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6. DISCUSSÃO

A presente pesquisa, ao longo dos anos, foi motivada por uma


série de questionamentos que encontramos na clínica fonoaudiológica e
nas áreas próximas com as quais dividimos os atendimentos.

Para este estudo sobre a noção que a criança disfônica dispõe


sobre a voz, e do impacto que a intervenção fonoaudiológica pode causar
nela, selecionamos e avaliamos crianças da Irmandade Santa Casa de
Misericórdia de São Paulo. Nossa hipótese era verificar se, de fato, a
interferência causava mudança na comunicação vocal dessas crianças;
para isso, resolvemos constituir dois grupos: um, por crianças que ainda
não tinham se submetido à intervenção, que chamamos de grupo pré-
intervenção, e o outro, com intervenção, que chamamos de grupo pós-
intervenção. Escolhemos, no total, 60 crianças, sendo 21 do grupo pré-
intervenção e 39 do grupo pós-intervenção.

Selecionamos crianças na faixa etária de 05 a 14 anos porque, de


acordo com estudos anátomo-fisiológicos, nesse período ainda não
ocorreu o amadurecimento das estruturas laríngeas e a voz pode ser
considerada infantil (ZEMLIN, 1988).

Os grupos pré-intervenção e pós-intervenção, distribuíram-se de


forma equivalente em termos de sexo, idade e principalmente na hipótese
diagnóstica, o que facilitou a comparação entre eles. Nos Anexos X, XI e
XII, pode ser observado como foi caracterizada a amostra para que
pudéssemos realizar nossas perguntas. Por não fazerem parte do
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interesse da pesquisa e por não interferirem na descrição e nem na


comparação entre os grupos, os dados desses anexos não foram
analisados.

Escolhemos o teste Mann Whitney para os cálculos estatísticos,


por ser este tido como ideal em estudos não-paramétricos de comparação
entre grupos. Consideramos a significância (p=0,05) nos resultados,
analisando também as tendências encontradas.

Como entendemos a voz como elemento da comunicação inter-


pessoal, ficamos imaginando em relação às nossas crianças que
conhecimento estas teriam sobre a sua própria voz. Como eram crianças
disfônicas, indagávamos também se elas percebiam a própria voz nas
suas dificuldades, como nós, adultos, o fazíamos. Os problemas vocais
seriam, para elas, fatores limitantes? Essas crianças reconheciam os
benefícios advindos do tratamento fonoaudiológico? Será que
observavam melhoras? Enfim, como percebiam a terapia
fonoaudiológica?

Assim estavam nossos pensamentos, repletos de questões acerca


da criança com alteração vocal. Para limitarmos a pesquisa, decidimos,
então, tentar saber ou conhecer que noção a criança disfônica tinha sobre
voz e se a intervenção fonoaudiológica se mostrava eficiente para a
modificação de tal conhecimento.

O filósofo GÉRARD FOUREZ (1995), no seu livro "A


Construção das Ciências", definiu e discerniu entre os termos noção,
idéia e conceito. Para ele, noção significa que o sujeito possui um certo
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conhecimento, que ele sabe do que "se" fala, mesmo que seu saber não
ultrapasse a compreensão comum.

O termo idéia, segundo o autor, é utilizado para apresentar uma


noção cujo funcionamento depende de uma norma e que as idéias são
sempre eternas, universais e vêm de Platão. E, finalmente, a palavra
conceito que, para ele, trata-se de uma noção em um determinado
paradigma, sempre convencional, e sempre preciso. O conceito por si só
é elaborado, pois representa a elaboração de idéias ou noções que testam
hipóteses e que chegam a uma determinada descrição de um assunto.

Para este trabalho, portanto, entendendo como sendo tão amplos


os conceitos de voz e de comunicação, decidimos pesquisar neles apenas
a noção que a criança disfônica tem da voz.

Refletimos bastante sobre esses termos porque, nesta pesquisa,


precisávamos utilizar uma palavra que representasse de forma justa a
opinião das crianças.

Em vista dos questionamentos, já apresentados, e pensando em


termos de noção, elaboramos quatro perguntas, para discutir o tema voz
e as avaliamos através de um piloto. Isso foi necessário porque é sempre
complexo obter dados de entrevistas, ainda mais quando os sujeitos são
crianças.

As perguntas, com linguagem direta, foram elaboradas para que


pudessem, de alguma maneira, mostrar-nos a noção da criança sobre voz
e verificar estatisticamente se a intervenção fonoaudiológica provocava
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alteração nesse conhecimento, conforme foi descrito no Capítulo 4.


Depois de aplicadas as perguntas e transcritas as respostas, elaboramos
categorias e sub-categorias relacionadas à comunicação vocal, a partir de
sucessivas leituras que nos permitiram limitar o conceito de
comunicação.

Após a realização da pesquisa foi possível verificar que não é


adequada a utilização do termo conceito/consciência (BEHLAU &
GONÇALVES, 1988; HERSAN, 1990) para referir a opinião da criança
acerca de sua própria voz. A palavra que representa de forma justa a
opinião das crianças é noção, o que corroborou a nossa escolha inicial
pelo termo.

Na literatura encontramos que a criança tem um grau de


consciência variado do seu problema vocal, às vezes distorcido
(BEHLAU & PONTES, 1995) e que raramente se queixa da sua
alteração de voz (HERSAN, 1991). Além disso, que a criança disfônica
muitas vezes não consegue dar opinião acerca da própria voz (ALBINO,
1992).

Não concordamos totalmente com essas afirmações pois, mesmo


no grupo Pré-intervenção, onde a percepção da voz ainda não havia sido
trabalhada, a criança conseguiu defini-la. Pudemos constatar este fato em
inúmeras respostas objetivas à pergunta "Para que serve a voz?" , como
por exemplo: "... prá conversá..."; "...prá gente podê falá..."; "prá se
comunicar/ falar... se expressar..."; "...falá com a mãe... falá com o pai...
falá com o amigo..."; "... prá cantar... falar...". Não observamos na
criança a "consciência distorcida", pois com a pergunta "Por que você
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trabalha (ou vai trabalhar) a sua voz na terapia fonoaudiológica?", a


criança disfônica de ambos os grupos, fez referência ao seu problema,
explicando como ele se manifestava, e como ele a afetava, como por
exemplo: "...prá ficá boa... na garganta..."; "...quando eu falo eu fico
rouco... tem vez que eu não consigo falá..."; "...um exame constatou que
eu tinha um carocinho na corda vocal..."; a minha voz vai ficar mais
fina... eu vô melhorar o meu tom de voz...; "; "...quando eu falo no
telefone ninguém me entende..."; "... tive nódulos e ficava rouca com
muita facilidade... mas agora eles estão mais reduzidos...”.

Do ponto de vista lingüístico, a noção que a criança disfônica tem


da voz, conforme esta pesquisa, mostrou-se bastante ampla e
significativa. Encontramos, como resultado, para a função da voz, que
ela é um meio de comunicação; um instrumento de trabalho; um fator de
impedimento social; essencial para a vida; serve para expressar
sentimentos; pode ser sinônimo de respiração e também sinônimo de
fala.

Sabemos que esses resultados, acerca da noção que a criança tem


de voz, não encerram todo o conhecimento sobre o assunto. Não
pudemos obter todas as informações possíveis porque tal noção
restringiu-se às categorias, decorrentes das respostas, originadas das
perguntas elaboradas num contexto lingüístico (PERRONI, 1996). Essa
noção de voz poderia ter tido outros enfoques, mas para que pudéssemos
ter um controle do nosso trabalho tivemos que limitar a nossa
prospecção. Desta forma, a noção de voz ficou limitada através da
representação de palavras e das funções categorizadas e, com isso, o
conhecimento global ficou mais restrito.
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Nos nossos estudos, não encontramos pesquisas específicas que


nos mostrassem elementos como os que obtivemos para falar da noção
de voz da criança, embora HERSAN (1991) já valorizasse que no
momento da avaliação era necessário conhecer o grau de
"conscientização" da disfonia.

Encontramos autores como REILLY (1997) que sugerem que


sejam estimuladas pesquisas na área da voz infantil, buscando todos
os aspectos envolvidos nela, para que se possa realizar um diagnóstico
mais adequado e um tratamento mais efetivo.

Durante o nosso período de atuação na área de prevenção de


distúrbios da comunicação, no âmbito escolar, como citado na
Introdução, nos acostumamos a acolher a criança, ouvindo-a, para poder
avaliá-la e interagindo com ela, para poder compreendê-la melhor.
Assim como as crianças, permanecíamos na escola em período integral
quando pudemos observar como elas expressavam a noção da sua voz.

Para a esta pesquisa, encontramos trabalhos que, de maneira geral,


abordam isoladamente os nossos resultados, como demonstraremos a
seguir.

COMUNICAÇÃO

Identificamos na nossa pesquisa que a criança disfônica tem, com


clareza, a noção de que a voz é essencial para a comunicação, talvez até
mais que o indivíduo adulto, como por exemplo: "... a voz é para se
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comunicar...a maioria das coisas é difícil não utilizar a voz ou a fala...";


"... a voz é necessária por que senão a gente não tinha como se
comunicar..."; "... para se comunicar é necessário a voz..."; Se não
tivesse a voz ia se comunicar como?...".

É curioso que tenhamos encontrado semelhanças nas colocações


das nossas crianças com pensamentos de diversos autores como Mc
LUHAN (1964), MELLO (1972, 1979), PIGNATARI (1973), BLOCH
(1980, 2001), BEHLAU & ZIEMER, (1988), GREENE &
MATHIESON (1989) e FERREIRA (1999), para os quais a voz é
utilizada como comunicação desde o momento do nascimento, pelos
seres humanos, já com o intuito de avisar que existe vida e respiração.
Eles consideram que a voz como comunicação passa uma mensagem,
discute, conversa, dialoga, sempre visando ao bom entendimento entre as
partes.

É importante que o fonoaudiólogo, como profissional de


comunicação, esteja sempre atento a estes aspectos ao avaliar a criança
pois, na maioria das vezes, ela vai verbalizar como a sua disfonia a está
prejudicando, através das suas dificuldades de comunicação ("... com a
voz do jeito que eu tenho me prejudica bastante..."). Para outros autores
como HERSAN (1990, 1997), MORRISON & RAMMAGE (1994) e
SANCHEZ (1995), a comunicação deve ser sempre avaliada para se
saber se a voz cumpre a sua função. Além disso, eles se preocupam em
identificar se o problema da voz está afetando a comunicação inter-
pessoal, em conhecer as características comunicativas expressivas das
crianças estabelecendo como meta de trabalho a própria
comunicação. RUSSO (1999), CAVADAS, PEREIRA & BEHLAU
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(2002) consideram que o trabalho com disfonia na criança deve ser da


área da competência comunicativa.

Um fato bastante interessante, para nós, é que em toda a pesquisa,


essa noção de voz enquanto comunicação foi claramente explicitada
pelas nossas crianças, mesmo por aquelas de pouca idade, que ainda não
tinham sido alfabetizadas. Pode ser considerado, pois, um conhecimento
bastante forte e significativo, como o observado na íntegra, do Anexo
IX, quando as crianças respondiam por exemplo: "ah... prá se
comunicar... comunicar...", "ah... prá muitas coisas... prá se
comunicar..., sem a voz não tem como se comunicar...".

INSTRUMENTO DE TRABALHO

Esta noção de voz como instrumento de trabalho foi identificada


na nossa pesquisa na expressão de crianças de diferentes idades (“... a
voz serve prá trabalhá..."; "... a senhora não trabalha de
fonoaudióloga?..."; "... tem gente que usa a voz, né?... enquanto eles vão
cantá...").

Podemos imaginar que esta identidade da voz como instrumento


de trabalho tenha ocorrido porque a população que avaliamos, desde
pequena, percebe esta necessidade.

Por outro lado, verificamos que, na nossa sociedade atual, está


sendo bastante valorizado o trabalho de crianças-atores, cantores que
fazem da voz também um uso profissional.
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Este fato é verificado na literatura, como para BLOCH (1980) que


comentou que os artistas são vítimas de constantes alterações vocais que
acabam, via de regra, interferindo no seu trabalho. O autor colocou que
infelizmente o terapeuta muitas vezes só pode restituir uma certa voz ao
paciente, mas não a sua própria voz. SATALLOFF (1997) enfatizou que
o profissional clínico deve ter um conhecimento sobre o
desenvolvimento da voz, principalmente ao atender crianças. Para ele, as
vozes jovens são complexas e delicadas e tratá-las, principalmente para
as crianças profissionais, é um trabalho arriscado e desafiador.

Encontramos, nos trabalhos de ANDREWS (1993, 1997, 1998), a


necessidade de se observar atentamente a criança que usa a voz
profissionalmente. A autora reforça que é necessário verificar
cuidadosamente o potencial da criança. Além disso, ela explica que um
problema de voz é insidioso e pode resultar em conseqüências futuras
que afetarão o desenvolvimento da voz da criança. Outros autores que
pesquisamos, como FREITAS, PELA, GONÇALVES et al. (2000)
discutem, nesta linha da voz profissional, que é necessário o cuidado
com ela porque não se sabe se no futuro a criança pode escolher uma
profissão que precise da voz.

Nas nossas entrevistas com crianças, encontramos que a voz serve


como instrumento de trabalho, por exemplo: "às vezes o meu maior
sonho é ser cantor..."; "prá trabalhar também se usa a voz..."; "...gosto
também de trabalhar bastante com a voz na fono... eu tô pensando em
formá em fono..."; "...bom... tem algumas pessoas que utilizam a voz
para fazer a fama..."; "... com a voz... arrumo emprego... quando eu
crescê..."; "... prá ganhar dinheiro... dinheiro... tem gente que canta...".
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Nos deparamos, na clínica, com crianças que desde cedo realizam


aulas de canto e música nas escolas ou mesmo particularmente. Então
para nós, fonoaudiólogos, cada vez mais devemos estar alertas e com as
atenções canalizadas para as crianças que apresentam um bom potencial
para a voz artística, para que saibamos avaliá-las e orientá-las de forma
que utilizem a voz dentro do limite do seu potencial.

FATOR DE IMPEDIMENTO SOCIAL

Uma das preocupações no trabalho com a criança disfônica que


encontramos na literatura estudada foi a verificação do quanto um
problema de voz estaria impedindo ou interferindo no desenvolvimento
social, conforme WILSON (1979) e HERSAN (1990).

BEHLAU (1991) propôs que as dificuldades vocais na criança


fossem avaliadas e testadas para que não ocorressem problemas no seu
desenvolvimento social.

Encontramos em MORRISON & RAMMAGE (1994) a indicação


para se tratar a disfonia, evitando que esta se transforme no futuro, não
só num problema orgânico mas também em um comprometimento
psicossocial.

A orientação de ANDREWS (1997, 1998) é bastante precisa no


sentido de que se deve prevenir um problema social no futuro. Ela
propõe que sejam obtidos na avaliação os aspectos psicossociais da
criança. Ela afirma que um problema de voz pode causar uma
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inadaptação social, inclusive prejudicando nas interações com amigos e


colegas. Além disso, ela explica que a disfonia como fator de
impedimento social pode frustrar a criança nas suas necessidades básicas
de aceitação e atenção.

Autores como HERSAN (1997), CAMPIOTTO (1999), PELA


(1999), FREITAS, PELA, GONÇALVES et al. (2000) e PINHO (2001)
também valorizam o aspecto social da voz e enfatizam que deva existir a
preocupação com o grau de prejuízo que a disfonia poderia ocasionar nas
crianças e conseqüentemente ser um fator que causasse uma inadaptação
ou impedimento social.

Como entendemos a voz numa dimensão psico-social percebemos


pela análise dos nossos resultados, que as crianças entrevistadas
manifestaram a opinião de que se não tivessem a voz, poderiam ficar
privadas de coisas importantes na vida, por exemplo: ".... todo mundo
mudo... como você ia pedir alguma coisa?". Nesta fala, a criança deixa
transparecer a sua preocupação de interação social para atendimento de
suas necessidades.

Percebemos também a preocupação em crianças ao se sentirem


prejudicadas nos seus relacionamentos sociais por apresentarem
problemas de fala, como exemplo: "...se ela não tiver a voz, ela não fala
com... cas pessoas...", "... se você não tiver a voz, como é que você vai
saber o que está acontecendo...", "... os professores falava, K., fala um
pouco mais alto... como...? eu não consigo...", "quando eu falo no
telefone ninguém me entende...".
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Esses resultados nos fizeram pensar que esta é uma noção bastante
importante para a qual devemos estar sempre atentos, principalmente
quando avaliamos uma criança e propomos, ou não, uma intervenção
fonoaudiológica. Muitas vezes a alteração vocal pode não ser grande,
mas o efeito na comunicação sim, como percebemos pela explicação de
um jovem sobre o quanto ele se sentia incomodado com a sua voz: "...
meus amigos ficam tirando sarro... por causa da voz... tem um aí que
fala que ao invés de eu comprar um Karaoquê eu vou comprar um
fanhoquê...".

ESSENCIAL PARA A VIDA

Encontramos, na análise dos nossos resultados, uma manifestação


por parte das crianças, de uma forma bastante importante de que a voz
era essencial para a vida. No discurso de crianças pequenas, encontramos
frases do tipo: "acho que eu não viveria sem a voz...", "... prá mim é
super importante... porque tem gente que não tem e fica rezando para
ter...". Uma criança de 10 anos comentou que "... a pessoa precisa de
voz para viver no mundo... né?", como referiu BLOCH (1980) em
relação à importância da voz. Várias explicações que as crianças nos
apresentaram ao responder acerca da voz sintetizaram a visão de
GREENE & MATHIESON (1989), BOONE & PLANTE (1994),
HUCHE & ALLALI (1999) e vários outros de que a voz é tão essencial
que mesmo as crianças muito pequenas, que falam com palavras soltas,
acabam utilizando o seu limitado vocabulário para uma variedade
enorme de propósitos como: pedir, comentar, reclamar ou exercitar a
imaginação, como por exemplo: "...pegar no telefone... pedir socorro...
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falar serve... para muito mais... para ligar para os bombeiros do


socorro...".

Na prática clínica, observamos este aspecto da voz na vida da


criança. Sabemos que ela é requisitada desde pequena a falar sobre as
suas atividades diárias, a relatar aos pais e professores todas as suas
dificuldades, inclusive são desde cedo ensinadas a alertar quando
estiverem em perigo ou com dificuldades.

Para nós, é importante, ao planejarmos a terapia, que valorizemos


esta noção procurando utilizar os aspectos sociais da vida para que a
criança tenha mais interesse pelo tratamento, como encontramos
proposto por HERSAN (1990).

EXPRESSAR SENTIMENTOS

Nas entrevistas analisadas, encontramos crianças que nos


explicaram a voz como uma forma de expressar sentimentos, em que
pudemos perceber o pensamento de vários autores como BLOCH (1980,
1985, 2001), COOPER (1974), como por exemplo: "... a voz... prá
falar... prá falar o que a gente sente também...'', "... prá gente poder
contar o que a gente sente...", "... a voz... serve prá poder expressar os
nossos sentimentos...", "...prá poder ser alegre/ com a voz...", "... eu...
expresso meus sentimentos...", "...serve para poder contar um pouquinho
do que a gente tem...", " serve prá expressar os sentimentos que a gente
tem dentro de si...", "... prá expressar sentimento...".
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À voz sempre coube o papel de passar também a emoção, como


atestam alguns pesquisadores. MELLO (1972) afirmou que, quando
uma voz se apresenta alterada (doente), é todo um ser humano que está
em cogitação. Para a autora, nós expressamos nossa emoção, sentimento,
por meio do gesto vocal. Ela explicou que quando abafamos os nossos
sentimentos e emoções, estes aparecem na voz, nas qualidades de timbre,
altura, intensidade, duração e expressividade da nossa elocução. Ela
exemplificou este fato com a pessoa que fala mas não é ouvida ou
incomoda demais por falar muito alto. Dessa forma, deve ser verificada a
emoção que subjaz a esses comportamentos vocais.

Outros trabalhos nos mostraram a preocupação da voz, enquanto


sentimento, quando referem que a criança manifesta o seu temperamento
pela voz (VALLANCIEN, 1986). Explicaram a necessidade de se avaliar
e conhecer o grau de excitabilidade da criança, levando em conta as
sangüíneas (agitadas), as coléricas (dominadoras), as melancólicas
(introvertidas) e as fleumáticas (bonachonas), pois os padrões vocais e
suas manifestações serão compatíveis (HERSAN, 1990, 1991, 1993,
1997). Em relação a isto, CAMPIOTTO (1999) comentou que a voz
deve sempre combinar com a criança.

Na nossa pesquisa, pudemos identificar o pensamento dos autores


quando encontramos crianças pequenas deixando transparecer o seu
temperamento durante as respostas, por exemplo: "... falar serve para
não ficar muda... eu não faço nada mas as minhas irmãs me irritam... eu
grito..."; "... eu ficava agoniada... eu falo e ela não vem... meu pai falô
prá mim ficá calma... não ficá nevosa...".
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Vários autores são unânimes em afirmar que os abusos vocais


também são formas de se passar sentimentos, que a criança utiliza a
laringe para contatuar com a família e que muitas vezes os seus
problemas psicológicos devem ser reconhecidos (BEHLAU & PONTES,
1988, 1995, 2001; ARONSON, 1990; ALBINO, 1992; BOONE & Mc
FARLANE, 1994).

O fonoaudiólogo deve estar sempre atento ao desconforto


emocional da criança, observando como ela passa seus sentimentos,
aproveitando o momento da terapia para trabalhar, por exemplo, os
abusos vocais que ocorrem em diferentes situações da sua vida social, o
que vem ao encontro de ANDREWS (1993, 1997, 1998).

Esta noção deve ser sempre valorizada, pois observamos que a voz
é compatível com a personalidade: crianças mais hiperativas vão
apresentar vozes mais intensas e as mais tímidas, vozes mais fracas,
conforme DINVILLE (2001) e FAWCUS, (2001). Podemos
exemplificar com a nossa pesquisa: "... ela é roca desde pequena... eu
nasci... eu comecei a falar... a minha voiz era assim..."; "... os meus
amigos são chatos... grito com eles... tô com um galo aqui de tanto
gritá...". Assim, passamos os nossos sentimentos, como a ansiedade, a
angústia, a aflição, a irritação, a amargura, a alegria, através da voz.
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RESPIRAÇÃO

Esta noção de voz como respiração é referida na literatura, como


sendo fundamental para o gesto vocal.

Na prática clínica, levamos em conta que o importante na fala é a


educação respiratória e procuramos desenvolver um padrão respiratório
adequado tanto para a inspiração quanto para a expiração. A inspiração
deve ser correta, silenciosa, de preferência nasal, tranqüila, suficiente e
rápida. Para a expiração, é importante que seja natural, relaxada (sem
esforço), controlada. Além disso, que a expiração tenha escoamento
regular, direção apropriada e duração adequada. (MELLO, 1972).

Através de expressões de crianças de nossa pesquisa ("... a voz ...


pá ajudá a respiração..."; "... a voz pá facilitá a respiração..."),
podemos reconhecer o pensamento de BLOCH (1980, 1985), que
também ressaltou o papel da respiração na voz/fala. Para ele, precisamos
respirar para viver e saber respirar ao falar. O autor explicou que o ato de
respirar é tão importante que se poderia classificar a inspiração como
poética ou musical e a expiração como colocar o ar para fora, esgotar o
prazo... ou morrer. Ele completou que a voz conduz uma mensagem
emocional e todos os fatores que a alteram ou a inibam, ocasionarão
conseqüências na laringe.

No atendimento a crianças disfônicas, devemos estar atentos ao


aspecto respiratório, levando em conta a sua idade, o crescimento (tórax,
laringe) e a necessidade de utilização da voz. Sabemos que, quando
falamos ou cantamos, temos a capacidade de fazer uma inspiração
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rápida, seguida por uma expiração prolongada, que vai ativar a fonação
para o canto ou para a fala, como explicado por BOONE & Mc
FARLANE (1994) e BOONE & PLANTE (1994).

RUSSO (1999) comentou que, o principal requisito da fonação é a


comunicação entre as pessoas e que, para isso, os sons da fala precisam
ser audíveis. Ela explicou que falar é um ato motor, que consiste em
movimentos coordenados, que agem sobre o ar que está contido nos
tratos oral e respiratório. Algumas de nossas crianças fizeram
comentários desse processo ao se referirem aos seus problemas, por
exemplo: "... eu nasci com uma doença de bronquite... deve ter afetado a
minha voz..." , "... fazer uma cilurgia de garganta... para passar o ar e
também falar melor...", "...eu ficava sem voz... tinha vez que só saía ar
da minha garganta...".

Assim, percebemos por essas falas que a respiração entra na noção


de voz, pois é fundamental o seu equilíbrio para que a emissão vocal seja
satisfatória. Podemos, por outro lado, pensar que na prática clínica é que
foi transmitida tal correlação entre a respiração e a voz.

Nesta pesquisa, a noção de voz que se aproxima de respiração é


compatível com a literatura. Algumas crianças, embora não tão
expressivamente quanto nas outras referências, mesclaram as
informações de respiração e voz. Imaginamos que talvez estas crianças
tenham tido mais dificuldades vocais decorrentes de problemas
respiratórios, ou que, de certa maneira, tenham recebido mais orientação
nesta área, no seu tratamento. De forma geral, esta é uma noção que deve
ser sempre privilegiada na terapia.
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FALA

Em toda a pesquisa, encontramos a utilização dos termos voz e


fala como sinônimos ("... a voz... prá gente podê falá..."), sendo que a
criança não separa a voz da linguagem ("... sem a voz... você não pode
falá...", "...prá melhorá a minha voz... é porque eu falo rôco...", "... a
vóiz...pá gente consegui falá...").

Esses fragmentos nos demonstram que, principalmente para a


criança, a noção para voz e fala é basicamente a mesma. No nosso
corpus, encontramos a voz como sendo usada para gritar, cantar, ler, e
outros verbos que tratam da comunicação. A fala, no entanto, foi referida
como a voz falada. Na literatura, este conceito também é utilizado por
muitos autores e as divisões são didáticas, principalmente quando se
referem à anatomia e fisiologia. SOARES & PICCOLOTTO (1977)
explicaram que a voz referia-se aos sons produzidos pela laringe e a fala,
à articulação desses sons. Para as autoras, na inter-relação social,
utilizamos a voz falada, aquela que é articulada e modulada para
transmitir uma mensagem.

Nós entendemos que a voz é constituída de signos lingüísticos que


se expressam na fala, como instrumento de comunicação, sempre com o
objetivo de agir sobre o outro e influenciá-lo (MELLO, 1972).

As crianças também demonstraram que a voz manifestada por


meio da fala expressa de forma significativa o que somos e sentimos, por
exemplo: "... prá você falá tudo o que você sabe sobre a vida... sobre o
que está passando...". Assim podemos entender que a mensagem não é o
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que dizemos mas, sim, como dizemos, como encontramos em BOONE


& Mc FARLANE (1994).

Na clínica fonoaudiológica, devemos considerar a criança


disfônica como tendo um problema de voz e fala, pois sintetizando um
pensamento de BLOCH (1980, 1985, 2001) de que a função expressiva
da palavra está unida à comunicativa.

Em relação à discussão que realizamos acima, temos que


acrescentar que foi extremamente gratificante poder contribuir com
informações que consideramos muito úteis à clínica fonoaudiológica e,
em particular, aos profissionais que também atuam com a criança
disfônica. Acrescentando conhecimento para a área da comunicação
vocal, poderemos ter maiores possibilidades de oferecer aos nossos
pacientes um tratamento mais completo.

A INTERVENÇÃO FONOAUDIOLÓGICA

Como dissemos inicialmente, partimos em busca de dois pontos: a


noção de voz e se a intervenção fonoaudiológica provocava impacto na
comunicação da criança. De acordo com nossas leituras e com nossa
experiência clínica, consideramos intervenção fonoaudiológica todo o
procedimento que é realizado com a criança.

Para este trabalho, selecionamos crianças que tinham tido apenas


uma orientação básica, dada no dia da triagem, para que não se
configurasse uma intervenção terapêutica, conforme expusemos em
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Material E Método, quando falamos dos grupos estudados. Além disso,


consideramos a intervenção da nossa criança, com pelo menos dois
meses de trabalho fonoaudiológico.

De acordo com ANDREWS (1998), a criança quando se submete


a uma intervenção fonoaudiológica, passa por quatro fases: a de
Conscientização Geral, a de Conscientização Específica, a de Produção e
a de Transporte. Para o período que escolhemos, consideramos que as
crianças tinham passado pelo menos pelo período inicial
(Conscientização Geral e Específica) e que, portanto, estariam melhores
do ponto de vista comunicativo. Não consideramos as fases posteriores
como necessárias à nossa pesquisa pois o foco da nossa investigação não
seria qual a terapia e, sim, a intervenção de uma forma geral.

Antes de apresentarmos os resultados estatísticos, vamos discutir o


que encontramos na literatura, com as nossas posteriores leituras acerca
da intervenção fonoaudiológica, juntamente com a nossa experiência
clínica.

Na prática clínica também consideramos, assim como vários


outros autores, o hiperfuncionamento vocal da criança em idade escolar,
o abuso ou mau uso da voz e desenvolvemos uma intervenção
fonoaudiológica voltada para a sua redução, que consiste de uma
entrevista, de uma avaliação e da terapia propriamente dita, como
encontramos em BOONE (1983) e ARONSON (1990), entre outros.

Em relação à entrevista fonoaudiológica, alguns autores


comentam que é um momento muito importante e que ela deve ocorrer
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sempre num clima cordial e distenso. Eles colocam que o profissional


deve tentar obter, junto à família da criança disfônica, dados sobre a
dinâmica familiar, informações sobre a saúde e quais profissionais
também atuam com o paciente. Eles explicam que os dados escolares são
importantes, uma vez que muitas atividades podem ser aproveitadas,
como a leitura em voz alta, o canto, a dramatização, além dos dados
obtidos com a própria criança acerca do problema vocal que ela
manifesta (HODKINSON, 1992; ANDREWS, 1993, 1997, 1998;
CAMPIOTTO, 1999).

Na experiência clínica, constatamos que o momento da entrevista


é muito importante e devem ser ouvidos tanto os pais como os parentes
que convivem com a criança. Muitas vezes uma irmã mais velha, ou tia,
é que estão um tempo maior com a criança, às vezes, a empregada ou a
vizinha. Consideramos fundamental a entrevista individual com a
criança, para que ela possa expressar a sua própria queixa. Não achamos
necessária a ênfase de SANCHEZ (1995) quanto ao clima da entrevista
no primeiro contato, de que ele deva ser distenso e cordial. Entendemos
que só é possível ocorrer uma entrevista proveitosa se existir um "clima
favorável" pois, caso contrário, não se efetivará a troca de informações.

A avaliação clínica é um outro elemento da intervenção


fonoaudiológica que, consideramos que deva ser minuciosa e cuidadosa,
pois vai contribuir para o diagnóstico e para a conduta a ser tomada com
a criança. Devemos levar em conta que, como o fonoaudiólogo é muitas
vezes o primeiro profissional a contatuar com a criança, não deve basear-
se apenas em testes específicos ou avaliações subjetivas.
96

Durante os anos em que atuei em escola, trabalhando com a


prevenção de distúrbios da comunicação, tive a oportunidade de realizar
com as crianças, além da triagem básica, uma avaliação específica, que
incluía diversas áreas da linguagem oral e escrita. Para todas as crianças
e especialmente para as disfônicas, observávamos o comportamento
auditivo e em caso de dúvida solicitávamos uma verificação da acuidade
da audição. A criança era observada em situações de conversação
espontânea e em outras atividades para que não houvesse mudança no
seu comportamento vocal habitual. Esses dados eram complementados
com os que obtínhamos em sala de terapia como: de dramatização, de
canto e de jogos. Aproveitávamos, desta forma, para obter dados
objetivos como: tipo e modo respiratório, altura, intensidade e qualidade
vocal, tipo de ataque vocal da criança, como era sua ressonância,
velocidade de fala e coordenação pneumofonoarticulatória, além de
posturas e tensões corporais. Era rotineira a avaliação da musculatura
facial e oral com a verificação do tônus e mobilidade, da mastigação e da
sucção. Muitos defendem que todas as áreas da cabeça e do pescoço
devem ser integradas, e esta nossa forma de avaliação vem ao encontro
do que é proposto por vários autores como BOONE (1983),
HODKINSON (1992) e ANDREWS (1993, 1997, 1998). E para
complementar, verificávamos o nível de compreensão da linguagem,
além de dados da comunicação expressiva da criança. Atualmente, está
sendo valorizada também a avaliação das proporções crânio-faciais,
incluindo as articulações têmporo-mandibulares.

Um outro item da avaliação fonoaudiológica que podemos discutir


é quanto à percepção/consciência que a criança tem da sua disfonia.
97

A presente pesquisa comprovou o que observamos durante anos,


avaliando crianças, que elas percebem a própria voz. Pudemos, assim,
discordar de afirmações de que a criança raramente percebe a sua
disfonia (BOONE, 1983). O mesmo para colocações de que a criança
disfônica tem uma percepção/consciência distorcida de seu problema de
voz (BEHLAU & GONÇALVES, 1988). Discordamos desses
pensamentos, pois as crianças entrevistadas, mesmo as pequenas,
identificaram o problema de voz e falaram sobre ele objetivamente.

A pesquisa, em relação aos nossos questionamentos, vem ao


encontro de alguns autores que privilegiaram a observação da
comunicação da criança, uma vez que fomos buscar a noção que a
criança tem da voz. Para nós, também é importante entender o quanto
um problema vocal interfere na vida social da criança. Como já
lembramos, a criança está em fase de formação da sua identidade e tais
problemas podem afetar significativamente o seu desenvolvimento
social, afetivo e emocional, como verificamos em (WILSON, 1979;
HERSAN, 1990; BEHLAU, 1991; ANDREWS, 1998; CAMPIOTTO,
1999; PELA, 1999).

Alguns autores enfatizam que seja investigado o grau de


consciência que a criança disfônica tem da sua voz, qual a sua
percepção, que impressão essa voz causa, que auto-imagem a criança
tem (COOPER, 1974; BOONE, 1983; VALLANCIEN, 1986; BEHLAU
& GONÇALVES, 1988; BEHLAU & PONTES, 1988; HERSAN, 1991;
1997; ALBINO, 1992; BOONE & Mc FARLANE, 1994; Mc
ALLISTER & SEDERHOLM, 1996; FERREIRA, DRAGONE, PELA
& BEHLAU, 1977; BEHLAU, MADAZIO & PONTES, 2001).
98

Quanto à terapia fonoaudiológica, encontramos vários autores que


propõem que sejam realizadas orientações à família, para que ela possa
propiciar um ambiente distenso e que colabore com a criança para a
mudança do seu comportamento vocal. Propõem também orientações
escolares para que a criança possa aproveitar em situações do dia-a-dia,
como leitura em voz alta, dramatizações e canto, a utilização de um
padrão vocal mais adequado. Além disso, programas de redução de
abuso e mau uso vocal, desde abordagens mais simples até o controle
mais rígido desses comportamentos (LUCHSINGER & ARNOLD,
1965; COOPER, 1974; WILSON, 1979; TABITH JR., 1980;
VALLANCIEN, 1986; BEHLAU & GONÇALVES, 1988; ARONSON,
1990; HERSAN, 1991; ANDREWS, 1993; BOONE, Mc FARLANE,
1994; MORRISON & RAMMAGE, 1994; SANCHEZ, 1995;
STEMPLE, GLAZE & GERDEMAN, 1995; COLTON & CASPER,
1996; Mc ALLISTER & SEDERHOLM, 1996; BONUCCI, 1997;
DENUNCI, FREIRE, MOR et al., 1998; ZAFFARI, FEIJÓ & SCALCO,
1999; HERSAN & BEHLAU, 2000; FAWCUS, 2001; PINHO, 2001).

Na prática clínica com crianças disfônicas, verificamos que a


orientação à família não deve se restringir ao ensinamento de técnicas
mecânicas como treino de exercícios vocais. Esta orientação, quando
realizada, deve ser bem equilibrada para que a mãe não se transforme no
terapeuta do lar. É uma prática que, ao invés de ser positiva para o
tratamento, pode se tornar punitiva para a criança e muitas vezes
ocasionar o abandono do tratamento por não se conseguir realizar o
treino pedido. A orientação familiar, assim como a escolar, deve ocorrer
no sentido de gerar uma mudança do comportamento vocal. Uma criança
que tem pais ou professores que gritam ou que utilizam a voz de forma
99

inadequada, tem mais dificuldade em ajustar o seu padrão vocal.


Concordamos com programas de redução de abuso e mau uso vocal
também pela nossa vivência. Tivemos a oportunidade de verificar que
programas de orientação específica sobre o seu problema vocal, quanto
às conseqüências de se usar a voz indevidamente, além de informações
básicas de acordo com a sua idade, sobre anatomia e fisiologia, com a
utilização de cartazes e dramatizações, são benéficos para a redução do
hiperfuncionamento vocal (TABITH JR., 1980; BEHLAU &
GONÇALVES, 1988; HODKINSON, 1992; STEMPLE, GLAZE &
GERDEMAN, 1995; FERREIRA, DRAGONE, PELA & BEHLAU,
1997).

Concordamos com autores, entre eles, SANCHEZ (1995),


NAVAS & DIAS (1998), HERSAN & BEHLAU (2000) quando dizem
que, para o sucesso da terapia fonoaudiológica, em especial com a
criança disfônica, é necessária a motivação. Cabe ao fonoaudiólogo, na
interação com a criança, motivá-la em relação às suas melhoras no
tratamento, permitindo, assim, a sua participação ativa e o seu interesse
pelo trabalho realizado.

Observamos que, no trabalho terapêutico, as técnicas vocais


também devem ser propostas e privilegiadas para tratar a disfonia
infantil. A realização de exercícios vocais, para auxiliar as dificuldades
da criança, deverão ocorrer sempre no seu nível de interesse,
compreensão e desenvolvimento, da mesma forma como proposto por
WILSON (1979), ARONSON (1990), HERSAN & BEHLAU (2000), e
FAWCUS (2001).
100

Julgamos importante, no sentido de reduzir a tensão músculo-


esquelética, geralmente observada no hiperfuncionamento vocal da
criança, que sejam realizadas técnicas de relaxamento para reduzir a
hipertonia muscular, associando-lhe um trabalho respiratório, conforme
proposto em BOONE (1983), ARONSON (1990) e BEHLAU &
PONTES (1995).

Consideramos também importante um trabalho de tempo reduzido


com a percepção auditiva, como o que foi proposto por WILSON (1979),
pois sempre facilita a compreensão da voz. O mesmo para o trabalho
com o canto, a música e a melodia, para que a criança possa controlar a
modulação da voz, a intensidade e a respiração, como encontramos em
PINHO (2000).

O terapeuta que atua com disfonia infantil deve ter a preocupação


de não torná-la uma miniatura do trabalho aplicado ao adulto. A criança
tem uma anatomia diferente, uma fisiologia compatível com as suas
proporções sendo outros os seus interesses de vida. Porém, para a nossa
surpresa, poucos foram os autores que enfatizaram, explicitamente, que a
terapia para a criança disfônica não deva ser uma adaptação das técnicas
aplicadas ao adulto (HERSAN, 1993; Mc ALLISTER & SEDERHOLM,
1996; HERSAN & BEHLAU, 2000).

Encontramos autores que valorizam a elaboração de um contrato


de trabalho entre o paciente e o terapeuta, para que este possa
desenvolver o seu programa terapêutico e aquele possa garantir os seus
interesses (HODKINSON, 1992; ANDREWS, 1993; SANCHEZ, 1995).
101

Mesmo considerando importante o estabelecimento de um


contrato de trabalho, temos consciência de que esta atitude ainda não é
consenso na prática clínica. O fonoaudiólogo, por sua formação, ainda
tem dificuldade em propor um contrato de trabalho formal com a criança
e seus familiares. Observamos que, com a criança, o terapeuta estabelece
as "normas" de trabalho, mas acaba encontrando dificuldades com
relação aos familiares. Esperamos que para o futuro esta atitude seja
incorporada na clínica fonoaudiológica.
102

O IMPACTO DA INTERVENÇÃO FONOAUDIOLÓGICA

COMENTÁRIOS DOS RESULTADOS

Procuramos apresentar, acima, quais fatores a literatura mostra


como necessários no atendimento à criança disfônica. Não nos
detivemos em apresentar técnicas específicas de terapia porque, para a
presente pesquisa, não levantamos quais seriam elas. Pela vertente do
nosso trabalho e pelo tipo de atendimento com ênfase na comunicação,
realizado no Setor de Fonoaudiologia pesquisado, essas técnicas não
seriam prioritárias.

Explicamos na Introdução do trabalho, que temos duas vertentes,


no que diz respeito ao atendimento fonoaudiológico à criança disfônica:
uma mecanicista e outra comunicativa.

Apresentamos um capítulo sobre considerações anátomo-


fisiológicas, quando procuramos mostrar as diferenças entre a laringe
infantil e a do adulto, o que justificaria, muitas vezes, a espera para se
realizar uma reabilitação fonoaudiológica. Nesta vertente, problemas
considerados comuns para criança em idade escolar irão desaparecer
com as mudanças anatômicas decorrentes do desenvolvimento da
laringe. Desta forma não nos preocupamos em analisar se os problemas
ocorriam mais em meninos do que em meninas (Anexo X), como
encontramos em outras leituras. Nem para o estabelecimento de uma
determinada idade (Anexo XI), para se ter uma ocorrência maior ou
menor de alterações. Da mesma forma, nosso interesse não recaiu nas
103

diferentes doenças que poderiam ocasionar um problema vocal (Anexo


XII).

Não que esses dados não sejam importantes, mas a preocupação


deste trabalho é com a comunicação. Assim, apresentamos um capítulo,
sem a pretensão de esgotar o assunto, em que a comunicação é abordada
em seu sentido amplo e específico (a comunicação vocal) em função da
própria necessidade de limitar o trabalho.

Agora que pensamos nos principais aspectos de uma intervenção


fonoaudiológica, vamos discutir os resultados com os nossos grupos
pesquisados. Para lembrar, esses resultados foram contabilizados nas
respostas das crianças, que são decorrentes das perguntas. A partir deles,
elencamos categorias e sub-categorias, como pode ser encontrado no
capítulo de Material E Método, e analisamos as diferenças significativas,
ao compararmos os grupos pré-intervenção e pós-intervenção.

FUNÇÕES DA VOZ

Esta categoria, conforme explicamos no Capítulo 4, foi


identificada nas respostas das crianças e agrupadas em sub-categorias,
quando as palavras ou frases apontavam para determinadas áreas. Assim,
no grupo pós-intervenção, encontramos a função da voz como sinônimo
de "Fala", expresso de forma mais significativa do que no grupo pré-
intervenção, conforme pode ser observado na Tabela I.
104

Tal resultado nos leva a pensar que a intervenção fonoaudiológica


influenciou esta noção da criança, permitindo que ela entendesse a voz
como fazendo parte da fala. Os nossos achados coincidem com a
literatura, em que voz e fala são partes da linguagem, como por exemplo
com MELLO (1972), BLOCH (1980), DINVILLE (2001), onde a ênfase
é dada ao trabalho com a voz para melhorar a forma de falar da criança;
outros, em que a criança precisa falar utilizando uma boa voz; ou que a
fala é a mais rica forma de arte humana. Observamos também que a voz
se expressa pela fala, e a função lingüística da voz sustenta a fala.

CONHECIMENTO DO PROBLEMA VOCAL

Para verificarmos se a intervenção fonoaudiológica interferia nesta


noção, avaliamos várias subcategorias e encontramos diferenças
significativas no sub-item "Reconhecimento da Melhora", conforme
pode ser observado na Tabela II.

Em um primeiro momento, olhando para esse resultado, pareceu-


nos óbvio o reconhecimento da melhora e, conseqüentemente, que tenha
dado significância neste sub-item. Pela vivência clínica, temos
observado que a criança, quando chega ao consultório, sabe que algo não
vai bem com sua voz, ou porque os pais lhe falaram, ou porque os
amigos, a professora ou porque ela própria teve dificuldades em se
comunicar. De fato, com a voz que possuía não conseguia falar o que
queria. Percebemos que a criança tem mais dificuldade em avaliar os
progressos obtidos, porque ela tem que ir ao consultório
sistematicamente. Às vezes, a rouquidão está desaparecendo, mas ela
105

não sabe referir se está melhorando, se não tiver sido bem orientada
antes. Então, para nós, este resultado foi bastante importante porque
evidencia que a intervenção fonoaudiológica, pelo menos a realizada
nesta instituição, capacita a criança a avaliar a sua melhora, a partir do
momento que teve um conhecimento maior do seu problema, motivou-se
com isso, o que provavelmente permitiu estabelecer uma meta para o
tratamento.

Nossos resultados vêm ao encontro da literatura que valoriza o


fato de que, na intervenção da criança disfônica, devem ser dados, de
forma simplificada, conhecimentos do funcionamento vocal, explicado
que problema ela tem, o que ela faz de errado com a voz, o que pode
fazer para melhorá-la (TABITH. JR., 1980; BOONE, 1983; BEHLAU &
GONÇALVES, 1988; HODKINSON, 1992; ANDREWS, 1993, 1998;
HERSAN, 1993, 1997; STAMPLE, GLAZE & GERDEMAN, 1995;
FERREIRA, DRAGONE, PELA & BEHLAU, 1997).

TERAPIA

A análise comparativa entre os grupos mostrou, na categoria


Terapia, significância na sub-categoria "Exercícios".

Este resultado evidencia que as crianças do grupo pós-intervenção


entenderam a interferência como sendo também a realização de
exercícios.
106

A criança disfônica, quando inicia um trabalho, realiza uma série


de técnicas com jogos, desenhos e as entende como exercícios, porque
freqüentemente tem que realizá-las em casa. Isto é interessante pois,
pelos nossos resultados, a criança que ainda não se submeteu à
intervenção não demonstrou expectativas em relação ao trabalho. Para a
Fonoaudiologia, é um resultado importante, uma vez que os terapeutas
buscam trabalhar a comunicação. Então, é interessante considerarmos a
forma como está sendo valorizado o "exercício" na intervenção
fonoaudiológica, pois embora não seja prioritário, ele é necessário ao
tratamento.

Este resultado nos faz pensar que talvez devêssemos verificar


como estão sendo realizadas as orientações à família, à escola, aos outros
profissionais que atuam com nossos pacientes e até mesmo com a
própria criança. Talvez fosse necessário mudar a ênfase do trabalho para
se modificar a imagem de que na Fonoaudiologia a criança sempre irá
realizar exercícios para todas as dificuldades.

Como terapeutas, sabemos que os exercícios são necessários e


importantes, mas não só isso. Nossos achados quanto à importância dos
exercícios vêm ao encontro da literatura, que nos apresenta muitas
técnicas, embora não as tenhamos levantado. Muitos autores
desenvolveram programas com técnicas específicas para cada uma das
dificuldades vocais que a criança apresentou, no sentido quantitativo.
São técnicas que, além de tudo, vão ajudar na produção de uma voz mais
adequada e fazer com que a criança tenha um controle maior sobre ela
(WILSON, 1979; TABITH JR., 1980; BOONE, 1983; HERSAN, 1993,
107

1997; ANDREWS, 1993, 1998; MORRISON & RAMMAGE, 1994;


HERSAN & BEHLAU, 2000; FAWCUS, 2001).

Por trabalharmos durante tantos anos com crianças disfônicas,


sabemos que só com a prática de exercícios não conseguiremos reabilitar
aquele paciente, modificar o seu comportamento vocal. Assim, este
resultado deve nos fazer refletir mais demoradamente sobre o item
"exercícios" para a criança não imaginar que, parando com eles, os
problemas voltarão. E, sim, que é necessária, além dos exercícios, uma
mudança de postura vocal, pois muitos treinos poderão ser sempre
realizados, como os de relaxamento e respiração.

VOCABULÁRIO

Quando começamos a ler nossas respostas, embora sem nenhuma


pretensão lingüística, ficamos surpresos com a característica do
vocabulário referente à comunicação apresentado pelas crianças.

Resolvemos analisá-lo e conseguimos identificar sub-categorias


que chamamos de Verbos, Substantivos, referências a Sensações
Corporais e Adjetivos, pois ocorriam de forma bastante expressiva.
Agrupamos estas sub-categorias e, quando comparamos os grupos pré-
intervenção e pós-intervenção, encontramos diferenças estatisticamente
significativas para a categoria de Verbos, sendo o "Falar" o de maior
ocorrência, como pode ser observado na Tabela IV. Nesta mesma tabela,
108

observamos uma significância na sub-categoria de Substantivos, com a


ocorrência maior em "Exercícios".

Como a diferença entre os vocabulários era bastante expressiva,


ficamos pensando como seria se eles fossem agrupados e analisados,
sem as sub-divisões que fizemos anteriormente. Resolvemos, então,
analisar as categorias, na íntegra, de Verbos, Substantivos, referências a
Sensações Corporais e Adjetivos e de compará-las entre os grupos,
conforme pode ser apreciado na Tabela V. Encontramos significância na
categoria Substantivos.

Pensando sobre estes resultados entendemos que a intervenção


fonoaudiológica capacita a criança a se comunicar com uma expressão
verbal mais rica. Esta passa a utilizar-se de uma terminologia mais
adequada de comunicação, tanto na categoria nominal de Verbos quanto
na de Substantivos.

Para os verbos, não foi surpresa encontrar o "Falar", uma vez que
ele demonstrou ter sido muito utilizado na intervenção. O mesmo para o
substantivo "Exercícios", o que nos fez mais uma vez pensar neles
como estratégia, pela freqüência com que ambos apareciam no
vocabulário da criança.

Para a comparação, ficamos muito satisfeitos com o resultado,


pois as crianças utilizaram, na conversa com a examinadora, uma
fluência maior marcada pela utilização correta dos Substantivos.
Também aqui, observamos que, com a intervenção, a criança sentiu-se
mais livre para utilizar um vocabulário referente à comunicação e à voz,
109

principalmente quanto aos Substantivos. Como não sabemos que


técnicas foram utilizadas, pensamos que a própria dinâmica da
intervenção fonoaudiológica tenha propiciado uma riqueza e utilização
maior do vocabulário empregado.

Quando buscamos a literatura, não encontramos pesquisas que nos


mostrassem ou oferecessem dados sobre o vocabulário das crianças
disfônicas. Para nós, foi importante, porque numa vertente comunicativa
espera-se que a criança possa se expressar de forma mais completa e, na
nossa pesquisa, a intervenção mostrou-se efetiva para este aspecto.

COERÊNCIA NA EXPOSIÇÃO DO TEMA

A análise comparativa mostrou uma diferença significante nesta


categoria quando foi observado que algumas crianças falavam sobre o
tema pedido e o exemplificavam.

Estabelecemos como resposta coerente, quando a criança


conseguia definir e exemplificar o tema pedido, com clareza de discurso,
mesmo apresentando hesitações, como pode ser observado na Tabela X.

Não conseguimos comparar ou apoiar os nossos resultados na


literatura que pesquisamos. É provável que não existam pesquisas com
crianças disfônicas que busquem avaliar e quantificar a sua coerência
para expor o tema pedido. Por outro lado, depreendemos da literatura e
também da nossa clínica diária que, quando uma criança é orientada
110

adequadamente, quando ela sabe o que tem, o que ela está fazendo de
errado com a voz, quais as formas de se tratar, ou seja, quando a criança
entende o seu tratamento, ela se torna mais capacitada para falar do tema
solicitado.

Portanto, ficamos satisfeitos com os resultados obtidos em relação


ao aspecto em foco, pois nos indicou que a intervenção realizada com as
nossas crianças, capacitou-as a falar com maior clareza sobre a voz.
111

COMENTÁRIOS FINAIS

Caracterizamos as respostas por assunto, influenciados, de certa


forma, pelas nossa leituras, e definimos categorias e sub-categorias.
Verificamos o impacto que a intervenção fonoaudiológica causava na
noção que a criança disfônica tinha da voz. Esperávamos que, com a
intervenção, encontrássemos diferenças significativas em todas as
categorias. Não encontramos. Era essa a nossa expectativa, uma vez que
considerávamos que, para o trabalho com a criança disfônica, sempre se
deveria levar em conta uma atitude comunicativa; então, ao verificarmos
os dados trabalhados dentro desta vertente, deveríamos obter grandes
diferenças, o que de fato não ocorreu.

Podemos inicialmente pensar que a causa de não termos obtido


diferenças em todas as categorias tenha sido o método adotado no
trabalho. Talvez em decorrência das nossas perguntas, que foram
singelas e que se completavam entre si, podendo algumas vezes até
terem sido confundidas. Porém, nossas quatro perguntas foram testadas
inicialmente por meio de um piloto que mostrou que eram eficientes para
obtermos as respostas. Podemos supor que as perguntas que elaboramos
não fossem suficientes para fazerem as crianças falarem sobre a
comunicação vocal. Todavia, mesmo não tendo havido diferenças
estatísticas na categoria Loquacidade, como pôde ser visto na
Tabela VI, o resultado de moderada para muito loquaz foi expressivo.
Então, de certa forma, podemos pensar que as perguntas não impediram
as crianças de se expressarem. Na mesma linha de raciocínio, podemos
pensar que. na categoria de Hesitação, também as perguntas não
inibiram ou atrapalharam as crianças a ponto de elas hesitarem ao
112

responder, como pode ser visto na Tabela IX. Dessa forma, não seriam
só as perguntas que teriam dificultado a obtenção dos resultados. Por
conseguinte, concluímos que o método desenvolvido nos propiciou a
obtenção de um corpus bastante rico, que se mostrou eficaz para
demonstrar a noção que a criança disfônica tem de Voz.

A comunicação das crianças foi explorada por meio das perguntas


e a análise do discurso foi realizada sobre as respostas. Consideramos
então, baseados em BARDIN (1977) e PRETTI (1999), que nossa
análise foi relativa à mensuração de eventos cujas ocorrências foram
contabilizadas. Talvez se tivéssemos feito uma análise de discurso do
conteúdo, no qual teríamos pedido para a criança explicar um texto, é
provável que pudéssemos ter revelado outras informações. Porém, se
tivéssemos optado por esse procedimento, teríamos que escolher um
caso para analisar, o que, para nós, não seria representativo de uma
atuação, de uma intervenção. Apesar de sabermos as limitações dessas
informações, ficamos satisfeitos com nosso estudo prospectivo que
contabilizou e analisou os eventos e, de certa forma, nos ofereceu
muitas informações. Pudemos então, perceber que a intervenção
fonoaudiológica é efetiva na comunicação de crianças disfônicas.

Na discussão, levantamos pela literatura, que é necessário na


intervenção da criança, que se organize o ambiente familiar, escolar,
aspectos de higiene vocal. Porém, não encontramos no corpus recolhido,
referência a esses aspectos, apenas às técnicas vocais. Não encontramos
crianças que se referiram à importância da participação da mãe, à
colaboração da família, da escola. A preocupação da criança era mais
nítida no fato de realizar exercícios e ficar boa logo. Então, talvez este
113

seja também um fator que tenha diminuído a significância dos resultados


estatísticos.

Podemos pensar que atingimos parcialmente os resultados


esperados, porque o enfoque dado à intervenção talvez não tenha sido
suficiente para modificar as crianças disfônicas do ponto de vista
comunicativo.

No Anexo I, observamos que a ênfase dada na intervenção


fonoaudiológica das crianças pesquisadas foi quanto ao aspecto
comunicativo de sua voz. As técnicas vocais, embora importantes, foram
consideradas secundárias. Acreditamos que tal fato tenha ocorrido em
função do próprio conhecimento dos profissionais de que determinadas
alterações vocais iriam se ajustar com o desenvolvimento da criança.

Em decorrência disso, somos levados a supor que talvez não


tenham sido empregadas técnicas específicas (especiais) para se tratar a
comunicação. É provável que não se conheçam tais técnicas. Podemos
pensar que talvez se conheçam e se utilizem técnicas comunicativas com
o adulto, mas com as crianças não foram aplicadas e testada a sua
eficiência comunicativa. Podemos pensar também que, como a
comunicação ocorre na relação terapeuta/paciente, talvez não tenha se
desenvolvido o vínculo comunicativo, ou seja, o trabalho não foi
realizado dentro do âmbito de interesses da criança.

Talvez até imaginemos que as estruturas de intervenção


fonoaudiológica não estejam ainda preparadas para fazerem uma
114

mudança tão significativa: preparar a criança disfônica para a


comunicação.

Ao atender crianças disfônicas, o fonoaudiólogo precisa dispor de


uma série de atributos mas, acima de tudo, compreender e entender o
aspecto comunicativo da voz. Este sim, deve ser o elemento criativo,
motivador e propulsor do trabalho com crianças disfônicas. Ou seja, o
ponto de partida para a elaboração de estratégias avaliativas e clínicas
deve ser dos próprios recursos expressivos da criança disfônica e dos
sentidos construídos na interação comunicativa entre o terapeuta e o
paciente.

Isto é para nós, fonoaudiólogos, um alerta. É provável que


tenhamos que desenvolver e testar cientificamente, técnicas especiais
para trabalharmos a comunicação vocal de crianças disfônicas.

Talvez as nossas crianças disfônicas precisem de práticas


coletivas, auxiliares, de comunicação como: teatro, canto, oratória,
discussão em grupo, que levem a criança a refletir e a produzir uma
linguagem conjunta, sem contudo se eliminar o trabalho individual.
Podemos pensar que o terapeuta, se for um elemento que propicie uma
relação de comunicação, a ponto de que a noção de voz seja bem
estabelecida, poderemos posteriormente verificar as diferenças no seu
próprio comportamento vocal.

Na terapia deve-se estabelecer uma relação verdadeira onde a


criança possa falar, ser ouvida, sem ser repreendida mas, sim,
compreendida. A criança precisa aprender a vivenciar a relação de
115

comunicação, para tentar transpor tais vivências para as outras situações


da sua vida.

Portanto, quando o fonoaudiólogo só trabalha a técnica, cobrando


se a criança treinou ou não, verificando o controle de abusos, não está
efetivamente vivenciando a relação de terapia e conseqüentemente não
está sendo trabalhada a comunicação.

Esta pesquisa constatou que na Fonoaudiologia existe a


necessidade de se associarem técnicas conhecidas, que trabalham a
mecânica da voz, com práticas comunicativas específicas no atendimento
à criança disfônica, mas que estas não constituam simples transferências,
similares as que são realizadas com adultos.

Considerando-se a amplitude do tema disfonia infantil e a escassez


de pesquisas específicas, principalmente no aspecto comunicativo, para
este tipo de terapia, acreditamos que este trabalho apresenta reflexões
importantes à Fonoaudiologia e às especialidades afins, especialmente
ratificando que a criança é dotada de características próprias, portanto,
não pode mais ser considerada como um simples decalque empobrecido
do adulto, e que repensemos a formação do terapeuta que com ela atua.
Com esta forma de proceder, pensamos que podemos ultrapassar os
resultados da avaliação e as práticas terapêuticas que vêem sendo usadas:
não se ficará restrito ao aspecto mecânico, ou às práticas comunicativas
específicas de disfônicos adultos. Importa, aqui, privilegiar a criança
disfônica em suas particularidades, ou seja, como esta, enquanto sujeito,
vê a questão da voz, e o da sua própria voz. Importa avaliá-la e
acompanhá-la nos processos lingüísticos utilizados para produzir os
116

sentidos esperados em episódios de interação dialógica, por meio de


perguntas e respostas. É dessa atividade verbal da criança na relação com
o fonoaudiólogo que o avalia e acompanha, que emergem as
possibilidades de formas de atuação (de ambos os envolvidos), no
sentido de, juntos, reelaborarem as dificuldades da comunicação vocal.

Pensar e manifestar-se oralmente sobre a noção de VOZ constitui


uma forma da criança disfônica dar-se a conhecer, além de mostrar-se a
singularidade de cada criança. Isto possibilita ao fonoaudiólogo a análise
do tipo de "comunicação", e à criança reconhecer o valor da sua
expressão oral enquanto comunicação, suas idéias, seus sentimentos,
seus desejos etc.

O especialista de voz, em sua interação comunicativa com a


criança disfônica, deve oferecer condições adequadas para que ela possa
operar com a linguagem quer por meio dos tradicionais exercícios, quer
com a mudança de postura vocal.

Gostaria de deixar registradas as vantagens de uma avaliação e de


uma prática clínica elaborada a partir de uma perspectiva comunicativa
de VOZ, sendo "comunicativa" entendida, aqui, como aquela que se
fundamenta na expressão lingüística da criança em interação com o
fonoaudiólogo.

Centrando-se nestes parâmetros, a intervenção terapêutica


fonoaudiológica pode ser vista como representando, de fato, uma
continuidade da avaliação inicial.
117

Este estudo não teve a pretensão de esgotar o assunto e, sim, de


apontar para inúmeros caminhos, na intenção de se retomar, em outros
contextos, a noção de VOZ da criança disfônica e a relevância do
impacto da intervenção fonoaudiológica para a terapia desse distúrbio,
intervenção que implica em uma avaliação e uma conduta terapêutica
específicas à disfonia infantil, e que leve em conta o conhecimento da
criança disfônica, para quem é necessário o trabalho com a comunicação.

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