Encerramento

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RESUMOS

Voz e Identidade na Comunicação Aumentativa


João Ferreira

A voz faz parte da nossa identidade, ajuda a identificar-nos, revela-nos estados de


espírito, emoções e pequenas alterações nos seus parâmetros ajudam-nos a transmitir
mensagens. Na Comunicação Aumentativa, quando mediada por
Digitalizadores/Sintetizadores de Fala existem diversos deste elementos que se perdem. E
qual é a visão destes utilizadores sobre a “sua voz”? Será mesmo sua, única e com
características que os identificam? O que se perde em termos de identidade?
Este trabalho visa fazer uma recolha de diversos estudos publicados sobre esta
temática, sendo um primeiro passo para uma pesquisa mais alargada.

Auto-percepção da voz em adolescentes com Perturbação de Ansiedade Generalizada


Paula Monteiro

A relação entre personalidade e patologia vocal tem sido questionada na literatura


permanecendo a dúvida se a psicopatologia é a causa primária, se é concomitante ou se é o resultado
de patologias vocais. As perturbações da ansiedade constituem uma das formas mais comuns de
psicopatologia na infância e na adolescência com taxas de prevalência entre 6% e 9% na população
geral e entre 20% a 30% nas crianças clinicamente referenciadas.
Neste contexto, com este estudo pretende-se verificar a auto-percepção de adolescentes com
perturbação de ansiedade generalizada e sem patologia vocal, que beneficiam de acompanhamento
psicoterapêutico em grupo em contexto hospitalar, em relação à própria voz, à comunicação e à
influência que a voz poderá surtir na mesma.

Gaguez adquirida ou neurogénica


José Fonseca

A gaguez é uma alteração da fluência do discurso que induz vários constrangimentos


comunicativos. A gaguez adquirida ou neurogénica apresenta características que a diferencia
claramente da gaguez de desenvolvimento.
Comparam-se as variáveis demográficas e características lesionais dos sujeitos com gaguez
adquirida descritos na literatura com a série de gagos neurogénicos observados no Laboratório de
Estudos de Linguagem (LEL). Os gagos avaliados no LEL são ainda comparados com uma série de
doentes afásicos. Discutem-se os achados da literatura de neuroimagem funcional, de prevalência,
recuperação e terapêutica.

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The King’s Speech - A Gaguez e a Terapia da Fala
Cristina Ferreira

A gaguez, desde sempre, tem despertado interesse e curiosidade. As primeiras abordagens


pretenderam corrigir as repetições e bloqueios observados na fala dos indivíduos, centrando-se na
modificação das estruturas orais. Posteriormente, procurou-se a natureza da gaguez e investiu-se, na
forma de eliminar ou reduzir as ocorrências e normalizar as reacções associadas a esses eventos.
As mudanças no conhecimento, nos valores sociais e nas crenças da sociedade promoveram
modificação nas abordagens da gaguez. Compreende-se, hoje, que o padrão de disfluência dos
indivíduos gagos emerge da gaguez de desenvolvimento. A partir desta fase, reforçada por influências
internas e externas ao próprio indivíduo, desenvolvem-se sintomas subsequentes que condicionam a
manutenção de comportamentos involuntários que afectam a fluência da fala.
As abordagens recentes consideram que a gaguez é mais do que gaguejar e promovem uma
avaliação e intervenção multifactorial, orientada para a pessoa e para a sua realidade biopsicosocial,
procurando abordagens sistémicas e cognitivas, para lidar com a gaguez quando esta é um problema
para o indivíduo.

A Voz na Educação: os Problemas de voz nos professores do 1º ciclo


Sónia Lima

O estudo da prevalência dos problemas vocais nos professores tem sido mundialmente
abordado por vários autores. Neste âmbito, serão apresentados resultados relativos a um estudo
epidemiológico sobre a Prevalência de Problemas Vocais nos Professores do 1ºciclo da Região de
Lisboa, realizado pela Terapeuta da Fala Sónia Lima, com orientação da Professora Doutora Isabel
Guimarães, que veio comprovar também a existência de uma taxa elevada de referência de problemas
vocais destes docentes em Portugal.
Deste estudo, realizado a 378 professores do primeiro ciclo da região de Lisboa, concluiu-se
que cerca de 51% dos profissionais inquiridos referem problemas de voz. Relacionados com queixas
de rouquidão, cansaço vocal, esforço em falar, secura, irritabilidade laríngea, pigarreio, sabor amargo e
dificuldades em engolir. Verificou-se uma maior prevalência no sexo feminino e com o avançar da
idade. Estes profissionais referem uma percepção geral da saúde física negativa. Encontraram-se como
factores de risco associados a problemas de saúde do foro respiratório, alérgico e gástrico tais como
refluxo gástrico, alergias respiratórias, sinusite e rinite relacionados com estilos de vida prejudiciais.
Os professores com problemas vocais referem um impacto negativo na qualidade de vida, mais
absentismo e mudança de actividade profissional. Apesar de pouca atitude resolutiva face aos
problemas de voz, referem recorrer ao Otorrinolaringologista e ao terapeuta da fala.

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A vez e a voz dos alunos
Carina Pinto

As alterações vocais na infância interferem de forma negativa o desempenho social e o


desenvolvimento afectivo. Por ocorrerem numa fase de formação da personalidade, os problemas
vocais na infância requerem uma investigação precisa, com identificação e tratamento de causas e
sintomas. As alterações vocais são de etiologia diversa, variando desde o funcionamento do aparelho
pneumofonoarticulatório até lesões incapacitantes.
Nas escolas as crianças apresentam muitas oportunidades para cometer abusos vocais que
levam a patologias laríngeas. É fundamental que se aposte na educação de pais, professores e
comunidade envolvente para que a prevenção de patologias vocais seja bem conseguida, visto que
cada vez mais existem crianças com alterações vocais.

Implicações da Otite Serosa na comunicação da criança


Ângela Nogueira

A hipoacúsia é o sintoma dominante da OS e tem um carácter flutuante. A perda auditiva


causada pela OS ocorre devido à acumulação de líquido no ouvido médio, o que dificulta a
transmissão das vibrações sonoras através da cadeia ossicular, causando perda de energia sonora. Esta
perda de grau leve ou até moderado, é o suficiente para tornar alguns sons inaudíveis, alterando assim
a percepção da fala.
A ocorrência de OS em idades precoces, pode ter consequências específicas na percepção,
discriminação e representação dos fonemas de acordo com os seus traços distintivos. Uma incorrecta
ou menos específica representação dos sons, pode por sua vez, manifestar-se na produção de
determinados erros articulatórios durante o discurso e de erros ortográficos na escrita.
Os estudos acerca das repercussões da OS, enfatizam a necessidade de uma vigilância médica e da
pesquisa sistemática desta patologia. A sua detecção precoce permite tomar medidas que evitem, na
medida do possível, repercussões sobre o desenvolvimento comportamental, linguístico e académico
da criança.

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A voz das emoções no jornalismo de televisão
Susana Portinha

O jornalista, apresentador de noticiários televisivos é um profissional de voz que necessita de


focalizar a sua atenção para a interpretação oral, o que obriga à consideração de aspectos relacionados
à construção da expressividade oral de acordo com o estilo de locução.
Para criar o estilo de locução, este profissional utiliza recursos vocais que variam de acordo
com o tipo de notícia e as suas conotações textuais. Para investigarmos de que maneira ocorre essa
variação seleccionámos o jornalista Henrique Garcia, consagrado apresentador televisivo, e
posteriormente procedemos a uma análise acústica de três notícias televisivas, nomeadamente duas
notícias em que o jornalista referiu estarem subjacentes determinado tipo de emoções e outra em que
não existiu o propósito de expressar uma emoção particular. O nosso objectivo foi investigar, na
produção de três notícias de blocos noticiários de televisão, a correlação de parâmetros prosódicos
com a emoção subjacente à notícia apresentada. Para tal, realizou-se um estudo exploratório, através
da análise acústica dos parâmetros supra-segmentais da fala: variação melódica, uso e duração de
pausas, e ênfase.
Foi possível perceber os vários tipos de emoção subjacente a cada notícia, tanto
perceptivamente como pela análise acústica, através das variações dos parâmetros supra-segmentais
estudados.

9
INTRODUÇÃO

O Dia Mundial da Voz (World Voice Day) foi comemorado pela primeira vez no dia 16 de
Abril de 2003 e tem como objectivo sensibilizar a população em geral para os cuidados que a voz
exige e para a importância de um diagnóstico precoce, face ao aparecimento de alterações.
As comemorações realizadas em toda a Europa têm o apoio da Comissão Europeia. Ao longo
dos anos, a questão da saúde da voz foi ganhando importância e as iniciativas comemorativas foram-se
multiplicando, pelo que hoje, passados nove anos, é possível encontrar milhares de eventos associados
ao Dia Mundial da Voz.
Olhando para trás, o Professor Mário Andrea afirma-se fascinado com a dimensão que este
projecto, por ele lançado em 2003, assumiu: “Há comemorações do Dia Mundial da Voz em todo o
mundo e não apenas nos países europeus – Estados Unidos, Canadá, Brasil, Argentina, Arábia Saudita,
Paquistão, Índia, Filipinas, Malásia, Austrália, Nova Zelândia, China, Macau, Hong Kong e Japão são
apenas alguns exemplos. O projecto cresce de ano para ano de forma vertiginosa, ao ponto de neste
momento já ninguém ter a noção de tudo o que é realizado. Em Portugal também o crescimento tem
sido extraordinário: iniciou-se em 2003 em Lisboa, no Hospital de Santa Maria e hoje já se comemora
em todo o País envolvendo vários tipos de profissionais de diferentes áreas.”

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Este ano (2011), as comemorações do Dia Mundial da Voz culminaram com as Jornadas “A
Linguagem da Voz”.

“Para além de dar visibilidade à voz, objectivo que, na minha opinião, neste momento está a
ser cumprido, o Dia Mundial da Voz tem outra finalidade, que é juntar profissionais que saibam de
voz. Há uma multidão de interesses à volta da voz, o que tem permitido um intercâmbio de
conhecimentos extraordinário, numa abordagem multidisciplinar da questão. O Curso de
Doutoramento em Voz, Linguagem e Comunicação e o programa das Jornadas “A Linguagem da
Voz” reflectem exactamente esta particularidade”, afirmou o Professor Mário Andrea.

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Voz e Identidade na Comunicação Aumentativa

João Ferreira

INTRODUÇÃO
A VOZ faz parte da identidade de cada um de nós. Essa identidade forma-se ao longo dos
anos, e é influenciada por aquilo que nos rodeia.
A voz transmite muito do que é a nossa identidade. As pequenas alterações de determinados
parâmetros na voz, fazem com que transmita mais informação do que a presente nos segmentos da
mensagem. Na Comunicação Aumentativa e Alternativa a Voz pode ter uma componente natural,
quando é do próprio, ou artificial, quando se trata de voz Electrónica (Digitalizada ou Sintetizada). O
que se pretende abordar, neste trabalho, são as características da Voz Electrónica, diversas daquelas da
voz natural e a influência desta na Identidade de cada um.

Identidade na Comunicação Aumentativa e Alternativa

A Identidade é formada por diversos componentes, alguns deles externos e comuns à nossa
comunidade, mas outros são individuais e únicos.
O desenvolvimento da Identidade nas crianças é influenciado pela família, amigos,
comunidade e escola. As auto-concepções da criança, em especial, são modeladas através da
compreensão das suas incapacidades e interacções sociais com os outros (Grassmann, 2002).
Herrero (2009) define da longa lista de itens a serem incluídos na nossa conceptualização do
que é Identidade, a possibilidade de serem reduzidos a 3 categorias:
• Informação física: aspecto físico, sexo, idade, saúde.
• Informação social: região de origem, nacionalidade, língua mãe, classe social,
religião, profissão e poder.
• Informação psicológica: personalidade, atitudes, emoções.
A voz é então somente uma das componentes que fazem parte da nossa identidade, e reflecte
ela própria características que dependem de outros aspectos da nossa Identidade e que faz com que ela
seja também a nossa Identidade.

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A voz, como veiculo para a linguagem, pode não só gerar como reflectir relações de poder e,
logo, alguém sem voz ou possuindo um tipo de voz diferente, pode estar em desvantagem
(Wickenden, 2010). A forma como falamos influencia os outros, ou deixa que os outros nos
influenciem.
Os Indivíduos com Compromissos Graves de Comunicação querem que a sua fala e a sua
voz reflicta as comunidades em que vivem. Os australianos querem falar como Aussies, os Britânicos
preferem o Queen´s English e os Franceses querem falar Francês (Blackstone, 2009). Isto é uma forma
de demonstrar poder e pertença.
A voz transporta também outros aspectos para além da Identidade per si. Transporta o que
somos em determinada situação, momento, dia ou interacção. A voz transporta informação emocional
que influencia as relações de poder, de partilha de informação entre outras.
Da análise das emoções expressas na voz, descritas na literatura (Murray et al., 1997), é
conhecido que as emoções causam alterações em 3 parâmetros:
• Qualidade Vocal
• Pitch
• Timing

Voz e Identidade na Comunicação Aumentativa

Muitos dos utilizadores de Comunicação Aumentativa e Alternativa, necessitam desta por


ausência de capacidade de produzir fala ou voz em condições de inteligibilidade adequada. Em muitos
casos esta ausência limita a capacidade do próprio interagir com o mundo que o rodeia, e logo limitar
as capacidades de aprendizagem. Ã ausência desta habilidade comunicativa trás diversas limitações, e
dai a necessidade de intervenção em idades precoces.
Ter voz em idades precoces facilita a criação da própria identidade bem como a
comunicação (Romski & Sevcik, 2005).
A utilização de um Sistema de Comunicação Aumentativa faz parte da identidade da criança –
uma das faces que a criança apresenta ao mundo (Light, 2006), logo pode ser uma ferramenta
poderosa.
O processo de utilização de um Sistema de Comunicação Aumentativa, não é no entanto um
processo linear de fácil utilização e implementação. São diversas as barreiras que têm de ser
ultrapassadas, para que a utilização do Sistema seja verdadeiramente eficaz.
Clarke, McConachie, Price, & Wood, (2001) referem que “As atitudes negativas (por parte
dos utilizadores) perante os Sistemas de Comunicação Aumentativa, estavam primeiramente
associadas a questões operacionais (requisitos técnicos para mexer no sistema) e com questões de
Auto-imagem/Identidade.”

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A voz é só um dos componentes presentes na Comunicação Aumentativa. No conceito de
Comunicação Total todos os elementos são utilizados para promover o processo comunicativo, tais
como gestos, símbolos, vocalizações, escrita e voz. Ora tratando-se de um sistema complexo, a sua
utilização nem sempre é fácil.

Características da Voz Electrónica

Como já referido anteriormente, temos de dividir a Voz em voz natural e voz electrónica/
sintetizada, sendo que se pretende aprofundar nesta última.
A voz electrónica tem características especiais, relativamente à voz natural, sendo que ainda
não consegue “imitar” na perfeição esta ultima.
A voz sintetizada, ao contrário da voz natural, possui menos redundância acústica, menos
informação suprasegmental e por vezes pistas fonéticas enganadoras (Duffy & Pisoni, 1992, citados
por Higginbotham, Scally, Lundy, & Kowarsky, 1995).
Esta capacidade de “imitação” é limitada pelas diversas componentes que influenciam a voz
e que são de difícil sistematização em software de síntese de fala.
Roach (1992), citado por Murray & Arnott (1995), refere um exemplo das variações que as
emoções fazem na fala, nomeadamente variações no ritmo, variações de pitch e variações de qualidade
vocal, que não são ainda de fácil aplicação nos Sintetizadores de Fala, usados para a Voz electrónica.

Parâmetros Raiva Alegria Tristeza Medo Dor (luto)

Ritmo de fala Ligeiramente Rápido Ligeiramente Muito Muito lento


acelerado Lento rápido
Picth Muito Alto Muito Ligeiramente Muito Muito Baixo
Alto Baixo alto

Extensão Larga Larga Ligeiramente Larga Muito estreita


vocal estreita

Intensidade Alta Alta baixa Normal Baixa

Variações Hz Abruptas suaves Descendentes Normal Longas


descendentes

Articulação Tensa normal Indistinta Precisa Muito Pausada

Quadro. Sumário dos efeitos das emoções na voz (adaptado de Murray & Arnott, 1995)

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O Quadro apresenta algumas das subtis diferenças em diversos parâmetros de voz e fala,
presentes na “representação” acústica das emoções. De notar que por vezes as alterações são mínimas,
mas o número de parâmetros a controlar é significativo.
Os Sistemas Texto-Fala actuais já apresentam uma inteligibilidade bastante boa. No entanto
ainda são facilmente identificadas como sendo artificiais. Nenhum dos sistemas incorpora variações
prosódicas resultantes de factores emocionais e relacionados. Isto é em larga medida devido à
complexidade em identificar e categorizar factores emocionais em na fala natural e implementar esses
factores na fala sintetizada. No entanto, o conteúdo prosódico na fala sintetizada é visto com
importância crescente. E é objecto de novas investigações para novos modelos de síntese de fala
(Murray, Arnott, & Rohwer, 1997).
Mas porque será tão importante a qualidade da voz nos sintetizadores de fala? A questão não
se resume a uma mera procura de perfeição, mas sim o facto de que essa qualidade, ou falta dela,
influenciar positiva ou negativamente a qualidade das interacções comunicativas.
Apesar da qualidade actual dos sintetizadores de voz, os interlocutores ainda preferem vozes
naturais.
A pesquisa de (Gorenflo, Santer, & Gorreflo, 1994) refere que vozes sintetizadas mais
naturais influenciavam positivamente as atitudes dos parceiros de comunicação.
A mesma pesquisa revelou ainda que os parceiros de Comunicação preferem uma voz
sintetizada que tivesse características mais naturais, com grande inteligibilidade e que correspondesse
ao género da pessoa. Os Digitalizadores de Fala têm agora vozes mais personalizadas, com mais
inteligibilidade e mesmo mais naturais. As próprias colunas de som (internas ou externas) influenciam
bastante a qualidade do output de fala (Blackstone, 2009).
A qualidade dos dispositivos geradores de fala melhorou significativamente nos últimos
anos.
Existem já sistemas que permitem a escolha de uma serie de opções vocais . No entanto, pelo
facto se serem electrónicas, a estas vozes falta-lhes “naturalidade”.
Não têm aquelas subtis variações de tom de voz, volume e sotaque regional que as vozes
naturais têm. Apesar dos avanços, as vozes ainda mantêm o aspecto “robótico” (Wickenden, 2010).

Caminho para o Futuro

Diversos estudos consultados, referem a importância de ter uma voz adequada ao género, à
idade, com características mais naturais e com características pessoais numa perspectiva de Identidade
Pessoal (Duffy & Pisoni, 1992, citados por Higginbotham, Scally, Lundy, & Kowarsky, 1995;
Gorenflo, Santer, & Gorreflo, 1994).

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O estudo de Murray e Arnott (1995) indica que simular as emoções vocais, durante a
reprodução de textos emocionais, leva a uma melhoria muito significativa do reconhecimento da
emoção vocal intencionada nessas frases.
Higginbotham (2010) reconhece a importância da voz para identidade de cada um, apelando
aos pesquisadores para melhorarem os dispositivos geradores de fala e apontando 3 objectivos:
1. Fornecer formas de expressar emoções, para que os utilizadores possam gritar, cantar, falar com
animais, etc.
2. Providenciar formas de os utilizadores poderem seleccionar determinadas características de
entre diversas vozes e posteriormente poderem “misturar” tudo numa voz sintetizada com
características únicas.
3. Providenciar formas de os utilizadores poderem controlar a dimensão prosódica das suas frases
em tempo real.

BIBLIOGRAFIA

Blackstone, S. (2009). Speech and Sound: Can you hear me now? Augmentative Communication
News, 21(3), 6-7.

Clarke, M., McConachie, H., Price, K., & Wood, P. (2001). Views of young people using
augmentative and alternative communication systems. Int J Lang Commun Disorders, 36 (1), 107-115.

Gorenflo, C., Santer, S. A., & Gorreflo, W. (1994). Effects of synthetic voice output on attitudes
toward the augmented communicator. Journal of speech and hearing research, 37 (1), 64.

Grassmann, L. (2002). Identity and Augmentative and Alternative Communication. Journal of Special
Education Technology, 17 (2).

Herrero, P. (2009). Voice and Identity :A contrastive study of identity perception in voice (Tese
Doutoramento). Universidade de Munique-Universidade de Valencia.

Higginbotham, D. J., Scally, C. A., Lundy, D. C., & Kowarsky, K. (1995). Discourse comprehension
of synthetic speech across three augmentative and alternative communication (AAC) output methods.
Journal of speech and hearing research, 38 (4), 889.

Higginbotham, D. J. (2010). Humanizing VoxArtificialis: The Role of Speech Synthesis


inAugmentative and Alternative Communication. Computer synthesized speech technologies tools for
aiding impairment. Hershey PA: Medical Information Science Reference.

Light, J. (2006). From The Guest Editor. Perspectives on Augmentative and Alternative
Communication, 15 (1), 2-8.

Murray, I., Arnott, J. L., & Rohwer, E. A. (1997). Emotional stress in synthetic speech: Progress and
future directions. Speech communication., 20 (1-2), 85.

Murray, I. R., & Arnott, J. L. (1995). Implementation and testing of a system for producing emotion-
by-rule in synthetic speech. Speech Communication, 16 (4), 369–390.

16
Romski, M. A., & Sevcik, R. A. (2005). Augmentative communication and early intervention: Myths
and realities. Infants & Young Children, 18 (3), 174.

Wickenden, J. M. (2010). Teenage worlds, different voices: an ethnographic study of identity and the
lifeworlds of disabled teenagers who use Augmentative and Alternative Communication
(Doutoramento). University of Sheffield.

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Auto-percepção da voz em adolescentes
com Perturbação de Ansiedade Generalizada

Paula Monteiro

INTRODUÇÃO

Importância da voz

O Homem é um ser social para o qual comunicar pensamentos e emoções constitui a base da
sua sobrevivência psicológica e social. Numa sociedade onde a comunicação oral é uma forma
fundamental de relação entre os seres humanos, o uso da voz no acto comunicativo para expressar
sentimentos, ideias e personalidade exerce um papel fundamental na evolução das capacidades
comunicativas do Homem (Greene, 1989; Günter, 1996; Colton & Casper, 1996; Behlau, 2001).
Sendo aceite como um fenómeno natural, inato e multi-dimensional, a voz constitui, provavelmente, o
sistema primário mais elaborado da comunicação humana; nela estão características que podem dizer
muito sobre a pessoa e sobre a sua forma de lidar com o mundo.
No sentido mais lato, a voz pode ser definida como um som audível resultante da actividade
laríngea, com uma inter-relação complexa entre a pressão e a velocidade do fluxo de ar expiratório, os
diferentes padrões de adução e abdução das pregas vocais e as propriedades de reflexão e configuração
das estruturas do tracto vocal.
Antes do início da puberdade, a laringe do rapaz e da rapariga é praticamente do mesmo
tamanho e, de um modo geral, ambos apresentam a mesma altura de voz sendo difícil fazer a
discriminação quanto ao sexo do falante com base apenas numa emissão sustentada. Na puberdade a
laringe sofre profundas modificações resultantes da influência dos novos padrões hormonais. No sexo
masculino, a laringe sofre um aumento pronunciado duplicando o seu tamanho e, como resultado, a
voz baixa uma oitava, estabelecendo-se a voz normal do adulto. No sexo feminino, esse aumento é
menos significativo e a voz baixa apenas duas a três notas. O crescimento corporal, associado à acção
dos novos níveis hormonais, transforma a laringe infantil em laringe adulta, com um consequente forte
impacto vocal (Behlau & Pontes, 1995; Behlau, et al., 2001; Marinho, 1999; Neumann & Welzel,
2004). Em conjunto com as demais características sexuais secundárias, estas mudanças permitem a
diferenciação sexual por meio da voz, algo que não ocorre na infância (Marinho, 1999; Neumann &
Welzel, 2004).

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Cada ser humano apresenta um conjunto de características físicas (ADN, impressões digitais,
voz) e sociais que o tornam único (Broeders, 2000). De um modo geral, a característica única da voz
humana resulta da especificidade anatómica das pregas vocais e das cavidades vocais (oral, nasal,
laríngea) bem como da coordenação dos órgãos articuladores (lábios, dentes, língua, palato mole,
mandíbula) de cada pessoa. O aparelho vocal funciona como um instrumento que produz sons, um
tubo no qual as ondas sonoras vibram produzindo sons com uma qualidade única cujas características
distintivas se mantém em cada ser humano ao longo da vida. Todavia, tal explicação por si só não
explica o facto de a voz ser um produto absolutamente individual e único, que reflecte a identidade, as
emoções e a autoconcepção do indivíduo denunciando a sua intenção e o seu estado emocional
(Behlau & Pontes, 1995; Roy & Bless, 2000; Koppmann & Brunetto, 1998).
A voz constitui-se como sendo uma função inata neuro-fisiológica do ser humano, que requer
coordenação muscular, controle neurológico e manifestações psicológicas. Para falar é necessário
umaparato orgânico capaz de produzir som, uma intenção psicológica para comunicar e um contexto
social. A produção vocal constitui-se então como um produto duplo (da laringe e da personalidade)
que resulta de factores que revelam aspectos das dimensões biológica, psicológica e sócio-educacional
através de modificações constantes que ocorrem de acordo com a situação, o contexto da comunicação
e o perfil do interlocutor.
Cada indivíduo desenvolve formas idiossincráticas de usar a voz, para iniciar e manter o
contacto com os outros, para se expressar, para satisfazer as suas necessidades e para controlar o seu
mundo (Andrews, 1998). O controlo da voz é um componente essencial da capacidade do indivíduo
para se ajustar às situações sociais e, quando a voz se deteriora, toda a personalidade sofre com isso,
dando origem a sentimentos de inadequação e insegurança.

(Perturbações de) Ansiedade

Desde a Antiguidade que se procuram estabelecer relações entre as doenças e os aspectos


psicológicos (Koppmann et al., 1998; Lewis & Lewis, 1999; Bauer, 2002; Silva, 2003). Já Hipócrates
(460-370 DC) descrevia os medos como sendo uma doença dos recém-nascidos e das crianças
sugerindo a existência de uma relação entre aspectos emocionais, personalidade e doenças. Porém,
decorreriam cerca de dois mil anos de história até que a ansiedade fosse considerada uma “doença”.
Nos dias de hoje a ansiedade é um conceito tão divulgado que faz parte da linguagem comum
sendo empregue nas mais variadas acepções, desde agente causal, a força motivadora de determinado
comportamento, a traço de personalidade, a impulso ou a resposta emocional. Todavia, até ao século
XIX na literatura médica e psicológica pouca relevância era dada à ansiedade na criança sendo uma
questão centrada essencialmente no campo da educação. No início do século XIX (período em que a
Psiquiatria se desenvolveu como disciplina independente) a ansiedade na criança era vista como um
“factor de vulnerabilidade” que mais tarde poderia conduzir ao desenvolvimento de problemas

19
psiquiátricos. Na segunda metade do século XIX os contornos da Psiquiatria da infância e da
adolescência tornaram-se mais definidos tendo, neste período, a ansiedade adquirido o estatuto de
sintoma psiquiátrico e de “perturbação”.
O primeiro cientista a valorizar claramente a ansiedade como uma manifestação frequente nas
neuroses e psicoses foi Lalanne (1902) embora durante muito tempo os termos ansiedade, angústia e
medo tenham sido utilizados com o mesmo significado por autores como Darwin, Mosso e Ribot. Na
comunidade científica foram Freud (1909) e Watson (1920) quem destacou a ansiedade distinguindo
três tipos: a real ou objectiva, a neurótica e a moral (Watson & Rayner, 1920). Desde então a
ansiedade tem sido objecto de um significativo número de estudos por parte da comunidade científica
baseados em diferentes escolas da teoria psicológica (nomeadamente a psicanalítica, a comportamental
e a existencial) (Reese & Overton, 1970). A ansiedade tornou-se um conceito central na teoria
psicanalítica que influenciou profundamente a Psiquiatria e a Psicologia durante décadas ao longo
doséculo XX. Nos anos 60, com a emergência da investigação científica em ciências como a
psicofarmacologia e a neurobiologia renasceu o interesse sobre a ansiedade e as suas perturbações.
A ansiedade pode ser definida como sendo um sentimento vago e desagradável de medo e
apreensão, caracterizado por desconforto e tensão originados pela antecipação de perigo, do
desconhecido ou estranho e que se manifesta através de sinais comportamentais, fisiológicos e
cognitivos (Castillo et al., 2000; Silva, 2003; Moro & Módolo, 2004). Assim, a ansiedade é um
conjunto de reacções emocionais que pode ser considerado um impulso ou uma resposta emocional,
com componentes fisiológicos, motores e psicológicos que englobam o aumento do estado de vigília, a
tensão e dor muscular, a sensação de constrição respiratória, tremor e inquietação, sensações de medo,
insegurança, antecipação apreensiva, pensamento dominado por ideias de catástrofe, bem como
desconfortos somáticos consequentes da hiperactividade do sistema nervoso autónomo (Zinbarg &
Barlow, 1996). É de salientar que as manifestações fisiológicas, motoras ou cognitivas podem estar
associadas a acontecimentos ou situações passageiras (ansiedade-estado) ou, por outro lado, constituir
uma forma estável e permanente de reagir (ansiedade-traço) tendo provavelmente uma base na própria
constituição individual (Bazi, 2000).
A ansiedade constitui uma experiência adaptativa, comum, funcional, de início precoce e
transitória cuja natureza e intensidade variam de acordo com o estádio de desenvolvimento do
indivíduo (Marks, 1987; Last et al., 1996; Pine et al., 1998). O padrão de desenvolvimento humano é
maior durante a infância e a adolescência do que noutras fases da vida e o conhecimento do medo
normal e da ansiedade de cada estádio do desenvolvimento são essenciais para determinar onde
termina a ansiedade dita normal e onde se inicia a ansiedade patológica (sendo esta considerada a que
está para além do que é esperado para o nível de desenvolvimento da criança sendo severa, persistente,
exagerada, desproporcionada relativamente ao estímulo e interferindo na qualidade de vida, no
funcionamento e no desenvolvimento psicossocial da criança).

20
Como consequência do desenvolvimento cognitivo e emocional, o conteúdo dos medos e a
ansiedade mudam à medida que a criança cresce, mudando o foco dos mesmos de acordo com a idade
relativa do pensamento e o ambiente externo internalizado pela criança (Marks, 1987; King et al.,
1988). Os bebés tendem a temer estranhos, a perda do contacto físico, os estímulos intensos e/ou
inesperados; entre o primeiro ano e os três anos de vida, as crianças temem a escuridão, os animais, as
criaturas imaginárias e o “mal”, os estímulos novos ou desconhecidos (Klein, 1994); entre os 4 e os 7
anos de idade os medos predominantes incluem a separação dos pais, o ficar abandonado, os ladrões,
os fenómenos meteorológicos e os seres imaginários como monstros e fantasmas (Gray, 1987); entre
os 8 e os 12 anos muitas crianças temem os desastres naturais, a morte, os acidentes corporais, os
problemas escolares, o ser advertido pelos professores, as doenças, o ser castigado; os adolescentes
têm frequentemente medo de problemas e conflitos na escola, de não se ajustarem às expectativas dos
outros, de não serem aceites no grupo social, de problemas económicos, políticos e sociais (Kashani et
al., 1989; Ost, 1987).
A adolescência é uma fase dos 10 aos 19 anos de idade marcada por um período de conflitos
emocionais, de busca da identidade, uma idade de transição entre a infância e a vida adulta. Sendo
considerada a fase mais crítica na vida do ser humano, esta fase caracteriza-se pelo aparecimento
inicial das características sexuais secundárias, pelo desenvolvimento de processos psicológicos e de
padrões de identificação e pela transição de um estado de dependência para outro de relativa
autonomia.
O final da infância e a adolescência são fases do desenvolvimento do ser humano
caracterizadas por mudanças físicas, cognitivas e emocionais assumindo o contexto social um papel e
importância particulares. O adolescente encontra-se sujeito a diferentes níveis de stress face a essas
mesmas mudanças que representam desafios sendo a ansiedade uma característica normal nesta fase
do desenvolvimento e que permite a adaptação a situações novas, inesperadas ou perigosas (Marcelli,
2005).
A emergência da ansiedade constitui uma porta de entrada para a maioria dos comportamentos
psicopatológicos (Marcelli, 2005). As perturbações de ansiedade constituem um dos quadros
psiquiátricos mais comuns na infância e na adolescência sendo, geralmente, de causa desconhecida
embora provavelmente multifactorial (Enumo et al., 2006). Os estudos são escassos no que diz
respeito à idade de início e aos factores desencadeadores destas perturbações. Porém, em função da
classificação das perturbações e das metodologias de avaliação adoptadas, os estudos epidemiológicos
mostram de modo consistente que as perturbações da ansiedade são uma das formas mais comuns de
psicopatologia na infância e na adolescência com taxas de prevalência entre 6% e 9% na população
geral e entre 20% a 30% nas crianças clinicamente referenciadas (Anderson, 1994; Costello et al.,
1988; Shaffer et al., 1995; Verhulst et al., 1997).

21
Embora a investigação indique que estas perturbações são muitas vezes transitórias, estudos
recentes sugerem que algumas crianças podem apresentar perturbações de ansiedade que persistem até
à idade adulta (Alpert et al., 1994; Costello & Angold, 1995; Ferdinand & Verhulst, 1995) estando
frequentemente associadas a condições de comorbilidade graves e debilitantes tais como perturbações
de abuso de substâncias, depressão (Angold et al., 1998) e suicídio (Caron & Rutter, 1991; Rutter,
1997; Statham et al., 1998). Assim, a existência de uma perturbação de ansiedade na infância e na
adolescência constitui um factor de risco da existência ou desenvolvimento de outras patologias
psiquiátricas na idade adulta.
Para dar conta da gravidade dos sintomas de ansiedade e para fornecer linhas de base claras e
simples para os agrupar, foram propostas várias classificações (Morris & Kratochwill, 1983). O
Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-IV-TR) é um sistema categorial que
considera apenas uma perturbação específica de ansiedade da infância e da adolescência: a ansiedade
de separação. As restantes perturbações de ansiedade são listadas na secção dos adultos podendo ser
aplicadas às crianças e adolescentes sempre que preencham os critérios de diagnóstico (American
Psychiatric Association, 1994). Estas perturbações incluem: ataque de pânico, agorafobia, fobia social
e específica, perturbação obsessivo-compulsiva, perturbação de stress pós-traumático, perturbação de
ansiedade generalizada, perturbação de ansiedade secundária, perturbação de ansiedade induzida por
substância e perturbação de ansiedade sem outra especificação.
É de salientar que as perturbações de ansiedade na infância e adolescência não são
caracterizadas por um padrão homogéneo e consistente de sintomas, podendo diferir na frequência dos
mesmos, na gravidade, no desenvolvimento, na evolução e nas reacções ao tratamento (Fonseca,
1998).
Na criança até à puberdade, a ansiedade de separação parece ser o quadro mais frequente
sublinhando-se, no plano sintomático, a acumulação de diversas manifestações ansiosas (angústia de
separação, hiperansiedade, fobia social, evitamento e perturbações de oposição). Diversos estudos
referem uma diminuição significativa da ansiedade de separação patológica na adolescência e,
inversamente, um aumento de todas as outras manifestações ansiosas a partir desta idade. A literatura
salienta que as crianças e os adolescentes ansiosos referem sintomas somáticos com mais frequência
do que crianças e adolescentes com qualquer outro diagnóstico psiquiátrico.
No âmbito deste estudo caracterizar-se-á apenas a Perturbação da Ansiedade Generalizada
tendo como base os critérios de diagnóstico do DSM-IV-TR. Esta perturbação caracteriza-se pela
ansiedade e preocupação exagerada e persistente relativamente a um conjunto de acontecimentos ou
actividades que ocorrem em mais de metade dos dias por um período de pelo menos seis meses.
Embora o medo seja uma experiência humana normativa, na Perturbação de Ansiedade Generalizada o
medo tende a ser mais intenso, prolongado e incontrolável. A criança ou adolescente não consegue
controlar a preocupação que geralmente é acompanhada por agitação, fadiga fácil, dificuldades de
concentração, irritabilidade, sono perturbado e/ou tensão muscular (podendo existir tremores,

22
contracções e dores musculares). O foco da ansiedade não está limitado podendo passar de um tema
para outro durante a evolução da perturbação.
A criança ou adolescente caracteriza-se pela autocrítica constante, angústia em situações
sociais, medo exagerado de insucesso, frequentes pedidos de ajuda e/ou comportamentos de
evitamento, sintomas depressivos, preocupação excessiva sobre acontecimentos futuros ou passados e
sobre resultados e competências, sintomas somáticos sem causa aparente (náuseas, mãos frias e
húmidas, boca seca, dificuldades em engolir ou “nó na garganta”, palidez, tremores, rubor da pele,
aumento do ritmo cardíaco e da transpiração) (Weems et al., 2000).

Personalidade e patologia vocal

De um modo geral, a relação entre personalidade e patologia vocal tem sido abordada por
inúmeros autores que questionam se a personalidade e os problemas emocionais ou psicológicos
contribuem para o aparecimento de determinadas patologias vocais (isto é, se são causas primárias
dasmesmas) ou se, pelo contrário, são estas que geram efeitos na personalidade ou distúrbios
emocionais ou psicológicos (Weems et al., 2000; Green, 1988; Cooper, 1973; McHugh-Munier et al.,
1997; Diehl, 1960).
Do ponto de vista histórico, a literatura sobre voz refere essencialmente três patologias
específicas da voz que podem estar relacionadas com factores da personalidade e com precursores
psicológicos: disfonia funcional (Andrews, 1998; Friedl et al., 1993), nódulos vocais (Aronson, 1990;
Arnold, 1962; Wilson, 1987) e disfonia espasmódica (Bloch, 1965; Brodnitz, 1962; Heaver, 1960;
Aronson, et al., 1968; Blitzer et al., 1985; Cooper, 1980; Finitzo & Freeman, 1989; Ludlow et al.,
1984). Porém, apesar de inúmeras evidências apontarem para a existência de uma estreita relação entre
as emoções, o stress, a depressão, a ansiedade e a voz, os estudos não são conclusivos tornando difícil
correlacionar patologia vocal e aspectos psicológicos (Roy & Bless, 2000a; Roy & Bless, 2000b).
De facto, a literatura carece de uma teoria empírica e coerente que proceda à conceptualização
de como os processos psicológicos e a personalidade podem contribuir para o desenvolvimento e
manutenção da patologia vocal. Os autores referem que existem inúmeras especulações baseadas em
impressões clínicas e poucas pesquisas científicas objectivas a esse respeito. As pesquisas existentes
apresentam falhas metodológicas importantes como a utilização de instrumentos psicométricos
desconhecidos, imprecisão na terminologia usada na classificação das patologias vocais sendo, por
isso, pouco criteriosa, falta de comparação dos resultados com outros grupos de patologias vocais,
utilização de métodos estatísticos inadequados na análise dos dados e ausência de informação sobre a
presença ou ausência de sintomatologia vocal dos sujeitos, entre outras (Roy, 2003; Carvajal et al.,
1992; Brunetto et al., 1989; Diehl, 1960; Butcher et al., 2007). As falhas na metodologia dos estudos
dificultam a generalização dos resultados e a avaliação da natureza específica da relação entre as
patologias vocais e a personalidade.

23
Deste modo, em função da falta de consenso entre os autores e da classificação pouco
criteriosa das patologias vocais existe uma carência de estudos com validade científica sobre esta
questão o que resulta numa controvérsia sobre a existência de perfis de personalidade específicos que
sejam mais predispostos a determinada patologia vocal (Butcher, 1995; Rammage et al., 1987; Yano
et al., 1982). Assim, permanece a dúvida (a esclarecer em estudos futuros) se a psicopatologia é a
causa primária, se é concomitante ou se é o resultado de patologias vocais.

MÉTODO

Actualmente as pesquisas abordam com frequência a auto-avaliação ou auto-percepção vocal


visto que permite saber a opinião do paciente em relação à sua voz, tornando-se deste modo um
parâmetro a ser valorizado durante a avaliação. Por outro lado, a auto-percepção e a psicodinâmica
vocal são factores importantes no estabelecimento e no decurso do processo terapêutico.
Neste estudo participaram 20 adolescentes, 8 (40%) do sexo feminino e 12 (60%) do sexo
masculino, com idades compreendidas entre os 11 e os 19 anos (Quadro 1), com diagnóstico clínico de
Perturbação de Ansiedade Generalizada e que beneficiam de acompanhamento psicoterapêutico em
grupo integrando os Grupos de Aptidões Interpessoais e de Expressão Emocional. Estes grupos
terapêuticos decorrem com periodicidade semanal no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do
Hospital do Espírito Santo de Évora E.P.E. com o apoio de uma equipa multidisciplinar
(pedopsiquiatra, psicólogos, terapeutas da fala, assistente social) que considera os adolescentes sob
aspectos mais específicos, contribuindo assim para uma visão mais ampla e um atendimento mais
completo dos mesmos.

Idade Sexo
Feminino Masculino Total
11 anos 1 4 5
12 anos 1 3 4
13 anos 4 1 5
14 anos 0 2 2
16 anos 1 1 2
18 anos 1 1 2
Total 8 (40%) 12 (60%) 20 (100%)

Quadro 1. Distribuição dos adolescentes participantes (n=20) em relação ao sexo e idade

A recolha dos dados teve como base um questionário sobre voz com o objectivo de conhecer o
perfil de comunicação e da voz dos adolescentes. O questionário foi elaborado para este estudo sendo
composto por 33 questões dispostas de forma aleatória, 23 das quais com resposta tipo Likert com 5
alternativas variando entre “sempre” e “nunca”, e 10 questões com resposta “Sim/Não”. As questões
foram repartidas em três blocos: o primeiro (10 questões) relacionado com a saúde e os hábitos vocais,
o segundo (11 questões) abordava o auto-conhecimento, a auto-percepção e a auto-imagem da voz, e

24
por fim, o terceiro (12 questões) referia-se à auto-percepção relativamente à comunicação e à
influência que a voz poderá surtir na mesma.
Os adolescentes responderam às questões de forma anónima e autónoma tendo as respostas
sido divididas em cinco categorias: satisfação vocal, auto-percepção da voz, situações comunicativas,
os hábitos vocais mais frequentes e questões de saúde.

RESULTADOS

Neste estudo a amostra foi constituída por 20 adolescentes com idades compreendidas entre os
11 e os 19 anos sendo a maioria do sexo masculino (60%). Quanto às questões relacionadas com a
saúde (Figura 1) os adolescentes a mais referida foi a existência de alergias (35%) seguida da
dificuldade em respirar pelo nariz (15%). Apenas 10% dos adolescentes referiram problemas de
digestão e de voz salientando que já procuraram ajuda médica por causa da sua voz.

50%

40% 35%

30%

20%
15%
10% 10% 10%
10%

0%
Alergias Respiração Digestão Problemas de Ajuda
nasal voz profissional
Figura 1. Questões relacionadas com a saúde

Em relação aos hábitos vocais (Figura 2) mais de metade dos adolescentes referiram que
tinham por hábito a ingestão de bebidas frias (85%), falam muito (65%) e alto (60%) tendo os hábitos
de falar depressa e gritar sido referidos em 45% dos casos.

100%
85%
80%
65%
60%
60%
45% 45%
40%

20%

0%
Beber Falar muito Falar alto Falar muito Gritar
bebidas frias depressa
Figura 2. Hábitos vocais

25
Quanto à satisfação vocal (Figura 3) mais de metade dos adolescentes referem que a sua voz
não é agradável de ouvir (70%) e que ela não combina consigo (65%) mas que não tentam mudá-la
para que seja diferente (65%). Por outro lado, os adolescentes referem também que gostam da sua voz
(55%) e que é fácil controlá-la quando estão a falar (55%).
100%

80% 70%
65%
60%
60% 55% 55%

40%

20%

0%
Gostam da Voz não Voz Controlo Não tentam
voz combina desagradável vocal mudar a voz
consigo
Figura 3. Satisfação vocal

Relativamente à auto-percepção da voz (Figura 4) mais de metade dos adolescentes refere


variações de intensidade ao longo do discurso em que, quando estão a falar, a voz muda de repente
(65%), a garganta fica seca e irritada (60%) e a voz varia ao longo do dia (50%). Cerca de metade dos
adolescentes refere que costuma ter tosse seca (45%), sente necessidade de pigarrear (40%) e que tem
quebras de voz (a voz falha) quando gritam (35%). Alguns adolescentes referem rouquidão frequente
(30%), cansaço vocal (25%) bem como esforço para falar (15%) e que quando falam muito e alto
ficam roucos (10%). Quanto à percepção do pitch 15% dos adolescentes considera-o alterado sendo a
sua voz é muito grossa.

Pitch alterado 15%

Rouquidão em esforço 10%

Quebras de voz 35%

Variações de intensidade (discurso) 65%

Garganta seca e irritada 60%

Cansaço vocal 25%

Esforço vocal 15%

Variações ao longo do dia 50%

Pigarreio 40%

Tosse seca 45%

Rouquidão frequente 30%

0% 20% 40% 60% 80% 100%


Figura 4. Auto-percepção da voz

26
Quanto à influência que a voz poderá surtir na comunicação (Figura 5) a maioria dos
adolescentes considera que existem variações de intensidade da voz quando vão falar (75%) e que
quando isso acontece as outras pessoas reparam nisso (65%). Referem ainda que quando estão
nervosos têm sensação de ter uma bola na garganta (30%), que ficam sem voz (25%) e que quando
falam a voz treme (20%). Alguns referem ainda que quando querem falar a voz não sai (15%) e que
evitam falar com os outros por causa da sua voz (10%).

Os outros reparam 65%

Voz não sai 15%

Sensação de bola 30%

Tremor vocal 20%

Variações de intensidade (início) 75%

Ficar sem voz 25%

Evitar falar 10%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Figura 5. Situações comunicativas

CONCLUSÃO

A adolescência é uma fase do desenvolvimento do ser humano caracterizada por mudanças


físicas, cognitivas e emocionais. Perante estas mesmas mudanças, o adolescente encontra-se sujeito a
diferentes níveis de stress sendo a ansiedade uma característica normal nesta fase do desenvolvimento.
Sendo definida como um sentimento vago e desagradável de medo, a ansiedade constitui uma
experiência adaptativa cujo conteúdo muda à medida que a criança cresce (como consequência do
desenvolvimento cognitivo e emocional).
As perturbações de ansiedade constituem um dos quadros psiquiátricos mais comuns na
infância e na adolescência. Na Perturbação de Ansiedade Generalizada o medo tende a ser mais
intenso, prolongado e incontrolável sendo geralmente acompanhado de sintomas somáticos e
psicológicos.
Neste estudo pretendeu-se verificar qual era a auto-percepção de adolescentes com
Perturbação de Ansiedade Generalizada em relação à própria voz, à comunicação e à influência que a
voz poderia surtir na mesma. A partir da análise dos resultados obtidos neste estudo verifica-se que a
existência de alergias foi o factor de saúde mais referido pelos adolescentes. Em relação aos hábitos
vocais mais de metade dos adolescentes referiu a ingestão de bebidas frias, falar muito e alto.

27
Quanto à satisfação vocal a maioria dos adolescentes atribuiu características negativas à sua
voz referindo que esta não é agradável de ouvir e que não combina consigo mas que não tentam mudá-
la para que seja diferente. Contudo, cerca de metade dos adolescentes atribuiu características positivas
à sua voz referindo que gosta da sua voz e que quando fala é fácil controlá-la. Este facto corrobora os
achados da literatura ao verificar-se que a imagem vocal está fortemente relacionada com a auto-
imagem e percepção de si mesmo no meio em que se vive.
Relativamente à auto-percepção da voz mais de metade dos adolescentes refere variações de
intensidade ao longo do discurso em que, quando estão a falar, a voz muda de repente, a garganta fica
seca e irritada e a voz varia ao longo do dia. Referem também variações de intensidade da voz quando
vão falar e que quando isso acontece as outras pessoas reparam nisso, confirmando assim influência
que a voz pode surtir na comunicação. Os adolescentes referem ainda que quando estão nervosos têm
a sensação de ter uma bola na garganta, que ficam sem voz e que quando falam a voz treme,
reportando assim sinais somáticos de ansiedade.
Os resultados encontrados neste estudo apontam para a existência de uma estreita relação entre
a ansiedade e a voz. Ao considerar-se a voz no quadro clínico de Perturbação de Ansiedade
Generalizada, esta surge como reflexo de sintomas somáticos (tremor, sensação de bola na garganta,
falhas de voz, etc.) mas também como reflexo de uma intenção psicológica para comunicar de acordo
com determinado contexto social. A percepção do adolescente sobre a sua voz e a influência que ela
poderá surtir na comunicação interfere na sua interacção com o outro, no seu acto de pensar, de agir,
de fazer e na sua articulação com a realidade e a sociedade em que vive.

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32
Gaguez adquirida ou neurogénica

José Fonseca

INTRODUÇÃO
A primeira referência a uma alteração de fala que se possa assemelhar à gaguez é a descrita na
Bíblia no Livro atribuído a Moisés, em que é mencionado “Tenho lentidão da fala e língua” (Êxodo 4,
10-13).
A gaguez é uma perturbação da fala transversal à condição humana, pois ocorre em todas as
culturas, grupos étnicos e condições sociais.
A gaguez pode ser caracterizada como uma alteração da fluência do discurso devido à
interrupção do ritmo normal da fala. Essa interrupção pode ocorrer por repetições e prolongamentos de
vogais ou arrastamento de fonemas ou sílabas, quer sejam audíveis quer sejam silenciosos (pausas),
postura laríngea e/ou articulatória incorrectas, são alterações involuntárias, com excesso de tensão
física associada à produção das palavras, alteração do ritmo, uso de circunlóquio, bloqueios, podem
ser acompanhadas por outros movimentos (esgares faciais, piscar de olhos, cerrar dos punhos, tremor
dos lábios, etc.) chamados de “compensatórios” e podem coexistir emoções negativas (medo,
embaraço, irritação e ansiedade) (Barbosa & Chiari, 1998; Costa & Kroll, 2000; van Borsel et al.,
2003; Manaut Gil, 2005)
A primeira alusão à existência de gaguez adquirida após uma lesão cerebral é atribuída a Franz
Joseph Gall e ao seu discípulo J. C. Spurzheim em 1835 aquando da descrição do caso clínico de um
jovem de 26 anos de idade, “Edward de Rampen”, que no seu processo de recuperação da afasia ficou
com gaguez como sequela: “the voice, wich was likewise lost, has been also restored, and there
remains only a slight stuttering” (Andy & Bhatnagar, 1992).
A entidade nosológica Gaguez Adquirida ou Neurogénica (Helm et al., 1978; Andy &
Bhatnagar, 1992; Bloodstein, 1995; Theys et al., 2008; Lundgren et al., 2010; Krishnan & Tiwari.,
2011) caracteriza-se essencialmente por:
 Dificuldade de expressão essencialmente nos fonemas iniciais,
 Ocorrência em qualquer tipo de classe gramatical,
 Suceder em qualquer tamanho da palavra,
 Ausência de sintomatologia ansiosa perante o problema,
 Inexistência de sintomas motores associados,

33
 Não se verificar o efeito de adaptação,
 Não melhorar com o canto,
 A leitura em coro não ser facilitadora,
 Não ocorrer melhoria com o recurso a feedback auditivo com delay (DAF),
 Não haver alterações com feedback auditivo com alteração de frequências (FAF).

Apesar de se discutir há mais de 100 anos, continua a não ser claro se a gaguez adquirida é
uma perturbação distinta ou um epifenómeno de uma perturbação motora da fala. A natureza dos
mecanismos subjacentes à gaguez adquirida continua a ser especulativa.

MÉTODO

Recorreu-se ao arquivo de doentes do Laboratório de Estudos de Linguagem do Centro de


Estudos Egas Moniz da Faculdade de Medicina de Lisboa que tem 40 anos de existência. Foi possível
recolher dados de 21 doentes com o diagnóstico de gaguez adquirida.
Procedeu-se a uma pesquisa bibliográfica numa base de dados electrónica (Pubmed) com a
palavra-chave “acquired stuttering”, relativa a artigos publicados em inglês nos últimos 40 anos.
Encontraram-se 1883 citações.
Numa amostragem das últimas 200 citações, 91,5% eram referentes a gaguez de
desenvolvimento e apenas 8,5% a gaguez adquirida, o que vem demonstrar ser uma entidade com
alguma raridade clínica.
A importância deste trabalho relaciona-se com o facto de que através de estudos com lesões
cerebrais é possível tentar compreender quais os mecanismos que estão envolvidos na gaguez de
desenvolvimento, que é uma entidade com muito maior incidência, pois ocorre em 1% da população
(Ingham, 1990; Yairi & Ambrose, 1999).
Assim, tenta-se compreender se os casos observados no LEL são idênticos aos que têm sido descritos
na literatura, nas variáveis demográficas e nas características lesionais, através da comparação das
duas séries de doentes.
Comparam-se, igualmente, os gagos observados no LEL com uma série de 135 afásicos
retirados dos últimos 1000 processos consecutivos arquivados no LEL, com a finalidade de verificar
se as pessoas com o diagnóstico de gaguez adquirida apresentam alguma diferença demográfica de
outros doentes com outra patologia da linguagem, igualmente de etiologia neurológica.
Por fim discutem-se os resultados encontrados, relacionando-os com a gaguez de
desenvolvimento, os padrões de recuperação da gaguez adquirida e as hipóteses terapêuticas.

34
RESULTADOS

Os doentes com gaguez adquirida descritos nos 17 artigos consultados apresentam as


características observadas na Tabela 1.

Autor Ano Nº Sexo Lateralidade Patologia Imagem Hemisfério Localização Gaguez


prévia
Helm 1978 10 9 M, 1 7 Dextros, 2 6 AVC _ _ _ _
F Ambi, 1 ? Multip
4 TCE
Fleet 1985 1 F Dextro AVC TAC Direito Frontoparietal 0

Ardila 1986 1 M Dextro AVC TAC Direito Temporal 0

Lebrun 1987 1 F Dextro AVC TAC Esquerdo Parietal sup 0

Ludlow 1987 10 M _ TCE TAC 5 D, 4 E, Frontal,gânglios 4


1B base
Andy 1991 1 M Dextro Talamoto Estimulad Esquerdo Mesotálamo 0
mia or
Abe 1993 1 M _ AVC TAC/RNM Esqurdo Mesencéfalo, 0
Tálamo medial
bilat
Ackermann 1996 1 M Dextro AVC RNM Esquerdo Cortex 1
mesiofrontal
Grant 1999 4 M 3 Dextros, 1 AVC TAC/RNM Esq/Direit Frontotemporal 1
Canhoto o Esq, Parietal
Direito, Occipital
Esq
Mouradian 2000 1 F Canhoto AVC RNM Esquerdo Subst branca 1

Ciabarra 2000 3 1 M,2 2 Dextros, 1 AVC RNM Esquerdo Protuberância, 0


F canhoto Putamen
Turgut 2002 1 M Dextro AVC TAC/RNM Esquerdo Parietal 0

van Borsel 2003 1 M Dextro AVC RNM Esquerdo Tálamo 0

Balasubrama 2003 1 M _ AVC TAC Direito Frontal subcort 0


nian Protuberância
Kakishita 2004 1 M Dextro AVC RNM Esquerdo C. Caloso ant 0

Hamano 2005 1 F Dextro AVC RNM Corpo C. Caloso 0


caloso
Sahin 2005 2 1 M, 1 Dextros AVC TAC/RNM Esquerdo Parietal 0
F

Tabela 1. 17 Artigos consultados com casos clínicos com gaguez adquirida (N = 41)

Os casos com diagnóstico de gaguez adquirida avaliados no Laboratório de Linguagem (LEL)


encontram-se descritos na Tabela 2, em que é visível a falta de alguns dados, devido tratar-se de uma
recolha retrospectiva.

35
Sexo Idade Lateralidade Escolaridade Etiologia T. Hemisfério Localização Diagnóstico
Evolução
F 50 D 0 AVC 60 Esquerdo Fronto-insular Síndroma parietal,
Gaguez
M 56 A 3 AVC 480 Direito Face interna post da Gaguez
ACA
M 64 D 17 AVC 210 Esquerdo ? Gaguez, Af
Anómica
F 62 D 0 AVC 60 Esquerdo ? Gaguez, Af T
Mista
M 53 D 10 AVC 70 ? ? Gaguez

M 59 ? 3 AVC 30 ? ? Gaguez

M 70 D 4 Neurosífi ? Bilateral Atrofia generalizada Gaguez


lis
M 17 D 9 TCE 270 Bilateral ? Gaguez

F 66 ? 4 AVC 21 Esquerda Frontal paramediana Gaguez

F 52 D 4 ? 21 ? ? Gaguez

M 58 D 4 Multi- 390 Esquerdo Cerebelo, Gaguez, Def


enfartes Protuberância Memória
F 62 D 4 AVC 21 ? ? Gaguez

F 87 D 4 AVC 60 Esquerdo Sub-insular Gaguez

M 48 D 4 AVC 1 Esquerdo Putamen Gaguez

F 87 D 0 AVC 3 Bilareral Subst. Branca Gaguez


periventricular,
lacunas braço ant
cápsula
M 27 D 3 Epilepsia 144 Corpo Calosotomia Gaguez
caloso Anterior
M 36 D 17 MAV Corpo Esquerdo Corpo caloso Gaguez
caloso
F 45 D 9 AVC 210 Esquerdo Parieto-opercular Gaguez, Sequelas

M 77 D 9 AVC 9 Esquerdo ? Gaguez, Sequelas

M 79 D 6 AVC 2 Esquerdo Fronto-temporo- Gaguez, Af


perietal Anómica
M 56 D 4 AVC 5 Bilateral Substância branca, Gaguez, Af T
temporal Sensorial

Tabela 2. 21 casos com diagnóstico de gaguez adquirida avaliados no LEL

Na Tabela 3 e na Tabela 4 pode-se verificar que não existem diferenças significativas na idade
entre sujeitos do sexo masculino e feminino nas duas séries avaliadas.

N Mínimo Máximo Média dp

Homem 13 17 79 53,9 18,3

Mulher 8 45 87 63,9 15,9

̅ = 57,7 ± 17,7 U = 39 sig = .37

Tabela 3. Idade dos doentes avaliados no LEL

36
N Mínimo Máximo Média dp

Homem 33 29 85 46,4 12,6

Mulher 8 42 77 61,4 10,9

̅ = 49,3 ± 13,6 U = 82,5 sig = .104

Tabela 4. Idade dos doentes descritos na literatura

Já a comparação entre as duas séries apresenta diferenças significativas entre elas (U = 292,
sig = .039), sendo que a idade dos sujeitos avaliados no LEL é significativamente superior à dos
sujeitos referenciados na literatura.
Quanto ao número de homens e de mulheres pode-se verificar nos gráficos 1 e 2 que não
apresentam diferenças entre eles (χ2 = 2.50, p = 0.1).

13 33

Homens Mulheres Masculino Feminino

Gráfico 1. Sexo dos doentes observados no LEL Gráfico 2. Sexo dos doentes descritos na literatura

Tal como é largamente referido na literatura (ver p. ex. Andy & Bhatnagar, 1992), a série de
casos da literatura apresentam uma proporcionalidade de ocorrência de gaguez de cerca de 4 homens
para cada mulher. No entanto a série de doentes do LEL apresenta uma proporcionalidade de cerca de
2 homens para cada mulher.
A gaguez ocorre predominantemente em pessoas dextras, mas também pode acontecer em
canhotos e ambidextros. Nos gráficos 3 e 4 pode-se verificar que não existem diferenças entre as séries
analisadas (χ2 = 1.61, p = 0.2).

37
85,70%
78,20%

13%
9,60% 8,60%
4,70%

Dextros Ambidextros Desconhecida Dextros Canhotos Ambidextros

Gráfico 3. Lateralidade dos doentes observados Gráfico 4. Lateralidade dos doentes descritos
no LEL na literatura

Os casos analisados em ambas as séries sofreram predominantemente um acidente vascular


cerebral (Gráficos 5 e 6). Na literatura estudada aparece como segunda causa de aparecimento da
gaguez o facto de ter sofrido um traumatismo cranioencefálico. Já na série do LEL não se observa
nenhum sujeito com essa etiologia, surgindo no entanto casos devido à presença de malformações
arteriovenosas e neurosífilis. Este facto provavelmente tem uma relação directa com o tipo de doentes
que é referenciado ao Laboratório de Linguagem.

81,20% 63,40%

34,10%

4,70% 4,70% 4,70% 4,70% 2,40%

AVC MAV Epilepsia Neurosifilis Desconhecido AVC TCE Cirúrgico

Gráfico 5. Etiologia dos doentes observados no LEL Gráfico 6. Etiologia dos doentes descritos na literatura

Nas duas séries a localização da lesão cerebral ocorre em maior número no hemisfério
esquerdo, mas também se verifica a presença de lesões hemisféricas direitas, bilaterais e no corpo
caloso (Gráficos 7 e 8).

53,80%
48,80%

23,10% 22%
15,40%

7,70%
2,40% 2,40%

Esquerda Direita Bilateral Corpo caloso Esquerda Direita Bilateral Corpo caloso

Gráfico 7. Localização da lesão nos doentes Gráfico 8. Localização da lesão nos doentes
observados no LEL descritos na literatura

38
Relativamente à quantidade de lesões cerebrais, verifica-se uma semelhança, uma vez mais,
nas duas séries, uma vez que essa lesão é predominantemente unifocal. No entanto também existem
sujeitos com lesões múltiplas (Gráficos 9 e 10).

9
8 24

4 12

Unifocal Multifocal Desconhecido Unifocal Multifocal Desconhecido

Gráfico 9. Número de lesões nos doentes observados Gráfico 10. Número de lesões nos doentes descritos
no LEL na literatura

Se observarmos somente os casos com uma única lesão, verificamos que predominam os
sujeitos com lesões corticais, seguidos de lesões subcorticais e por fim com lesões no corpo caloso
(Gráficos 11 e 12).

75%
44,40%

33,30%

22,20%

16,60%
8,30%

Cortical Subcortical Corpo caloso Cortical Subcortical Corpo caloso

Gráfico 11. Localização das lesões únicas nos Gráfico 12. Localização das lesões únicas nos
doentes observados no LEL doentes descritos na literatura

Quando se comparam os 21 sujeitos com gaguez adquirida com os 135 afásicos, ambos
observados no laboratório de Estudos de Linguagem, não se encontram diferenças significativas na
idade dos dois grupos (Gráfico 13).

39
̅ = 57,66 ± 17,73 ̅ = 59,65 ± 11,23

Gagos

Gráfico 13. Idade de gagos e afásicos do LEL

Não se observam, igualmente, diferenças entre os grupos de gagos e de afásicos, no que


respeita ao sexo (Gráficos 14 e 15) e à lateralidade (Gráficos 16 e 17).

13 81
χ2 = .28 p = .86 χ2 = .28 p = .86

8 54

Homens Mulheres Masculino Feminino

Gráfico 14. Sexo dos gagos observados no LEL Gráfico 15. Sexo dos afásicos observados no LEL

85,70% 92,60%
χ = .36 p = .83
2
χ2 = .36 p = .83

9,60%
4,70% 3,70% 2,20%
1,50%

Dextros Ambidextros Desconhecida Dextros Canhotos Ambidextros Desconhecido

Gráfico 16. Lateralidade dos gagos do LEL Gráfico 17. Lateralidade dos afásicos do LEL

40
DISCUSSÃO

Se observarmos a localização das lesões que originaram a presença de gaguez (Tabelas 5 e 6)


pode-se concluir que é raro estarem associadas às áreas primárias da linguagem do hemisfério
dominante (assinaladas com*).

Esquerda Direita Bilateral


Frontal paramediano Face interna da ACA Substância branca
Cerebelo Temporal*
Protuberância Atrofia generalizada
Núcleo caudado
Sub-insular
Putamen
Parieto-opercular*
Temporo-parietal*
Fronto-tempo-parietal*
Fronto-insular*

Tabela 5. Localização das lesões dos gagos do LEL

Esquerda Direita Bilateral


Parietal superior Fronto-parietal Tálamo medial
Gânglios da base Temporal Cerebelo
Mesotálamo Gânglios da base Protuberância
Mesencéfalo Parietal
Tálamo medial Fronto subcortical
Cortéx mesio-frontal
Frontotemporal*
TemporaOccipitall posterior*
Cerebelo
Occipital
Substância branca
Putamen
Núcleo caudado
Coroa radiate
Tálamo ventrolateral

Tabela 6. Localização das lesões dos gagos da literatura

Pode-se então concluir que quando a lesão atinge áreas primárias da linguagem origina
alterações massivas da linguagem (afasia). Por outro lado, se essa lesão apenas compromete
parcialmente a linguagem surge muito mais facilmente a presença de gaguez (Ludlow & Loucks,
2003; Bhatnagar & Buckingham, 2010).
Uma das áreas cerebrais que parece ter uma importância relevante neste assunto é a área
suplementar motora, que se sabe ser relevante na iniciação e controlo do discurso e na coordenação e
planeamento de sequências motoras complexas (Lu Peng et al., 2010; Krishnan & Tiwari, 2011). Esta
é uma área que tem projecções com várias áreas lesadas em que surge gaguez: tálamo, pedúnculos

41
cerebrais, mesencéfalo, diencéfalo, formação reticular, gânglios da base, corpo caloso e córtex parietal
(Krishnan & Tiwari, 2011).
As pessoas com gaguez de desenvolvimento parecem apresentar ligeiras dificuldades em
tarefas de coordenação complexa, sugerindo que o problema encontra-se em áreas motoras e pré-
motoras (Braun et al., 1997; Ludlow & Loucks, 2003, Watkins et al., 2008).
Vários estudos de neuroimagem funcional com tomografia de emissão de positrões (PET)
(Neumann et al., 2003; Brown et al., 2005; Bhatnagar & Buckingham, 2010; Lundgren et al., 2010;
Krishnan & Tiwari, 2011) demonstram que existe hiperactividade do hemisfério esquerdo em
produções orais com gaguez e hiperactividade do hemisfério direito em gagos, quando produzem
tiradas fluentes. Pode-se assim concluir que a disfunção da produção oral é provocada à esquerda e
que a hiperactivação direita não é a causadora da gaguez, ela surge sim, mas devido a fenómenos de
compensação.
Num estudo de magnetoencefalografia com recurso a uma prova de leitura de palavras
Salmelin et al. (2000) concluem que os sujeitos de controlo activam primeiro o lobo frontal esquerdo,
em áreas que envolvem o planeamento da linguagem, e depois em áreas de execução do discurso.
Relativamente ao grupo de gagos, o que se verifica é uma ausência deste padrão ou então a sua total
inversão. Os autores afirmam que a gaguez envolve uma dificuldade temporal entre áreas corticais
frontais e medianas no hemisfério esquerdo.
Se observarmos a tabela 1 verifica-se que sete dos 41 sujeitos descritos na literatura com
gaguez adquirida, isto é 17,1 %, tinham sido gagos na infância. Esta é uma percentagem bastante
elevada se pensarmos que a frequência de gaguez em adultos é de somente 1% (Ludlow & Loucks,
2003). A existência de gaguez em criança parece ser assim um factor que predispõe o sistema para a
recorrência da sintomatologia após uma lesão cerebral em adulto.
Outro aspecto interessante, apesar de ainda mais raro, é o desaparecimento da gaguez após
uma lesão cerebral (Tabela 7).

Autor Ano Número Sexo Lateralidade Patologia Hemisfério Localização

Jones 1966 4 3 M,1 Ambidextros 1 Tumor, 3 esquerdo, Frontal,


F 3 hemorragias 1 Direito aneurisma das art
subaracnoideia ant dir,
comunicante ant e
cerebral média
esq
Miller 1985 2 M ? Esclerose Bilateral Disfunção
Múltipla Cerebelar
Andy 1992 4 2 M, 3 Dextros, Dor crónica Esquerdo mesotálamo
2F 1 Ambidextro

Tabela 7. Desaparecimento da gaguez

42
A teoria da incompleta dominância cerebral defendida por Orton em 1928 e um pouco mais
tarde por Travis (1931) em que existe uma feroz competição interhemisférica, parece conseguir
explicar esta situação. Assim, o aparecimento de outro padrão de fala devido a uma lesão cerebral,
como por exemplo a presença de disartria parece condicionar e modular o defeito pré-existente (Andy
& Bhatnagar, 1992).
Outro aspecto a ter-se em consideração é o padrão de recuperação da gaguez adquirida. Se
analisarmos a informação constante na literatura concluímos que: 19,5% dos sujeitos recuperam,
24,4% das pessoas com gaguez não recuperam e na maioria dos casos (56,1%) não temos essa
informação acessível. Relativamente aos gagos da série do LEL também não possuímos a informação
sobre quais recuperaram, mas sabemos que foram diagnosticados com gaguez com uma média de
tempo de evolução de 104 dias com um desvio padrão de 139 dias e uma variação de 1 a 480 dias. Ou
seja, a opinião clínica corrente de que se trata de uma perturbação que recupera espontaneamente
muito rapidamente, fica assim posta em causa.
Relativamente ao tratamento podemos dividi-lo em terapêutica farmacológica e em terapia
da fala. Quanto ao primeiro caso, parece haver uma tendência para redução da gaguez após
administração de fármacos que interferem na actividade motora exagerada, como sejam a coreia de
Huntington e a sindroma de Gilles de La Tourette, isto é com a utilização de haloperidol ou outro
agente bloqueador da dopamina.
Em relação à utilização de terapêutica da fala na gaguez adquirida ou neurogénica existe
uma quase total ausência de referências na literatura. Isto passa-se porque até agora ainda não foram
encontradas estratégias que resultem com estes doentes. Todas as abordagens que têm tido algum grau
de sucesso na gaguez de desenvolvimento como sejam, a utilização da melodia, do ritmo, do
relaxamento, do efeito de adaptação, do recurso a técnicas de feedback auditivo com delay e de
feedback com alteração de frequências, nomeadamente o aumento de uma oitava, parece não terem
qualquer eficácia nestes casos. Continua-se assim à espera que a recuperação espontânea faça todo o
trabalho de recuperação destas pessoas.

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45
The King’s Speech
A Gaguez e a Terapia da Fala

Cristina Ferreira

O Principe Albert tinha um problema de gaguez…

INTRODUÇÃO

Falar implica, antes de mais, intenção comunicativa e organização do pensamento numa


forma linguística que possa ser partilhada. Essa organização é possível graças ao conhecimento das
regras de cada língua, sendo este processo altamente complexo e controlado pelo sistema nervoso
central. É também a nível do sistema nervoso que se controla a musculatura do aparelho fonatório;
pulmões, pregas vocais, face, etc., que permitem transformar a intenção comunicativa em múltiplas e
ricas ondas sonoras que são percepcionadas pelo ouvido humano e descodificadas em mensagens
comunicativas.
A gaguez é uma alteração na produção da fala caracterizada por interrupções no seu fluxo
normal. Podem surgir repetições de sons, de palavras ou frases, prolongamento de sons, bloqueios ou
pausas inadequadas durante todo o discurso, pode ainda observar-se sinais de esforço, movimentos
corporais ou faciais associados às dificuldades da fala. As manifestações referidas dependem de um
conjunto de factores como a pressão comunicativa da situação, a atitude do interlocutor, o tema da
conversa ou a emoção que se sente no momento (Castillo & Léon, 2008).

A gaguez de desenvolvimento

Alguns autores consideram que a gaguez tem uma causa desconhecida, outros sugerem uma
etiologia relacionada com o desenvolvimento do sistema nervoso que está associado à produção da
fala. Sabe-se que a maioria dos gagos adultos emergiu de uma fase precoce que surge na infância e se
designa de Gaguez de Desenvolvimento.

46
Segundo Caldas (2000) este período do desenvolvimento da criança corresponde, a nível
cerebral, ao processo de mielinização do corpo caloso, que permite um maior controlo cortical dos
fenómenos cognitivos, nomeadamente da linguagem. A transferência de informação do hemisfério
direito para o esquerdo faz-se de forma mais eficaz, sendo este um período crucial para o
desenvolvimento dos fenómenos de dominância cerebral, quer do ponto de vista motor, quer do ponto
de vista da articulação verbal. Deste modo, é possível que em algumas crianças devido a um
desarranjo transitório, possa haver um conflito de competências durante esta idade, que depois pode
vir a normalizar com a evolução e mielinização normal do sistema.
A gaguez de desenvolvimento relaciona-se com uma fase, entre os dois e os seis anos, em
que surgem algumas dificuldades na fala, mas que podem apenas estar relacionadas com o
desenvolvimento normal da linguagem, altura em que a criança ainda está no momento de
aprendizagem do controlo motor da fala ou na aquisição e integração das regras sociais da linguagem
(Castillo & León, 2008). As principais dificuldades manifestam-se na repetição de sílabas ou palavras
(sobretudo no princípio da frase) e rectificações, contudo não se observam movimentos associados.
Nesta fase, a criança ainda não demonstra preocupação perante as suas dificuldades, podendo no
entanto, sentir-se frustrada quando gagueja. As dificuldades na fala tendem a ser variáveis, existindo
períodos onde a fala é considerada normal, e outros em que surge alguma disfluência no seu discurso.
Por exemplo, uma criança pode gaguejar mais quando se sente extasiada, cansada, aborrecida,
demasiado alegre, ou quando tem que dizer palavras difíceis, longas ou novas.
As principais características das disfluências normais do desenvolvimento são: hesitações;
reformulação das frases; uma a duas repetições de toda a palavra ou da frase; pausas entre as palavras
e interjeições. Estes fenómenos ocorrem, normalmente, sem sinais de esforço e podem manifestar-se
de forma inconstante, podendo surgir e desaparecer ao longo do dia ou das semanas. Assim, este tipo
de disfluências encontra-se apenas relacionado com o desenvolvimento da linguagem e elaboração do
discurso (Castillo & León, 2008).
A gaguez de Desenvolvimento apresenta características hereditárias (Andrews, 1983; Guitar
& McCauley, 2010), afecta cerca de 5% das crianças em fase de desenvolvimento da linguagem
(Bloodstein & Ratner, 2008). Sabe-se que cerca de três em quatro das crianças recupera desta
perturbação, com vantagens para o sexo feminino, e ainda, que a aproximação à adolescência diminui
a possibilidade de recuperar a fluência (Couture et al., 2007).

47
O Principe Albert queria uma solução para o seu problema
de gaguez e tentou tratamentos. Infelizmente, nenhuma poção
mágica estava disponível.

Abordagens no tratamento da gaguez

Documentos antigos permitem supor que a gaguez é uma perturbação que desde sempre
acometeu os humanos. Assim, segundo traduções do Êxodo 6, 12, encontram-se dados em que se diz
que Moisés (século XII a. C.) era gago; "lento de fala", "incursivo de lábios". O mesmo sucede com
Aristóteles (300 a. C.), e outros como Galeno (150 a. C.), Hipócrates (460 -377 a. C.) (Rocha, 2007;
Rieber, 1977 citado por Prins & Ingham, 2009). A Figura 1 representa um hieróglifo egípcio para
representar a gaguez.

Figura 1. Hieróglifo egípcio para a gaguez, retirado de


http://www.overmundo.com.br/agenda/ii-forum-cientifico-ibfufrj

As primeiras especulações sobre as causas da gaguez remontam à Antiguidade. Para


Aristóteles, a causa estava relacionada com a língua, que era incapaz de acompanhar o ritmo do
pensamento humano - crença esta que permaneceu durante muito tempo.

Correcção da estrutura
Tratar e compreender o modo de falar dos gagos sempre foi motivo de interesse ao longo dos
tempos. Até ao início do século XX as abordagens terapêuticas eram baseadas no modelo médico em
que se procurava a causa para se intervir nela.
Suspeitava-se que a gaguez se devia a alterações nas estruturas orais, demasiado volumosas,
por isso se intervinha a esse nível. As intervenções terapêuticas para a gaguez baseavam-se em

48
cirúrgicas à língua e outras estruturas orais e oro faríngeas e ainda ao uso de aparelhos para correcção
(Van Riper, 1973 citado por Leahy, 2005).
A Figura 2 mostra dois tipos de aparelhos destinados à prevenção e cura da gaguez, datados
de 1899 e de 1912, pretendiam adicionar artificialmente mais peso sobre a língua e desta forma ajudar
o indivíduo a corrigir a gaguez.

Figura 2. Aparelhos usados para correcção da gaguez.


Retirado de http://www.overmundo.com.br/agenda/ii-forum-cientifico-ibfufrj

Influências Psicanalíticas e Behavioristas


Na primeira parte do século XX, as abordagens da gaguez receberam influências da
psicanálise e das teorias behavioristas, ajudando a perceber que a gaguez era muito mais do que as
repetições e bloqueios manifestados pelo indivíduo durante a fala. Neste sentido, procurou-se a
natureza deste comportamento no próprio indivíduo e as pesquisas sobre a gaguez estavam dominadas
por teorias que procuravam explicar a sua natureza.
Segundo Spinelli (2001), psicanalistas como Coriat (1943) e ainda Fenichel (1981)
relacionavam a gaguez com o auto erotismo, e ainda, relacionavam a disfluência ocasional com uma
resistência inconsciente ao que o indivíduo pretendia dizer. Behavioristas como Sheehan (1958)
consideravam a gaguez como um conflito de aproximação e fuga entre o falar e o calar; Brutten &
Shoemaker (1967) citados por Spinelli (2001) afirmavam que a gaguez resultava de dois tipos de
comportamentos aprendidos: emoção aprendida condicionada e, subsequentemente, comportamento de
escape ou evitamento.
Durante este período a intervenção terapêutica surge num contexto pedagógico,
caracterizado por técnicas reeducativas e reabilitadoras que exigiam treino para a normalização da
fala. Surgem os programas, os terapeutas, o treino e os professores.

49
Johnson (1955) citado por Prins & Ingham (2009) apresenta um programa para eliminar ou
reduzir as ocorrências ou eventos de gaguez e normalizar as reacções associadas a esses eventos.
Segundo Guitar (2006) citado por Prins & Ingham (2009) ainda hoje é comum, a todos os programas
de tratamento da gaguez, a combinação proposta por Johnson em que se pretende actuar a nível da
melhoria da fluência e da dessensibilização das reacções emocionais associadas. O modelo proposto
por Johnson abordava a gaguez como um comportamento aprendido pelo indivíduo em consequência
das demandas que lhe eram impostas pelo meio. Para este estudioso o factor crítico não era a alteração
da fluência, mas sim o significado que esta tinha para o sujeito, motivando um conjunto de reacções.
As pesquisas estavam dominadas pelo interesse na natureza da gaguez. No entanto, embora
se observasse além da fala, continuava-se especialmente centrado no aspecto externo da gaguez.
Os programas de tratamento que foram implementados já eram avaliados com base nas
evidências, o que veio permitir compreender mais sobre a complexidade da gaguez. Segundo Van
Riper (1971) citado por Spinelli (2001) a gaguez é “um quebra-cabeças complicado e
multidimensional em que faltam muitas peças”.
A Terapia da Fala surge num contexto pedagógico, caracterizado por técnicas reabilitadoras
e reeducativas cujos meios visavam a educação e treino para a normalização da fala. Como área de
conhecimento em desenvolvimento, a Terapia da Fala buscou inserção em outras ciências como a
medicina, a psicologia e a linguística, reforçando uma prática analítica e comparativa através da
elaboração de diagnósticos que distinguissem o normal do patológico, a saúde da doença, e mesmo, o
certo do errado. As teorias que orientaram os métodos terapêuticos da gaguez estavam voltadas para
referenciais que se preocupavam em descobrir a sua origem, e consequentemente, técnicas para a sua
cura. Neste sentido, a gaguez era um problema para ser solucionado, o sujeito gago apresentava
problemas e o terapeuta era responsável pela aplicação de métodos eficientes para o tratar (Laufer,
2001; Leahy, 2005; Prins & Ingham, 2009).

Na aparência, fraco, incapaz de falar em público, visto por alguns como inapto para o
exercício do que se lhe pedia. Tentou superar a sua incapacidade através do apoio
incondicional da sua mulher e da ajuda de um “terapeuta”.

50
Mudanças na abordagem da gaguez

As mudanças na abordagem da gaguez, quer para a sua compreensão como para o


tratamento, devem-se às mudanças do conhecimento, dos valores sociais e do sistema de crenças da
sociedade. Não apenas o que se percebia da complexidade da gaguez, como também o conhecimento
que se foi desenvolvendo no trabalho com os indivíduos gagos, permitiu distinguir a disfluência
normal da gaguez e focar nesta o seu carácter involuntário.
Em 1972 a Organização Mundial de Saúde (OMS) já tinha definido a gaguez como uma
alteração do ritmo da fala, em que o indivíduo sabe precisamente o que pretende dizer, mas no
momento não o consegue fazer devido a repetições, prolongamentos e/ou bloqueios involuntários
(Andrews et al., 1983). Quando, no caso da gaguez, os comportamentos ocorrem no interior das
palavras vêm comprometer a integridade do discurso, no caso da disfluência normal, as repetições
surgem em contextos que não comprometem a integridade da palavra. Perkins (1983) vêm referir
como principal problemática para os indivíduos, o facto da gaguez se tratar de um comportamento
involuntário.
Zellner (1992) refere que o grau de envolvimento do falante é diferente na gaguez e na
disfluencia normal. Na gaguez, é a expressão de um comportamento passivo, uma vez que o indivíduo
gago perde o controlo da sua produção verbal aos níveis sintáctico, lexical e silábico. Na disfluência
normal é a expressão de um comportamento activo, visto que o indivíduo conserva o controlo da
produção aos três níveis.
Perkins (1992) citado por Leahy (2005) diz que, se a pessoa conhecer como e quando ocorre
a sua gaguez o tratamento será focado para as condições que provocam a perda de controlo da
comunicação, das quais a gaguez observável é a consequência, tornando-se a fluência da fala um
subproduto da terapia bem sucedida e não o objectivo principal.
Para Guitar (2006), o termo “disfluência” é usado para referir interrupções do discurso que
podem ser normais ou patológicas. Assim, pode ser aplicado a pausas naturais, repetições, hesitações,
entre outros fenómenos, que ocorrem num discurso normal, mas também é usado para descrever o
discurso de uma criança cujo diagnóstico não é claro, por exemplo.

Fluência, Disfluência e Gaguez

É difícil de definir fluência, levando a que se defina preferencialmente o termo oposto, a


disfluência. Goldman-Eisler (1968), num dos estudos pioneiro sobre a fluência, mostrou que o
discurso normal está repleto de hesitações.
Guitar (2006) considera cinco variáveis úteis para distinguir fluência de disfluência: presença
de sons extra como repetições, alongamentos, interjeições e revisões; localização e frequência de
pausas; o padrão rítmico do discurso; a entoação e o acento e ainda a velocidade do discurso. Este

51
autor alerta para o facto de que alguns aspectos possam estar alterados de forma a determinar que o
individuo não seja fluente, sem que seja necessariamente gago. Segundo Guitar (2006) a gaguez é
caracterizada pela frequência e/ou duração anormal de interrupções no fluxo discursivo, podendo estas
interrupções ser: repetição de sons, sílabas ou palavras monossilábicas; alongamentos de sons e
bloqueios de fluxo discursivo ou de vozeamento.
Guitar (2006) considera ainda, para além destes comportamentos básicos, comportamentos
secundários que o indivíduo gago adquire como reacção aos primeiros, podendo estes ser de fuga e de
antecipação. Os comportamentos de fuga surgem quando o indivíduo está a gaguejar e são o piscar de
olhos, o movimento da cabeça e a produção de interjeições. Os comportamentos de antecipação
permitem evitar a gaguez e a experiência negativa por que passa o indivíduo ao gaguejar. Neste caso,
para além do piscar de olhos e interjeições, surge a substituição da palavra planeada por outra que lhe
parece mais fácil de produzir, para além de movimentos associados e coordenados com a fala.
Guitar (2006) considera ainda um terceiro componente da gaguez, relacionado com os
sentimentos e atitudes que os indivíduos gagos desenvolvem acerca de si próprios. Esses sentimentos
podem incluir medos, vergonha e embaraço pela experiencia de incapacidade de produção de um
discurso fluente, e ainda, pelas reacções do interlocutor/ouvinte.

Relativamente às causas

Não se conhece totalmente a etiologia da gaguez, significando por isso, que não existem
dados que garantam uma explicação única para o problema. Pensa-se que a gaguez seja consequência,
não de um único factor em particular mas sim, da combinação de uma variedade de factores que
tornam um determinado indivíduo mais vulnerável a esta problemática (Léon & del Castillo, 2008).
Alguns modelos procuram, por um lado, explicar as dificuldades relacionadas com a gaguez,
por outro, fornecer bases para avaliar e planear a intervenção com os sujeitos gagos.
O Modelo de Capacidades e Exigências (Starkweather, 1987 citado por Manning, 2001)
sugere que a gaguez é resultado do desequilíbrio entre as exigências do ambiente social da criança
para a fluência e as suas capacidades cognitivas, linguísticas, motoras ou emocionais para um discurso
fluente. Para este modelo as Capacidades são as tendências herdadas, os pontos fortes e fracos e as
percepções que influenciam a habilidade da criança falar fluentemente. As Exigências podem ser
impostas pela própria criança ou através dos ouvintes e incluem a taxa de rapidez da fala (débito
verbal) e a continuidade da fala. Estas exigências podem conduzir a um discurso disfluênte que se
altera e intensifica à medida que a criança se torna mais velha.
O modelo CALMS (Hearley et al.., 2004) considera a existência de cinco componentes
como factores centrais na prevalência da gaguez: Cognitivo, Afectivo, Linguístico, Motor e Social.
Cada um destes elementos é directamente influenciado por todos os outros, sendo possível medir cada
um de forma qualitativa e/ou quantitativa (Figura 3).

52
Figura 3. Modelo CALMS: modelo multifactorial para a explicação da gaguez.
Retirado de Healey, Trautman & Susca (2004).

O factor Cognitivo diz respeito à consciencialização para a gaguez e para a fluência, de


forma a melhorar os pensamentos e percepções acerca da sua gaguez. O factor Afectivo relaciona-se
com sentimentos, emoções e atitudes positivas face à gaguez, melhorando a auto-estima. O factor
Linguístico procura o domínio do discurso em situações que exijam menor e maior controlo,
colocando o sujeito em situações distintas e aumentando a exigência sempre que alcança novo
sucesso. O factor Motor incentiva ao uso de estratégias de modificação de fala; discutir a forma como
é produzida a fluência, demonstrar o que acontece na fluência e na gaguez e praticar actividades que
promovam a fluência. O factor Social tenta estabelecer situações de interacções positivas, reduzindo o
impacto dos factores causadores de disfluência.

Modelo de intervenção terapêutica

A Organização Mundial de Saúde, através da Classificação Internacional de Funcionalidade


(World Health Organization’s International Classification of Functioning, Disability, and Health
WHO, ICF, 2001 citado por Yaruss & Quesal 2006) trouxe a possibilidade de abordar a gaguez
através da influência de ênfase sociológica e foco nas funções e competências do indivíduo que
gagueja.
Nesta perspectiva o terapeuta da Fala procura conhecer o comprometimento da função ou
estrutura do corpo, através do comportamento observável da gaguez na comunicação do indivíduo
(bloqueios, tensões e repetições involuntárias, etc.); o comprometimento dos factores contextuais tal
como as reacções ambientes propícios à gaguez; o comprometimento de factores pessoais tal como as
reacções afectivas, comportamentais e cognitivas e ainda, as limitações ou restrições à capacidade de
participar em actividades diárias (Figura 4).

53
Figura 4. Versão para intervenção na gaguez, esquematizada da adaptação da World Health Organization’s
International Classification of Functioning, Disability, and Health WHO, ICF.
Retirado de Yaruss & Quesal (2006).

Com base nesta avaliação global das experiências do falante na gaguez surge a Overall
Assessment of the Speaker’s Experience of Stuttering (OASES) (Yaruss & Quesal, 2006), que é um
modelo, adaptado da Classificação Internacional de Funcionalidade, que permite avaliar e também
intervir em quatro grandes áreas; Factores Pessoais, Factores do Meio, Funções e Estrutura do corpo e
Actividades de Participação. A causa não é foco da abordagem, sabendo que poderá condicionar a
função e a estrutura, quer a nível da estrutura cerebral como nas funções da fluência, ritmo e
velocidade da fala. As funções e estruturas influenciam e sofrem influência de factores pessoais e do
meio. Os factores pessoais, tais como sentimentos e emoções que originam tensão e fuga às situações
de fala. Os factores do meio que funcionam como influências externas à funcionalidade ou
agravamento da dificuldade; apoio de profissionais, atitudes da sociedade e dos outros, organizações
de suporte e educativas no caso de jovens.

Técnicas terapêuticas na gaguez

A Terapia da Fala intervém no comportamento visível, partindo da disfluência para aumentar


a fluência, e ainda, nos comportamentos que não são visíveis tais como pensamentos e sentimentos
associados à gaguez (Manning, 2001).
O terapeuta reconhece que embora se trabalhe individualmente com o indivíduo, poderão
usar-se outras formas complementares de terapia individuais ou em grupo que favoreçam a
automatização de técnicas e evitem a regressão. Nas diferentes situações pretende-se que o indivíduo
diminua os aspectos visíveis da gaguez, tais como as disfluências, tensão e movimentos
compensatórios. Enquanto a Terapia Individual desenvolve técnicas adequadas ao utente e tem como
objectivo generalizá-las ao quotidiano, a Terapia de Grupo pretende promover um lugar seguro para
partilha de experiências pessoais, um pensamento divergente, a libertação do insucesso passado ou
possibilidade de encará-lo com humor, promovendo desta forma os aspectos invisíveis da gaguez; a

54
auto-estima, a auto-confiança, a motivação para interagir, a independência da pessoa em relação ao
terapeuta, para além da generalização das técnicas e progressos a um contexto mais real (Manning,
2001).
Autores como Gregory (2003) e Guitar (2005) descrevem os passos mais importantes, assim
como objectivos e estratégias, na terapia da gaguez, incluindo quatro fases distintas: o Processo
Informativo e a Consciencialização; a Exploração da Própria Gaguez; a Modificação da Gaguez e a
Melhoria da Fluência. Durante o Processo Informativo e a Consciencialização o terapeuta promove o
conhecimento do processo de fala; o que é falar e o que é gaguejar, como é produzida a fala e quais os
mecanismo fisiológicos envolvidos. Pretende-se que o indivíduo compreenda o que acontece quando
gagueja, quer a nível respiratório como na fonação e articulação. Ainda nesta fase, o terapeuta
promove a consciencialização da diferença entre a fala fluente, a disfluência normal e a gaguez.
Deverá ser também dado foco especial para os aspectos motores e afectivos que contribuem para a
disfluência da fala.
Na fase de Exploração da Gaguez pretende-se ajudar o indivíduo a identificar o que acontece
em si próprio, física e emocionalmente, no momento da gaguez. Neste sentido, exploram-se e
produzem-se várias formas de gaguejar com objectivo de dessensibilizar e auto controlar a gaguez. A
técnica de Gaguez Voluntária é usada para a dessensibilização, visando o aumento da consciência do
processo, a diminuição do medo e evitamento, o confronto com o objecto de evitamento, a
dessensibiliza para a reacção do ouvinte e o aumenta da confiança e melhoria da atitude comunicativa.
Numa fase seguinte pretende-se que o indivíduo aprenda a Modificar a Gaguez. Desta forma,
procura-se que reconheça o momento da disfluência e “segure” esse momento, identifique onde se
localiza a tensão e onde parou o movimento de forma a reduzir a tensão e continuar com a fala. As
técnicas de Cancelation e Pull Out são usadas para o autocontrole e redução da tensão, em que o
sujeito gagueja, faz pausa com redução da tensão física e pode utilizar pantomima, em seguida repete a
palavra usando um começo suave ou uma gaguez mais solta. Neste caso o objectivo é a redução e
controle da tensão física, fazendo com que esta surja de forma intencional e consciente.
Relativamente à Melhoria da Fluência, as estratégias incluem os inícios de fala, o débito, a
articulação e a prosódia. O indivíduo deve trabalhar os começos fáceis e com contactos ligeiros que
desencadeiem uma fala suave, com expiração e vozeamento, escolhendo palavras iniciadas por sons
nasais, líquidas ou fricativas. Deve também mudar a velocidade do discurso, prolongando sons e
sílabas, inserindo pausas entre as palavras e frases, podendo recorrer-se ao suporte de leitura. Poderá
também trabalhar o exagero dos movimentos articulatórios e a propriocepção, aumentar a consciência
do processo articulatório, facilitar a correcção das más posturas articulatórias consequentes da gaguez.
A prosódia da fala deve ser trabalhada de modo a dar enfoque silábico e a promover a curva melódica
das frases. Será necessário seguir uma hierarquia, com aumento gradual do tamanho e da
complexidade das produções, e ainda, diminuir progressivamente as pistas fornecidas.

55
Ele aprendeu a superar o seu problema, mas não imediatamente. Aos poucos,
enfrentou os seus fantasmas do passado e do presente e desabrochou na sua
personalidade. Percebe-se que a gaguez de Albert também estava relacionada com
a sua história e com a maneira de lidar com as situações da vida.

BIBLIOGRAFIA

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WEBGRAFIA

http://www.overmundo.com.br/agenda/ii-forum-cientifico-ibfufrj, acedido em 10/4/11 às 23h30.

57
A Voz na Educação:
os problemas de voz nos professores do 1º ciclo

Sónia Lima

INTRODUÇÃO

A educação é tão antiga como a própria Humanidade, é um dos primeiros sustentáculos da


própria sobrevivência do Homem. É através da educação que se pretende que o ser humano se adapte
ao seu meio ambiente. Sendo a educação passada maioritariamente por uma via oral, a voz na
educação tem um papel fulcral na passagem de conhecimentos, valores e atitudes. O professor,
protagonista deste cenário, é o veículo, é a matéria e o personagem principal. É pela sua importância
que há a exigência que o professor tenha uma voz competente e saudável.
No entanto, é frequente encontrarmos notícias das fragilidades desta competência e notícias
das tentativas de resolução, mas que no fundo têm repercussões na Educação, na Sociedade e
Economia de um País. Por isso ser importante o estudo da prevalência destes problemas nestes
profissionais (Guimarães, 2004).
Dentro dos problemas de comunicação, os problemas de voz são os mais referidos e
prevalentes. O estudo da prevalência tem sido mundialmente discutido, e desde acerca de 20 anos que
vários investigadores se ocupam da investigação da representatividade destes problemas na população.
Clínicos e cientistas da área da saúde estimam que entre 3 a 10% da população em geral têm
problemas de voz em alguma altura da sua vida. Em estudos mais recentes sobre os problemas de
comunicação na população activa, continua a se verificar uma grande representatividade de problemas
voz na população em geral e especificamente em cerca de 25% em profissionais ou não da voz. No
entanto também se verifica que o risco de ter problemas vocais é iminente, principalmente em
profissões em que a demanda vocal é acentuada, como sendo os professores, estimando-se que cerca
de 57% dos professores já tiveram em alguma altura da sua vida problemas de voz (Lejska, 1967;
Marks, 1985; Pekkarinen et al., 1992; Stemple et al., 1995; Titze et al., 1997; Smith, et al., 1997;
Russel, et al. 1998a, Ramig & Verdolini, 1998; Mattiske et al., 1998; Roy et al., 2004a).
Relacionados com esta prevalência, também vários estudos referem uma grande variabilidade
de factores extrínsecos e intrínsecos. Factores demográficos, condições de saúde, sócio-profissionais,
estilos de vida e hábitos são largamente referidos como condicionantes para o aparecimento dos
problemas de voz. A grande variabilidade de relação destas variáveis, descritas na bibliografia, torna

58
difícil individualizar os factores de risco mais preponderantes (Cherry & Marguiles, 1968; Further et
al., 1989; Ware et al., 1993; Colton & Casper, 1996; Smith et al., 1998; Russell et al.,1998; Mattist et
al., 1998; Ulual & Toohill, 2000; Coyle et al., 2001; Wilson et al., 2002; Alves et al., 2002; Belasfsky
et al., 2002; Fuess & Lorenz, 2003; Roy et al., 2004a; Freitas, 2004; Preciado et al., 2005; Guimarães,
2004, 2007).
Quanto mais dependente da voz for a profissão, maior a probabilidade do impacto da alteração
da qualidade da voz. Classificados como profissionais de voz, os professores por sofrerem destes
problemas a este nível, referem também em diferentes estudos sentirem repercussões na vida
profissional e individual e consequentemente o impacto ser significativo. De acordo com a
Organização Mundial de Saúde (OMS) o conceito de qualidade de vida envolve o bem-estar físico,
mental e social de um indivíduo na perspectiva do mesmo. Referências tais como “O meu problema de
voz causa-me prejuízos económicos”, “Sinto que tenho de me esforçar para produzir voz”. “Sinto-me
fora das conversas por causa da minha voz” são frequentemente referidas em estudos sobre o impacto.
Estudos focados somente em professores indicam que os problemas de voz nestes profissionais
provocam consequências laborais e sócio-económicas. Repercussões como o absentismo, a redução do
trabalho, custos económicos e até influência na aprendizagem nos alunos por dificuldades na
percepção da voz e controlo da turma, são referidos na bibliografia. O grande impacto vocal verificado
na qualidade de vida dos professores, parece por um lado desenvolver estratégias de resolução dos
problemas de voz, por outro lado parece não promover essas mesmas acções. Os estudos são
controversos, apesar da prevalência de problemas de voz ser grande só um quinto recorrem ao
tratamento, factores como falta de disponibilidade, ter de se ausentar das suas actividades, e medo de
que se aconselhe deixar de utilizar a voz, são razões apontadas para essa falta de tratamento. Por outro
lado são estes na grande maioria dos profissionais da voz, que recorrem aos clínicos especialistas da
voz (Sapir et al., 1993; Titze et al., 1997; Smith, et al., 1998b; Coyle et al., 2001; Verdolini & Ramig,
2001; Morton & Watson, 2001; Roy et al., 2004a).
Em Portugal, e apesar de se aceitar que grande parte dos professores revela problemas vocais,
o estudo da sua prevalência, causas e efeitos, ainda é escasso assim como inexistente a adopção da
classificação de doença profissional nesta actividade que poderia beneficiar de apoios e formação
específica. A revisão bibliográfica de estudos portugueses indica que este grupo profissional é o que
aparece em maior número relativamente às queixas vocais (Guimarães, 2002). Especificamente
encontraram-se percentagens de 20% em 61 professores com referência de problemas vocais
(Guimarães e Cruz, 1997 citado por Guimarães, 2004); de 54% em 48 professores (Ferreira, 2003);
entre 40% e 47% em 32 professoras de fitness (Larcher, 2002). Encontraram-se dois estudos de
prevalência de problemas vocais em docentes do ensino básico e secundário. Ambos demonstraram
resultados indicadores de que é um grupo profissional de risco para problemas de voz. Salema, et al
(2006) verificaram que o grupo de professores revelou mais problemas vocais que o grupo de controlo.
Reportaram ter mais rouquidão (52% versus 31,5%). Freitas (2004) num estudo que pretendia avaliar

59
o impacto da auto-percepção da disfonia na qualidade de vida em professores do 1ºciclo no Norte de
Portugal, 1158 participantes, teve como prevalência pontual de disfonia auto-percebida de 10,2%.
Precisamente para contribuir para um conhecimento profundo da situação destes profissionais em
Portugal e mais especificamente na região de Lisboa e desta forma perspectivar uma melhor
intervenção preventiva e/ou de reabilitação e diminuir a incidência destas perturbações, foi realizado
um estudo epidemiológico descritivo-correlacional, por Lima e Guimarães (2007), a professores do
Ensino Básico dos Agrupamentos de Escola da Direcção Regional de Lisboa e Vale do Tejo, com o
objectivo de saber qual a prevalência de problemas vocais nos professores do 1ºciclo, quais os factores
de risco relacionados com os problemas vocais nestes professores e qual o impacto dos problemas de
voz na vida destes profissionais.

MÉTODO
Amostra
Neste estudo, participaram 378 professores do Ensino Básico. O processo de amostragem foi
constituído com base na população alvo, ou seja, nos professores do EB1 dos Agrupamentos de
Escolas da área educativa de Lisboa. Para ter níveis de confiança quanto à representatividade, foi
utilizado um método de selecção aleatório probabilístico por clusters ou cachos e a técnica por etapas
múltipla (Carmo & Ferreira, 1998). A totalidade dos constituintes da amostra tem idades
compreendidas entre os 24 e 59 anos, com maior ocorrência (34,1%) na faixa etária dos 31 aos 40
anos. Destes 378 sujeitos, 89,4% são do sexo feminino com uma média de idade de 39 anos e 10,6%
são homens com uma média de 36 anos de idade. No que respeita aos anos de serviço, a média é de 15
anos, tendo quase metade dos professores (49%) menos de 10 anos de tempo de serviço.

Instrumentos
Usaram-se três questionários em versão portuguesa, de auto-preenchimento: o Questionário
sobre Perturbações de Saúde e Voz (QSPSV) que é um questionário de despiste de problemas de voz e
de saúde em profissionais da docência, pretende assinalar a existência de problemas de voz no passado
e na altura corrente, especificar o problema de voz associando a factores intrínsecos e extrínsecos e
fazer referencia a repercussões e atitudes perante o problema vocal, este instrumento foi traduzido,
adaptado e validado por juízes especializados, para o Português e tem sido utilizado em inúmeros
estudos de prevalência (Smith et al., 1997; Smith, Kirchner, et al., 1998; Smith, Lemke, et al., 1998;
Roy, 2004); o Voice Handicap Índex 10 (VHI-10), que é uma forma reduzida do VHI-30, Rosen &
Murry (2004) mas que se mostra potente para avaliar o impacto da voz na qualidade de vida, nos
domínios funcional, físico e emocional; e finalmente para avaliar a percepção do estado de saúde e
para relacionar com a referência de problemas de voz, o Medical Outcomes Study Short Form (MOS
SF-362ªv) que é uma escala do estado de saúde ao nível de dois componentes físico e mental, e oito

60
domínios: a função física, desempenho físico e emocional, dor física, a saúde em geral, a vitalidade, a
função social e a saúde mental.
Realizou-se previamente um estudo piloto e após este os questionários foram enviados às
escolas seleccionadas, com as devidas autorizações e consentimentos informados, durante os meses de
Maio e Junho de 2006, foram recepcionados por via correio.

Análise
O estudo estatístico para a determinação da prevalência realizou-se com Estatística descritiva -
frequência e percentagem do número e casos auto-relatados. E para a associação e determinação de
prevalência utilizou-se o Rácio de produtos cruzados ODDS e RATIO (OR) com a análise da sua
significância através dos intervalos de confiança (IC), considerando-se que o valor 1 não pertencesse a
nenhum desses intervalos a 95%.

RESULTADOS

A prevalência de problemas vocais, apresentada pelo número de casos que referenciaram ter
problemas de voz actuais (no momento em que foi recolhida a amostra) foi de 16, 4%, relativos à
amostra total. No entanto, e como se verifica na Figura 1, mais de metade da amostra referenciaram já
ter tido em alguma altura da sua vida situações em que a voz interferiu com a sua comunicação (no
passado).

Ao longo da vida

16,4% No momento actual

51%

0 20 40 60 80 100

Figura 1. Prevalência de problemas vocais actuais e ao longo da vida

A alta prevalência de problemas de voz auto-relatados, encontrada nesta amostra, está


associada à também grande referência de queixas vocais e laríngeas. Os resultados mostram-nos que
os professores que referem problemas de voz são os que se queixam de um maior número de sinais e
sintomas. Relativamente aos sinais vocais, que se relacionam com os comportamentos de grande
solicitação vocal, tal como se pode observar na Figura 2 os professores desta amostra referem tal como
na maioria dos estudos deste género, principalmente rouquidão, cansaço vocal, desconforto e esforço

61
em falar. Quanto aos sintomas laríngeos (Figura 3) há uma maior referência a sintomas como o
pigarreio, irritabilidade e secura, no entanto comparativamente aos sinais anteriormente assinalados a
referência foi menor.

Rouquidão
92,9
100 73 Cansaço vocal
42,9 41,9 Desconforto vocal
32,6
Esforço em falar
11 10,3 Dif.em falar/cantar
10 Voz monocórdica
Voz trémula

1
Figura 2. Frequência (%) de Sinais Vocais

100

32 Pigarreio
30,6 27,5 24,6
20,1 Ardor
Dificuldade em deglutir
10 Secura
Sabor amargo

Figura 3. Frequência (%) de Sintomas Laríngeos

Embora, no presente estudo, se tenha observado um grau de significância em praticamente


todas as queixas, o estudo de probabilidade de ocorrência diz-nos que o relato de sinais vocais como a
rouquidão (81,6%; OR=16,8; IC 95%: 7,1-29,5), cansaço vocal (92,5%; OR=11,2; IC 95%: 3,8-33,2)
e esforço em falar (71,7%;OR=10,9; IC 95%: 5,1-23,5), são prevalentes numa probabilidade de mais
de 10 vezes do risco de associação a problemas de voz.

62
Quanto à cronicidade dos problemas de voz, pode-se verificar na Figura 4 que existe uma
maior percentagem de problemas com duração inferior a 4 semanas, no entanto quase metade dos
professores referem que voltaram a ter os mesmos problemas, a recidiva é uma característica de
problemas não resolvidos ao nível dos factores de base. A referência ao modo de aparecimento é
essencialmente gradual que se relaciona com o acumular da carga vocal. Estes dados são concordantes
com os de outros autores que referem que os problemas dos professores na maior parte são agudos
mas que voltam a aparecer, facto relacionado com a capacidade de regeneração dos tecidos nos
momentos de descanso vocal.

100 Agudo
38,3 40,5
Crónico
19,8 Recidiva
12,9 12,9
Gradual
10
Brusco

1
Figura 4. Frequência (%) de Problemas Vocais quanto à Cronicidade

No entanto quando relacionados a cronicidade dos problemas com a idade, verificamos que
com o avançar da idade eles vão se apresentado crónicos e com maior permanência (Figura 4).

100 67,3
51 49
32,7
Agudo

10 Crónico

1
<36 anos >36 anos
Figura 5. Frequência (%) problemas vocais quanto à cronicidade relacionada com a idade

63
O estudo probabilístico, através do ODDS permite-nos dizer que a probabilidade de ocorrência
de problemas vocais nestes profissionais é cerca de 2x maior quando a idade é superior a 36 anos
(OR=1,5; IC 95%:1-2,2) e com o avançar da idade de forma crónica (OR=2,1; IC 95%:1,1-4,2).
Quanto aos resultados da relação dos problemas vocais com a percepção geral da saúde, os
resultados do SF-36, tal como se observa na Figura 6, mostram que os professores consideram
essencialmente que a sua saúde é má na componente física.

Pior saúde mental


30,1 Pior saúde física

61,1

0 50 100
Figura 6. Frequência (%) de referências quanto à percepção geral da saúde

O estudo da probabilidade de ocorrência diz-nos que é cerca de 3 vezes maior o risco de risco
de ter problemas vocais quando há uma pior percepção do estado de saúde ao nível do desempenho
físico (OR=2,6, IC95%: 1,7-3,9, do funcionamento físico (OR=2,5, IC95%: 1,7-3,9) e da dor corporal
(OR=2,6, IC95%:1,7-4)
Relativamente às condições médicas, podemos observar na Figura 7 que existe uma maior
referência de doenças do foro respiratório alérgico, assim como quanto às doenças gástricas como é o
caso do refluxo esofágico. Estes resultados são coincidentes com os de vários autores que referem
estas condições de saúde associadas aos problemas de voz nos professores. Que se associam muitas
vezes a focos infecciosos assim como a estilos de vida prejudiciais, como a alimentação, hábitos de
tabagismos e o stress.

100
Alergias respiratórias
48,2
40 35,1 Problemas naTiróide
27,5
Refluxo esofágio

Artrite
10
Úlcera
4,1 3,5
Hipertensão

1
Figura 7. Frequência (%) de referência a condições médicas

64
No estudo probabilístico, o risco de problemas vocais é de cerca de 3 vezes quando associado
a alergias respiratórias (OR= 2,9,IC95%1,4-6,3) e cerca de4 vezes maior quando na presença da
referência de refluxo esofágico (OR=3,8; IC 95%: 1,8-8,1).
Quanto às características profissionais, e especificamente à solicitação vocal frequente de
comportamentos vocais abusivos (Figura 8), verificamos que quase na totalidade dos professores que
referem problemas de voz referem também comportamentos de sobrecarga vocal tais como o pigarrear
(sinal de alterações da mucosa laríngea) e comportamentos de grande pressão infraglótica como o
gritar e falar alto.

100
90 83,9 81,3 Pigarrear
80 73,1
68,4 Falar alto
70 63,2
60
Cantar
50
40 Gritar
30
20 Sussurrar
10
0

Figura 8. Frequência (%) comportamentos vocais

No estudo probabilístico verificamos que quando o professor refere este tipo de solicitação
vocal abusiva o risco de ter problemas de voz é cerca 2 vezes maior: gritar (OR= 1,9; IC 95%: 1,3-3);
falar alto (OR= 2,2; IC 95%: 1,4-3,6); pigarrear (OR= 1,7; IC 95%: 0,1-2,8).
Os resultados acerca do impacto psicossocial dos problemas de voz referenciados por estes
professores e estudado pela aplicação do VHI-10, mostram-nos que relativamente à amostra total a
maioria referiu um grau ausente de desvantagem ou impacto negativo (Figura 9).

100 59,5%
Ausente
15,3%
22,5% Moderada

10 Baixa
Significativa
2,6%

1
Figura 9. Frequência (%) de referências quanto ao grau de Desvantagem Vocal na Qualidade de Vida

65
No entanto os que referem problemas de voz, consideram incapacidade ou grande
desvantagem pelo que quando o professor refere problemas de voz o risco dessa desvantagem ter
impacto negativo na sua qualidade de vida pessoal a todos os níveis (emocional, física e social) é 8
vezes maior (OR=7,7, IC 95%:5-12,2).
Ainda dentro do impacto mas desta vez profissional, verificamos que a maioria dos que faltam
ao trabalho, têm razões relacionadas com os problemas de voz. Verifica-se ainda uma relativa
percentagem de professores que consideram a mudança de actividade profissional (Figura 10).

100
51,5%
29,1% Absentismo

Absentismo por problemas de voz


11%
10 Previsão de mudança de actividade
3,4% Reforma antecipada

Figura 10. Frequência (%) de referências quanto ao impacto psicossocial dos problemas vocais

Os resultados desta investigação revelam que os professores do EB1 de Lisboa com problemas
de voz afectam a sua actividade profissional, na medida em que interrompem a sua actuação de dar
aulas contribuindo para as percentagens de absentismo. Cerca de 29% dos professores com referência
de ter tido problemas de voz, refere ter suspendido o ensino por esse mesmo motivo. O facto dos
professores destes anos de escolaridade, necessitarem constantemente de utilizar expressão oral,
potencializa o impacto ao nível das actividades escolares, em situações de perturbação vocal,
necessitando forçosamente de as interromper.
Os resultados deste estudo indicam que existe a probabilidade do risco de um professor nestas
condições ter que faltar ao emprego ou interromper a actividade é três vezes mais (OR=3,1; IC 95%:
1,7-5,9) do que aquele que não referem problemas. Com uma probabilidade ainda maior, 14 vezes
mais (OR=14,4; IC 95%:1,6-126,1), existe o risco de professores preverem mudar de emprego. Dos
professores desta amostra que na altura corrente referiram problemas de voz, 9,4% declararam prever
mudar de actividade profissional por esse mesmo motivo.
Apesar de se considerar que um profissional de voz deverá ter responsabilidade sobre o seu
instrumento de trabalho que é a voz, tal como tem do material que utiliza nas aulas. E de haver uma
grande prevalência e referência de problemas de voz, verifica-se que a atitude sobre a resolução sobre
os problemas ainda é pouco efectiva.

66
Como se observa na Figura 11, da totalidade de professores inquiridos só cerca de 17 %
referem já ter procurado ajuda para resolver algum problema de voz.

17,5%
Total
10,6%
6,6% ORL
Terapia da Fala

Figura 11. Frequência (%) de referências quanto à procura de ajuda profissional

Considera-se, por conseguinte que ainda são poucos, os professores que recorrem a um
especialista da voz. Porém, os resultados deste estudo mostram que há uma grande probabilidade de
um professor recorrer a um especialista (Otorrinolaringologista e Terapeuta da Fala) quando em
situações de alterações vocais. O que leva a questionar a intervenção primária, mas por outro lado
certificar que cada vez mais a procura e consciência de uma boa qualidade vocal é de extrema
importância nesta profissão.
Dos que referem problemas os resultados mostram-nos que no momento actual do estudo, a
probabilidade de um professor com referencia de problemas vocais é 3 vezes maior (OR=2,9; IC95%:
1,2-6,8) de recorrer a um Terapeuta da Fala e cerca de 90 vezes mais de recorrer a um
Otorrinolaringologista (OR=87,1; IC 95%:12-636) do que um professor sem referencia de problemas
de voz.

CONCLUSÃO

Neste estudo podemos concluir relativamente aos professores do 1ºciclo do ensino básico da
região de Lisboa que:
 A prevalência de problemas vocais é de 51% relativamente aos problemas de voz no passado e
16,4% quanto aos problemas de voz correntes;

 À prevalência de problemas de voz estão associados uma maior referência de sinais vocais e
sintomas laríngeos;

 Os professores com problemas de voz, referem mais sinais vocais como a rouquidão, cansaço
vocal ou esforço em falar; do que sintomas laríngeos como secura, irritabilidade laríngea,
pigarreio, sabor amargo e dificuldades em engolir;

67
 Existe uma maior prevalência de problemas de voz:
 nos professores do sexo feminino;
 com o avançar da idade.

 A prevalência de problemas vocais relaciona-se com uma pior percepção geral da saúde,
essencialmente no domínio físico;

 Os problemas de voz nestes profissionais criam um impacto negativo na sua qualidade de vida,
a nível profissional e pessoal;

 Os factores de risco que se relacionam com os problemas vocais são:


 Doenças como a artrite, hipertensão, refluxo gástrico, alergias respiratórias sazonais,
e especialmente com alergias não sazonais, sinusite e rinite;

 Hábitos pessoais como o consumo de medicamentos, relacionados com doenças


respiratórias tais como Descongestionantes e/ou Anti-histamínicos e Nebulizadores, e
como medicamentos relacionados com doenças cardio-vasculares para a hipertensão;

 Características profissionais como comportamentos vocais abusivos, especificamente


o falar alto, gritar e pigarrear.

 Os problemas de voz nos professores afectam a sua actividade profissional, na medida em que
contribuem para o absentismo e mudança de actividade profissional;

 Os professores na generalidade têm uma atitude pouco resolutiva face aos problemas de voz;

 Comparativamente aos professores que não têm problemas vocais, os que têm, recorrem 80
vezes mais a Otorrinolaringologia e 2 vezes mais a Terapia da Fala.

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70
A vez e a voz dos alunos

Carina Pinto

INTRODUÇÃO

Estrutura Vocal na Criança

A voz é a forma mais directa de expressão da nossa personalidade, sentimentos, desejos,


estados de espírito. Estabelecer um conceito sobre a voz não é uma tarefa fácil, pois se por um lado
podemos afirmar que a voz é produzida pela vibração das pregas vocais através passagem do ar dos
pulmões, por outro lado, a voz possui uma característica individual e única do ser humano: a sua
personalidade.
A voz é produto da laringe através da actividade de todos os músculos que participam da
produção vocal, bem como da integridade dos tecidos do aparelho fonador e da personalidade. Quando
ocorre esta harmonia, obtemos um som de boa qualidade, durável e emitido sem dificuldade ou
desconforto para o falante; é o que chamamos de eufonia. Este som pode modificar-se de acordo com
o contexto comunicativo e situações variadas, o que reflecte a saúde vocal deste falante (Behlau et al.,
1997).
O desenvolvimento da voz inicia-se na terceira semana de vida intra-uterina, com o
desenvolvimento da laringe. Ao terceiro mês de gestação as suas características são as mesmas
encontradas na altura do nascimento. O crescimento do tracto vocal do bebé e as alterações
geométricas deste tubo irão ocorrer após o nascimento.
O recém-nascido inicia o seu desenvolvimento comunicativo através de balbucios, de sons
guturais e do choro. Com o passar do tempo, a voz da criança desenvolve-se e adquire características
distintas: um tom agudo e geralmente uma intensidade elevada (Behlau, 1991; Behlau, 2001). A
laringe infantil apresenta uma configuração cónica, com cartilagens delicadas, tecidos epiteliais densos
e abundantemente vascularizados, com tendência a edemas e obstruções. Em função das suas
características, a laringe infantil é um excelente instrumento de respiração, deglutição e protecção das
vias aéreas superiores. Porém devido à sua dimensão vertical encurtada, não é o ideal para a fonação,
apresentando uma reduzida capacidade de ressonância e movimentos restritos (Kyrillos, 2001).

71
No entanto, não se pode afirmar que a estrutura vocal da criança corresponde a uma miniatura
do adulto, pois são diferentes tanto na forma como no tamanho. Ainda em relação às características
anatómicas e fisiológicas, uma das características que distinguem a anatomia da laringe é encontrada
na proporção membranosa versus a estrutura cartilaginosa que está presente. O osso hióide na laringe
imatura assume uma posição anatómica mais baixa e sobrepõe a cartilagem tiroideia. Além disso, não
há proeminência vertical na cartilagem tiroideia. Essa proeminência ocorre com mudanças
consideráveis no comprimento das pregas vocais entre os 10 e os 14 anos. Existem também diferenças
histológicas na estrutura das pregas vocais das crianças e dos adultos: a mucosa das pregas vocais é
mais fina nos recém-nascidos e nas crianças, as camadas internas não são diferenciadas nos recém-
nascidos e nas crianças. As estruturas cartilaginosas da laringe revelam uma epiglote flexível e mole e
aritnoides proporcionalmente maiores do que nos adultos. Nas crianças existe ainda uma inserção mais
anterior das pregas vocais dentro do processo vocal das aritenoides. As pregas vocais das crianças têm
também uma inclinação descendente postero-anterior, característica que não é encontrada na laringe
adulta. A glote da criança tem aproximadamente metade do comprimento da adulta (Sapienza et al,
2004).
O desenvolvimento vocal infantil evolui semelhantemente em um e outro sexo até a pré-
adolescência, num período em que começam a ocorrer alterações no tipo de voz denominadas muda
vocal ou mutação vocal fisiológica (Behlau & Pontes, 1995).

Alterações Vocais na Infância

Em relação à criança pode observar-se que o uso da voz ocorre de forma mais intensa,
justificável pela ocorrência de novas descobertas constantes e a necessidade de exteriorizar todo o
conhecimento através do uso intensivo da voz. Falhas na emissão sonora, cansaço ao falar, dor na
garganta muitas vezes são considerados resultados das brincadeiras infantis e consequência dos gritos
típicos da idade, pressupondo-se que deverá passar rapidamente. No entanto, essas alterações podem
sinalizar um problema vocal importante, devendo ser investigadas.
Distorções vocais não intencionais não são consideradas normais e a rouquidão é um dos
sinais que se destaca num quadro de disfonia infantil. É a qualidade vocal diferente, segundo Behlau e
Gonçalves (1988), Hersan (1995), Behlau (2001) e Pinho (1998), que chama a atenção de pais e
profissionais que trabalham com crianças e que pode indicar patologia.
A disfonia infantil é uma patologia em que a voz tem seu papel comunicativo prejudicado,
comprometendo a mensagem verbal e emocional. Pesquisadores como Hersan (1995), Freitas et al..
(2000) e Pinho (1998) têm constatado que a maioria das disfonias infantis é de origem funcional,
podendo, ou não, vir acompanhadas de alterações orgânicas secundárias. A disfonia é, portanto, um
problema comum em crianças.

72
A maior parte dos estudos epidemiológicos encontra prevalência de disfonia de 6 a 9% na
população infantil (Freitas et al., 2000). No entanto existem estudos que afirmam que a frequência de
crianças com alterações vocais pode situar-se entre os 1 e os 23% (Hooper, 2004; Lee et al., 2004). Os
estudos epidemiológicos mostram uma incidência variável de disfonia infantil, dependendo da
localização geográfica da população, à atenção dos adultos para o assunto, as considerações
metodológicas e o enfoque da pesquisa.
Os nódulos vocais são a principal causa de disfonia entre as crianças. Freitas et al. (2000),
Behlau (2001) e Kryllos (2001) estimam que a incidência dessa lesão é uma das responsáveis pela
disfonia crónica das crianças de ambos os géneros, sendo que o pico de incidência dos nódulos em
crianças se situa ente os 7 e os 9 anos de idade. Este pico é justificado pelo maior envolvimento em
actividades escolares em grupo. Algumas crianças com nódulos vocais são caracteristicamente mais
activas, agressivas, com tendência à liderança, falam incessantemente e em intensidade forte. No
entanto, Freitas et al. (2000) e Kyrillos (2001) salientam que apenas as características de personalidade
não são suficientes para desenvolver os nódulos vocais, mas factores genéticos e constitucionais de
formação das pregas vocais também são determinantes.
Os problemas vocais entre crianças, antes da muda vocal, são mais comuns no género
masculino, numa proporção aproximada de três raparigas para cada cinco rapazes (Behlau &
Gonçalves, 1988; Freitas et al., 2000).
Apesar de o problema de voz de cada criança ser único, as mudanças orgânicas observadas nas
pregas vocais infantis estão ligadas às práticas vocais de uso vocal incorrecto. Alguns comportamentos
negativos são resultado de um mecanismo imperfeito, enquanto outros se originam das tentativas
infantis de se ajustar às condições de fonação. Situações passageiras de competição sonora, infecções
das vias aéreas superiores, condições alérgicas crónicas como rinite, desvios congénitos ou estruturais
adquiridos, bem como os comportamentos aprendidos e manifestações de estados psicológicos, podem
dar origem a um problema vocal (Andrews, 1988; Behlau, 2001).
Assim, as causas mais comuns para as alterações vocais, segundo são: a fala excessiva,
vocalizações excessivas no futebol, fala em forte intensidade e grito, alergias, inflamações das
amígdalas e adenóides, problemas respiratórios, hábitos vocais inadequados, mau uso e abuso vocal,
competição sonora, factores ambientais (físicos e psicológicos). Dessa forma, é importante que a
disfonia infantil seja verificada individualmente. Entre os factores constitucionais que favorecem os
nódulos em crianças está a fisiologia do trato vocal infantil (Behlau, 2000; Kyrillos, 2001).
A disfonia infantil tem sido relacionada com diferentes factores como respiração oral,
alteração na deglutição e mastigação, má postura corporal e dinâmica da criança e da família (Viola,
2001). Queixas de obstrução nasal, associada aos nódulos vocais, têm sido destacadas entre os factores
predisponentes por Ahrens et al. (2001), Meirelles (2001), Araújo et al. (2004); Bonatto et al. (2004).
Nessas situações, os possíveis factores que participam da fisiopatologia do desenvolvimento das lesões
incluem: resposta inflamatória da mucosa laríngea, factores alérgicos das vias aéreas superiores, em

73
pacientes atópicos, inalação de ar mal condicionado, imposta pela respiração oral permanente, levando
à desidratação da mucosa das vias aéreas e à inalação de micro partículas não filtradas pelas fossas
nasais, facilitando as infecções recorrentes do trato respiratório superior. Outros factores têm sido
citados, na origem dos nódulos vocais, como anomalias anatómicas da laringe, refluxo gastroesofágico
e distúrbios hormonais. Dessa forma, pode-se dizer que a origem dos nódulos é multifactorial.
Associados à queixa de alteração vocal podem ser encontrados outros sinais e sintomas que
fazem parte de uma extensa lista: garganta seca, ardor ou dor de garganta, sensação de engasgo,
sensação de corpo estranho ou incómodo na garganta, disfagia alta, salivação excessiva, otalgia, tosse
frequente, mau hálito, dor cervical, queimação oral, deglutições repetidas, odinofagia, alterações
dentárias, queixas linguais, voz rouca ou áspera, mudanças vocais ao longo do dia, (Bretan &
Tagliarini, 2001).
Para além da atenção que tem que ser prestada devido ao uso que as crianças dão à sua voz, é
necessário estar atento a grupos onde o risco de desenvolver patologias vocais é maior, ou seja, no
caso de desportistas, cantores ou outro tipo de actividades que envolvam o uso vocal excessivo.
Se a alteração de voz não for tratada, pode desenvolver problemas secundários (Hooper,
2004). Crianças e adolescentes com patologias da voz podem procurar para esconder essas alterações,
limitando a sua participação na leitura oral, evitando falar em público ou discussões em sala de aula.
Poderão encontrar-se sintomas como ansiedade, medo de atenção negativa, ou relutância em envolver-
se em determinadas actividades vocais. Além disso, se a criança não tem a patologia vocal
identificado, poderá continuar a participar em actividades e comportamentos que podem piorar o
problema. Estas questões podem levar a que a criança desenvolva sintomas que podem incluir a perda
de auto-estima, baixo rendimento escolar, redução da motivação e aumento da agressividade.

Tratamento de alterações vocais

O primeiro passo a realizar se se verificar algum indício de perturbação vocal é consultar um


otorrinolaringologista. Na consulta será realizado um exame vocal assim como uma anamnese para
determinação e eliminação do problema. O tratamento mais eficaz é a prevenção. No entanto, existem
outros tratamentos que incluem programas de higiene vocal, terapia da fala e cirurgia. A mudança de
hábitos vocais é um trabalho difícil que exige o envolvimento da criança, do terapeuta da fala, da
família, da escola e da restante comunidade onde a criança se insere.
Existem, no entanto algumas medidas que podem ser tomadas de forma a identificar e corrigir
alguns comportamentos que podem levar a alterações vocais: elabore uma lista de situações em que a
criança abusa na utilização da sua voz; torne-se um ouvinte atento, identificando situações de mau uso
e abuso vocal na criança; lembre a criança para utilizar uma voz mais suave e mais baixa impedindo
assim que grite ou fale muito alto; desenvolva sinais de forma a ajudar a criança a lembra-se que tem
de utilizar uma voz mais cuidada; sugira alternativas ao grito e imitação de sons durante as

74
brincadeiras; baixe o volume da televisão e outros aparelhos electrónicos quando houver situações de
interacção oral e uso vocal; sugira algumas actividades em silêncio, como ler e desenhar.

O Ambiente Escolar

O ser humano desde que nasce sofre pressões sociais que vão variando no decorrer de sua
vida. O meio físico não se impõe de uma única vez nem a evolução da inteligência acontece de
repente; é necessário acompanhar passo a passo as aquisições em razão das experiências adquiridas.
O ambiente físico escolar tem uma certa relevância quanto a possíveis causas que agravam o
quadro de disfonia infantil. Amorim (1982) refere que os alunos têm os seus professores como
modelos vocais. Como tal, a voz dos professores deve ser cuidada e apresentar características suaves,
timbre agradável e que inspire confiança.
A consciencialização dos pais sobre as possíveis causas da disfonia propicia o sucesso da
reabilitação vocal e faz com que a criança tenha em casa um modelo de voz mais aceitável.
Pais e professores, por vezes, não sabem que a disfonia é um problema de comunicação;
consideram a rouquidão como sendo parte natural do desenvolvimento infantil. É tarefa da família e da
escola ajudar a criança a perceber como e quando ela usa de maneira inadequada a voz. Isso
favorecerá uma mudança de comportamento vocal da criança e até das pessoas que a cercam (Behlau
& Pontes, 1995).
Como a faixa etária em que as crianças podem ser acometidas pelas disfonias corresponde à
idade escolar, Zaffari et al. (1999) e Mallmann (2001) destacam ser fundamental que escolas,
professores e outros profissionais envolvidos com elas sejam alertados para a elaboração de programas
de prevenção de alterações vocais infantis por meio da diminuição do ruído ambiental e de actividades
direccionadas para comunicação mais saudável e efectiva, sem abusos vocais.
Os problemas de voz na infância podem ter reflexos no desenvolvimento de uma capacidade
de comunicação socialmente adequada na vida adulta, o que, segundo Freitas (2000), justifica a
necessidade de diagnóstico e terapêutica precoce.
A escola ocupa um lugar central na ideia de saúde, onde se aprendem estilos de vida mais
saudáveis, tanto no plano pessoal como no plano ambiental. Segundo o programa nacional de saúde
escolar (2006), as finalidades do mesmo são contribuir para a promoção e protecção da saúde, do bem
estar e do sucesso educativo das crianças e jovens promovendo, protegendo e prevenindo a doença na
comunidade educativa; promovendo um ambiente escolar seguro e saudável e reforçar os factores de
protecção relacionados com estilos de vida saudáveis. Estes objectivos desenvolvem-se
prioritariamente na escola, em equipa, e com o envolvimento das famílias e restante comunidade
educativa.

75
Em Portugal a Saúde Escolar foi iniciada em 1901 e sujeita a diversas reformas ao longo do
século XX, por forma a adequar-se às preocupações de saúde emergentes e necessidades das escolas.
Desde 2002 é o Ministério da Saúde que guarda a tutela da saúde escolar, mas continua a promover o
Programa Tipo aprovado em 1995. Este programa visa reduzir a prevalência dos factores de risco de
doenças crónicas não transmissíveis e aumentar os factores de protecção relacionados com os estilos
de vida. As actividades que são mencionadas prendem-se com a alimentação, a actividade física, a
gestão do stress e dos factores de risco como o tabaco e o álcool. (Despacho nº 12.045/2006).
Apesar de todas as directrizes estarem encaminhadas para tal, a saúde vocal em Portugal ainda
não é contemplada no plano de Saúde Escolar. Apesar de haver cada vez mais crianças com problemas
vocais, não há ainda um plano de prevenção realizado ao nível das escolas que consciencialize as
crianças e comunidade envolvente.
No entanto, apesar de ainda não estar implementado nas escolas, existem iniciativas que
decorrer todos os anos, por forma a consciencializar a comunidade escolar para os problemas vocais e
como preveni-los. Trata-se portanto da Festa da Voz nas Escolas, com o apoio da Sr. Ministra da
Educação, em que as escolas são convidadas a comemorar o Dia Mundial da Voz. Este projecto visa
contribuir para o diálogo entre professores e alunos sobre os cuidados a ter com a voz. As iniciativas
realizadas têm sido inúmeras por todo o país.

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77
Implicações da otite serosa na comunicação da criança

Ângela Nogueira

INTRODUÇÃO

A Otite Serosa

A Otite Serosa (OS) é uma forma de otite crónica na qual o tímpano se apresenta íntegro. A
doença inflamatória traduz-se pela acumulação de “líquido” no ouvido médio associada a uma
hiperplasia da mucosa. As suas consequências dependem da frequência, da duração e do grau. A
viscosidade do “líquido” do ouvido depende do tempo de evolução, por factores de agravamento do
processo inflamatório e provoca hipoacúsia (Bluestone, 1998).
A hipoacúsia é o sintoma dominante da OS e tem um carácter flutuante. Em 80% dos casos é
bilateral, podendo não apresentar sintomatologia. A otalgia é pouco frequente e de pouca intensidade.
Na maioria dos casos, as otalgias são esporádicas e podem desaparecer sem o recurso a analgésicos.
Northern et al. (1978) definiram como hipoacúsia significativa, um decréscimo de 15 dB nas
frequências conversacionais. Segundo Brooks (1986), as consequências para a criança dependem da
frequência e da duração dos períodos de hipoacúsia, sendo mais acentuadas quanto menor for o grupo
etário.
A OS tem uma prevalência entre 7 e 10% nas crianças até aos 10 anos de idade sendo mais
elevada antes dos 6 anos (Bluestone, 1998). Há um predomínio de OS entre os 1 e 4 anos (Odabasi et
al., 1998).
Considera-se que o funcionamento da Trompa de Eustáquio é a chave da fisiopatologia da OS.
Assim, todas as alterações ao nível das vias aéreas superiores que provocam disfunção da trompa
podem estar associadas com a OS: hipertrofia dos adenóides, adenoidites, rinite, alergia, roncopatia,
malformações crâneo-faciais (Daly et al., 1999). Na criança com OS é muito comum verificar-se
obstrução nasal crónica, adenoidites, otites médias agudas, rinite alérgica, etc.
A OS tem uma etiologia multifactorial dependendo de factores ambientais e congénitos. O
clima frio, as condições socioeconómicas desfavoráveis, a malnutrição, a frequência em creches e
infantários, a prematuridade e o sofrimento letal, alergias e refluxo gastroesofágico, são todos factores
considerados de risco para a OS.

78
No que respeita aos factores congénitos, a gravidade dos processos infecciosos, a sua duração
e frequência, sugerem a responsabilidade de factores anatómicos, fisiológicos ou imunológicos na
disfunção do tracto respiratório superior, nomeadamente ao nível da trompa de Eustáquio (Reis, 2002).
A OS pode ser ou não sequela de uma otite média aguda (OMA). Existe uma relação entre o
número de episódios de OMA e o início da OS, havendo uma diferença muito significativa entre a
prevalência de OS nas crianças com 2 ou menos episódios de OMA/ano e as que têm 3 ou mais por
ano (Van Cauwenberge et al., 1988).
Cerca de 13% das crianças com 3 meses já tiveram, pelo menos um episódio de OMA,
percentagem que aumenta para 67% aos 12 meses. Aos 3 anos, 46% das crianças já tiveram 3 ou mais
episódios de OMA.
O diagnóstico é essencialmente clínico, feito por anamnese e otoscopia. A hipoacúsia varia em
função do volume que o líquido ocupa na caixa timpânica, da viscosidade e do grau de fixação da
cadeia tímpano-ossicular.
Em relação aos exames audiológicos, no audiograma pode-se verificar perdas bilaterais até
cerca de 40 dB nas frequências de 500 a 2000 Hz. No entanto, a realização de um audiograma exige a
colaboração da criança. A impedancimetria é um método mais objectivo e torna-se o método ideal
quando complementado pela informação clínica, otoscopia e audiograma.
Na terapêutica médica destacam-se os anti-inflamatórios, anti-histamínicos, o soro fisiológico,
descongestionantes nasais e por vezes os antibióticos. A terapêutica cirúrgica inclui a miringotomia,
tubos transtimpânicos e adenoidectomia.
No que respeita à prevenção, as medidas incluem a higiene nasal e a correcção de hábitos
nocivos ao ouvido médio.

Repercussões

A OS é uma doença de carácter insidioso e muitas vezes assintomática, podendo ser detectada
quando as repercussões já são evidentes e acentuadas, sendo o diagnóstico habitualmente tardio.
A hipoacúsia manifesta-se por alterações no comportamento e na atenção, e quando a perda
auditiva ultrapassa os 30 dB pode ter consequências no desenvolvimento da linguagem e na
aprendizagem escolar.
Diversos estudos chamam a atenção para as implicações que a OS tem em termos de
linguagem, das alterações de comportamento e desenvolvimento, da capacidade de atenção, dos
problemas de aprendizagem e integração escolar provocados pela hipoacúsia de transmissão. As
implicações dependem da idade de início, da frequência, gravidade e duração dos períodos de
agravamento e do próprio meio sociocultural.

79
Esta patologia é muitas vezes associada a comportamentos de hiperactividade e às dificuldades
de atenção (Landgren et al, 1998). Alguns autores referem que as crianças com OS crónica brincam
mais vezes sozinhas e têm uma menor interacção verbal, condicionando assim a sua integração social
e escolar (Vemon-Feagans et al., 1996).
Bennett et al (1980) comparou grupos de crianças com e sem dificuldades de aprendizagem e
constatou uma prevalência superior de dificuldades de aprendizagem no grupo com OS. Dermody et
al. (1983) verificaram que 68% das crianças com dificuldades de aprendizagem tinham alterações da
otoscopia e 18% tinham alterações simultâneas da otoscopia e timpanometria.
A OS é a causa mais frequente de hipoacúsia na população infantil, sendo uma das causas
principais do insucesso escolar (Bluestone, 1998).
Eimas et al. (1986) estudaram a relação entre a hipoacúsia de condução durante os primeiros 3
a 5 anos de idade e os consequentes problemas no desenvolvimento linguístico da criança. Tal como
May et al. (1999), verificaram uma maior frequência de problemas de linguagem nos grupos com OS.
A perda auditiva causada pela OS ocorre devido à acumulação de líquido no ouvido médio, o
que dificulta a transmissão das vibrações sonoras através da cadeia ossicular, causando perda de
energia sonora. Esta perda de grau leve ou até moderado é o suficiente para tornar alguns sons
inaudíveis, alterando assim a percepção da fala (Schochat, 1996). Muitos autores acreditam que a
perda auditiva, apesar de ser transitória, altera a qualidade de percepção dos sons uma vez que o sinal
auditivo pode resultar em incompleto ou inconsistente, o que induz a uma alteração na codificação dos
contrastes sonoros.
As alterações na fala das crianças com OS podem ser explicadas segundo uma perspectiva
fonético-acústica, que indica uma falha na discriminação, no armazenamento e na reprodução de
muitos contrastes acústicos necessários ao ouvinte para a compreensão do significado. A criança não
adquire os sons correctamente.
Klausen et al. (2000) constataram que crianças de 8 a 10 anos com antecedente de
miringotomia e inserção de tubos transtimpânicos para tratamento de OS, apresentavam pior
desempenho em testes de articulação, discriminação de sons e memória auditiva.
Ramos (1998) refere que as crianças com perdas auditivas leves e moderadas fazem muitas
vezes trocas fonológicas entre consoantes vozeadas e não vozeadas. Também Borg et al. (2002)
observaram que as crianças com OS realizam frequentemente trocas fonéticas entre os fonemas /r/ e
/l/. A causa mais comum é a hipoacúsia, sendo que durante essas infecções, a criança recebe estímulos
sonoros distorcidos. Petinou (2001) verificou que as crianças com perda auditiva na faixa etária de 1 a
3 anos, têm uma menor percepção das consoantes fricativas /s/ e /z/.

80
Prevenção

Passaram-se mais de 40 anos desde o primeiro estudo que associou o diagnóstico de otites
médias ao desenvolvimento da linguagem (Holm et al., 1969).
Em Portugal 1978, Salgueiro (1978), no âmbito da saúde escolar, abordou o problema do
défice de audição e das alterações de linguagem, referindo que no exame de uma criança com atraso
na fala pode já não haver hipoacúsia nesse momento mas ter havido por períodos mais ou menos
longos, durante uma idade crucial para o desenvolvimento linguístico (3 primeiros anos de vida). Este
autor afirma a importância não só do diagnóstico e tratamento da otite mas sobretudo do alerta para a
prevenção e intervenção nesses casos.
Foi realizado um estudo em Portugal (Dias, 1982) com 602 crianças do 1ºciclo do Ensino
Básico que verificou uma taxa de prevalência de 10% de OS, com alterações significativas no
rendimento escolar (Dias, 1983). O grupo mais afectado era o dos 6 anos, observando-se uma
progressiva diminuição da sua prevalência com o aumento da idade. Em apenas 38% dos casos
diagnosticados com OS, havia suspeita por parte dos pais ou professores.
Horta (2000) realizou um estudo em Portugal com 67 crianças, entre os 2 e os 6 anos, no qual
concluiu que o grupo de crianças com OS apresentava diferenças significativas relativamente à
linguagem quando comparado com o grupo de controlo.
Os dados dos estudos dão ênfase à necessidade de vigilância, principalmente entre os 2 e os 3
anos, sendo crucial uma avaliação da audição e em particular a pesquisa sistemática da OS. Odabasi et
al. (1998) constataram que 81,4% dos pais não têm consciência da OS diagnosticada aos filhos.
Poder-se-á admitir que uma criança que seja avaliada em ORL aos 10 anos não apresente
sinais de OS, no entanto, a hipótese da ocorrência de OS anteriormente, poderá ser um factor causal de
dificuldades de desenvolvimento.
Dada a alta prevalência de OS nas crianças na creche e em jardim-de-infância, estas
instituições educativas deveriam estar mais alerta para esta problemática. Se o défice de audição for
detectado precocemente é possível tomar medidas que evitem, na medida do possível, repercussões
sobre o desenvolvimento da linguagem.
Os dados que afirmam a relação entre a OS e a linguagem devem servir de alerta para os
pediatras, otorrinolaringologistas, terapeutas da fala, pais e professores. A vigilância médica de casos
de OS na criança deve ser acompanhada por questões aos pais e professores sobre a aquisição das
competências linguísticas, académicas e comportamentais.

81
CASO CLÍNICO

Neste trabalho procedeu-se ao estudo de caso de uma criança que foi encaminhada para
Terapia da Fala devido a dificuldades de articulação verbal. Na anamnese destacou-se um historial de
alergias e problemas respiratórios, dados referidos pela mãe.
A criança tem 6 anos de idade, é natural de Cascais e tem como língua materna o Português
Europeu.
A avaliação foi realizada pela Terapeuta da Fala em Dezembro de 2010 e foram aplicados o
Teste de Discriminação Auditiva e o Teste de Articulação Verbal (Guimarães e Grilo, 1997).
Na avaliação foi possível verificar grandes alterações ao nível da discriminação auditiva de
pares mínimos, principalmente entre consoantes vozeadas e não vozeadas.
Quanto à articulação verbal, a criança fez omissão sistemática dos fonemas /l/, /¥/ e /r/ e
substituição assistemática dos fonemas /v/-/f/, /z/-/s/, /g/-/k/ e /d/-/t/, realizando desvozeamento das
consoantes sonoras.
Tendo em conta as dificuldades apresentadas pela criança, foi pedida uma consulta de ORL e
realização de exames auditivos.
No Audiograma Tonal Simples verificou-se uma descida ligeira de condução no ouvido direito
e curvas idênticas no ouvido esquerdo. A Impedanciometria revelou a existência de curvas do tipo C2
(JERGER). Os exames audiológicos concluíram uma ligeira hipoacúsia de condução e a existência
provável de otite sero-mucosa.
De acordo com os resultados da intensidade e frequência presentes no audiograma da
criança, realizou-se o tratamento acústico de uma frase, previamente gravada no programa Speech
Station. Foi utilizado um microfone dinâmico unidireccional com capacidade até 11050 Hz de
frequência e 600 Ohm de impedância.
A primeira imagem espectrográfica reflecte a forma como um ouvinte normal percepciona a
frase, e a segunda imagem espectrográfica reflecte a perda auditiva da criança.

Figura 1. Espectrograma representativo da audição normal

82
Figura 2. Espectrograma representativo da audição da criança

Observando a Figura 2, é notório um apagamento, principalmente nas frequências mais


baixas, que afecta tanto as consoantes como as vogais.
Na representação dos fonemas por intensidade e frequência (Figura 3) verifica-se que os
fonemas acima da linha vermelha, estão fora do limiar de audição da criança.

Figura 3. Audiograma dos fonemas em Português Brasileiro (Russo & Behlau, 1993)

83
A Figura 3 demonstra que há uma perda de quase 40 dB na frequência de 500 Hz, sendo este o
ponto, ao redor do qual, se localiza a maioria dos sons da fala. Tanto a percepção das consoantes como
das vogais altas e médias está afectada.
Citando como exemplo os fonemas /f / e /v/, estes caracterizam-se por uma baixa intensidade e
uma alta frequência, situando-se numa zona em que há perda auditiva. De forma a compreendermos as
dificuldades na discriminação auditiva de fonemas vozeados e não vozeados, nomeadamente dos
fonemas /v/ e /f/, elaborou-se o espectograma da Figura 4.

Figura 4. Espectrograma representativo dos fonemas /f/ e /v/

As fricativas não vozeadas (/f/) são formadas apenas por uma fonte de ruído, que é mais forte
do que nas fricativas vozeadas (/v/).
As fricativas vozeadas são formadas por duas fontes: fonte glótica (resultante do vozeamento)
e fonte de ruído (resultante da constrição do tracto vocal). A fonte de ruído das vozeadas é mais fraca
devido à necessidade de se manter uma queda de pressão transglotal para manter o vozeamento
(Shadle, 1995).
O traço de vozeamento ocorre numa frequência fundamental baixa, aproximadamente até aos
300 Hz. Como as frequências mais baixas são as mais alteradas no audiograma, a criança não
percepciona completamente o vozeamento, que é o único traço distintivo entre os fonemas /f/ e /v/. A
criança ao ouvir a palavra vaca, vai percepcioná-la como faca.

84
Podemos concluir que a OS tem consequências específicas na percepção, discriminação e
representação dos fonemas de acordo com os seus traços distintivos.
Os fonemas do discurso com menor saliência acústica são os mais difíceis de adquirir
correctamente, nomeadamente aqueles cujas características de intensidade /frequência são mais
consistentes com a configuração da perda auditiva (Dobie & Berlin, 1979; Groenen, Crul, & Maassen,
1992; Petinou & Schwartz, 1999, citados por Shriberg et al., 2000).
Uma incorrecta ou menos específica representação desses sons, pode por sua vez, manifestar-
se na produção de determinados erros articulatórios durante o discurso e de erros ortográficos na
escrita (Shriberg & Smith, 1983, citados por Shriberg et al., 2000).

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86
A voz das emoções no jornalismo de televisão

Susana Portinha

INTRODUÇÃO

A voz é um instrumento riquíssimo, próprio de cada um, que nos identifica e nos serve. Ela é
muito mais que o simples som, resultante da vibração das pregas vocais. A voz falada é,
provavelmente, o sistema mais elaborado da comunicação humana, pois tem a capacidade de
transmitir informações a um nível que nenhum dos outros sistemas de comunicação é ainda capaz
(Guimarães, 2007).
Durante muitos anos o olhar da terapeuta da fala (TF) focou-se em questões vocais ligadas
exclusivamente à saúde vocal. Com o avanço científico da Terapia da Fala tornou-se necessário ir
além, no sentido de actuar com os profissionais da voz.
Até há poucos anos atrás, a formação em Terapia da fala privilegiava a prática clínica, com
enfoque na patologia e consequentemente na reabilitação. A partir daí passou-se a considerar a
importância da prevenção das perturbações da comunicação, e o foco passou a ser dado à manutenção
da “saúde”, o que proporcionou uma aproximação e um interesse crescente pela área dos profissionais
da voz (Behlau, 2001).
O jornalista é um profissional da voz, sendo que para Vilkmann (2000) o jornalista de
televisão é um profissional de voz que necessita de uma qualidade vocal alta, com uma exigência
vocal moderada e com uma voz natural modificada de acordo com preferências culturais. O
profissional da voz é o indivíduo que depende de uma certa produção vocal e/ou de uma qualidade
vocal específica para a sua sobrevivência profissional (Behlau, 2005).
Os primeiros apresentadores e repórteres de televisão vinham da rádio, trazendo consigo um
padrão de voz imposta, com enfoque nos tons graves, loudeness forte e sobrearticulação. Contudo, na
televisão, como a imagem também está presente, aquele padrão mostrou-se exagerado. Então, com o
decorrer do tempo, o apresentador de televisão passou a desenvolver um novo estilo, mais adequado à
situação de “entrar em casa” das pessoas, levando informações importantes com credibilidade e
procurando ser bem recebido (Guimarães, 2007; Kyrillos, 2003).

87
Actualmente valoriza-se uma comunicação mais directa, até mesmo informal, com a
manutenção das características pessoais. A preocupação com a comunicação verbal e não-verbal é
para que não existam, entre outros, problemas vocais, articulatórios e vícios de linguagem. A narração
deve apresentar variação de frequência e intensidade, com ênfases adequadas e sem repetição de
modulação (Kyrillos et al., 2003).
Essa mudança de padrão comunicativo visou sobretudo a naturalidade e a espontaneidade. O
jornalista passou a desenvolver o papel do bom comunicador, tendo de garantir a captação da atenção
do espectador e conseguir passar a mensagem com clareza e credibilidade, ao mesmo tempo que de
forma precisa e absolutamente correcta. A linguagem passou a ser considerada como um todo. Por
outro lado, a palavra-chave na escrita jornalística em televisão é simplificar, com a finalidade de tornar
credível a mensagem do jornalista. Este profissional da voz deve ser persuasivo, cativante e sedutor no
modo como comunica, socorrendo-se de uma expressão facial e corporal envolvente e afirmativa
(Kyrillos, 2004). Para tal, existe todo um processo de qualificação e aperfeiçoamento das
competências para a locução em jornalismo, que pode ser orientado pelo TF.
A televisão é o império da imagem, ela utiliza estratégias subtis para captar a atenção dos
espectadores. Existem diferentes planos de imagem e cada um tem a sua própria força e significado.
Por exemplo, quanto mais fechado é o plano mais ele apela à emoção. Os grandes planos ou os muito
grande planos são utilizados para traduzir expressões, captar olhares e sensações. Estes planos são
muito fortes do ponto de vista sensorial e emotivo. Como na apresentação do noticiário, pretende-se
uma relação próxima com o espectador, utiliza-se, normalmente, um plano cortado por altura do peito
(Oliveira, 2007).
Os repórteres usam frequências mais graves durante a narração, quando comparados com a
fala habitual, e também maior modulação, precisão articulatória, ênfases, pausas e prolongamentos de
vogais (Gama, 2003).
A credibilidade de um repórter e apresentador está associada a um ritmo de fala dinâmico, mas
deve-se evitar o uso excessivo de variações de frequência e intensidade (Pânico & Fukusima, 2003).
Enquanto falamos, além da mensagem que tentamos transmitir, comunicamos acerca dos
nossos sentimentos e da nossa personalidade. Dessa forma, na fala podem-se observar tanto os
aspectos segmentais quanto os supra-segmentais. O aspecto supra-segmental ou prosódico é o modo
como as vogais e consoantes variam no discurso, por meio das alterações de intensidade, melodia e
velocidade de emissão (Crystal, 1973).
A voz é uma das ferramentas mais poderosas para transmitir a emoção. A correlação entre voz
e emoção é directa e automática, embora nem sempre consciente e com níveis de manifestação
diversos, de acordo com a personalidade do indivíduo e com o seu treino de controle emocional.
Segundo Damásio (Damásio, 2000) o impacto humano das causas das emoções depende dos
sentimentos gerados por essas emoções: “o impacto completo e duradouro dos sentimentos exige
também a consciência, pois só com o advento do sentido de si podem os sentimentos tornarem-se

88
conhecidos do indivíduo que os experimenta. As emoções são dirigidas para o exterior e são públicas
enquanto os sentimentos são dirigidos para o interior e são privados”. Tal facto, embora possa
representar um problema para o indivíduo, geralmente não compromete a sua qualidade de vida.
Contudo, quando se trata de um profissional de voz, existe, por um lado, a necessidade do bloqueio
das emoções excessivas e, por outro lado, a necessidade de saber manifestar as mais variadas emoções,
com um carácter interpretativo. Então, o aspecto emocional está relacionado com o desempenho do
jornalista, sendo transmitido na fala através de recursos prosódicos.
Na informação, o conteúdo da notícia é importante, mas em televisão, não menos importante,
é o modo como a notícia é visualmente representada e proferida. Pois, a eficácia da notícia prende-se
fortemente com o grau de concordância semântica e temporal entre a informação visual e oral, ou seja,
a locução da notícia. Quando tal não acontece, a capacidade de atenção do espectador é excedida e
então, este passa a dar prioridade à informação visual, relevando o conteúdo informativo (Oliveira,
2007). Em todo este processo, não menos importante é o facto de a voz poder transmitir emoções
tornando a notícia mais cativante e contribuindo assim para uma melhor projecção, credibilidade e
popularidade do jornalista e, consequentemente, da estação televisiva (Kyrillos, 2003).
Conseguir, e manter uma harmonia entre aquilo que se diz e como se diz profissionalmente é
algo que exige aprendizagem de determinadas regras pragmáticas, clareza, precisão e qualidade
reconhecidas e aceites pela comunidade profissional onde o jornalista se insere. Então, cabe ao
jornalista conjugar de forma harmoniosa: imagem e voz. Cada palavra e cada frase têm de ser
entendidas como sons harmoniosos, coerentes e agradáveis. Tudo o que for dito deve ser entendido de
imediato pelo espectador e não bastam boas imagens e boas informações, é preciso passar emoção,
para que a notícia tenha “vida” (Campos, 2003).
O bom comunicador deve ter empatia e carisma. A modificação contextualizada do tom de
voz (a entoação), do destaque de uns elementos em detrimento de outros (a acentuação), do uso de
variações da velocidade de fala, da marcação e duração estratégica das pausas e de um padrão
articulatório (a dicção), são exemplos de estratégias que alteram a eficácia comunicativa.
Os factores supra-segmentais da fala, como o aumento de duração da última sílaba tónica, a
queda de frequência fundamental e as pausa no discurso, fornecem informações semânticas adicionais,
podendo alterar o significado da mensagem (Batista, 2007).
Em televisão ocorre a transformação da escrita em oralidade através da prosódia (Reis, 2005).
A dimensão prosódica é responsável pela naturalidade da fala, capaz de informar o objectivo
comunicativo do locutor, bem como o grau de certeza ou incerteza que este tem em relação ao
conteúdo do enunciado, além do nível de proximidade ou distanciamento que o locutor estabelece com
o ouvinte. As emoções desempenham um papel importante na fonação modulando a tonalidade, o
timbre e a intensidade da voz.
Não adianta dominar os demais factores envolvidos no processo comunicativo se o
profissional não souber prender a atenção do seu interlocutor, dar destaque às palavras-chave do seu

89
discurso – mostrando como este ou aquele item deve ser interpretado e dotar a sua fala de significado,
dando um “colorido” especial ao seu discurso. Para se ter uma boa reportagem não bastam boas
imagens e boas informações, também é preciso passar emoção, para que a matéria tenha vida, e não
apenas informar o quê, quando, onde, como, porquê e quem protagonizou determinado acontecimento
(Kyrillos et al., 2003).
No jornalismo televisivo, diversos recursos vocais são utilizados a fim de manter a atenção do
ouvinte. Vários estudos em diversas línguas, incluindo inglês, francês e coreano, têm mostrado que a
organização prosódica afecta a realização acústica dos segmentos (Wightman et al., 1999). Para
realizar um estudo acústico da prosódia é necessária a análise de três parâmetros: frequência
fundamental (F0), duração e intensidade (Azevedo et al., 2003).
F0 é definida como sendo o correlato físico correspondente à melodia (Crystal, 1969; Ladd,
1996) sendo, portanto, importante para o estudo prosódico. A F0 é o resultado da associação de três
factores: o comprimento das pregas vocais, as características biodinâmicas dessas e a sua integração
com a pressão subglótica. Assim, F0 é um parâmetro relacionado à frequência de vibração das pregas
vocais, i.e., o número de ciclos glóticos que as pregas vocais fazem num segundo (Behlau & Pontes,
1995). Os valores de F0 revelam características específicas do indivíduo, como sexo, idade, ocorrência
de patologias e até estado emocional (Coradi, 2003).
A F0 é medida pela variação de subidas e descidas melódicas, estudada por meio da curva de
F0 (Bolinger, 1986; Crystal, 1969; Pike, 1945). A sua unidade de medida é o Hertz (Hz). A
caracterização do contorno de F0 é o parâmetro mais relevante para o estudo quantitativo da entoação.
Reis (2005) refere que as variações de subidas e/ou descidas na entonação, além de separarem uma
frase de outra, separam também, elementos que tenham diferentes graus de importância na frase.
Na análise dos recursos verbais e não-verbais de um apresentador de telejornal, Cotes e
Ferreira (2001) constataram mudanças de entoação, caracterizadas por curvas ascendentes,
descendentes e niveladas.
A intensidade deve ser analisada a partir de uma perspectiva física e linguística (Crystal,
1969). Em relação ao aspecto físico, ela é considerada como um correlato auditivo de amplitude,
sendo a força do fluxo aéreo realizada na emissão da fala. Essa força é controlada pela pressão
subglótica da corrente aérea, directamente relacionada ao fluxo aéreo subglótico e à adução das pregas
vocais (Behlau & Pontes, 1995). A sua unidade de medida é o decibel (dB).
Quanto ao aspecto linguístico, a intensidade relaciona-se ao acento, no fenómeno de
proeminência. Em várias investigações, Crystal (1969) confirmou que as sílabas acentuadas (tónicas)
têm maior intensidade do que as sílabas não acentuadas.
Feijó (2003), num estudo sobre a comunicação oral dos jornalistas concluiu que, dentre os
recursos não-verbais utilizados na narração, a ênfase tem a função de dar o destaque a uma
determinada palavra, podendo ser obtida por meio do aumento de intensidade, articulação mais precisa

90
e diminuição da velocidade de fala. Segundo aquela autora, a ênfase deve ser colocada em palavras
importantes do texto, a fim de valorizara mensagem de forma adequada.
Para Stier (2003), o repórter deve valorizar as palavras que melhor expressam a intenção do
texto, no sentido de transmitir a mensagem de forma eficaz.
A ênfase pode ser definida como o destaque de determinados elementos numa frase, e resulta,
sobretudo do acento de palavra. Este parâmetro prosódico é um destaque dado a uma sílaba de forma a
ressaltar, ou seja, a colocar em evidência um determinado item do texto. Este parâmetro supra-
segmental é um recurso usado pelo locutor quando, além da informação presente no significado
proposicional do discurso também se deseja destacar uma ou mais palavras, dando uma qualidade de
segurança da informação ou de indignação, ou apenas para chamar a atenção do espectador (Reis,
2005).
Um estudo sobre a produção da ênfase em narrações telejornalísticas, realizado por Batista
(2007), analisou a locução de seis repórteres de uma estação de televisão. A autora verificou uma
maior variação da amplitude melódica nas sílabas enfáticas, em relação às outras sílabas tónicas, com
maior ocorrência de curva ascendente. Naquele estudo, Batista encontrou um aumento das médias de
F0 nas curvas ascendentes, descendentes e niveladas das sílabas enfáticas em comparação às demais
sílabas analisadas. Quanto à intensidade, não houve diferenças estatisticamente significativas entre a
sílaba enfática e as outras sílabas tónicas. Em relação à duração, observou-se que tanto o aumento da
duração da sílaba quanto o aumento da duração vocálica tendem a diferenciar a ênfase das demais
proeminências, sendo que a primeira mostrou-se mais eficaz para a marcação enfática.
Segundo Gonçalves (1997), a ênfase é um factor importante no discurso, pois os traços
prosódicos de duração, intensidade e melodia são essenciais para a atribuição de informação focal a
um elemento do texto.
Segundo Kyrillos (2003) uma transmissão eficiente da mensagem é obtida por meio do uso de
ênfases, pausas adequadas e variações melódicas.
A função básica da prosódia na fala é salientar ou diminuir o valor de algo no discurso,
atribuindo a alguns elementos maior importância do que a outros (Cagliari, 1992).
A Terapia da Fala compreende a voz profissional do jornalista locutor de noticiários
televisivos, de forma abrangente, considerando os seus aspectos prosódicos como capacidades
comunicativas necessárias à transmissão da notícia com credibilidade.
A avaliação perceptiva da qualidade vocal tem sido bastante discutida na literatura.
Usualmente, ela é utilizada na prática clínica, tanto na avaliação da voz quanto na intervenção
terapêutica, para a comparação dos efeitos terapêuticos antes e após intervenção do TF nas
perturbações vocais (Behlau, 2001; Ferreira et al., 1998).
Para desenvolver o trabalho terapêutico no jornalismo televisivo, o TF deve recorrer à
avaliação perceptivo-auditiva e à análise acústica da voz para avaliar a locução do jornalista. A
avaliação perceptivo-auditiva, embora subjectiva, é o instrumento soberano na prática clínica em

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Terapia da Fala, para avaliar a voz humana. A avaliação acústica da voz é considerada complementar à
avaliação perceptiva, sendo que ambas são importantes, tanto na clínica quanto na investigação.
Contudo, os estudos pertinentes à voz profissional, encontrados na literatura, fixam-se pouco na
análise da prosódia da fala dos jornalistas de televisão.
Hoje, a televisão atinge milhões de pessoas em todo o mundo, e o desenvolvimento da
tecnologia permite a transmissão das informações em tempo quase real. Televisão é voz e imagem.
Embora ainda não existam muitos estudos nesta área, o TF tem vindo, nos últimos anos, a investir no
estudo da voz, da imagem corporal e da linguagem neste veículo de comunicação, para o melhor
compreender. Assim, o TF descobriu que a rádio e a televisão são uma área bastante interessante de
actuação e aqueles meios de comunicação descobriram a necessidade de poder contar com um
profissional preparado e habilitado para lidar com a comunicação em seu sentido mais amplo
(Kyrillos, 2003).
Anteriormente, os profissionais da voz procuravam o atendimento em Terapia da fala,
apresentando geralmente lesões nas pregas vocais, com alteração de qualidade vocal e/ou com
sintomas proprioceptivos relevantes. Gradativamente, este perfil foi-se modificando e o TF passou a
receber profissionais interessados em aperfeiçoar o seu padrão de comunicação, em preparar-se
efectivamente para o uso profissional da voz (Kyrillos, 2004). Portanto, o conceito inicial de
reabilitação modificou-se para o de habilitação da função comunicativa na actuação profissional.
Ao iniciar a sua actividade, o profissional da voz sente a necessidade de adaptar-se a uma
situação de comunicação que é construída (“artificial”). Após várias tentativas, alguns profissionais da
voz conseguem um bom ajuste de forma intuitiva, mas com outros tal não acontece. É frequente o
desenvolvimento de vícios de linguagem, que prejudicam a emissão profissional e comprometem a
performance do indivíduo. Com a orientação do TF, o profissional da voz desenvolve um processo de
comunicação habilitado, com um melhor domínio e uma interferência eficiente na sua actuação
profissional.

MÉTODO

Esta pesquisa apresentou como objectivo, correlacionar os aspectos prosódicos: variação


melódica; uso e duração de pausas; e, ênfase, com a emoção subjacente à notícia apresentada pelo
locutor de noticiários televisivos.
A amostra, por conveniência, foi constituída por um jornalista (Henrique Garcia). O critério de
inclusão foi ser apresentador de noticiários televisivos e possuir larga experiência profissional.
O corpus deste trabalho foi composto por três notícias da locução de dois blocos noticiários.
Após contacto directo com o jornalista, apurámos duas notícias em particular, apresentadas em blocos
noticiários diferentes, por terem subjacente determinado tipo de emoção. Na primeira notícia, o
jornalista indicou-nos que teve o objectivo de transmitir indignação ao espectador. A segunda notícia,

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refere-se a um acontecimento trágico, que envolveu um colega da equipa de trabalho do jornalista,
tendo subjacente a emoção de tristeza, intrínseca ao próprio jornalista. De modo a obtermos uma
notícia sem emoção subjacente, seleccionámos uma terceira notícia, de forma aleatória, do mesmo
bloco noticiário da segunda notícia.
As notícias, gravadas em CD áudio, foram cedidas pela estação televisiva. E, posteriormente,
efectuou-se a análise das variáveis da pesquisa. Para tal, utilizou-se o programa de software Praat,
versão 4.6, para a análise da curva melódica e da intensidade, o programa de software SpeechStation2,
para a observação da quantidade de pausas, e para a análise da ênfase efectuou-se uma análise
perceptivo-auditiva. Para a avaliação perceptiva-auditiva da ênfase, a autora escutou a gravação da
locução por duas vezes e, simultaneamente, assinalou as palavras onde a ênfase aconteceu.
Para a variável pausas recorreu-se a uma estatística descritiva, tendo sido analisada através dos
indicadores de tendência central (Média) e de dispersão (desvio padrão –DP).

RESULTADOS

Analisando a variação melódica (Figura 1) das duas notícias que têm emoção subjacente
(Figura 1-A e Figura 1-B), verificámos uma variação da curva melódica e da intensidade. Ao passo,
que a notícia, sem um tipo de emoção particular, apresentou uma reduzida e quase inexistente,
variação da melodia e da intensidade (Figura 1-C).

Figura 1-A. Primeira notícia

Figura 1-B. Segunda notícia

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Figura 1-C. Terceira notícia

Figura 1. Curva melódica e intensidade, obtidas pelo programa Praat, de um trecho das três notícias.
Verifica-se uma variação da melodia e intensidade na primeira (Figura 1-A.) e na segunda
(Figura 1-B.) notícias, comparativamente à terceira notícia (Figura 1-C.).

Analisando, a duração de pausas nas três notícias, verificámos uma percentagem muito
superior de duração de silêncio, nas notícias com emoção subjacente (à volta de 30 % da duração total
das notícias), relativamente à outra notícia, em que apenas 7% da notícia foram de pausa (Tabela 1).

Tabela 1. Duração de silêncio nas três notícias: (1) notícia com emoção de indignação,
(2) notícia com emoção de tristeza e (3) notícia sem emoção subjacente.

Na análise da duração de cada pausa dentro das próprias notícias. Tal como anteriormente,
verificámos o uso de pausas com uma duração muito maior, nas duas primeiras notícias, relativamente
à terceira, em que o jornalista faz pausas muito breves, com uma média de duração de dois segundos
(Tabela 2). O que é facilmente percebido, de forma perceptiva, ao se ouvirem as notícias.

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Tabela 2. Valores indicadores de tendência central (Média) e de dispersão (desvio padrão – DP) para as pausas
ocorridas em cada notícia: (1) notícia com emoção de indignação, (2) notícia com emoção de tristeza
e (3) notícia sem emoção subjacente.

O outro parâmetro prosódico analisado foi a ênfase. Através de uma análise perceptivo-
auditiva, verificou-se a ocorrência de palavras enfáticas, bastante superior na primeira notícia, em que
o jornalista teve a intenção comunicativa de transmitir indignação ao espectador. Ao passo que as
outras duas notícias, apresentaram valores inferiores e iguais entre si (Tabela 3).

Tabela 3. Análise perceptivo-auditiva da ocorrência de palavras enfáticas na locução das três notícias
(em percentagem): (1) notícia com emoção de indignação, (2) notícia com emoção de tristeza e
(3) notícia sem emoção subjacente.

DISCUSSÃO

Com os resultados obtidos podemos ver que os recursos prosódicos são um requisito básico no
exercício profissional deste profissional da voz. No caso concreto deste jornalista, vimos que a
experiência e o domínio de recursos prosódicos, valorizam a notícia.

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Verificámos uma tendência para evitar mudanças bruscas na intensidade e na frequência
fundamental. O que deve acontecer, pois as variações excessivas na intensidade e na melodia, podem
marcar em demasia uma palavra, podendo comprometer o objectivo da ênfase (Cotes & Ferreira,
2001; Feijó, 2003); Panico & Fukusima, 2003; Stier & Neto, 2003).
O jornalista reestrutura temporalmente e constantemente a sua fala, realizando alongamentos
ou encurtamentos de alguns fonemas, para produzir uma emissão sob medida. O recurso de
alongamentos dos fonemas é utilizado na ênfase dada a algumas palavras, e o recurso de encurtamento
é utilizado para capturar a atenção do espectador. Pois, a alternância da duração dos segmentos
sonoros e as ligeiras alterações da qualidade vocal provocam a reacção desejada no ouvinte (Cotes &
Ferreira, 2001).
O locutor enfatiza o que julga mais importante e de maior destaque no contexto para facilitar a
compreensão, persuadir o ouvinte e veicular directa ou indirectamente uma determinada mensagem.
O jornalista fez uso de recursos prosódicos, quer de forma voluntária (primeira notícia), quer
de forma involuntária (segunda notícia), que puderam ser percebidas pelas variações de intensidade,
de duração de pausas e de melodia.
Com relação aos resultados encontrados, podemos dizer que a locução do jornalista, nas três
notícias, apresentou ênfases percebidas auditivamente, o que corrobora com a literatura consultada,
que aponta a ênfase como um fenómeno de manifestação acentual, capaz de atribuir proeminências ao
texto e colocar em evidência um determinado item em detrimento de outro (Gonçalves, 1997; Kyrillos,
2003; Reis, 2005). Também é de salientar a diferença de quantidade de palavras enfáticas,
notoriamente superior na primeira notícia, em que o jornalista teve a intenção comunicativa de
transmitir indignação ao espectador. As palavras enfáticas nas restantes notícias foram inferiores
àquela primeira e foram iguais entre si. Este resultado poderá dever-se ao facto, de apenas na primeira
notícia, o jornalista ter a intenção comunicativa de transmitir uma determinada emoção ao espectador.
Pois, embora na notícia da tristeza, digamos assim, existir uma emoção subjacente, ela era intrínseca
ao próprio jornalista e pôde ser observada pela alteração da sua qualidade vocal, contudo não existiu a
intenção comunicativa, do profissional de voz em transmitir aquele sentimento ao espectador.
A ênfase é um dos aspectos supra-segmentais da fala que está directamente relacionado à
estrutura da informação (Reis, 2005). Tal como observámos na literatura consultada, no jornalismo de
televisão são utilizados diversos recursos vocais a fim de manter a atenção do ouvinte. A ênfase, ao
dar destaque a uma determinada parte da mensagem, modifica a estrutura fonológica do discurso,
influenciando no entendimento e compreensão da audiência (Gonçalves, 1997). É, então, como
também observámos, um recurso usado pelo locutor quando este deseja ressaltar tanto o significado da
informação, quanto uma determinada palavra, a fim de transmitir credibilidade ou apenas para chamar
a atenção do ouvinte.

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Os aspectos prosódicos, utilizados pelo jornalista Henrique Garcia, foram, sobretudo o uso de
pausas estrategicamente colocas. Para além daquele aspecto prosódico, verificaram-se outras
estratégias prosódicas, tais como reestruturação temporal e constante da fala, através de alongamentos
ou encurtamentos de alguns sons. Estes recursos facilitam a compreensão, permitem persuadir o
espectador e veicular directa ou indirectamente a mensagem (Reis, 2005).
Durante muitos anos a intervenção do TF, ao nível da voz, limitava-se a questões vocais
ligadas essencialmente à saúde vocal. O trabalho do TF na voz profissional exige uma mudança de
foco clínico para o exercício profissional. A intervenção terapêutica pode ser direccionada para o
aperfeiçoamento vocal, para a melhoria das capacidades naturais de comunicação do indivíduo, bem
como para o auxílio no desenvolvimento das características específicas que compõem a voz preferida
da categoria profissional a que ele pertence.
A intervenção do TF nos jornalistas apresentadores de noticiários de televisão deve ter como
objectivos a orientação e higiene vocal, bem como priorizar o desenvolvimento de recursos de
narração e interpretação adequados ao tipo de trabalho desenvolvido. A narração deve ser adequada ao
tipo de programa, horário e canal televisivo. Um jornalista com experiência e com recursos vocais
valoriza a matéria, ao passo que um repórter que relata com um “estilo próprio” que não se modifica
em nenhum momento, mostra muitas vezes uma limitação de conhecimentos de outros recursos que
permitem uma narração mais rica e que evita repetições e monotonia no discurso. Cabe ao TF
desenvolver esta capacidade, auxiliando através de exercícios que trabalhem a ênfase, pausas e
modulação.
Este estudo visou um olhar sobre as estratégias prosódicas utilizadas pelo jornalista locutor de
noticiários televisivos para transmitir a emoção subjacente a cada notícia, contudo apresenta como
principal limitação o facto da amostra ser muito reduzida e não ser representativa. Para além deste
aspecto, este tema de pesquisa é um assunto muito vasto e de relevante interesse, devendo por isso ser
investigado mais pormenorizadamente. Portanto, estudos futuros serão fundamentais para possibilitar
uma melhor análise dos parâmetros prosódicos, o que contribuirá para melhorar a intervenção do TF
no jornalismo em televisão.

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