O interesse pelo tema vem da minha experiência profissional
como fonoaudióloga. Por vários anos atuei em uma escola, realizando trabalho preventivo em distúrbios da comunicação por meio de orientações a pais e professores, participação no planejamento, orientação ao berçário, refeitório, triagens, avaliações e terapias fonoaudiológicas.
Quando realizava as avaliações, tinha por conduta analisar a
linguagem de forma geral, pesquisando o comportamento auditivo e vocal das crianças. Observava estes elementos e direcionava a busca aos aspectos fonoaudiológicos que afetavam a criança, com ênfase na sua queixa ou que a escola ou a família apresentavam.
Em algumas ocasiões encontrava crianças com alterações vocais,
do ponto de vista fonoaudiológico que não geravam preocupação a pais e professores. No contato com os familiares, era comum ouvir que a criança se comunicava bem e que tinha voz forte desde que começara a falar. No que se refere à escola, relatavam que o aluno era líder em todas as brincadeiras e que não apresentava problemas para comunicar-se com outras crianças e professores.
Em outras ocasiões, avaliava crianças com discreta rouquidão, que
demonstravam incomodar-se com os comentários que eram feitos acerca de suas vozes. O curioso é que notava que a criança disfônica parecia revelar sempre ter alguma noção do seu problema vocal. Este fato me 2
fazia pensar que o fonoaudiólogo precisava descobrir qual o grau de
entendimento da criança em relação a essa questão, pois não era necessária uma rouquidão muito severa para que ela percebesse que havia alguma coisa diferente com a sua voz.
Geralmente, diante de uma modificação vocal, solicitava a
presença dos pais e indicava exame com um especialista para verificar a existência de alteração orgânica. Muitas vezes, este diagnóstico foi decisivo em várias situações para que a criança realizasse terapia fonoaudiológica. Nesta época, era comum a laringoscopia indireta, que muitas vezes necessitava de um anestésico tópico, e nem sempre contava com a colaboração da criança.
Esta dificuldade para descrever o problema por meio de exame
médico, associada aos custos relativos ao exame, juntamente com a falta de entendimento da disfonia, colaboravam para que a família apresentasse resistência ao tratamento fonoaudiológico.
Atualmente temos duas vertentes quanto ao atendimento da
criança com problema vocal. Uma mecanicista, que se baseia no diagnóstico médico; considera que, com o crescimento e com as mudanças significativas que vão ocorrer na laringe, as alterações orgânicas podem desaparecer. É fundamentada por meio de estudos anatômicos e histo-estruturais acerca do desenvolvimento da laringe. Geralmente, leva em conta a mudança da voz para o início de tratamento fonoaudiológico, cuja evolução é avaliada pela diminuição ou eliminação do problema orgânico, tendo como enfoque maior a mecânica da voz. A outra vertente considera a voz como parte da 3
estrutura comunicativa que se presta para manter os relacionamentos
sociais.
A intervenção fonoaudiológica, enquanto atitude comunicativa,
busca propiciar à criança disfônica, práticas de comunicação vocal para que ela possa se desenvolver sem dificuldades de interação social no que diz respeito aos aspectos psíquicos, da emoção, da personalidade e sociais.
Quando se trabalha com disfonia, é necessário avaliar e tratar os
aspectos mecânicos da voz assim como os psicossociais e adequando-os às necessidades de comunicação interpessoal. A criança com disfonia, por ainda estar formando a sua identidade vocal, provavelmente tem, em relação ao adulto, uma maneira diferente de compreender o seu problema vocal e não pode ser tratada do mesmo modo.
Na terapia fonoaudiológica, o paciente é submetido a um conjunto
de técnicas que visam a diminuir o esforço para falar, melhorar sua respiração, coordenação pneumo-fônica, articulação e intensidade vocal, na tentativa de eliminar o problema orgânico e/ou de propiciar uma melhora na sua comunicação interpessoal.
No entanto, o conceito de voz, aqui analisado, é o que pode ser
entendido como instrumento de comunicação, de interação social. Então, para escolhermos qual seria a terapia mais adequada, não teríamos que saber primeiro como a criança entende a sua própria VOZ? Além disso, não deveríamos saber se as crianças consideram que essas alterações 4
vocais limitam a sua vida cotidiana, comprometendo os seus
relacionamentos sociais?
Quando tratamos do paciente adulto, analisamos que uso ele faz da
voz e quais as suas necessidades profissionais e pessoais.
Sabemos que o termo noção significa possuir um certo
conhecimento sobre alguma coisa, mesmo que este não ultrapasse a compreensão comum (FOUREZ, 1995). Será que com a criança não é necessário questionarmos primeiro que noção ela tem da voz? Que importância tem a voz para ela? Quais as dificuldades decorrentes de suas alterações? Se a terapia fonoaudiológica interfere nesses aspectos...
Diante de todas essas questões, procuramos na literatura e
encontramos poucas pesquisas que mostrassem como a criança disfônica entende a voz, em geral, a sua própria voz, em particular, as limitações sociais decorrentes de problemas vocais, a expectativa diante de um tratamento fonoaudiológico e se ele é assimilado e incorporado na sua vida diária.
Constatada a falta de conteúdos sobre o tema em foco, decidimos
estabelecer como objetivo do presente estudo, verificar qual é a noção que a criança disfônica tem da VOZ e analisar se a intervenção fonoaudiológica provoca alguma modificação nesta noção.