FOTO – EMBRAER
D
a vistoria inicial para a compra
de uma aeronave até inspe-
ções necessárias antes da
venda, passando por manutenções
programadas ou não, revisões, tro-
cas de componentes mudanças de
configuração interna e incorporação
de novas tecnologias, até atividades
corriqueiras da vida operacional, da
lavagem da aeronave à troca de com-
ponentes de uso contínuo, o setor
de manutenção aeronáutica tem
vivido no Brasil um período movi-
mentado e de grande otimismo.
São cerca de duas mil empresas di-
reta ou indiretamente ligadas à ati-
vidade e o maior desafio parece ser
atender à demanda.
54
“Oficinas com tradição e serviços de
qualidade estão sempre cheias, inde-
pendentemente do tipo de aeronave
e complexidade dos serviços”, garante
Maurício Lanza, gerente da oficina da
J.P. Martins, representante no Brasil
da Piper Aircraft. A mesma constata-
ção faz o Comandante Décio Correia,
veterano aviador, respeitado pela
experiência na área. “Temos um setor
de manutenção fortíssimo. Todos os
grandes fabricantes estão aqui”, com-
pleta. Empreendedor, hoje ele está à
frente da Delta Fox, organizadora do
MRO Brasil, o maior evento do setor
no país, que este ano acontece no
Centro de Convenções Frei Caneca,
em São Paulo (SP), nos dias 30 e 31 de
agosto, com participação de dezenas
de companhias do ramo. A sigla MRO
vem do inglês Maintenance, Repair,
Overhaul, isto é, manutenção, reparo e
revisão, e dá uma dimensão das ativi-
dades desenvolvidas neste segmento
crítico da atividade aeronáutica.
Com exigências formais elevadas em
termos de maquinário, processos e
treinamento de pessoal, a Agência
Nacional de Aviação Civil (Anac) certi-
fica 565 oficinas de manutenção, sen-
do 464 no Brasil e 101 estrangeiras. O
escopo é variado, incluindo análise de
vibração de hélices, ensaios e pintura
e reparos nos mais diversos itens, de
motores a ar-condicionado, passando
por pneus e aviônicos.
MRO
Fundamental e em Crescimento
Setor de manutenção aeronáutica registra crescimento
e atrai investimentos em pequenas e grandes oficinas
,
Por Humberto Leite

FOTO – MAURÍCIO LANZA/J.P. MARTINS

55
 A rigidez dos órgãos reguladores,
contudo, também impulsiona o mer- Oficinas Certificadas pela ANAC
cado. “A manutenção preventiva hoje
virou um mandamento sagrado”, Roraima Pará Tocantin s
1 9 2
define Décio Correia. O objetivo, cla-
ro, é o resultado esperado por todo Amazonas Maranhão Piauí Pernambuco
9 1 2 4
proprietário, piloto ou passageiro de
aviões ou helicópteros – “se você fi- Ceará Paraíba
6 1
zer as manutenções programadas não
se têm mais acidentes”, completa. A
consequência são filas para garantir
a disponibilidade das aeronaves, com
certificados em dia e capacidade ope-
racional assegurada.

Crescimento - Um Acre Rondônia Alagoas

fenômeno global
De acordo com a empresa de con-
sultoria Oliver Wyman, até 2033
o crescimento médio do setor de
MRO de aviação deve se aproximar
de 3%. Em 2022, ainda na esteira da
recuperação após a fase crítica da
pandemia, o índice ficou positivo em
18%. Por aqui, porém, a experiência
das oficinas de manutenção mostra
que a covid-19 não trouxe efeitos
negativos. Pelo contrário, enquanto
a aviação comercial de grande porte
praticamente paralisou, a aviação
geral e mais notadamente a aviação
executiva disparou, seja táxi-aéreo,
fretamentos ou voos particulares.
Como as grandes empresas de linhas
aéreas possuem oficinas próprias,
as pequenas companhias de MRO
acabaram lidando com esse aumento
expressivo da demanda.
Os números mostram uma aviação
que vai bem além dos grandes aero-
portos. Temos aqui a segunda maior
malha aeroportuária do mundo, com
mais de quatro mil pistas em serviço,
a segunda maior frota de aviões agrí-
colas, a segunda maior de helicópte-
ros, a segunda maior da aviação geral
e a terceira na aviação executiva. Em
termos de MRO, chegamos ao quarto
lugar, atrás apenas de Estados Uni-
dos, Canadá e China.
A antiga necessidade de levar aerona-
ves ao Exterior para receber serviços
1
2 1
Bahia
Mato Goiás
8
Grosso 52
29
Distri to Mato Grosso
Federal do Sul
5 14
Espírito
Paraná Santo
27 2
Santa Rio Grande Rio de Minas
Catarina do Sul São Paulo Janeir o Gerais
7 30 170 35 44
praticamente acabou. Pelo contrá- Na prática, o website em inglês e as
rio, o Brasil passou a atrair clientes inscrições em espanhol nas aerona-
de países vizinhos, como Colômbia, ves dentro do hangar deixam claro
Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai o caráter internacional do seu mer-
e Bolívia. Isso porque as oficinas em cado, ainda que clientes brasileiros
operação aqui são certificadas pelos sejam também muito bem-vindos.
principais fabricantes internacionais, A Digex trabalha atualmente com as
garantindo serviços reconhecidos em famílias Boeing 737 Classic e New Ge-
outras nações. neration, Airbus A139 e A320 e com
os modelos Embraer 190. Os 170 fun-
As empresas cionários precisam correr para aten-
der a procura. “Hoje o mercado está
brasileiras aquecido, não somente no Brasil,
e essa tendência pode se estender
Um exemplo é a Digex, localizada em por até uma década”, opina Ricardo
São José dos Campos (SP), certificada Vituzzo, Sales Manager da Digex. Os
pela Federal Aviation Administration serviços oferecidos incluem os pro-
(FAA), dos Estados Unidos; pela Eu- gramas de manutenção, inspeções,
ropean Aviation Safety Agency (Easa); modificações na aviônica, reparos e
pela Dirección General de Aeronáutica modificações estruturais, e pintura,
Civil, da Bolívia; pela Administración dentre outros.
Nacional de Aviación Civil, da Argenti- E de olho nesse nicho crescente, a
na; pela Dirección General de Aeronau- Azul também decidiu investir. Em abril,
tica Civil, do Chile; pela Força Aérea anunciou a criação da Azul TecOps,
Brasileira e pela Anac. para fazer manutenção pesada,

56
 Hangar da Digex no aeroporto de São José
dos Campos (SP). Hoje, a empresa possui a
maior instalação no segmento de MRO no
Brasil não ligada a uma companhia aérea
manutenção de linha, reparo e revi-
são de componentes, treinamento
e consultoria técnica em aeronaves
como Airbus A320, A321, A330, A350,
Embraer E-Jet/E2, ATR 600 e Boeing
737-400F. Reparos de componentes
como rodas, freios, baterias e outros
também serão oferecidos. Na prática,
vão ampliar a estrutura que atende
a própria companhia. “Vamos levar

FOTOS – DIGEX
essa expertise para o mundo e esta-
mos muito animados para isso. São
15 anos de história apoiando o cresci-
mento e diversidade de frota da Azul,
o que nos dá um conhecimento ope-
racional único e um know-how técni- Executiva (R$ 6,4 bilhões) e Defesa & tipos de aeronaves estão homologa-
co que agora podemos oferecer para Segurança (R$ 2,3 bilhões). A Embraer dos em várias oficinas, o que permite
novos clientes”, destaca Flávio Costa, se destaca pela plataforma Beacon, a concorrência pela preferência do
vice-presidente Técnico da Azul. uma solução tecnológica para coorde- operador, levando-se em conta tam-
No Aeroporto de Viracopos, em Cam- nar serviços de manutenção, e que já é bém a praticidade de não precisar se
pinas, a empresa tem o maior hangar oferecida até para helicópteros. deslocar tanto em busca de um local”,
da América Latina, com 35 mil metros Há, naturalmente, outros atores, es- explica Maurício Lanza, da J.P. Mar-
quadrados, o suficiente para realizar pecialmente porque não há exclusivi- tins. A J.P. Martins tem a vantagem
três heavy maintenances, além de dade exigida pelos fabricantes, e sim de ser o único Centro de Serviços Au-
outras três linhas de manutenção. necessidade de obter a certificação torizado da Piper no Brasil, efetuan-
No complexo ainda há treze oficinas técnica. A gigante chinesa Drayton do inspeções periódicas e correções
dedicadas a serviços e componentes Aerospace comprou um antigo han- de panes em células, motor e hélice
diversos. A Azul TecOps também já gar da TAP em Porto Alegre (RS) e das principais aeronaves da fabrican-
nasce com um segundo hangar, na pretende se especializar nos serviços te. Também realizam a revisão geral e
Pampulha, em Belo Horizonte (MG), para componentes como trens de reparo de vários modelos de motores
para atendimento das frotas ATR, pouso. No São Paulo Catarina Aero- das linhas Lycoming e Continental, e
Embraer 195 (E-Jet), Boeing e Pilatus. porto Executivo Internacional, em atendem acessórios como sistemas
Minas Gerais sedia outra gigante do São Roque (SP) e, futuramente, no de combustível, alternadores, mag-
MRO, a Gol Aerotech, só que em Con- Polo Aeronáutico Antares, em Goiás, netos, motores de partida etc, tanto
fins. São mais de 145.000 metros qua- oficinas se preparam para atender Piper quanto de outros fabricantes.
drados de hangares e área de estacio- todos os tipos de demandas, de jatos A TAM Aviação Executiva centraliza ser-
namento, sendo mais de 6 mil só para executivos de alcance intercontinen- viços autorizado da Beechcraft e Cessna
estoque de peças. O foco é a manu- tal a aeronaves agrícolas. “Alguns com várias certificações internacionais,
tenção de jatos Boeing 737, desde as
famílias clássicas -300 e -400 até os
novos -8, passando pela série -700
e -800. Faz também a certificação
brasileira e europeia para inspeções
e reparos dos motores CFM-56-7B e
dos jatos Boeing 767-200/300, que
sequer operam com a Gol.
No interior paulista, o segmento
Serviços & Suporte da gigante aero-
náutica brasileira Embraer pode não
chamar tanta atenção, mas encerrou
2022 com R$ 6,5 bilhões de receita.
Para se ter uma ideia, foi o seu segun-
do melhor desempenho financeiro
no ano passado, superando a Aviação

57
FOTO – HELICIDADE

O conforto para proprietários de aeronaves e

pilotos caracterizam o segmento de MRO. Aqui,
a recepção do Helicidade, com salas de reuniões
e restaurante, entre outras comodidades

além de homologação das forças
armadas. “Estar na vanguarda da tec-
nologia com transformação digital e
melhoria de eficiência é um dos nos-
sos principais pilares. Com o grande
número de aeronaves novas entrando
no País nos últimos anos, esses prin-
cípios vão promover as diferenças
entre os MROs no Brasil”, opina Wel-
lington Amorim, diretor de MRO da
TAM Aviação Executiva.
A empresa vem crescendo em ritmo
acelerado, especialmente nos últi-
mos dois anos, e inaugurou um novo
centro de serviços em Goiânia (GO),
sua primeira base no Centro-Oeste,
complementando as unidades de Belo
Horizonte (MG) e Jundiaí (SP). Goiás
tem atraído várias empresas do ramo,
a maioria em busca de espaço aéreo
menos congestionado, maior dispo-
nibilidade de estacionamento, custos
menores para hangares, e proximi-
dade de clientes do Norte, Nordeste
e de países vizinhos, além de estar
perto do agronegócio. O estado já é o
segundo do Brasil no número de ofici-
nas certificadas pela Anac, superando
Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Para crescer na concorrência, a aposta
é em facilitar a vida dos clientes, cada
vez com serviços mais completos e
integrados ao dia a dia operacional. Em

FOTO – MURILO NASCIMENTO/HELIPARK

Um dos três grandes centros
que atendem a capital paulista,
o Helipark, em Carapicuíba (SP),
tem capacidade e instalações
para realizar todo tipo de
serviço em um só lugar

58

FOTO – MAURÍCIO LANZA/J.P. MARTINS
O hangar de
serviços da J.P.
Martins, em
aeródromo próprio,
em Jaboticabal (SP)
plena cidade de São Paulo, por exem-
plo, a Helicidade conta com uma ofici-
na parceira para fazer serviços enquan-
to seu cliente participa de reuniões
na megalópole. A HBR criou bases em
sete estados e o Helipark promete
realizar todo tipo de serviço em um
só lugar. Em todas essas opções, pro-
prietários e comandantes encontram
uma estrutura VIP, com salas de espera
agradáveis e um ambiente que pouco
lembra uma oficina mecânica. O mes-
mo acontece no grande centro técnico
da italiana Leonardo Helicopters, em
Itapevi (SP), inaugurado no final de
2021 – já com planos de ampliação!
Mão de obra
qualificada –
Um gargalo no
crescimento
E essa modernidade não é só visual.
A tecnologia a bordo das aeronaves
resultou em uma mudança abrupta na
rotina de manutenção. “Antigamen-
te você desmontava um motor com
alicate e chave de fenda. Hoje tudo
está muito mais avançado. Se não fizer
corretamente, pode até plantar uma
pane”, resume o Comandante Décio
Correia. Os serviços logísticos eficien-
tes garantem um suprimento rápido de
peças, enquanto softwares planejam
as atividades e a Inteligência Artificial
(IA) ajuda a prever possíveis problemas
na aeronave. Se a automatização do
voo vem revolucionando o trabalho
dos tripulantes, isso não é diferente
na manutenção. Cada vez mais se faz o
diagnóstico de problemas sem a neces-
sidade de grandes desmontagens ou
tarefas complexas. O próximo passo
serão tecnologias como as impresso-
ras 3D, que vão receber instruções via
internet e “construir” uma peça próxi-
mo à oficina, economizando tempo e
evitando despesas de transportes.
Com tantas inovações, fica evidente o
gargalo do setor de MRO no Brasil. “O
mercado da aviação enfrenta a carên-
cia de mão de obra qualificada. Como
é um setor muito regulamentado e
depende de treinamentos específi-
cos e muitos requisitos, há poucos
FOTO – DIGEX
Exame de
boroscopia num
motor, na Digex
FOTO – LEONARDO COMPANY

A Leonardo Helicopters investiu pesado

no mercado brasileiro, com a inauguração
de um grande centro técnico e de serviços
em Itapevi (SP), no final de 2021 – e que
em breve já será ampliado

profissionais disponíveis”, resume
Wellington Amorim, da TAM Aviação
Executiva. “A formação de um bom
profissional de manutenção é um pro-
cesso demorado. A parte teórica pode
ser mais rápida, pelo uso das moder-
nas tecnologias de ensino. Mas a prá-
tica segue os mesmos procedimentos
de antigamente. Não há como mudar
As empresas no mercado de MRO têm enfrentado
FOTO – EMBRAER
isso”, explica Maurício Lanza.
“O mercado global de manutenção
aeronáutica passa nos dias de hoje por
uma certa escassez de mão de obra
qualificada e experiente. Muitas MROs
ao redor do mundo estão investindo
em centros de treinamento para quali-
ficar novos técnicos”, completa Ricardo
Vituzzo, da Digex.
No Brasil, os salários na área alcançam
a cifra de R$ 40 mil, porém os profis-
sionais qualificados para esse nível de
rendimento podem optar por ganhos
ainda mais expressivos no Oriente Mé-
dio, na Ásia e na África. A expectativa
é a de que o ambiente de negócios no
Brasil favoreça a permanência de talen-
tos e que as empresas que atuam no
segmento consigam capacitar o pessoal
necessário para aproveitar o bom mo-
mento do setor de MRO no Brasil. Q

dificuldades na disponibilidade de mão de obra qualificada,

até porque a formação de um bom profissional da área
ainda é um processo demorado Confira o painel
da Anac com da-
dos das organiza-
ções de manuten-
ção certificadas:

Saiba mais sobre o MRO Brasil 2023:

https://www.mrobrasil.com.br/

Apoio:

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