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1. INTRODUÇÃO

O interesse pelo tema vem da minha experiência profissional


como fonoaudióloga. Por vários anos atuei em uma escola, realizando
trabalho preventivo em distúrbios da comunicação por meio de
orientações a pais e professores, participação no planejamento,
orientação ao berçário, refeitório, triagens, avaliações e terapias
fonoaudiológicas.

Quando realizava as avaliações, tinha por conduta analisar a


linguagem de forma geral, pesquisando o comportamento auditivo e
vocal das crianças. Observava estes elementos e direcionava a busca aos
aspectos fonoaudiológicos que afetavam a criança, com ênfase na sua
queixa ou que a escola ou a família apresentavam.

Em algumas ocasiões encontrava crianças com alterações vocais,


do ponto de vista fonoaudiológico que não geravam preocupação a pais e
professores. No contato com os familiares, era comum ouvir que a
criança se comunicava bem e que tinha voz forte desde que começara a
falar. No que se refere à escola, relatavam que o aluno era líder em todas
as brincadeiras e que não apresentava problemas para comunicar-se com
outras crianças e professores.

Em outras ocasiões, avaliava crianças com discreta rouquidão, que


demonstravam incomodar-se com os comentários que eram feitos acerca
de suas vozes. O curioso é que notava que a criança disfônica parecia
revelar sempre ter alguma noção do seu problema vocal. Este fato me
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fazia pensar que o fonoaudiólogo precisava descobrir qual o grau de


entendimento da criança em relação a essa questão, pois não era
necessária uma rouquidão muito severa para que ela percebesse que
havia alguma coisa diferente com a sua voz.

Geralmente, diante de uma modificação vocal, solicitava a


presença dos pais e indicava exame com um especialista para verificar a
existência de alteração orgânica. Muitas vezes, este diagnóstico foi
decisivo em várias situações para que a criança realizasse terapia
fonoaudiológica. Nesta época, era comum a laringoscopia indireta, que
muitas vezes necessitava de um anestésico tópico, e nem sempre contava
com a colaboração da criança.

Esta dificuldade para descrever o problema por meio de exame


médico, associada aos custos relativos ao exame, juntamente com a falta
de entendimento da disfonia, colaboravam para que a família
apresentasse resistência ao tratamento fonoaudiológico.

Atualmente temos duas vertentes quanto ao atendimento da


criança com problema vocal. Uma mecanicista, que se baseia no
diagnóstico médico; considera que, com o crescimento e com as
mudanças significativas que vão ocorrer na laringe, as alterações
orgânicas podem desaparecer. É fundamentada por meio de estudos
anatômicos e histo-estruturais acerca do desenvolvimento da laringe.
Geralmente, leva em conta a mudança da voz para o início de tratamento
fonoaudiológico, cuja evolução é avaliada pela diminuição ou
eliminação do problema orgânico, tendo como enfoque maior a
mecânica da voz. A outra vertente considera a voz como parte da
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estrutura comunicativa que se presta para manter os relacionamentos


sociais.

A intervenção fonoaudiológica, enquanto atitude comunicativa,


busca propiciar à criança disfônica, práticas de comunicação vocal para
que ela possa se desenvolver sem dificuldades de interação social no que
diz respeito aos aspectos psíquicos, da emoção, da personalidade e
sociais.

Quando se trabalha com disfonia, é necessário avaliar e tratar os


aspectos mecânicos da voz assim como os psicossociais e adequando-os
às necessidades de comunicação interpessoal. A criança com disfonia,
por ainda estar formando a sua identidade vocal, provavelmente tem, em
relação ao adulto, uma maneira diferente de compreender o seu problema
vocal e não pode ser tratada do mesmo modo.

Na terapia fonoaudiológica, o paciente é submetido a um conjunto


de técnicas que visam a diminuir o esforço para falar, melhorar sua
respiração, coordenação pneumo-fônica, articulação e intensidade vocal,
na tentativa de eliminar o problema orgânico e/ou de propiciar uma
melhora na sua comunicação interpessoal.

No entanto, o conceito de voz, aqui analisado, é o que pode ser


entendido como instrumento de comunicação, de interação social. Então,
para escolhermos qual seria a terapia mais adequada, não teríamos que
saber primeiro como a criança entende a sua própria VOZ? Além disso,
não deveríamos saber se as crianças consideram que essas alterações
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vocais limitam a sua vida cotidiana, comprometendo os seus


relacionamentos sociais?

Quando tratamos do paciente adulto, analisamos que uso ele faz da


voz e quais as suas necessidades profissionais e pessoais.

Sabemos que o termo noção significa possuir um certo


conhecimento sobre alguma coisa, mesmo que este não ultrapasse a
compreensão comum (FOUREZ, 1995). Será que com a criança não é
necessário questionarmos primeiro que noção ela tem da voz? Que
importância tem a voz para ela? Quais as dificuldades decorrentes de
suas alterações? Se a terapia fonoaudiológica interfere nesses aspectos...

Diante de todas essas questões, procuramos na literatura e


encontramos poucas pesquisas que mostrassem como a criança disfônica
entende a voz, em geral, a sua própria voz, em particular, as limitações
sociais decorrentes de problemas vocais, a expectativa diante de um
tratamento fonoaudiológico e se ele é assimilado e incorporado na sua
vida diária.

Constatada a falta de conteúdos sobre o tema em foco, decidimos


estabelecer como objetivo do presente estudo, verificar qual é a noção
que a criança disfônica tem da VOZ e analisar se a intervenção
fonoaudiológica provoca alguma modificação nesta noção.

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