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Neuropsicologia e aprendizagem: uma abordagem multidisciplinar 155

Capítulo 8

Método fônico para prevenção e tratamento


de atraso de leitura e escrita:
Efeito em crianças de 4 a 8 anos 6

Alessandra G. S. Capovilla
Psicóloga, Mestre, Doutora e Pós-Doutora pela Universidade de São Paulo
Orientadora do Doutorado em Psicopedagogia, Universidade de Santo Amaro
Pesquisadora Associada do Laboratório de Neuropsicolingüística Cognitiva
Universidade de São Paulo
e-mail: acapovil@usp.br

Fernando C. Capovilla
Psicólogo, Mestre em Psicologia pela Universidade de Brasília
Ph.D. em Psicologia Experimental pela Temple University of Philadelphia
Livre Docente em Neuropsicologia Clínica pela Universidade de São Paulo
Professor Associado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo
e-mail: capovilla@usp.br

Há muito tempo pesquisadores e educadores estudam as difi-


culdades em leitura e escrita. Segundo Hempenstall (1997), a maior
disputa nessa área diz respeito à relevância de estratégias fônicas du-
rante a alfabetização. Duas abordagens principais se destacam: O mé-
todo fônico e o método global.
O método de alfabetização fônico promove o desenvolvimento
da consciência fonológica e o ensino explícito das correspondências
entre grafemas e fonemas, e progride sistematicamente desde os sons
das letras, passando pelas sílabas, palavras e frases até chegar a textos

6
Apoio: CNPq e FAPESP.
156 Fernando C. Capovilla (Org.)

cada vez mais complexos. Em contraste, o método de alfabetização


global, a partir de sua concepção da leitura como um jogo psicolin-
güístico, introduz textos complexos desde o início da escolarização e
procura desenvolver na criança a estratégia de leitura baseada na ten-
tativa de adivinhar o significado das palavras a partir do contexto, isto
é, de sua inserção no texto. A superioridade do método fônico, docu-
mentada extensamente por meta-análise de 115 mil estudos publicados
desde 1920 (Capovilla & Capovilla, 2002), decorre do fato de que a
escrita alfabética mapeia a fala, e de que o ensino explícito das corres-
pondências entre grafemas e fonemas auxilia a criança a empreender
os processos de codificação fonografêmica (na escrita) e de decodifi-
cação grafofonêmica (na leitura).
Nos primeiros séculos de ensino de leitura e escrita predomina-
va o uso de instruções fônicas (Hempenstall, 1997). O método fônico
propriamente dito, que preconiza o ensino das correspondências entre
as letras e seus sons, nasceu provavelmente no século XVI, com edu-
cadores alemães. Já o método global nasceu provavelmente no século
XVII (Morais, 1995). Segundo esse método, seria mais econômico en-
sinar a palavra como um todo às crianças, sem focalizar unidades me-
nores. Tais idéias foram reforçadas pela Gestalt, segundo a qual a
forma global das palavras forneceria dicas importantes aos leitores i-
niciantes. O conhecimento das correspondências entre letra e som se-
ria adquirido naturalmente após o reconhecimento total da palavra es-
tar bem estabelecido. O método global difundiu-se nas escolas no pre-
sente século. Suas idéias soavam como progressistas e sensíveis às ne-
cessidades das crianças. Porém, pesquisas começavam a mostrar resul-
tados diferentes.
O primeiro grande ataque ao método global foi feito no estudo
de Flesch (1955). Outros estudos de grande porte se seguiram, como
os de Chall (1967) e de Bond e Dykstra (1967). Pesquisas começaram
a mostrar que o método global é especialmente inferior ao fônico
quando as crianças apresentam risco de atraso em leitura e escrita ou
desvantagens socioculturais (Stahl & Kuhn, 1995).
Diante da importância de instruções fônicas na alfabetização,
pesquisadores têm estudado quais habilidades fonológicas são impor-
tantes para a leitura e a escrita, e como elas podem ser desenvolvidas
em crianças com risco de fracasso. A consciência fonológica é uma
delas, e refere-se à consciência de que a fala pode ser segmentada e à
Neuropsicologia e aprendizagem: uma abordagem multidisciplinar 157

habilidade de manipular tais segmentos (Bertelson & De Gelder,


1989). O tratamento explícito de consciência fonológica e de corres-
pondências entre grafemas e fonemas parece facilitar a aquisição de
leitura e escrita (Blachman, 1991). Este capítulo descreve os efeitos
desse tratamento em crianças de nível socioeconômico (NSE) médio
(Estudo 1) e baixo (Estudo 2).

Estudo 1

Os objetivos foram verificar se alunos do pré 1 à segunda série


de escola particular, provenientes de famílias de NSE médio, e com
desempenho em consciência fonológica abaixo da média podem bene-
ficiar-se do tratamento, e se tais benefícios estendem-se às habilidades
de leitura em voz alta, escrita sob ditado, conhecimento de letras, es-
tocagem de informação na memória de trabalho e acesso à informação
fonológica na memória de longo prazo. Participaram 121 crianças (59
meninos e 62 meninas) do pré 1 à segunda série de escola particular
de uma cidade do interior do estado de São Paulo. A abordagem da
escola à alfabetização era predominantemente global. Foram usados os
seguintes instrumentos:
1. Prova de Consciência Fonológica por produção oral, ou PCF-
Oral (Capovilla & Capovilla, 1998b, 2000) avalia dez habilidades, inclu-
indo julgamento de rima e aliteração, e síntese, segmentação, manipula-
ção e transposição de sílabas e fonemas. O escore corresponde à freqüên-
cia de acertos, e varia de 0 a 40 na PCF-Oral como um todo e de 0 a 4 em
cada um dos subtestes. Ainda que de um ponto de vista estritamente lin-
güístico possa ser levantado uma crítica à avaliação da consciência fono-
lógica por meio de provas de síntese e de segmentação fonêmica com
consoantes oclusivas, do ponto de vista psicológico tal crítica parece-nos
sem fundamento. Em primeiro lugar, nessas provas não há a concepção
de que a criança ou o aplicador devam pronunciar a consoante de forma
totalmente isolada da vogal, mesmo porque sabe-se perfeitamente que o
fonema não pode ser articulado isoladamente (Morais, 1995). O teste ava-
lia a experiência psicológica de que as sílabas são constituídas por unida-
des menores, os fonemas, e a capacidade de reconhecer e manipular tais
segmentos. Nossa ênfase ao avaliar os resultados da PCF-Oral não era
sobre o traço fonoarticulatório exato pronunciado pela criança, mas sim
sobre sua habilidade de segmentar sílabas em fonemas, tais como o avali-
ador os percebe. Crer que a experiência psicológica se reduz a conceitos
158 Fernando C. Capovilla (Org.)

puramente lingüísticos elementares seria ignorar boa parte da literatura


em psicologia cognitiva experimental sobre a interação de processamen-
tos bottom-up e top-down (Eysenck & Keane, 1990; McGurk & MacDo-
nald, 1976; Repp, 1984; Warren & Warren, 1970). Maiores detalhes po-
dem ser obtidos em Capovilla, Macedo, e Charin (2002).
2. Prova de leitura em voz alta: O software CronoFonos (Capovil-
la et al., 1997) analisa habilidades de leitura em voz alta de itens isolados.
Foi apresentada uma lista de 90 itens psicolingüísticos (Pinheiro, 1994)
que variavam em termos de lexicalidade, extensão, freqüência de ocor-
rência, e regularidade das correspondências grafofonêmicas. Foram calcu-
ladas as freqüências de erro para leitura total, de palavras apenas e de
pseudopalavras apenas. Os critérios de correção e pontuação da leitura em
voz alta, bem como as tabelas de dados normativos para essa lista encon-
tram-se em Capovilla e Capovilla (2000).
3. Prova de escrita sob ditado (Capovilla & Capovilla, 1997) con-
sistia numa lista de 72 itens, dos 90 da prova de Leitura, que também va-
riavam em extensão, freqüência, lexicalidade, e regularidade. Foram obti-
das freqüências de erro para ditado total, de palavras apenas e de pseudo-
palavras. Os critérios de correção e pontuação da escrita sob ditado, bem
como as tabelas de dados normativos para essa lista encontram-se em Ca-
povilla e Capovilla (2000).
4. Prova de Conhecimento de Letras (Capovilla & Capovilla,
1997): CronoFonos apresentava cada uma das 23 letras do alfabeto em
ordem aleatória. As crianças deviam nomeá-las em voz alta. A pontuação
na freqüência total de letras nomeadas corretamente.
5. Prova de Nomeação Rápida de Cores (Capovilla & Capovilla,
1997): Avaliava o acesso fonológico à memória de longo prazo. Crono-
Fonos apresentava uma matriz de três linhas por oito colunas, com 24
quadrados coloridos, e as crianças deviam nomear as cores o mais rapi-
damente possível. Foi computada a razão freqüência de quadrados corre-
tamente nomeados sobre o tempo total despendido.
6. Subteste de Números do WISC (Wechsler, 1984): Avaliava a co-
dificação fonológica na memória de trabalho, e requeria a repetição de
seqüências de dígitos. Os escores variavam de 0 a 17 pontos.
7. Escala de Maturidade Mental Colúmbia ou EMMC (Burgemeis-
ter, Blum & Lorge, 1971): Avaliava raciocínio geral. Os resultados na
forma de estanino (1 a 9 pontos) foram usados como covariante.
O estudo consistiu em três fases: Avaliação pré-tratamento, tra-
Neuropsicologia e aprendizagem: uma abordagem multidisciplinar 159

tamento e reavaliação pós-tratamento. No pré-tratamento, as 121 cri-


anças foram avaliadas nas provas de consciência fonológica, conheci-
mento de letras, nomeação rápida de cores e subteste de números do
WISC. As crianças a partir do pré 3 foram avaliadas ainda em leitura e
ditado. Com base nos desempenhos na PCF-Oral, cada nível escolar
foi dividido em três grupos: Grupo controle com desempenho abaixo
da média (GCb), grupo experimental abaixo da média (GEb) e grupo
controle acima da média (GCa). Foi então conduzido o tratamento
com os GEbs de cada nível escolar. Para cada grupo foram conduzidas
18 sessões durante nove semanas, sendo duas sessões de 40 minutos
cada por semana. As atividades do treino objetivavam desenvolver a
consciência de rimas, aliterações, palavras, sílabas e finalmente fone-
mas. Foram ainda ensinadas às crianças as correspondências entre as
23 letras do alfabeto e seus respectivos sons. Tais atividades encon-
tram-se descritas em Capovilla e Capovilla (1998a, 2000, 2002). Após
o tratamento foi conduzida a reavaliação, que consistiu na reaplicação
dos testes administrados no pré-tratamento.
Para cada medida, em ambas as avaliações, foram conduzidas
Ancovas com três grupos (GCb, GEb, GCa) e cinco níveis escolares,
tendo o estanino na EMMC como covariante. Após as Ancovas foram
conduzidas análises de comparação de pares por meio do teste de
Bonferroni. Os resultados demonstram que o tratamento produziu me-
lhoras em várias medidas do pré 2 à segunda série. Em termos de efei-
tos principais, que eram esperados ou próximos ao esperado, o trata-
mento produziu ganhos sobre as pontuações na PCF-Oral, em síntese
fonêmica, segmentação fonêmica, manipulação silábica e fonêmica,
transposição silábica e fonêmica; e em leitura total, de palavras e de
pseudopalavras.
Em termos de interação entre tipo de grupo e nível escolar,
houve ganhos significativos nas seguintes medidas:
1) Para o pré 2: Pontuação em transposição silábica;
2) Para o pré 3: Pontuação na PCF-Oral, em transposição silá-
bica, na leitura total, de palavras e de pseudopalavras, e na
escrita sob ditado total e de palavras;
3) Para a primeira e a segunda séries: Pontuação geral na PCF-
Oral e em segmentação fonêmica.
Assim, o tratamento produziu ganhos em tarefas de consciência
160 Fernando C. Capovilla (Org.)

fonológica, leitura e escrita. Efeitos sobre leitura e escrita foram en-


contrados apenas para pré 3. Nas três medidas de leitura, após o trata-
mento, o desempenho do GEb tornou-se equivalente ao do grupo mais
avançado (GCa), e superior ao do grupo que antes do treino era i-
gualmente atrasado (GCb). No ditado total e de palavras, o desempe-
nho do GEb, que antes era inferior ao do GCb, tornou-se após o trata-
mento equivalente a ele. Os resultados na PCF-Oral, na leitura e no di-
tado encontram-se representados nas Figuras 1 e 2.

40 40 40
Pontuação PCF

32 32 32
24 24 24
16 16 16

8 8 8
pré pós pré pós pré pós
Pré 1 Pré 2 Pré 3

40 40

32 32

24 24
16 16
8 8
pré pós pré pós
1a. Série 2a. Série

 GCb • GEb ∆ GCa

Figura 1. Pontuação geral na PCF-Oral nas avaliações pré e pós-treino para


os três grupos em cada um dos cinco níveis escolares. (Amplitude da pontua-
ção na PCF-Oral: 0-40 pontos).
Neuropsicologia e aprendizagem: uma abordagem multidisciplinar 161
Freq. erros - leitura total

6 6 6

Freq. erros - leitura

Freq. erros - leitura


5 5 5
4 4 4
3 3 3
2 2 2
1 1 1
0 0 0
pré pós pré pós pré pós
Pré 3 Pré 3 Pré 3

4
Freq. erros - ditado pal

4
Freq. erros - ditado

3 3

2 2

1 1

0 0
pré pós pré pós
Pré 3 Pré 3

 GCb • GEb ∆ GCa

Figura 2. Freqüências de erro nas leituras total, de palavras e de pseudopala-


vras, e nas escritas sob ditado total e de palavras, nas avaliações pré e pós-
treino, para os três grupos no nível escolar pré 3.

Este estudo de intervenção apresenta quatro aspectos importan-


tes:
1) É possível fazer tratamento eficaz de consciência fonológica
com crianças brasileiras, aprimorando habilidades de cons-
ciência fonológica de crianças do pré 2 à segunda série;
2) O tratamento aprimorou também a leitura total, de palavras
e de pseudopalavras, e a escrita sob ditado total e de pala-
vras em crianças que estão no processo de alfabetização
162 Fernando C. Capovilla (Org.)

(i.e., pré 3);


3) Tais importantes melhoras foram obtidas com crianças cujas
pontuações iniciais em consciência fonológica estavam a-
baixo da média e que, portanto, têm a maior necessidade de
intervenção (cf. Torgesen & Davis, 1996);
4) O estudo corroborou a noção de que, se as crianças que têm
maior necessidade de intervenção não a receberem, suas
pontuações tenderão a continuar inferiores às de seus cole-
gas inicialmente com desempenho acima da média. Isto foi
demonstrado pelo desempenho pós-tratamento exibido pe-
los grupos controle de baixo desempenho.

Estudo 2

Como o tratamento mostrou-se eficaz em aprimorar o desempe-


nho das crianças de NSE médio, o Estudo 2 teve como objetivo repli-
cá-lo, porém com crianças provenientes de uma escola pública e per-
tencentes a uma população de baixo NSE. Como os ganhos em leitura
e escrita do Estudo 1 ocorreram para as crianças em seu primeiro ano
de alfabetização (i.e., pré 3 de escola particular), o Estudo 2 foi con-
duzido com crianças de primeira série que, na escola pública, também
corresponde ao primeiro ano de alfabetização. Nesta escola, o método
de alfabetização adotado também era predominantemente global. Se-
gundo Morais (1995), as crianças provenientes de famílias de baixo
NSE tendem a apresentar maiores dificuldades com o método global
do que aquelas com NSE mais elevado. Isto porque estas crianças não
dispõem de outros recursos para sanar suas dificuldades, como a pró-
pria família ou professores de reforço, e tampouco de um ambiente ri-
co em informações sobre a linguagem escrita. Logo, um tratamento,
mesmo que de pequeno alcance, pode produzir grandes efeitos devido
à ausência de outros meios para auxiliar as crianças na superação de
suas dificuldades.
Os objetivos deste estudo foram verificar se alunos da primeira
série de uma escola pública com desempenho abaixo da média em
consciência fonológica podem beneficiar-se do mesmo tratamento que
produziu ganhos com crianças de NSE médio; e se tais benefícios es-
tendem-se à leitura em voz alta, à escrita sob ditado, ao conhecimento
Neuropsicologia e aprendizagem: uma abordagem multidisciplinar 163

de letras, à habilidade de estocar informação na memória de trabalho e


ao acesso à informação fonológica na memória de longo prazo.
Participaram 55 crianças (33 meninos e 22 meninas) das primei-
ras séries A e B da Escola Municipal Myrthes Pupo Negreiros, de Ma-
rília, SP. As crianças pertenciam a uma população de baixo NSE, com
renda familiar média entre 1 e 5 salários mínimos, e escolaridade mé-
dia dos pais de ensino fundamental incompleto. Foram usados os
mesmos instrumentos do Estudo 1: PCF-Oral, prova de leitura em voz
alta, escrita sob ditado, conhecimento de letras, nomeação de cores,
repetição de números e EMMC.
Este estudo também consistiu em três fases: Avaliação pré-
tratamento, tratamento, e reavaliação pós-tratamento. Na primeira fa-
se, todas as 55 crianças foram avaliadas em todas as sete provas. En-
tão, com base nos desempenhos na PCF-Oral, as crianças de cada
turma foram divididas em três grupos: Grupo controle com desempe-
nhos abaixo da média (GCb), grupo experimental com desempenho
abaixo da média (GEb), e grupo controle com desempenho acima da
média (GCa). Foi, então, conduzido o tratamento com os GEbs de ca-
da turma. Ele consistiu em 27 sessões para cada um dos dois GEbs,
com cerca de 30 minutos cada um, três vezes por semana. As ativida-
des de tratamento foram as mesmas do Estudo 1. Após o tratamento,
foi conduzida a reavaliação, com a reaplicação de todos os testes da
primeira avaliação.
Foram conduzidas Ancovas unifatoriais intergrupos para verifi-
car o efeito do tipo de grupo (GCb, GEb, GCa) sobre cada uma das
habilidades medidas pré-tratamento. Para a condução das análises,
ambas as turmas (1a. A e 1a. B) foram colapsadas, formando um único
nível escolar de primeira série. Foi usado como covariante o estanino
na EMMC. Os resultados demonstraram que o tratamento produziu
ganhos sobre as seguintes medidas: Escore total na PCF, escore nos
subtestes de síntese fonêmica, segmentação fonêmica, manipulação si-
lábica e fonêmica, transposição silábica e fonêmica; freqüência de er-
ros em leitura total, de palavras e de pseudopalavras; freqüência de er-
ros em ditado total, de palavras e de pseudopalavras; e escore em co-
nhecimento de letras. Não houve evidência de ganhos sobre: Escore
em síntese silábica, rima, aliteração e segmentação silábica; escore em
números; e razão (escore/duração) em nomeação de cores. As Figuras
3 e 4 representam tais resultados.
164 Fernando C. Capovilla (Org.)

Escore Transposição Sil


Escore Manipulação Sil
4 4 4

3 3 3
Escore PCF

2 2 2

1 1 1

0 0 0
pré pós pré pós pré pós
4 4
Escore Manipulação Fon

4 Escore Segmentação Fon


Escore Síntese Fon

3 3 3

2 2 2

1 1 1

0 0 0
p ré p ós pré pós pré pós
Escore Transposição Fon

4 23
Escore Con. letras

22
3 21
20
2
19
1 18
17
0 16
pré pós pré pós

 GCb • GEb ∆ GCa

Figura 3. Freqüências de acerto na PCF-Oral, em manipulação e transposição


silábicas, em síntese, manipulação, segmentação e transposição fonêmicas, e
em conhecimento de letras, obtidas as avaliações pré e pós-intervenção.
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Freq. erros - Leitura pal


Freq. erros - Leitura tot

5 5
5

Freq.erros - Leitura
4 4
4
3 3 3
2 2 2
1 1 1
0 0 0
p ré pós p ré pós p ré p ó s

5
Freq. erros - Ditado pal

Freq. erros - Ditado pse


5 5
Freq. erros - Ditado tot

4 4 4
3 3 3
2 2 2
1 1 1
0 0 0
p ré pós p ré pós p ré pós

 GCb • GEb ∆ GCa

Figura 4. Freqüências de erro nas provas de leitura e de ditados total, de pala-


vras e de pseudopalavras, obtidas nas avaliações pré e pós-intervenção.

O tratamento de consciência fonológica foi eficaz em melhorar


os desempenhos em consciência fonológica, leitura, escrita e conhe-
cimento de letras do grupo treinado. Portanto foi confirmada a hipóte-
se de que tal tratamento pode produzir ganhos nos desempenhos de
crianças com baixo NSE. Os ganhos tais crianças foram maiores do
que aqueles obtidos pelas crianças de NSE médio do Estudo 1, visto
que os efeitos sobre os desempenhos em Ditado de pseudopalavras e
em conhecimento de letras foram observados apenas para as crianças
de NSE baixo. Além disso, os efeitos sobre Ditado foram conforme o
esperado para as crianças de primeira série com NSE baixo, mas ape-
nas parcialmente conforme o esperado para as de pré 3 com NSE mé-
dio.
166 Fernando C. Capovilla (Org.)

Tais diferenças entre os resultados dos dois estudos podem ser


atribuídos a alguns outros fatores além do NSE e da idade (ou nível
escolar), como a diferença de distribuição dos tratamentos (duas ses-
sões de 40 minutos por semana em nove semanas no Estudo 1, totali-
zando 12h, e três sessões de 30 minutos por semana em nove semanas
no Estudo 2, totalizando 13 horas e 30 minutos). Assim, o tratamento
do Estudo 2 foi um pouco mais longo, e as sessões, embora mais cur-
tas, tiveram maior freqüência.
Apesar de tais diferenças, ambos os estudos dão suporte à hipó-
tese de que as habilidades de consciência fonológica encontram-se en-
volvidas de uma maneira importante na aquisição da leitura e da escri-
ta, especialmente no início da alfabetização, e que intervenções de tra-
tamento fonológico podem ser usadas para aprimorar tais habilidades,
promovendo assim fortes melhoras em leitura e escrita tanto em crian-
ças de NSE médio quanto em crianças de NSE baixo.
A presença de correlação entre o desempenho em consciência
fonológica e em leitura e escrita e, principalmente, os ganhos obtidos
em leitura e escrita após o treino, corroboram a validade dos procedi-
mentos de teste e de treino de consciência fonológica empregados nes-
te trabalho. Conforme dito anteriormente, há uma crítica à avaliação
da consciência fonológica por meio de testes que incluam síntese e
segmentação com consoantes oclusivas. Porém, este estudo de inter-
venção mostrou que a inclusão de tais habilidades é válida do ponto de
vista psicológico e educacional, uma vez que elas mostraram-se corre-
lacionadas com leitura e escrita e o treino que as incluía promoveu ga-
nhos sobre leitura e escrita. Apesar do fato de que, no treino, o exami-
nador e as crianças pronunciavam as consoantes oclusivas de modo
não puro, com ele as crianças passaram a conseguir segmentar e sinte-
tizar as sílabas em que tais consoantes apareciam, ou seja, elas tiveram
sua consciência fonológica aumentada apesar da "impureza" lingüísti-
ca. Vemos, assim, que a percepção psicológica da consoante como um
segmento independente parece ser importante para o desenvolvimento
de um tipo de consciência fonológica que é relevante à leitura e à es-
crita. Além disso, procedimentos de intervenção e avaliação deste tipo
vêm sendo usados com sucesso em todo o mundo há décadas. Os pre-
sentes experimentos inauguram estudos do mesmo tipo em nosso país,
e constituem a afirmação de nossa posição de que o cientista deve ul-
trapassar os muros da torre de marfim da universidade e testar se os
Neuropsicologia e aprendizagem: uma abordagem multidisciplinar 167

seus modelos têm alguma relevância prática à sociedade, para além


dos pressupostos puramente teóricos e das pesquisas básicas. É recon-
fortante saber que, no encerramento da década do cérebro, nós cientis-
tas podemos mostrar à sociedade que podemos fazer uso de nosso co-
nhecimento científico de maneira socialmente responsável para a me-
lhoria de problemas de educação e saúde.

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