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Acerca da Política Económica

António Bento Caleiro


Os apontamentos que se seguem foram preparados, no ano lectivo 2015|16, para uso exclusivo
dos alunos de Política Económica, enquanto unidade curricular da licenciatura em Economia na
Universidade de Évora. Não devem, logo também não podem, ser entendidos como uma publicação
da Universidade de Évora.

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Índice
***

1 A Metodologia da Política Económica 5


1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.2 Objecto e método da política económica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
Anexo 1: A influência da despesa pública no (peso do) saldo orçamental . . . . . . . . . . . . 14
Anexo 2: A importância da persistência (no produto) na política económica oportunista . . . 16

2 Os Modelos em Política Económica 19


2.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
2.2 Formas de utilização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
Anexo 1: A propósito da determinação dos modelos Keynesianos . . . . . . . . . . . . . . . . 30

3 A Escolha em Política Económica 31


3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
3.2 O critério da optimização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
3.3 O critério das metas fixas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

4 As Políticas Económicas Estruturais 39


4.1 Os fundamentos micro- e macro-económicos da intervenção estatal-governamental . . 39
4.2 As políticas microeconómicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
4.3 O caso das reformas estruturais na União Europeia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44

5 O Crescimento Económico em Portugal 47


5.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
5.2 Crescimento Económico e Desemprego em Portugal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
Capítulo
1
A Metodologia da Política
Económica
***

1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.2 Objecto e método da política económica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
Anexo 1: A influência da despesa pública no (peso do) saldo orçamental . . . . . . . . . . . . 14
Anexo 2: A importância da persistência (no produto) na política económica oportunista . . . 16

Leituras recomendadas

Este capítulo baseia-se nas seguintes referências bibliográficas, cuja leitura se recomenda:
+ Ferreira do Amaral (1996: 13-28) [disponível junto do docente]
+ Mateus (1994: 2-14) [disponível junto do docente]
+ Silva et al. (1981: 1-40) [disponível na biblioteca da Universidade e junto do
docente]

1.1 Introdução

Comecemos por proceder à distinção entre teoria económica e política económica. Existe, como é
sabido, uma relação fundamental entre as duas, até porque cabe à teoria económica suportar qualquer
verdadeira política económica. De facto, não faz qualquer sentido a actuação por parte das autoridades
económicas sobre a economia sem que, para tal, se recorra ao conhecimento económico transmitido
por via da teoria económica.1

1 Em termos mais gerais, dever-se-ia considerar que qualquer política, i.e. qualquer forma de actuação sobre a realidade,
obviamente, não faz sentido sem o conhecimento (científico) dessa realidade. Por exemplo, parece ser óbvio que uma
política de incentivo à natalidade, sem que a mesma tenha sido suportada no conhecimento da evolução que aquela variável
de natureza demográfica tem apresentado ao longo do tempo, obviamente não fará qualquer sentido.
6 A Metodologia da Política Económica

Exemplo

Imagine-se o exemplo mais simples possível de se querer reduzir o défice das contas públicas
– ou aumentar o superávite –, para tal reduzindo as despesas públicas (em Gastos e/ou
Transferências). Sendo o saldo das contas públicas definido, grosso modo, como sendo
T − G − R, em que T representa os impostos, G os Gastos (Públicos), e R as Transferências
(Sociais), obviamente a própria realidade económica deve mostrar que o nível de impostos,
T , é uma função do rendimento, Y , enquanto a teoria económica – ou mesmo a contabilidade
nacional – mostra(m) que Y = f (G, R), não podendo este facto ser ignorado aquando do
estabelecimento de uma política económica que tenha aquele objectivo.a
a Para um tratamento formalizado desta questão, consulte-se o anexo 1.

Exemplo

Imagine-se agora um outro exemplo menos simples, em que o objectivo é o de alcançar


o maior nível possível de popularidade no momento das eleições.a Se o Governo suposer
que o modelo que rege o modo de funcionamento da economia é dado por uma curva
de oferta agregada, sem persistência no produto, – i.e. yt = ȳ + α (πt − πte ), em que yt é o
nível de produto no momento t, cujo nível natural é ȳ, α é uma constante positiva, e πt
é a taxa de inflação no momento t, cuja expectativa é πte – julgará que a melhor forma de
maximizar a sua popularidade é através da criação de uma depressão no início do mandato,
seguida de uma expansão no final do mesmo. No entanto, se o modelo que rege o verdadeiro
modo de funcionamento da economia reflectir a existência de persistência no produto, – i.e.
yt = ȳ + α (πt − πte ) + βyt−1 , em que o grau de persistência, β, é uma constante não negativa
– então aquele comportamento poderá, não só, ser errado do ponto de vista social, mas
também ser errado do ponto de vista eleitoral, já que poderá ser mais vantajoso que o padrão
de ciclo eleitoral seja invertido.b
a Note-se que este objectivo não deve ser alvo de um preconceito. Na realidade, o que parece ser perigoso
ou incorrecto é o desprezo pelas eleições porque isso poderá significar que o Governo não se preocupa com a
avaliação que a sociedade, representada pelos eleitores, faz da sua actuação ao longo do mandato, o que poderá
indicar a utilização de interesses governamentais meramente privados, por exemplo de natureza ideológica,
completamente afastados dos interesses sociais. Tal poderá não acontecer se se considerar que o Governo conhece
melhor os interesses da sociedade do que a própria sociedade, representada pelo eleitorado.
b Para um tratamento formalizado desta questão, consulte-se o anexo 2. Uma abordagem não formalizada
pode ser consultada em: http://www.decon.uevora.pt/informacoes/Sobre-a-Economia/

A teoria económica assume – ou deveria, em princípio, assumir –, geralmente, uma abordagem


positiva, pretendendo interpretar, ou seja explicar sem juízos de valor, a realidade económica. A polí-
tica económica assume, geralmente, uma abordagem normativa, pretendendo agir sobre a realidade
económica de acordo com juízos de valor (implícitos ou explícitos). A figura 1.1 ilustra este facto.

Teoria suporte Política


Económica Económica

[1] [2]
Realidade
interpretação Económica actuação

Figura 1.1: Teoria Económica <-> Política Económica

Conforme a figura 1.1 também ilustra, a realidade económica tem, como seria inevitável, contri-
1.1 Introdução 7

buído para a renovação da teoria económica – fluxo [1]. Como exemplos deste facto temos, nos anos 30
do século XX, o aparecimento da teoria Keynesiana e, nos anos 70 daquele século, o reforço das ideias
neo-clássicas.2 Igualmente, a realidade económica também tem contribuído para o aparecimento de
novas teorias da política económica – fluxo [2] – como, por exemplo mais significativo, nas, chamadas,
‘décadas de ouro da(s) política(s) económica(s), i.e. nos anos 50 e 60 do século XX, a moderna teoria
da política económica de Tinbergen e Frisch. De alguma forma, este facto está patente nas diversas
definições de política económica que têm vindo a ser apresentadas pelos diversos autores.
De acordo com Tinbergen (1961) a política económica é a “manipulação deliberada de um certo
número de meios para atingir um certo número de determinados fins”. Sendo os fins determinados
previamente, à política económica associa-se a escolha dos meios, cuja manipulação (deliberada)
levará à realização dos fins pretendidos.3
Segundo Kirschen (1974), a política económica é o “processo pelo qual o governo, à luz dos seus
fins de política geral, decide sobre a importância relativa de certos objectivos e, se necessário, usa
instrumentos ou alterações institucionais com vista à consecução desses objectivos”. Assumindo parti-
cular importância o processo de tomada de decisões, na definição de Kirschen salienta-se a inserção
dos fins de política económica no conjunto dos fins de carácter geral bem como a hierarquização
governamental dos objectivos, o que a torna uma definição mais específica do que a de Tinbergen.
Ao colocar o acento tónico no processo de tomada de decisão, a definição de Kirschen levanta desde
logo o problema da escolha em política económica. Neste aspecto, as abordagens de Tinbergen e de
Frisch são de particular relevância.4
Sendo a política económica da responsabilidade do governo e sendo este, nos países democráticos,
o resultado de uma escolha eleitoral, faz todo o sentido considerar que aquela sofre influências
do sistema político (e também o influencia) tradutor de uma vontade social, o que faz com que a
política económica se deva adequar à prossecução de objectivos mais vastos/globais. Assim, a política
económica deve reflectir a escolha de fins de carácter geral, mais vastos, tais como: o tipo ou modelo
pretendido de sociedade, o tipo, papel e responsabilidades do Estado, etc..
Para Mossé (1978), a política económica é o “conjunto de decisões coerentes tomadas pelos poderes
públicos os quais, mediante o emprego de certos meios, visam atingir certos fins relativos a um dado
conjunto nacional, infranacional ou supranacional, a mais ou menos longo prazo”. Nesta definição
são, evidentemente, realçadas as dimensões espaciais e temporais da política económica bem como a
coerência do conjunto das medidas de política económica.
Quanto à dimensão espacial, há que salientar que a política económica teve, de início, a reali-
dade/âmbito nacional como espaço privilegiado de acção mas, mais recentemente, graças, por um
lado, à internacionalização ou abertura das economias, e por outro, ao aumento das autonomias
regionais, tem visto as realidades supranacionais e infranacionais ganharem importância. Tudo isto
se traduz num aumento na dificuldade de coordenação das várias políticas, tanto mais que, quanto
à dimensão temporal, existem vários tipos de políticas que prosseguem objectivos mais ou menos
temporários mediante o uso de instrumentos com efeitos mais ou menos demorados.
Também pelo que atrás foi dito, uma colecção de medidas isoladas não constitui uma política
económica, a qual deve ser sim um conjunto de decisões cujos efeitos interactivos concorram para
a realização dos objectivos. Tal resulta do facto de a mesma resultar de um processo de tomada de
decisão com múltiplos intervenientes e pretender exercer os seus efeitos num sistema, isto é, num
conjunto de elementos que estão em ligação uns com os outros, que interagem, de tal forma que a
alteração no estado de um dos elementos irá provocar alterações nos estados dos restantes elementos
do sistema.
Utilizando uma linguagem cibernética, a política económica, ela própria, assume-se como um
sistema regulador, que pretende regular um sistema regulado que é a economia, para que, socorrendo-
se de variáveis de input deste último sistema (os instrumentos), possa alcançar valores desejados para
as variáveis de output do mesmo (os objectivos).
2 De facto, dever-se-á reconhecer que houve também um reforço das ideias Keynesianas, embora não tão evidente.
3 Como iremos ver no segundo capítulo da unidade curricular, a definição de Tinbergen resulta na utilização de modelos
em política económica de uma certa forma, conforme se pretenda ‘actuar’ de forma previsional ou decisional.
4 Como é sabido, Tinbergen e Frisch receberam o primeiro Prémio Nobel da Economia, em 1969, pelos seus contributos
para a teoria da política económica.
8 A Metodologia da Política Económica

De acordo com Cavaco Silva (1982), “a utilização deliberada por parte das autoridades governa-
mentais de certas variáveis por elas directamente controladas para alcançar objectivos específicos
constitui a essência da política económica”.5
De acordo com Greffe (1987), a política económica é o “conjunto das decisões dos poderes públicos
visando orientar a actividade económica num sentido julgado desejável aos olhos de todos”. O que há
a salientar nesta definição é a necessidade de conseguir ou, pelo menos, tentar agradar a todos, isto é,
contribuir para aumentar o nível de utilidade de todos, o que se torna particularmente difícil quando,
como sabemos, existe frequentemente conflitualidade de objectivos, mesmo entre os do governo, que
deveria ser o representante fiel das vontades individuais, e os dos restantes agentes da economia.
Para Levačič (1987), a política económica diz respeito às “medidas que os governos podem tomar e
que afectam o bem-estar material das pessoas”.
Balducci & Candela (1991) referem que a política económica é a “disciplina que investiga as regras
de conduta tendentes a influenciar os fenómenos económicos com vista a orientá-los num sentido
desejado”. Reconhecendo a dificuldade de agradar a todos, esta definição é em tudo semelhante à de
Greffe com excepção da possibilidade explícita de os objectivos prosseguidos serem desejados só por
alguns.
A definição de Ferreira do Amaral (1996), em certo sentido, ‘fecha o círculo’ das definições de
política económica atrás apresentadas. Para este autor, a política económica é “a actuação dos poderes
públicos em domínios económicos destinada à obtenção de resultados previamente escolhidos”.
Mais recentemente, a definição de Acocella (1998) é também interessante pelo seu carácter abran-
gente. Assim, para este autor, em termos estritos, a política económica é a disciplina que estuda a
acção pública em matérias económicas. Em termos gerais, o campo da política económica compreende
qualquer disciplina que use os conhecimentos da análise económica ou de outras disciplinas como um
guia para a acção para qualquer agente económico.
Também mais recentemente, Mendonça Pinto (1999) define política económica como sendo “a
arte de escolher e implementar, nos momentos oportunos, as acções que melhor permitem atingir os
objectivos previamente definidos pelas autoridades, tendo em conta os constrangimentos existentes”.
Estas definições serviram-nos para começar a delimitar o objecto e método da política económica,
que estudaremos de seguida, e onde serão particularmente visíveis as influências de Tinbergen,
enquanto um dos fundadores da teoria da política económica.

1.2 Objecto e método da política económica


De que trata a política económica, i.e. qual é o seu objecto? Como trata a política económica esse
objecto, i.e. qual o seu método (habitual)?
Do traço comum nas definições atrás apresentadas resulta que o objecto da política económica
tem que ver com a determinação dos meios/medidas adequados que as autoridades económicas devem
manipular (de forma propositada e acertada) para obter determinados fins ou objectivos.6 Assim, a
política económica surge da necessidade de os agentes responsáveis pela mesma actuarem sobre o
funcionamento da economia, obedecendo às restrições impostas sobre o uso dos meios, para que se
verifique, o mais possível, um estado desejado para essa mesma economia, ou, por outras palavras,
para que se cumpram, o mais possível, os objectivos politicamente definidos.
O método da política económica foi, essencialmente, desenvolvido por Tinbergen no início da
década de 50 (do século XX) mas são de salientar, também, os contributos de Frisch, Theil e de
Kirschen.
Vejamos alguns conceitos fundamentais:

• Meios – são os elementos que permitem a actuação da política económica, isto é, através dos
quais se exerce a política económica. Podem ser qualitativos ou quantitativos:
5 É, eventualmente, mais fácil consultar esta definição em Cavaco Silva & César das Neves (1992).
6 É, aliás, curioso verificar que os meios ao alcance dos responsáveis pela política económica nacional têm vindo,
aparentemente, a reduzir-se enquanto os fins têm variado ao longo do tempo. Dada esta evolução para os dois elementos
fundamentais em política económica, não é de estranhar a dificuldade sentida na prática da mesma.
1.2 Objecto e método da política económica 9

– Meios qualitativos – visam alterar os fundamentos (proceder a reformas) e as estruturas, ou


seja, aqueles em que se baseia a política económica qualitativa.
– Meios quantitativos – são os elementos sob o controle dos responsáveis de política econó-
mica, susceptíveis de assumirem valores numéricos e capazes de influenciar alguns dos
outros elementos do sistema. Estes meios são, habitualmente, conhecidos por variáveis
instrumentais ou instrumentos de política económica. Para as variáveis instrumentais,
x, é necessário determinar os seus conjuntos de possíveis valores, X, pois são estes que
permitem classificar uma política económica como sendo possível, i.e. desde que x ∈ X, ou
não.

Exemplo (/...)

Como exemplo de variáveis instrumentais, temos os gastos públicos, G. Se, por exem-
plo, G ∈ [100, 150], então X corresponde, obviamente, ao intervalo [100, 150].

• Medidas – Correspondem à utilização deliberada dos instrumentos de política económica, ou


seja, à quantificação/concretização das variáveis instrumentais, x̄.

Exemplo (.../...)

Por exemplo, G = 150.

Através das medidas pretende-se alcançar algo que se deseja. Infelizmente, ou não, para os
agentes responsáveis pela política económica, os resultados que se alcançam dependem, não só
das medidas de política económica, mas também da realização quantificada de um conjunto de
outros elementos de natureza exógena não controlável, habitualmente designados por dados.

• Dados – São os elementos do sistema económico que, num dado horizonte temporal, são
imutáveis, por acção (directa) da política económica (v.g. variáveis exógenas não controláveis) ou
não (v.g. constantes), ou a sua evolução é tão lenta que para a política económica (conjuntural)
são um dado. No entanto, condicionam a economia e toda a política económica (mas não
dependem desta).
Para as, ditas, variáveis exógenas não controláveis, z, podem também definir-se conjuntos de
possíveis valores, Z, tais que, sendo possíveis, z ∈ Z.

Exemplo (.../...)

Como exemplo de constantes temos, por definição, a propensão marginal ao consumo, b.a
Como exemplo de uma variável não controlável por parte das autoridades económicas, temos
o nível de investimento privado, I. Se, por exemplo, I ∈ [80, 130], então Z é, obviamente, o
intervalo [80, 130].
a Obviamente, o carácter constante de um determinado elemento depende do período que se esteja a
considerar. Assim, no curto prazo, poder-se-á considerar constante a propensão marginal ao consumo mas, no
longo prazo, esta poderá sofrer alterações.

Para além daquelas duas grandes categorias, temos:


10 A Metodologia da Política Económica

• Fins/Finalidades – São aquilo que, em termos ideais, a sociedade gostaria de atingir, ou seja as
suas motivações fundamentais. É a situação desejável, são as aspirações, regra geral, qualitativas
duma sociedade como, por exemplo, o desenvolvimento, o aumento do bem-estar material, a
equidade na distribuição do rendimento e os equilíbrios regionais.

• Variáveis Objectivo – grandezas representativas dos fins, que os precisam, susceptíveis de


quantificação.

Exemplo (.../...)

Como exemplo de variáveis objectivo, y, temos o nível de produto.

Para as variáveis objectivo podem, então, definir-se conjuntos de possíveis valores, Y , tais que
y ∈ Y . Obviamente estes conjuntos dependem da forma como as variáveis exógenas, controláveis
e não controláveis, explicam os valores registados pelas variáveis (endógenas) objectivo, ou seja
de y = f (x, z).7

Exemplo (.../...)

Por exemplo, se o modelo representativo do modo de funcionamento da economia for:





 Y = C +I +G
 C = 20 + 0.8Y


 I = I¯




 G = Ḡ

então a sua forma reduzida Y = 5(20 + I¯ + Ḡ) corresponde a y = f (x, z). Esta permite-nos
determinar o conjunto de possíveis valores, Y, para o produto como sendo o intervalo
[1000, 1500], se G ∈ [100, 150] e I ∈ [80, 130].

Aquele conjunto Y pode, eventualmente, ser importante para a definição das, ditas, metas.

• Metas – Quantificação dos objectivos, isto é, os valores desejados para as variáveis objectivo, ỹ.
São estes que nos permitem verificar se a política económica teve êxito ou não. Naturalmente,
uma condição necessária (mas não suficiente) para o êxito é que as metas sejam possíveis, i.e.
que ỹ ∈ Y .

Exemplo (.../...)

Por exemplo, no caso anterior não haverá nenhuma política económica, ou seja nenhum
valor possível para os gastos públicos que permita alcançar uma meta de 1600 para o
produto.

7 Note-se que, em termos formais, Y = U


U y.
z∈Z x∈X
1.2 Objecto e método da política económica 11

Claramente, é a definição das metas, ỹ , que permite a passagem para a determinação das
medidas, x̄. Esta é feita, normalmente, assumindo uma previsão para as variáveis exógenas não
controláveis, ou seja ẑ.8

Exemplo (.../...)

Por exemplo, para a determinação dos gastos públicos poder-se-á prever que o investimento
assumirá o valor de 100, ou seja Iˆ = 100.a Assim x̄ = g(ỹ, ẑ) corresponde a G = 0.2Ỹ − 20 − I,
ˆ
ou seja Ḡ = 120, se para o produto se definir a meta (possível) Ỹ = 1200.
a Neste caso, Y = [1100, 1350].

• Realizações – Quantificação dos resultados de facto obtidos, ou seja dos valores efectivamente
assumidos pelas variáveis objectivo, o que se torna importante no controle de execução para ver
até que ponto uma política económica está a ser, ou foi, bem sucedida.

Exemplo (.../)

Por exemplo, se Iˆ = 100 mas I = 90, o valor do produto seria diferente do desejado, ou seja
Y = 1150.

Definidos estes conceitos, estamos em condições de abordar a questão do quadro lógico da política
económica.
Como se tem vindo a clarificar, o processo lógico da política económica traduz-se na determinação
das condições de utilização de certos meios para atingir determinados fins. Ao aceitar que assim
seja, estamos, no fundo, a considerar que, para a política económica, os fins são um dado, foram
previamente fixados pelos políticos, cabendo aos responsáveis pela política económica manipular
os meios, de forma possível, para os alcançar, o mais possível. Dito de outra forma, assume-se,
frequentemente, em política económica um critério de objectivos fixos (embora se possam considerar
flexíveis), que se traduz num processo inverso ao, geralmente, utilizado em teoria económica.
Mas, para além das relações entre os meios e os fins, deve a política económica ter em conta todo
um (outro) conjunto de relações que se estabelecem entre os elementos do sistema, muitas vezes
variáveis com o tempo. Com esta finalidade constroem-se, frequentemente, modelos explicitando
todos estes tipos de relações obedecendo a um quadro lógico (veja-se a figura 1.2):

realização
Dados Resultados

confronto previsão

Metas Medidas

concretização concretização

Objectivos Instrumentos

Figura 1.2: O Quadro Lógico da Política Económica


8 Note-se que, assim sendo, é possível determinar o conjunto dos possíveis valores para as variáveis objectivo para uma
dada previsão para os factores exógenos não controláveis, ou seja Yẑ . Mais uma vez, este conjunto é crucial, ou deveria ser,
para a definição das metas.
12 A Metodologia da Política Económica

O quadro lógico da política económica acaba por reflectir o processo de elaboração da política
económica.
A política económica nasce da confrontação entre uma determinada situação existente à partida,
apurada através do diagnóstico, com uma outra situação (mais) desejável e possível. Ambas podem
ser traduzidas de diferentes modos em termos políticos. Quer o diagnóstico quer a situação a atingir
estão de acordo com o perfil político-social das autoridades económicas.

• 1.ª Etapa – Diagnóstico


O diagnóstico corresponde à caracterização da situação actual ou de partida bem como a previsão
sobre a evolução das grandezas macroeconómicas se se implementar a mesma (-> cenário natural)
ou outra determinada política económica, previsão esta que deve ter em conta os elementos
endógenos e exógenos, internos e externos. Assim, há que não só conhecer a situação presente
mas também prever, tanto quanto possível, a evolução dos restantes elementos com influência
decisiva ao nível das variáveis objectivo caracterizadoras do estado da economia. Naturalmente,
a perspectiva de evolução pode estar ou não de acordo com a política económica a definir. Em
suma, no diagnóstico apuram-se quais os recursos e quais as limitações, ou seja procede-se ao
confronto entre os meios existentes e as necessidades; assim como se procede ao exercício de
previsão para as variáveis objectivo, o que envolve a construção de cenários paras as variáveis
exógenas, destacando-se o cenário, dito, natural, o qual corresponde à mera extrapolação das
tendências passadas.

Exemplo (/...)

Ilustre-se esta fase da política económica com o seguinte exemplo. Admita-se que a economia
funciona de acordo com o seguinte modelo:



 Y = C +I +G
C = 50 + 0.8Yd





 Y = Y −T +R
 d




 T = 200
R = R̄




I = I¯





 G = Ḡ

 
Como é fácil de verificar, Y = 5 −110 + 0.8R̄ + I¯ + Ḡ . Assim, admitindo que, para o ano
t − 1, R = 12.5, I = 100, e G = 200, ter-se-á Y = 1000. O diagnóstico pode então apurar que
o produto de pleno emprego é Y ∗ = 1400, que 150 ≤ G ≤ 250, 10 ≤ R ≤ 15 e que Iˆ = 110.
Assim, de acordo com o cenário natural, Ŷ = 1050, sendo certo que 790 ≤ YI=110ˆ ≤ 1310,
sendo este, obviamente, o conjunto Yẑ .

• 2.ª Etapa – Confronto com os objectivos


Aqui faz-se o confronto entre a situação apurada pelo diagnóstico e a situação que se pretende
atingir (desejável e possível). É deste confronto que nasce a política económica. Nesta compa-
ração, os técnicos podem ter opiniões diferentes de como passar de uma situação inicial para
uma situação desejável, o que dará lugar ao aparecimento de situações alternativas de política
económica. Assim, os meios e os fins podem ser esboçados de diferentes maneiras.
1.2 Objecto e método da política económica 13

Exemplo (.../...)

Continuando o exemplo de atrás, poder-se-á nesta fase determinar como meta o valor do
produto Ỹ = 1100, o qual sendo, em princípio, possível, exige uma alteração da política
económica.

• 3.ª Etapa – Elaboração, formulação ou determinação de alternativas


É nesta etapa que se apresentam vários conjuntos de meios disponíveis (medidas) para se
alcançarem resultados ou realizações que se aproximem o mais possível de determinados fins.
A política económica tem de traduzir os meios em cada alternativa e é neste âmbito que a
política económica mais se deve socorrer das suas disciplinas de suporte, em particular, da teoria
económica.
Temos pois que formular no modelo as várias alternativas. A teoria económica servirá de base à
escolha de quais as variáveis macroeconómicas a incluir numa determinada política económica.
Esta etapa, tal como as anteriores, tem um notável peso técnico em detrimento do peso político.
O aspecto técnico é dominante.

Exemplo (.../...)

Continuando o exemplo de atrás, considerando como meta o valor do produto Ỹ = 1100,


temos como o conjunto de alternativas que, em princípio, a permitem alcançar G = 220−0.8R,
para 150 ≤ G ≤ 250 e 10 ≤ R ≤ 15.

Estas três etapas, segundo Tinbergen, são as etapas de planificação ou planeamento da política
económica e nelas são os técnicos que desempenham o papel fundamental. O aspecto técnico é
dominante.
A estas três etapas sucede uma outra eminentemente política que é:

• 4.ª Etapa – Tomada de decisão


Diz respeito à tomada de decisão de qual a alternativa, ou seja a melhor de entre as identificadas
na etapa anterior, a utilizar para atingir os objectivos desejados.

Exemplo (.../...)

Continuando o exemplo de atrás, considerando que se pretende escolher a alternativa que


conduz a um saldo orçamental, SO, o mais próximo possível do equilíbrio, então sendo,
neste caso, o saldo orçamental igual a SO = 200 − (220 − 0.8R) − R = −20 − 0.2R, indica-nos
imediatamente que as medidas escolhidas serão R = 10 e G = 212, conduzindo a um saldo
orçamental de –22.

• 5.ª Etapa – Execução


A definição da política económica cabe à autoridade económica central mas a sua aplicação é
mais descentralizada pelos órgãos de poder do Estado como, por exemplo, a sua execução através
14 A Metodologia da Política Económica

da acção de vários departamentos e sub-departamentos governamentais, das autarquias, etc. A


execução é, assim, feita por agentes de política económica situados em patamares inferiores na
hierarquia do governo.
Há ainda que destacar o papel do banco central. O banco central deve ter uma política indepen-
dente do governo, o que lhe permite uma determinada autonomia resultando na credibilidade
da política económica assumida.

Exemplo (.../...)

Continuando o exemplo de atrás, implementar-se-iam as medidas escolhidas, ou seja R = 10


e G = 212.

Executada a política económica, esta começa a surtir efeitos. Tem que ser acompanhada, ou seja,
deve fazer-se um controle para a avaliação dos resultados da política económica.

• 6.ª Etapa – Avaliação


Nesta etapa avaliam-se os resultados e em que medida estes são ou não da responsabilidade da
política económica. Se à aplicação de determinadas medidas estão a corresponder os resultados
pretendidos então dá-se a continuação dessa política económica. Se tal não acontecer, ter-se-á
que ver se se ficará aquém ou além do pretendido e se há desfasamentos entre a tomada das
medidas e os resultados.
Se existirem desvios, que se detectam no confronto entre as metas e as realizações, daí pode/deve
resultar uma reformulação que pode ir até ao diagnóstico.

Exemplo (.../)

Continuando o exemplo de atrás, implementando-se as medidas escolhidas, ou seja R = 10 e


G = 212, mas tendo-se verificado o nível de investimento I = 115, resultaria num nível de
produto Y = 1125, diferente portanto do desejado.

Anexo 1: A influência da despesa pública no (peso do) saldo orçamental


Considere-se o seguinte modelo Keynesiano, representativo do modo de funcionamento de uma
economia fechada.9



 Y = C +I +G
C = a + bYd








 Yd = Y − T + R
T = u + vY



R = R̄




I = I¯





G = Ḡ

Como é sabido, para este modelo, a equação da sua forma reduzida para o rendimento/produto, Y
é:
9 Como parece ser desejável, do ponto de vista pedagógico, trata-se do modelo mais simples possível, permitindo estudar a
questão em análise.
1.2 Objecto e método da política económica 15

 
Y= 1
1−b+bv a − bu + bR̄ + I¯ + Ḡ ,

a qual pode ser escrita como:


Y = AY + BY ,R̄ R̄ + BY ,Ḡ Ḡ,

em que:
a−bu+I ¯
AY ≡ 1−b+bv ,
b
BY ,R̄ ≡ 1−b+bv ,
1
BY ,Ḡ ≡ 1−b+bv .

Note-se que, como é sabido, BY ,Ḡ > BY ,R̄ > 0.


No que diz respeito ao saldo orçamental, S, este será definido como S = T − G − R, ou seja:

a−bu+I¯
 
b 1
S = u +v 1−b+bv + 1−b+bv R̄ + 1−b+bv Ḡ − Ḡ − R̄,
a−bu+I¯ bv v
S = u + v 1−b+bv + 1−b+bv R̄ + 1−b+bv Ḡ − R̄ − Ḡ,
u(1−b+bv)+v (a−bu+I¯)
S = 1−b+bv + bv−1+b−bv v−1+b−bv
1−b+bv R̄ + 1−b+bv Ḡ,
(1−b)u+v (a+I¯) 1−b (1−b)(1−v)
S = 1−b+bv − 1−b+bv R̄ − 1−b+bv Ḡ.

Se se definirem os elementos:
(1−b)u+v (a+I¯)
AS ≡ 1−b+bv ,
1−b
BS,R̄ ≡ − 1−b+bv < 0,
(1−b)(1−v)
BS,Ḡ ≡ − 1−b+bv < 0,

então a equação do saldo orçamental pode ser escrita como:

S = AS + BS,R̄ R̄ + BS,Ḡ Ḡ.

Note-se que BS,R̄ < BS,Ḡ < 0.


Dado que o saldo das contas públicas, S, é, por construção, uma variável absoluta, torna-se
necessário ou desejável medi-lo em relação a uma determinada variável de referência, normalmente o
nível de produto, Y . Assim, habitualmente, o que importa é o peso daquele saldo, digamos P , sendo
P = YS .
Assim, torna-se interessante estudar o comportamento de P à medida que G ou R aumentam. De
facto,

1−b
BS,R̄ − 1−b+bv
lim P = BY ,R̄ = b = − 1−b
b < 0,
R̄→∞ 1−b+bv

(1−b)(1−v)
BS,Ḡ − 1−b+bv
lim P = BY ,Ḡ = 1 = − (1 − b) (1 − v) < 0.
Ḡ→∞ 1−b+bv

Note-se que lim P = (1 − v)b lim P , o que significa que lim P > lim P .10
Ḡ→∞ R̄→∞ Ḡ→∞ R̄→∞
Em termos gráficos, a figura seguinte mostra a importância da propensão marginal ao consumo, b,
na evolução do lim P :
R̄→∞

10 Recorde-se que ambos os limites são negativos.


16 A Metodologia da Política Económica

−5

lim P
−10

R̄→∞
−15

−20

−25
0 0.2 0.4 0.6 0.8 1
b

A figura seguinte mostra os valores de lim P em função das diversas combinações de b e de v.


Ḡ→∞

−0.1
0.8 −0.
1
−0.2

0.6 −0
.2
−0 −0
.4 .1
v

0.4
−0.

−0
−0

.6
0.2
.4

−0.1

−0
.8
0
0 0.2 0.4 0.6 0.8
b

Anexo 2: A importância da persistência (no produto) na política econó-


mica oportunista
Considere-se que o nível de popularidade, P , acumulado ao longo de um mandato, por hipótese
dividido em dois momentos, t = 1, 2, é determinado de acordo com a seguinte expressão:

P = µP1 + P2 ,

em que µ ∈ ]0, 1[ representa a taxa de memória do eleitorado, e Pt representa o nível de popularidade


do momento t, sendo este dado por:
Pt = − 12 πt2 + λyt ,

em que πt representa a taxa de inflação, λ é uma constante não negativa, e yt representa o nível de
produto, o qual é determinado de acordo com uma curva de oferta agregada com persistência (no
produto):
yt = ȳ + α (πt − πte ) + βyt−1 ,

em que ȳ representa o nível natural de produto, α é uma constante positiva, πte representa a taxa de
inflação esperada e β é uma constante não negativa, medindo o grau de persistência no produto.
1.2 Objecto e método da política económica 17

Considerando o caso mais simples de expectativas adaptativas,11 i.e. πte = πt−1 , torna-se rela-
tivamente fácil de mostrar que as taxas de inflação óptimas do ponto de vista eleitoral, i.e. as que
maximizam a popularidade no dia das eleições, P , são dadas pelas seguintes expressões:

π2 = λα (1.1)

e !
β−1
π1 = 1 + λα. (1.2)
µ
As expressões 1.1 e 1.2 mostram que é óptimo, do ponto de vista eleitoral:12

• começar o mandato com uma contracção, seguida de uma expansão, i.e. π2 > π1 , o que corres-
ponde ao padrão típico de ciclo eleitoral, se β < 1;

• manter a economia ao seu nível natural durante todo o mandato, se β = 1;

• começar o mandato com uma expansão, seguida de uma contracção, i.e. π1 > π2 , o que corres-
ponde ao padrão invertido de ciclo eleitoral, se β > 1.

XXX
11 Em termos gerais, a hipótese das expectativas adaptativas consiste em admitir que o valor esperado, formado no
momento t − 1, para o valor assumido por uma determinada variável no momento t, digamos πte , é uma média ponderada do
valor (efectivamente) registado no momento t −1 e do valor esperado para esse mesmo momento, i.e. πte = γπt−1 +(1−γ)πt−1
e .
12 Note-se que se estará a assumir que, como parece ser aceitável, π = π .
2 0
Capítulo
2
Os Modelos em Política
Económica
***

2.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
2.2 Formas de utilização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
Anexo 1: A propósito da determinação dos modelos Keynesianos . . . . . . . . . . . . . . . . 30

Leituras recomendadas

Este capítulo baseia-se nas seguintes referências bibliográficas, cuja leitura se recomenda:
+ Ferreira do Amaral (1991a) [disponível junto do docente]
+ Greffe (1987: 25-42) [disponível junto do docente]
+ Mateus (1994: 18-29) [disponível junto do docente]
+ Silva et al. (1981: 75-111) [disponível na biblioteca da Universidade e junto do
docente]

2.1 Introdução
Qual o objectivo dos modelos de política económica? O objectivo é o de permitir a análise de
um conjunto de fenómenos de natureza económica tal como, por exemplo, a Física faz ao nível
do laboratório.1 Tenta-se representar formalmente a realidade, isto é, a estrutura e o modo de
funcionamento da economia, da qual se fazem ressaltar aspectos fundamentais, com base em ideias
pré-definidas ao nível teórico. Assim, o modelo será sempre uma representação simplificada da
realidade. Esta é a definição quase sempre apresentada de modelo. Mas existem outras.
Para Malinvaud – 1964 [citado em Silva et al. (1981: 77)] um modelo “consiste na representação
formal de ideias ou de conhecimentos relativos a um fenómeno”.
Em Kirschen et al. (1967: 243), um modelo é “um sistema coerente de relações descrevendo as
restrições em questão”.
Para Alain Cotta (1978: 271) um modelo é uma “representação simbólica, quantificada ou pura-
mente conceptual das relações entre duas ou mais variáveis características de um dado conjunto”.
Em Boissieu (1980: 23), um modelo é uma “representação do funcionamento da economia conside-
rada e em particular das ligações entre os instrumentos e os objectivos da política económica”.
1 Naturalmente, a experimentação é uma fase do método científico que assume características diferentes consoante o
tipo de ciência em causa.
20 Os Modelos em Política Económica

Para Greffe (1987: 25) um modelo de política económica é uma “representação simplificada da
actividade, evidenciando os instrumentos sobre os quais os responsáveis poderão agir e os objectivos
que procuram atingir”.
Para Ferreira do Amaral (1991a: 1) um modelo de política económica é “o conjunto das equações
que traduzem matematicamente as relações entre as diversas grandezas que caracterizam o sistema
económico”.
Para Augusto Mateus (1994: 19) um modelo é “um quadro simplificado de representação da
estrutura e funcionamento de um dado sistema económico”.
Na utilização de modelos em política económica há que ter em conta determinados aspectos.
Para a construção de um modelo ter-se-ão, sempre, que evidenciar os aspectos da realidade
económica que se consideram mais importantes tendo em conta as finalidades que se têm em vista
com a elaboração do modelo. Assim, de acordo com a sua finalidade, poderão existir vários modelos
que sejam representativos da mesma realidade. A realidade, que o modelo pretende representar, é
dinâmica, está em constante alteração, o que faz com que o modelo deva ter a flexibilidade suficiente
para se adaptar a essas alterações, isto é, para que possa existir uma adequabilidade do modelo à
realidade.
As relações matemáticas devem ser o mais correctas possível e devem traduzir os aspectos a realçar
da realidade económica. Há necessidade de definir correctamente o que representam, em termos
económicos, as relações matemáticas que introduzimos no modelo e ainda que as relações se adequem
à finalidade do modelo. O modelo deve conter uma certa coerência entre as suas relações, o que deve
ser entendido a dois níveis:
i) nível matemático - compatibilidade das relações, isto é, a sua não contradição; ii) nível teórico,
isto é, da adequabilidade das relações matemáticas em relação à realidade que pretendem traduzir.
Na prática, o teste de adequabilidade do modelo à realidade é conseguido aquando da estimação
econométrica do mesmo. Este aspecto prende-se com o contributo decisivo da teoria económica na
construção dos modelos económicos/econométricos.
Cabe, precisamente, à teoria económica a formulação das hipóteses acerca da estrutura e modo
de funcionamento da realidade económica que o modelo irá (tentar) representar. São estas hipóteses
que irão ser testadas aquando da estimação econométrica do modelo através do confronto dos seus
resultados com a realidade. A figura 2.1 mostra este processo.2

Teoria Eco- Interpretação Modelo


nómica da Realidade Económico

Estimação
Econométrica

N Teste de S Utilização
Ajustamento do Modelo

Figura 2.1: Da Teoria Económica à Utilização de Modelos em Política Económica

Na estrutura de um modelo, existem três tipos de elementos fundamentais:

1. Relações - exprimem as ligações, com significado económico, entre as variáveis;

2. Grandezas - variáveis ou parâmetros;

3. Domínio das variáveis e parâmetros - limites superiores e inferiores (limites de variação) de


valores para as grandezas, i.e. os seus conjuntos de possíveis valores.

1. A título de exemplos, em relação às relações podemos ter:


2 Note-se, desde já, que os modelos fornecidos pela teoria económica se apresentam, habitualmente, na sua forma, dita,
estrutural, não sendo, habitualmente, esta a forma (mais) utilizada em política económica.
2.1 Introdução 21

(a) Relações de comportamento - Descrevem o comportamento das variáveis económicas como,


por exemplo:
i. funções de comportamento como, por exemplo, C = a + bYd ,
ii. funções de preferência, satisfação ou utilidade, as quais são objecto de uma optimização
pelos agentes racionais;
(b) Relações técnicas de produção - Descrevem o modo como os factores de produção (inputs) se
transformam em produto (outputs);
(c) Relações de equilíbrio - Indicam-nos determinados equilíbrios económicos:
i. de recursos e seu emprego como, por exemplo, Produto = Despesa,
ii. de equilíbrio orçamental, como, por exemplo, Receitas (Públicas) = Despesas (Públicas),
i.e. T = G + R,
iii. de equilíbrio financeiro, como, por exemplo, I = S;
(d) Relações de definição ou identidade - Definem um conceito como, por exemplo, o saldo da
balança comercial , B = X − M ou o rendimento disponível, Yd = Y − T + R;
(e) Relações institucionais - Exprimem aspectos fundamentais quanto à forma de actuação ou
regras de operação dos vários agentes no âmbito da política económica;
(f) Relações de evolução temporal - Exprimem o modo de evolução no tempo de determinada
variável.

2. Em relação às grandezas podemos ter:

(a) Variáveis - São grandezas susceptíveis de serem quantificadas. Uma possível distinção a
fazer é entre variáveis endógenas, isto é, as determinadas pelo modelo e variáveis exógenas,
ou seja, aquelas cujo valor é determinado ’fora’ do modelo. De acordo com uma classificação
mais detalhada, existem:
i. ’variáveis’ exógenas (dados) - assumem um valor fixo (no curto/médio prazos), por isso
insusceptível de se alterar por decisão de política económica,
ii. variáveis exógenas não controladas (dados) - assumem valores em função dos interesses
de outros agentes que não as autoridades económicas,
iii. variáveis exógenas instrumentais - valor pode ser modificado pelos responsáveis pela
política económica,
iv. variáveis endógenas objectivo - são aquelas perante as quais as autoridades económicas
não ficam indeferentes, ou seja são as pertinentes para, por exemplo, a caracterização
do estado da economia.
v. variáveis endógenas não pertinentes, acessórias ou irrelevantes - o valor não importa
(ou seja, para as autoridades económicas são indiferentes) para os responsáveis pela
política económica.
Ainda de acordo com outra classificação, teremos:
i. variáveis endógenas - determinadas pelas relações do modelo: objectivos + irrelevantes
ou não pertinentes;
ii. variáveis pré-determinadas - variáveis exógenas (determinadas fora do modelo: instru-
mentos + enquadramento) + desfasadas - determinadas pelas relações do modelo para
períodos anteriores.
(b) Parâmetros - Valores constantes obtidos por estimação do modelo ou por hipótese teórica;

3. Domínio das variáveis e parâmetros - Restrições específicas sobre os valores possíveis para certas
variáveis ou parâmetros.

As relações, as grandezas e as restrições fornecem uma estrutura ao modelo, a qual é diferente


consoante as formas de apresentação dos modelos:
22 Os Modelos em Política Económica

• Forma estrutural - quando a forma das relações traduz o modo efectivo de funcionamento
e estrutura da realidade económica. É normalmente assim que o modelo aparece quando se
representam as relações acima, tal como se faz em teoria económica, o que dá origem a uma
equação matricial do tipo Ay + Bx + Cz = c, onde y são as variáveis endógenas (relevantes, i.e.
objectivo e, eventualmente, irrelevantes), x as variáveis instrumentais, z as variáveis exógenas
não controláveis, e c um vector de constantes;

• Forma reduzida - quando as variáveis endógenas se encontram só como função das pré-
determinadas, o que, por vezes, é o que mais interessa para a política económica. Obtém-se
através da resolução do modelo, ou seja, quando y = f (x, z). A solução resulta, então, na forma
reduzida y = Fx + Gz + A−1 c, onde F = −A−1 B é uma matriz de multiplicadores e G = −A−1 C.

2.2 Formas de utilização


Iniciemos este ponto do programa considerando o modelo apresentado em Ferreira do Amaral (1991a).
Se se considerar a forma estrutural do modelo:

Dv = c,

onde D é uma matriz (m × n) de parâmetros e v é um vector (n × 1) de variáveis, que se pode particionar


da seguinte forma:

v T = [y1 |y2 |x1 |x2 ] ,

onde y1 representa o vector das n1 variáveis objectivo, y2 representa o vector das n2 variáveis irrele-
vantes, x1 representa o vector das n3 variáveis instrumentais e x2 representa o vector das n4 variáveis
não controláveis, e c é um vector de constantes, então
 
 [y1 |y2 |x1 |x2 ]T = c
 
 A1 | A2 | B1 | B2
 
(m×n1 ) (m×n2 ) (m×n3 ) (m×n4 )

ou seja

A1 y1 + A2 y2 + B1 x1 + B2 x2 = c

corresponde também à forma estrutural.


Se se considerar

A = [A1 |A2 ] ,

B = [B1 |B2 ] ,

y = [y1 |y2 ]T ,

x = [x1 |x2 ]T ,

então

Ay + Bx = c

é também a forma estrutural do modelo, a partir da qual poderá ser possível obter a forma reduzida:

y = A−1 (c − Bx) .
2.2 Formas de utilização 23

Exemplo

Considere-se o modelo Keynesiano:





 Y = C +I

C = a + bY , (2.1)



 I = I¯

o qual, obviamente, se pode escrever como:

Y − C − I¯ = 0
(
. (2.2)
−bY + C + 0I¯ = a

Se se definirem os vectores:
" #
Y
y= (2.3)
C
e
h i
x = I¯ , (2.4)

então o modelo na sua forma estrutural pode ser escrito sob a forma Ay + Bx = c se
" #
1 −1
A= , (2.5)
−b 1

" #
−1
B= (2.6)
0
e
" #
0
c= . (2.7)
a

Assim sendo, pode obter-se a forma reduzida, i.e. y = A−1 (c − Bx), em que:
" #
−1 1 1 1
A = (2.8)
1−b b 1
e


" #
c − Bx = . (2.9)
a

Logo:
a+I¯
" #
y= 1−b . (2.10)
a+bI¯
1−b
24 Os Modelos em Política Económica

Exemplo

Considere-se o seguinte modelo:





 mt = pt + yt

p = E [pt ] + δ (yt − ȳ) . (2.11)

 t


 m = m̄ + ε

t t

Neste caso, as variáveis endógenas – sendo também aleatórias – são mt , pt e yt , sendo exógena
a variável aleatória εt , representativa dos ‘choques’, a qual se admite ter valor esperado nulo,
i.e. E[εt ] = 0. Em relação a ȳ e m̄, admite-se que são constantes, sendo também constante (e
positivo) o parâmetro δ. Em relação a E[pt ], a sua existência no modelo obriga ao seu cálculo
explícito (em primeiro lugar).
A aplicação do valor esperado às três equações do modelo resulta em:



 E [mt ] = E [pt ] + E [yt ]

E [pt ] = E [E [pt ]] + E [δ (yt − ȳ)] , (2.12)




 E [m ] = m̄

t

de onde (facilmente) resulta: 




 E [pt ] = m̄ − ȳ

E [yt ] = ȳ . (2.13)




 E [m ] = m̄

t

Tendo em conta a expressão para E [pt ], atrás determinada, é evidente que o modelo poderia
ser escrito como:
      
 1 −1 −1   mt   0   0 
 0 1 −δ   pt  +  0  [εt ] =  m̄ − (1 + δ) ȳ  ,
       
     

1 0 0 yt −1 m̄
     

o que identificaria, imediatamente, os elementos A, y, B, x e c na expressão da forma


estrutural Ay + Bx = c.
Para a determinação da forma reduzida ter-se-ia, então, que inverter a matriz A.a Neste
caso, a passagem da forma estrutural para a forma reduzida pode ser simplificada dado que,
na forma estrutural, a equação mt = m̄ + εt , irá (ter que) ser reproduzida na forma reduzida.
Assim, o modelo pode ser re-escrito como:
(
pt + yt − εt = m̄
. (2.14)
pt − δyt + 0εt = m̄ − (1 + δ) ȳ

Se se definirem os vectores:
" #
pt
y= (2.15)
yt
e

x = [εt ] , (2.16)

então o modelo na sua forma estrutural pode ser escrito sob a forma Ay + Bx = c se
a O determinante desta matriz seria 1 + δ.
2.2 Formas de utilização 25

Exemplo (cont.)

" #
1 1
A= , (2.17)
1 −δ

" #
−1
B= (2.18)
0
e
" #

c= . (2.19)
m̄ − (1 + δ) ȳ

Assim sendo, pode obter-se a forma reduzida, i.e. y = A−1 (c − Bx), em que:
" #
−1 1 −δ −1
A =− (2.20)
1 + δ −1 1
e
" #
m̄ + εt
c − Bx = . (2.21)
m̄ − (1 + δ) ȳ

Logo:
δ
" #
m̄ − ȳ + 1+δ εt
y= 1 , (2.22)
ȳ + 1+δ εt

sendo certo que mt = m̄ + εt .

Para que o modelo seja utilizável (em política económica) deve preencher duas condições:

• 1.a condição - O modelo deve ser determinado, ou seja, dados os valores das variáveis exógenas,
devem poder-se determinar, através do modelo, os valores (únicos) das variáveis endógenas. Por
outras palavras, para um vector de variáveis exógenas x, deverá existir um e um só vector y de
variáveis endógenas. Para tal, se se considerar a forma estrutural:

Ay + Bx = c

então, para se determinar apenas um vector y ter-se-á que ter A não singular, o que significa
que, pelo menos, m deva ser igual a n1 + n2 .
Assim, sendo a matriz A invertível, então:

y = A−1 (c − Bx)

o que constitui a forma reduzida do modelo.


Para que o modelo seja determinado é, então, necessário que o número de variáveis endógenas
seja igual ao número de equações independentes do modelo.3
3 A este propósito, relembre-se a questão (matemática) da determinação dos modelos. Um modelo diz-se determinado
quando o número de equações independentes é igual ao número de variáveis endógenas (incógnitas). Para que o modelo
tenha solução deverá ter tantas equações (linearmente) como incógnitas. O modelo diz-se sub-determinado quando o
número de equações independentes é menor que o número de variáveis endógenas. Existirão n − m graus de liberdade,
26 Os Modelos em Política Económica

Exemplo

No caso do modelo que se encontra na página 23, i.e.





 Y = C +I

C = a + bY , (2.23)



 I = I¯

a expressão 2.8 mostra imediatamente que a condição que se deve verificar para que o
modelo seja determinado é que 1 − b , 0.a
1
a Note-se que esta condição significa que o multiplicador genérico k = deverá ser finito. De facto, esta é
1−b
a condição que se aplica a qualquer modelo Keynesiano do tipo que se considerou no exemplo; veja-se o anexo
1.

• 2.a condição - O modelo deve ser resolúvel em relação ao sub-vector x1 dos instrumentos,
ou seja deve permitir dar (uma única) resposta a questões essenciais em política económica,
nomeadamente determinar o vector de medidas x1 tal que y1 = ỹ1 . Para tal, a forma estrutural:

A1 y1 + A2 y2 + B1 x1 + B2 x2 = c

deve ser resolúvel matematicamente em ordem a x1 .

Assim sendo, para que o modelo dê resposta à questão atrás referida terá que existir B−1
1 , o que
significa que, pelo menos, m = n3 , i.e. que o modelo tenha tantas equações quantas as variáveis
instrumentais.

Considerando o modelo na sua forma estrutural (expandida):

A1 y1 + A2 y2 + B1 x1 + B2 x2 = c,

a consideração de metas para as variáveis objectivo, y˜1 , e de previsões para as variáveis exógenas
não controláveis, xˆ2 resulta em:

A1 ỹ1 + A2 y2 + B1 x1 + B2 x̂2 = c.

Se a matriz B−1
1 existir, então:

x1 = B−1
1 (c − A1 ỹ1 − A2 y2 − B2 x̂2 ) .

sendo n − m a diferença entre o número de variáveis endógenas e o número de equações. Uma forma de resolução do sistema
é fixar o valor para essas n − m variáveis endógenas. O modelo diz-se sobre-determinado quando o número de equações
independentes é maior que o número de variáveis endógenas.
2.2 Formas de utilização 27

Exemplo

Considere-se o seguinte modelo Keynesiano (na sua forma estrutural):





 Y = C +I +G
C = a + bYd





 Y = Y −T +R
 d




 T = u + vY
R = R̄




I = I¯





 G = Ḡ

Do ponto de vista das autoridades governamentais pode considerar-se que:


" # " #
Y Ḡ h i
y1 = x1 = x2 = I¯ .
C R̄

Se assim for considerado, então o modelo deve ser re-escrito como:

Y − C − Ḡ + 0R̄ − I¯ = 0
(
,
(−b + bv) Y + C + 0Ḡ − bR̄ + 0I¯ = a − bu

o que identifica as seguintes matrizes e vectores:


" # " # " # " #
1 −1 −1 0 −1 0
A1 = B1 = B2 = c= .
−b + bv 1 0 −b 0 a − bu

Torna-se fácil verificar que |B1 | = b, sendo, por isso, necessário que b , 0 para que o modelo
possa ser usado para aqueles fins de política económica.a
a Note-se que |A | = 1 − b + bv (que se reconhece ser o denominador do multiplicador genérico), devendo este
1
ser diferente de 0 para que o modelo seja determinado.

As duas condições anteriores estão intimamente relacionadas com as duas principais formas de
utilização dos modelos em política económica.

• Utilização previsional - Neste caso, os valores (possíveis) para as variáveis endógenas, em


particular sendo de interesse os valores das variáveis objectivo, são determinados, por via do
modelo, a partir dos valores para as variáveis exógenas.4 Por outras palavras, faz-se a previsão
dos valores assumidos, em particular, pelas variáveis objectivo, a partir dos valores atribuídos às
variáveis instrumentais e pré-determinadas (variáveis não controláveis). Para tal, quando possível,
utiliza-se a forma reduzida do modelo:5

y = A−1 (c − Bx) .

4 Note-se que, sendo possíveis os valores para as variáveis exógenas então, a partida – i.e. se o modelo não estiver mal
especificado – serão também possíveis os valores para as variáveis endógenas.
5 Note-se que, nos casos em que o modelo teórico (na sua forma estrutural) já se apresenta na sua forma reduzida
 
a utilização previsional é trivial. Por exemplo, no modelo de curva de oferta agregada, yt = ȳ + α πt − πte , bastará
(imediatamente) atribuir valores à variável exógena πt e à variável pré-determinada πte para ’prever’ o correspondente valor
para o nível de produto, yt .
28 Os Modelos em Política Económica

Exemplo

Considere-se o seguinte modelo Keynesiano (parameterizado):





 Y = C +I +G
 C = 50 + 0.8Y


I = I¯





 G = Ḡ

Torna-se fácil verificar que a forma reduzida do modelo será:


  
 Y = 250 + 5 I¯ + Ḡ


,
 C = 250 + 4 I¯ + Ḡ

a qual permite ’prever’ que, por exemplo, se I¯ = 120 e Ḡ = 80, Ŷ = 1250 e Ĉ = 1050.

• Utilização decisional - Consiste em fixar a priori os valores desejados para as variáveis objectivo
e determinar, através do modelo, os valores das variáveis instrumentais necessários para os
alcançar. Para tal, quando possível, utiliza-se a forma:

x1 = B−1
1 (c − A1 ỹ1 − A2 y2 − B2 x̂2 ) ,

o que identifica que, neste caso, a 2.ª condição, atrás enunciada, se terá que verificar.

Exemplo

Considerando o modelo Keynesiano (parameterizado) do exemplo anterior:





 Y = C +I +G
 C = 50 + 0.8Y


 I = I¯
 ,



 G = Ḡ

é fácil verificar que, se se pretender alcançar um valor desejado para o produto, Ỹ = 1300,
admitindo também que I¯ = 80, então dever-se-á tomar a decisão G = 130, devendo esta,
naturalmente, ser implementada se for possível.
2.2 Formas de utilização 29

Exemplo

Considere-se um modelo de oferta agregada:

yt = ȳ + α (πt − πte ) .

Admitindo um valor desejado para o produto, ỹt e um valor pré-determinado para a taxa de
inflação esperada, πte , a utilização decisional do modelo resulta em:

ỹt − ȳ
πt = + πte ,
α
a qual não suscita, à partida, problemas, em caso de expectativas adaptativas como, por
exemplo, πte = πt−1 ,a mas que, em caso de expectativas racionais, i.e. πte = E[πt ], torna
indeterminada aquela decisão, já que yt = ȳ, qualquer que seja a decisão, πt .
a Note-se, no entanto que, consoante a meta para o produto seja, respectivamente, maior, igual ou menor
que o seu nível natural, a taxa de inflação deverá subir, manter-se (constante) ou diminuir, o que poderá ser
inaceitável/possível a partir de um certo valor.

Um dos problemas deste tipo de utilização decisional é a possibilidade de se determinarem


valores para os instrumentos de política económica que sejam impossíveis, i.e. que não respeitem
os seus domínios de variação. Neste caso, a utilização decisional deve ser feita recorrendo à
optimização de uma escala de preferências W (y1, (x1)) sujeita às restrições x1 ∈ X1 .

Exemplo

Voltando a considerar o modelo Keynesiano (parameterizado) do exemplo anterior:





 Y = C +I +G
 C = 50 + 0.8Y


,
I = I¯





 G = Ḡ

suponha-se que G ∈ [25, 125] e que se prevê que I¯ = 80. Nestas circunstâncias, acaso se
pretenda alcançar o valor mais elevado possível de produto, sendo, por isso, a escala de
preferências, por exemplo, W = Y , a optimização desta função objectivo sujeita àquela
restrição, imediatamente conduz a uma decisão, G = 125, sendo também esta a decisão se se
pretender, por exemplo, alcançar um valor do produto que se aproxime o mais possível de,
por exemplo, 1400, sendo, neste caso, a escala de preferências uma função, por exemplo, do
tipo W = −(Y − 1400)2 .

A utilização decisional recorrendo a uma função objectivo, para além de ter que se considerar
quando existem domínios das grandezas a serem respeitados, pode também resolver problemas
associados à determinação das medidas de política económica quando existem expectativas
racionais, tal como o enunciado atrás. Por exemplo, se a escala de preferências das autoridades
económicas for:
1
W = − πt2 + βyt ,
2
sendo o nível de produto determinado por via de uma curva de oferta agregada:

yt = ȳ + α (πt − πte )
30 Os Modelos em Política Económica

em que πte = E[πt ], é fácil verificar que a decisão óptima é πt = αβ.6

Anexo 1: A propósito da determinação dos modelos Keynesianos


Considere-se um modelo de tipo Keynesiano representativo do mercado de bens e serviços:7



 Y = C +I +G+X −M
C = a + bYd





 Yd = Y − T + R



 T = u + vY




 R = R̄


I = d − ei








 i = ī
G = Ḡ








 X = X̄
 M = n + mY

Sendo y e x os vectores, respectivamente, de variáveis endógenas e exógenas:


 
 Y   
C  R̄ 
 
 
 
Yd  ī 
   
y =   x =  
 T 
  Ḡ 

I X̄
   
 
M

então a forma estrutural do modelo Ay + Bx = c resulta em:


     
 1 −1 0 0 −1 1   0 0 −1 −1   0 
0 1 −b 0 0 0  0 0 0 0  a
     
   
     
 −1 0 1 1 0 0   −1 0 0 0   0 
A =  B =  c =   .
−v 0 0 1 0 0  0 0 0 0  u
  
   
    

 0 0 0 0 1 0  
 0 e 0 0  
 d 

−m 0 0 0 0 1 0 0 0 0 n
  

Torna-se, assim, condição necessária para que o modelo seja determinado que |A| = 1 − b + bv + m seja
diferente de 0.8 Se tal acontecer, pode, então, determinar-se a forma reduzida do modelo.9

XXX
6 Conforme é sabido, π = 0 seria uma taxa de inflação melhor que aquela, mas esta apresenta problemas de credibili-
t
dade.
7 As variáveis têm o significado habitual. Note-se que se irá considerar o nível de investimento, I, como sendo função da
taxa de juros, i, sendo esta de natureza exógena. Como é sabido, numa lógica de equilíbrio, a taxa de juros é determinada
endogenamente quando se considera o mercado monetário, i.e. num modelo IS-LM. Na verdade, a endogeneidade da taxa
de juros suscita algumas dúvidas.
8 Mais uma vez, reconhece-se ser a condição necessária para que o multiplicador (genérico) seja finito.
9 Note-se que a equação da forma estrutural I = d − ei será a única que permanecerá igual na forma reduzida.
Capítulo
3
A Escolha em Política Económica
***

3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
3.2 O critério da optimização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
3.3 O critério das metas fixas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

Leituras recomendadas

Este capítulo baseia-se nas seguintes referências bibliográficas, cuja leitura se recomenda:
+ Boissieu (1980: 35-55) [disponível na biblioteca da Universidade]
+ Ferreira do Amaral (1991b) [disponível junto do docente]
+ Silva et al. (1981: 41-68) [disponível na biblioteca da Universidade e junto do
docente]

3.1 Introdução
De acordo com Arrow, existem dois grandes processos de escolha colectiva: o voto, o qual se relaciona
com as decisões políticas, e o mercado, o qual se relaciona com as decisões económicas. O mercado,
enquanto principal agente regulador, pode gerar situações socialmente indesejáveis, as quais cabe
à política económica transformar em situações socialmente mais desejáveis. Por outras palavras, a
situação previsível associada ao (livre) funcionamento dos mercados pode ter que ser transformada,
por via da política económica, numa situação que se revele mais adequada, do ponto de vista social.

O teorema de Arrow

Uma das formas mais interessantes, do ponto de vista da política económica, para ultra-
passar o problema na base do teorema de Arrow é a que se baseia na figura do ‘ditador
benevolente’.a
a Como é sabido, este famoso resultado é, habitualmente, alvo de análise em Economia Pública, aquando do
estudo da escolha colectiva/pública.

Porque poderão existir diversos conjuntos de objectivos e/ou instrumentos, importa analisar os
seguintes factores que se revelam importantes na escolha dos objectivos e/ou instrumentos:1
1 Significa isto que, se estes factores forem devidamente tidos em conta, a resolução do problema da escolha em política
económica não levantará tantos problemas.
32 A Escolha em Política Económica

1. Princípios de escolha de objectivos


(a) Validade – As metas, ỹi i.e. os valores desejados para as variáveis objectivo, devem ser
possíveis, ou seja ỹi ∈ Yi , ∀i.2
Exemplo

Considere-se o seguinte modelo Keynesiano:





 Y = C +I +G
 C = 50 + 0.8Y


,
I = 80





 G = Ḡ

devendo a variável instrumental G ∈ [20, 120]. Nestas circunstâncias é fácil de


comprovar que os valores que a variável objectivo, Y , pode assumir se situam no
intervalo [750, 1250].a Assim, obviamente, a meta Ỹ = 1300 não é válida pois não
haverá nenhuma medida que, sendo possível, a permita alcançar. Obviamente
também, a meta Ỹ = 1000 já se poderia considerar como sendo válida.
a Como é evidente, este intervalo de possíveis valores para o produto resulta daquelas condições-
limite para a variável instrumental, sendo certo que também o valor assumido pelo nível de
investimento não deixa de ser relevante. Deste ponto de vista, há que chamar a atenção para a
importância, na verificação do princípio da validade, dos valores assumidos (ou possíveis de serem
assumidos) pelas variáveis exógenas não controláveis.

(b) Compatibilidade – Mesmo que cada uma das metas seja, por si só, possível, há que garantir
que seja também possível a sua verificação em simultâneo, ou seja ỹ ∈ Y .3
Exemplo

Voltando a considerar o modelo Keynesiano do exemplo anterior:





 Y = C +I +G
 C = 50 + 0.8Y

,

I = 80





 G = Ḡ

devendo a variável instrumental G ∈ [20, 120], é fácil de comprovar, para além


de que Y ∈ [750, 1250], que C ∈ [650, 1050]. Assim, obviamente, cada uma das
metas Ỹ = 1000 e C̃ = 900 é (individualmente) válida mas incompatíveis em
simultâneo.a
a Note-se que, mesmo para outro valor do investimento, este problema subsistiria.

(c) Homogeneidade – Havendo alguma homogeneidade ao longo do tempo, i.e. não existindo
alterações drásticas nas metas ao longo do tempo, haverá menos problemas de validade
e/ou compatibilidade.
2. Tipos de relações entre objectivos4
(a) Independência – Os objectivos são independentes quando não existe qualquer relação entre
o seu grau de realização.
2 Note-se a importância das condições-limite para a verificação deste princípio.
3 Neste caso note-se como a estrutura ou o modo de funcionamento da economia ganha especial relevância.
4 Neste caso, o tipo de preferências (lineares/ quadráticas, independentes/interdependentes, separáveis/conjuntas, etc.) é
fundamental.
3.1 Introdução 33

(b) Complementaridade – Os objectivos são complementares quando existe uma relação directa
entre o seu grau de realização, podendo a complementaridade ser total ou parcial.
(c) Conflitualidade – Os objectivos são conflituosos quando existe uma relação inversa entre o
seu grau de realização.

A complementaridade e a conflitualidade dos objectivos estão, por vezes, associadas às condições-


limite para as variáveis instrumentais.

Exemplo

Considere-se o seguinte modelo Keynesiano:





 Y = C +I +G
C = 50 + 0.75Yd





 Y = Y −T
 d

 T = 20 + 0.2Y
 ,






 I = 165
 G = Ḡ

devendo a variável instrumental G ∈ [0, 400]. Nestas circunstâncias, a equação da forma


reduzida para o produto é Y = 500 + 2.5Ḡ, o que dá origem a um conjunto de possíveis
valores para o produto, Y , igual a [500, 1500] e para o saldo orçamental, S, igual a [−80, 120],
já que S = 120 − 0.5Ḡ. Neste caso, se se fixarem, por exemplo, as metas Ỹ = 1000, a qual
seria alcançada se Ḡ = 200, e S̃ = 50, a qual seria alcançada se Ḡ = 140, pode afirmar-se
que os objectivos serão complementares se G ∈ [0, 140] ∪ G ∈ [200, 400] e conflituosos se
G ∈ [140, 200].a
a Note-se que, estando definidas aquelas metas, se está a assumir que, quanto mais próximos os níveis de
produto e/ou de saldo orçamental estiverem daqueles valores ideais, melhor.

3. Preferências a priori em relação aos objectivos e aos instrumentos


De um modo geral, costuma afirmar-se que as autoridades governamentais (económicas) mais
conservadoras (i.e. mais à direita no espectro político) preferem, sobretudo, combater a inflação
através, preferencialmente, da política monetária, enquanto as autoridades governamentais
(económicas) menos conservadoras (i.e. mais à esquerda no espectro político) preferem, sobretudo,
combater o desemprego através, preferencialmente, da política orçamental.

4. Desfasamentos temporais (lags)


Sobretudo no que diz respeito à escolha dos instrumentos, importa conhecer o tempo que cada
um demora a reagir perante alterações na situação económica que o suscitem, assim como o
tempo que demora cada um a exercer os seus efeitos. Regra geral, podem identificar-se quatro
desfasamentos temporais:

(a) de reconhecimento – tempo que decorre entre o surgimento do problema e o reconheci-


mento da sua existência;
(b) de decisão – tempo que decorre entre o reconhecimento da existência do problema e a
decisão de actuação sobre o mesmo;
(c) de execução – tempo que decorre entre a decisão de actuação sobre o problema e a imple-
mentação das medidas;
(d) de actuação de efeitos – tempo que decorre entre a implementação das medidas e o surgi-
mento dos seus efeitos.

5. Outros factores relevantes na escolha de instrumentos


34 A Escolha em Política Económica

(a) Efeito multiplicador (magnitude e/ou grau de certeza) – Naturalmente, importa conhecer a
magnitude dos efeitos dos diversos instrumentos bem como o risco associado aos seus
multiplicadores;
(b) Efeito de feixe – Importa também saber sobre quantas (e, naturalmente, quais) variáveis
objectivo é que cada variável instrumental exerce efeitos.
(c) Custos de utilização – Há certos instrumentos cuja utilização, por si própria, envolve custos,
devendo estes, naturalmente, serem tidos em conta aquando da escolha dos instrumentos.

De seguida apresentar-se-ão os dois principais critérios utilizados na resolução do problema da


escolha em política económica: o critério da optimização, cuja importância teórica é mais evidente, e o
critério das metas fixas, cuja evidência prática é inegável.

3.2 O critério da optimização


Quando se utiliza este critério, as medidas (óptimas) de política económica resultam da optimização
de uma função objectivo, enquanto escala de preferências, eventualmente sujeita (essa optimização) a
uma série de restrições, nomeadamente o modelo que rege o modo de funcionamento da economia e
as condições-limite (para as variáveis instrumentais). Em termos formais, trata-se de

max W (y1 , (x1 )) s.a Ay + Bx = c e x1 ∈ X1 .


{x1 }

A utilização do critério da optimização levanta dois tipos de questões:

1. Qual o tipo de função-objectivo?

2. Como se pode determinar (empiricamente) aquela função-objectivo?

A primeira daquelas duas questões associa-se à distinção (ou não) entre as preferências colecti-
vas/sociais e as preferências dos agentes responsáveis pela política económica. De acordo com este
aspecto, poderão existir:

1. Uma função de utilidade colectiva. Neste caso, as preferências dos agentes responsáveis pela
política económica coincidem com as preferências da sociedade.5

2. Uma função de preferência estatal. Neste caso, as preferências das autoridades económicas não
reflectem integralmente as preferências /colectivas/sociais.6

A segunda daquelas duas questões – reconhecidamente, uma das mais difíceis em Política Econó-
mica – associa-se à determinação da função-objectivo, a qual pode ser tentada através de técnicas de
revelação de preferências ou do, dito, óptimo inverso.
Claramente, o critério da optimização tem sido alvo de inúmeras aplicações, sobretudo a nível da
teoria da política económica, ainda assim algumas das quais com evidentes repercussões na prática da
política económica.7

5 Saliente-se a importância crucial do teorema de Arrow no que diz respeito à possibilidade (ou não) de se poderem obter
as preferências sociais a partir das preferências individuais.
6 Ainda assim, admite-se, frequentemente, que as autoridades económicas funcionam como um ‘ditador benevolente’,
por vezes tomando decisões que serão melhores para a sociedade do que as que esta tomaria, se tivesse que decidir de acordo
com as suas preferências.
7 Veja-se, em particular, o segundo exemplo de entre os que se seguem.
3.2 O critério da optimização 35

Exemplo

Volte-se a considerar o seguinte modelo Keynesiano:





 Y = C +I +G
C = 50 + 0.75Yd





 Yd = Y − T


,
T = 20 + 0.2Y








 I = 165
 G = Ḡ

devendo a variável instrumental G ∈ [0, 400]. Nestas circunstâncias, recorde-se que Y =


500 + 2.5Ḡ e S = 120 − 0.5Ḡ. Se, para estas variáveis objectivo, se estabelecerem como valores
ideais, Ỹ = 1000 e S̃ = 50, tais que, quanto mais próximos os níveis de produto e/ou de saldo
orçamental estiverem daqueles valores ideais, melhor, a função objectivo pode, então, ser
W = −β(Y − 1000)2 − (1 − β)(S − 50)2 , com β ∈ [0, 1]. A maximização desta função objectivo
(sujeita à restrição G ∈ [0, 400]) dá origem a:

2430β + 70
Ḡ = .
12β + 0.5

Esta expressão mostra que, quando β = 0, Ḡ = 140 e, quando β = 1, Ḡ = 200, o que confirma
estes dois valores para a variável instrumental como sendo os limites do intervalo em que
aqueles dois objectivos se assumem como conflituosos. A figura que se segue mostra como
evoluirá Ḡ em função do peso/ponderador β.

200

180

160

140

0 0.2 0.4 0.6 0.8 1


36 A Escolha em Política Económica

Exemplo

Se a escala de preferências das autoridades económicas for:

1
W = − βπt2 + yt ,
2
sendo o grau (relativo) de aversão à inflação β > 0, e sendo o nível de produto determinado
por via de uma curva de oferta agregada:

yt = ȳ + α (πt − πte ) ,

é fácil verificar que a decisão óptima é πt = αβ . Neste caso, quanto mais conservadoras forem
as autoridades monetárias, i.e. quanto maior o valor de β, mais a inflação se aproximará do
valor ideal, i.e. 0 (sem que yt , ȳ, se as expectativas forem racionais.)a
a A alegada vantagem de delegação da política monetária num agente com um elevado grau de aversão à
inflação pode, assim, ser verificada.

3.3 O critério das metas fixas

Obviamente, a utilização do critério da optimização está sujeita ao conhecimento, por parte das
autoridades económicas, da função-objectivo, de cuja optimização (sujeita às eventuais restrições)
resultarão as medidas de política económica. Como é sabido, aquele conhecimento, mesmo que se
trate da função-objectivo das próprias autoridades económicas, está longe de estar assegurado, o que,
naturalmente, torna difícil a utilização daquele critério na resolução do problema da escolha em
política económica. Assim, alguns autores sugerem – até por estar muito de acordo com a prática da
política económica – a utilização de um outro critério, dito de metas fixas, em que, aparentemente,
aquele conhecimento não é necessário – ou, eventualmente melhor, possível – por parte dos agentes
responsáveis pela política económica.
De acordo com o critério das metas fixas, as medidas de política económica são determinadas –
geralmente, por agentes técnicos – após a (pré)-fixação das metas – geralmente por agentes políticos.
Na utilização deste critério, a chamada regra de contagem de Tinbergen desempenha um papel
fundamental. De acordo com esta regra de carácter geral:

• quando o número de objectivos, n, é inferior ao número de instrumentos, m, existe a possibilidade


de serem alcançados todos os objectivos, através de mais do que uma combinação de medidas de
política económica;

• quando o número de objectivos é igual ao número de instrumentos, continua a existir a possibili-


dade de serem alcançados todos os objectivos, mas através de uma única política económica;

• quando o número de objectivos é superior ao número de instrumentos, não é possível alcançar


todos os objectivos.

Em termos das suas aplicações, os modelos Keynesianos prestam-se de forma particularmente


adequada à ilustração da aplicação da regra de contagem de Tinbergen.8

8 Vejam-se as condições que abaixam se apresentarão.


3.3 O critério das metas fixas 37

Exemplo

Considere-se o seguinte modelo Keynesiano:





 Y = C +I +G
C = a + bYd





 Y = Y −T +R
 d




 T = u + vY
R = R̄




I = I¯





 G = Ḡ

Admitindo que se fixam como metas Ỹ e C̃ para as (duas) variáveis-objectivo Y e C, e que


se utilizam as (duas) variáveis-instrumentais G e R, a equação de equilíbrio Y = C + I + G
permite, ‘imediatamente’ determinar o valor a atribuir aos gastos públicos como sendo
ˆ Quanto ao valor a atribuir às transeferências (sociais), este deverá ser aquele
G = Ỹ − C̃ − I.
que, tendo em conta os valores para Ỹ e consequente nível de impostos T = u + v Ỹ , dê
origem ao nível de rendimento disponível Yd que, por sua vez, origine C̃.

Uma leitura menos rigorosa da regra de contagem de Tinbergen poderá fazer crer que a tarefa da
política económica é fácil de efectuar, na medida em que, para alcançar um número n de objectivos
bastará, regra geral, que as autoridades económicas disponham de n instrumentos. Na verdade, existe
uma série de condições que se têm que verificar para que aquela regra seja válida, condições estas que
são exigentes em termos da sua aderência à realidade.
As condições são as seguintes:

1. O modelo deve ser linear. De facto, se o modelo não for linear, poderá ser possível que, por
exemplo, mesmo no caso em que n = m, não exista qualquer possibilidade de alcançar todas as
metas, ou, pelo contrário, exista mais do que uma possibilidade quanto à realização de todos os
objectivos;

2. O modelo deve ser estático. Na verdade, quando, por exemplo, interessa às autoridades econó-
micas, não só o ponto de chegada, mas também a trajectória da economia, poderá ser necessário
utilizar mais instrumentos do que no caso estático, em que aquela trajectória é ignorada;

3. O modelo deve ser determinístico. De facto, quando, por exemplo, o multiplicador (genérico) é
aleatório, é, regra geral, óptimo utilizar todos os instrumentos, mesmo que sejam em número
superior ao de objectivos;

4. Os instrumentos devem poder ser alvo de uma utilização independente;

5. Os custos de utilização dos instrumentos devem ser suficientemente baixos;

6. As condições-limite devem ser suficientemente flexíveis/alargadas.

Tendo em conta as condições atrás apresentadas, há autores que preferem uma interpretação
mais flexível da regra de contagem de Tinbergen, i.e. recomendando que, não tendo que se verificar,
necessariamente, uma igualdade entre o número de instrumentos, m e o número de objectivos, n, que
estes dois números não se afastem demasiado, ou seja que m ' n.

XXX
Capítulo
4
As Políticas Económicas
Estruturais
***

4.1 Os fundamentos micro- e macro-económicos da intervenção estatal-governamental . . 39


4.2 As políticas microeconómicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
4.3 O caso das reformas estruturais na União Europeia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44

Leituras recomendadas

Este capítulo baseia-se nas seguintes referências bibliográficas, cuja leitura se recomenda:
+ Acocella (1998: 223-246) [disponível junto do docente]
+ Economic Policy Committee (2004: 3-4) [disponível na internet e junto do docente]
+ Economic Policy Committee (2005: 1-4) [disponível na internet e junto do docente]

4.1 Os fundamentos micro- e macro-económicos da intervenção estatal-


governamental
No que diz respeito aos fundamentos microeconómicos da intervenção, por parte das autoridades
públicas, sobre a economia, estes surgem, de acordo com a tradição neo-clássica, associadas ao papel
económico do Estado. Como é sabido, são funções do Estado:

• função afectação – Neste caso, o objectivo é, essencialmente, aumentar o nível de eficiência, já


que existem falhas de mercado como, por exemplo, quando se trata do fornecimento de bens
públicos ou se está perante a existência de externalidades;

• função (re)distribuição – Neste caso, o objectivo é, essencialmente, aumentar o nível de equi-


dade, por exemplo, tornando mais justa a distribuição do rendimento;

• função estabilização – Neste caso, o objectivo é, essencialmente, fazer com que os principais
agregados macroeconómicos como, por exemplo, o nível de produto ou o nível de (taxa de)
desemprego evoluam da mais forma mais ‘suave’ possível, para tal recorrendo às chamadas
políticas anti-cíclicas.

Aquela última função, sendo de natureza macroeconómica, relaciona-se com os fundamentos


macroeconómicos da intervenção, por parte das autoridades públicas, sobre a economia. Estes surgem,
de acordo com a tradição Keynesiana, associados ao papel económico do Governo.
40 As Políticas Económicas Estruturais

Como é sabido, a visão Keynesiana surgiu após a crise dos anos 30 (do século XX) e, enquanto
tal, esteve na base de muitas políticas económicas até aos anos 50. Grosso modo, de acordo com esta
visão, a procura é mais importante que a oferta e o curto prazo mais importante que o longo prazo.1
Nos anos 50, surgiu a, chamada, síntese neo-clássica, a qual correspondeu a uma conjugação das
ideias Keynesianas e neo-clássicas. A crise dos anos 70 veio pôr em causa esta síntese, assistindo-
se a um reforço das ideias neo-clássicas (novos clássicos) e Keynesianas (novos Keynesianos). Em
qualquer um destes casos, assistiu-se à tentativa de fundamentação microeconómica das teorias
macroeconómicas, tendo a oferta ganho importância (em relação à procura) e o longo prazo ganho
também importância (em relação ao curto prazo). Assim, as políticas (de reformas) estruturais (de
fundamentação microeconómica, a longo prazo) ganharam, aparentemente, relevância.2

4.2 As políticas microeconómicas


Uma definição de política microeconómica afirma ser esta uma política económica que se ocupa de
sectores específicos. Assume, frequentemente, a forma de incentivos ou penalizações de certos tipos
de comportamentos económicos, de forma a obterem-se objectivos económicos. Por outras palavras,
grosso modo, o objectivo das políticas microeconómicas é a actuação sobre as decisões dos (grandes)
agentes económicos por forma a que as suas decisões (óptimas em termos privados) sejam (também)
óptimas em termos sociais.
Tal como se mostra nas figuras seguintes, as políticas microeconómicas, influenciando a oferta
agregada, poderão aumentar o nível de produto (através de uma verdadeira reforma, i.e. alterando a
estrutura da economia, dando origem a alterações no declive da curva de oferta agregada), por via de
aumentos na eficiência.
P P
S0 S0
S1

S1

P0 P0
P1 P1

D0 D0
Y Y
Y0 Y1 Y0 Y1

Em termos mais específicos, os principais objectivos das políticas microeconómicas são:


1. Assegurar a existência e o livre funcionamento dos mercados – tratando-se, neste caso, das,
chamadas, políticas de concorrência ou de regulação3 ;
2. Corrigir as ineficiências no funcionamento dos mercados – tratando-se, neste caso, das, chama-
das, políticas correctivas.
No que diz respeito àquele primeiro objectivo, saliente-se o aumento no excedente social associado
à passagem de um mercado monopolista para um mercado em concorrência perfeita, conforme as
figuras seguintes ilustram.

1 Assim, não é de estranhar, por exemplo, que, nos modelos de inspiração Keynesiana, a procura seja exógena e a oferta
endógena, sendo utilizados em termos conjunturais, considerando uma estrutura da economia de natureza, essencialmente,
constante (naquele prazo).
2 A título de exemplo, vejam-se as propostas da União Europeia, apresentadas mais à frente.
3 Note-se que, em certo sentido, se, ao invés da concorrência, se gerar, de facto, a competição, então, dever-se-ão ter em
conta as externalidades negativas normalmente associadas a esta situação; caso contrário, uma maior eficiência associar-se-á
a uma menor equidade.
4.2 As políticas microeconómicas 41

P , RMg, CMg P , CMg

CMg CMg

A
Pm
B B
Pc Pc

P P

RMg
Q Q
Qm Qc Qc

Figura 4.1: A situação de monopólio (à esquerda) versus a situação de concorrência (à direita)

De facto, a passagem de uma situação de monopólio para uma outra de concorrência permite
aumentar a soma dos excedentes do consumidor – este aumentará – e do produtor – este diminuirá
em favor dos consumidores – num montante associado ao triângulo [ABC] (na figura anterior), sendo
este o argumento para a implementação de medidas conducentes à liberalização do funcionamento
dos mercados,4 o qual se tem estendido – embora, por vezes, ignorando as especificidades a serem
tidas em conta – ao mercado de trabalho.
No que diz respeito ao segundo objectivo, saliente-se a actuação em caso de existência de ex-
ternalidades (na produção e/ou consumo; negativas ou positivas), em que a valorização social tem
que ser alcançada. Como é sabido, os preços desempenham dois papéis ou funções fundamentais.
Por um lado, funcionam como um mecanismo de racionamento da oferta, por natureza escassa, dos
produtos perante uma procura que seria, obviamente, excessiva se os produtos fossem grátis. Por outro
lado, funcionam como um mecanismo de afectação, dado que actuam como um modo de sinalização
orientadora dos recursos entre os diversos sectores económicos. Ora a existência de mecanismos que
impeçam que os preços desempenhem livremente estas suas duas funções resulta, naturalmente,
numa distorção da valorização social que lhes deve estar implícita.
Em termos simples, uma externalidade ocorre quando um agente, na sua actividade, influencia o
nível de bem-estar (por via de custos e/ou benefícios) de outro(s)) e, no entanto, não recebe qualquer
compensação – naturalmente, se aqueles efeitos externos forem positivos – ou é obrigado a qualquer
pagamento – naturalmente, se aqueles efeitos externos forem negativos – por tal.
Existem situações em que as ‘negociações’ privadas, i.e. somente entre os agentes que causam as
externalidades e aqueles que são afectados pelas mesmas, permitem resolver o problema, i.e. conduzir
a um resultado eficiente.5 Noutras situações, as autoridades governamentais têm que intervir para
que as externalidades sejam devidamente tidas em conta. Por exemplo, em caso de externalidades
negativas na produção, as autoridades governamentais podem recorrer a um imposto por forma a que
o produtor ‘internalize’ aquele efeito negativo. Também, por exemplo, podem aquelas autoridades
económicas recorrer a um subsídio quando existem externalidades positivas no consumo, para que os
consumidores ‘internalizem’ aqueles efeitos positivos.
Em todo o caso, o que se pretende é fazer com que não se verifique o ponto A (na figura que se
segue) mas sim um dos pontos B, C, D, E, F, G, H ou I (naturalmente, aquele que se aplicar ao caso em
4 Ou, em sentido ‘contrário’, impedindo a existência de monopólios.
5 Em determinadas circunstâncias, é esta a essência do, chamado, Teorema de Coase.
42 As Políticas Económicas Estruturais

questão).6

BMg, CMg

CMgS(−)
CMgP
I
CMgS(+)
G C
A F
eP
H D
B BMgS(+)
E

BMgS(−) BMgP

Q
QP

A questão das externalidades é, sem dúvida, das mais importantes na política microeconómica.7
Em termos formais, a questão pode ser colocada da seguinte forma: Suponha-se que um agente 1,
retira benefícios líquidos em função da sua decisão, ou seja B1 = f (x1 ).
Em termos meramente privados, o agente 1 decidirá por forma a maximizar os seus benefícios
líquidos, ou seja aquele montante que resulta de dB 1
dx1 = 0.
Suponha-se também que a decisão do agente 1 afecta os benefícios líquidos de um segundo agente
de tal forma que B2 = f (x1 , x2 ). Assim, ∂B
∂x1
2
= 0 representa o efeito da externalidade, que pode ser
positiva ou negativa.
Aquela externalidade será, regra geral, ignorada pelo agente 1, aquando da sua decisão. Se assim
for, a análise privada, por parte do agente 1, pode chegar a uma conclusão diferente da que seria
retirada/tomada em termos sociais.
Em termos sociais, atribuindo ao agente 1 a importância w e ao agente 2 a importância (1 − w), a
função de benefícios líquidos sociais seria B = wB1 + (1 − w)B2 .
O máximo de B resultaria de

∂B
∂x1
= w dB ∂B2
dx + (1 − w) ∂x = 0
1
1 1
∂B
∂x2
= (1 − w) ∂B
∂x
2
=0
2

Naturalmente, ignorar o termo (1 − w) ∂B 2


∂x1
conduz, regra geral, a um resultado que não é óptimo
do ponto de vista social, isto é dos dois agentes (a não ser que toda a importância seja atribuída ao
agente 1). O objectivo da política económica consistirá em tornar a decisão (óptima, do ponto de vista
privado) do agente 1 também óptima do ponto de vista social, para tal recorrendo, da forma correcta,
a mecanismos de penalização (por exemplo, impostos) e/ou de incentivo (por exemplo, subsídios).

6 Note-se que, na figura que se segue, as externalidades no consumo fazem deslocar a curva de benefícios marginais
privados, BMgP , para BMgS(+) ou BMgS(−) se forem, respectivamente, positivas ou negativas; enquanto as externali-
dades na produção fazem deslocar a curva de custos marginais privados, CMgP , para CMgS(+) ou CMgS(−) se forem,
respectivamente, positivas ou negativas.
7 Esta questão, por nos mostrar que a análise privada pode dar origem a decisões sub-óptimas do ponto de vista social,
ou seja que o que é desejável em termos privados nem sempre o é para a sociedade e vice-versa, é um resultado de óbvia
relevância prática nas política microeconómicas, a atender à definição atrás apresentada.
4.2 As políticas microeconómicas 43

Exemplo

Como forma de exemplificação do que atrás foi exposto, considere-se o caso da existência de
externalidades em mercados de concorrência perfeita, generalizando o caso apresentado
em Acocella (1998: 229-230). Assim, considerem-se duas empresas a funcionar num
mercado de concorrência perfeita em que, por isso, os preços dos seus bens, p1 e p2 , são
dados. Admita-se que as estruturas de custos são dadas por C1 = f (q1 ) e C2 = f (q1 , q2 ),
∂C2
em que, pela existência de uma externalidade (negativa), > 0, sendo os outros custos
∂q1
marginais crescentes. Se, em termos sociais, se pretender maximizar o nível de lucro total,
atribuindo a importância w1 ao lucro da empresa 1, e a importância w2 = 1 − w1 ao lucro da
empresa 2, em que w1 ∈]0, 1[, através da escolha das produções das duas empresas, ter-se-á
que:
max Π = w1 Π1 + (1 − w1 )Π2 ,
{q1 ,q2 }

tendo em conta que Π1 = p1 q1 − C1 (q1 ) e que Π2 = p2 q2 − C2 (q1 , q2 ). Para este programa, as


condições de primeira ordem são:

∂C2 !
= w1 p1 − dC
 
∂Π 1 =
∂q1 dq1 − (1 − w1 ) ∂q1 0
!
= (1 − w1 ) p2 − ∂C
 
∂Π 2 =
∂q2 ∂q
0
2

Da primeira daquelas duas equações resulta o nível óptimo de produção q1S , do ponto de
vista social, como sendo aquele que garante a igualdade entre o preço, p1 , e o custo marginal
dC1 ∂C2
social, sendo este a soma do custo marginal privado com o efeito externo > 0,
dq1 ∂q1
devidamente ponderado.a Claramente, q1S deverá ser inferior ao que a empresa 1, em termos
privados, considera óptimo, já que este resulta da igualdade entre o preço, p1 , e o custo
dC1
marginal privado . Esta diferença entre as decisões óptimas, em termos privados e em
dq1
termos sociais, já não se verifica para a empresa 2, pois o custo marginal social coincide com
o custo marginal privado, dado que a empresa não exerce qualquer efeito externo.
Por outras palavras, a última equação das condições de segunda ordem indica que a empresa
2 deve produzir eficientemente uma quantidade que resulte num custo marginal igual ao
preço do bem. Em relação à empresa 1, a condição de eficiência requer que a empresa
produza a um nível com um custo marginal (privado) inferior ao preço (dado que, conforme
∂C2
se está a considerar, > 0. Assim sendo, deve a empresa 1 produzir menos do que o
∂q1
nível de produção que resulta numa igualdade entre o preço do bem e o seu custo marginal.
Significa isto que, neste caso, a condição de eficiência requer que a produção seja menor que
aquele que seria o nível óptimo sem externalidades.
Dado que a empresa 1, por si própria, não tem qualquer incentivo em produzir menos do
que considera óptimo, a intervenção governamental pode ser feita a dois níveis:
∂C2 b
• Ou aplicando um imposto unitário igual a 1−w 1
w1 ∂q ;
1

∂C2 1−w1
• Ou aplicando um subsídio unitário igual a por cada unidade produzida a
w1
∂q1
menos em relação à quantidade socialmente desejável.
a Note-se que esta ponderação corresponderá a 1−w1 , assumindo esta, sempre, um valor positivo – para os
w1
valores de w1 admissíveis.
b Note-se que, neste caso, Π = p q − C − 1−w1 ∂C2 q .
1 1 1 1 w1 ∂q 1
1
44 As Políticas Económicas Estruturais

4.3 O caso das reformas estruturais na União Europeia


O comité da Política Económica da Comissão Europeia, no seu Relatório Anual sobre Reformas
Estruturais de 2004,8 identificou 9 reformas prioritárias que os Estados-Membros deveriam colocar
em prática:

1. Promover estratégias de crescimento económico, recorrendo a estímulos no sentido de aumen-


tar a produtividade e as taxas de emprego. Na verdade, a Europa, já então, tinha vindo a crescer
bem menos do que seria desejável, com todos os problemas daí decorrentes. Como é sabido, na
chamada cimeira de Lisboa foi definida a meta de crescimento de 3%.

2. Eliminar problemas estruturais no mercado de trabalho, até como uma forma de aumentar a
oferta de trabalho, os quais se reflectiam em, por exemplo, disparidades regionais demasiado
elevadas, no que diz respeito aos níveis de desemprego, bem como na existência de elevadas taxas
de desemprego de longa duração. Já no relatório do Comité da Política Económica do ano de 2003
se tinha chamado a atenção para a necessidade de se procederem a reformas que promovessem
uma procura activa de emprego e diminuíssem os obstáculos à criação de postos de trabalho,
os quais derivariam, entre outras razões, do nível, duração e elegibilidade dos benefícios de
compensação (por exemplo, subsídios de desemprego), da legislação demasiado protectora do
emprego e dos sistemas demasiado rígidos de negociações salariais. Assim, propunha-se:

(a) Aumentar a flexibilidade, nomeadamente a negociação salarial ser feita com base nos
aumentos de produtividade;
(b) Redefinir o conceito de posto de trabalho adquirido de forma a aumentar a capacidade
de mobilização e de progresso na carreira profissional em vez do objectivo ser, tão pura e
simplesmente, alcançar um posto de trabalho para o resto da vida;
(c) Reformar os subsídios de desemprego e todas as outras formas de compensação para que
“o trabalho compense” (make work pay). Esta medida seria importante para estimular a
oferta de trabalho bem como para assegurar a sustentabilidade das contas públicas.

3. Reduzir as barreiras que ainda restavam no Mercado Único, em particular no sector dos servi-
ços, de forma a aumentar a competição nos diversos mercados comunitários. Neste campo, a
transposição de normas comunitárias para o quadro legal de cada um dos países tem, aparen-
temente, vindo a ser menos conseguida. De acordo com a visão da Comissão Europeia, uma
competição mais forte nos mercados de bens foi decisiva no crescimento económico. Resta-
ria, então, conseguir que tal acontecesse também no mercado dos serviços, o qual ainda se
caracteriza(va) por inúmeras barreiras à livre circulação. Em suma, uma maior abertura ao
resto da Europa Comunitária parecia ser importante para que se alcançassem maiores níveis de
crescimento.

4. Reduzir a excessiva regula(menta)ção, por forma a aumentar a produtividade, a facilidade na


criação de postos de trabalho e ainda a criação de um espírito empresarial entusiasmante. Deste
ponto de vista propunha-se que:

(a) Se procedesse a uma clara definição e quantificação do problema, usando indicadores;


(b) Se fixassem metas com um mínimo possível de intervenção governamental;
(c) Se analisasse o impacte de novas e existentes regula(menta)ções;
(d) Se procedesse a um controlo central.

5. Desenvolver uma economia baseada no conhecimento. Em particular no sector privado e nas


PMEs, torna-se necessário investir cada vez mais em investigação e desenvolvimento, para
que da pesquisa resultem produtos cada vez mais comercializáveis. Por outro lado, também a
8 Disponível em http://europa.eu/epc/pdf/ar04_en.pdf [acedido em Abril 25, 2015.]
4.3 O caso das reformas estruturais na União Europeia 45

reestruturação dos sistemas de ensino parece ser importante. Também a abertura ao investi-
mento directo estrangeiro e mesmo a importação de tecnologias de ponta poderiam aumentar o
potencial inovador dos países. A aposta numa economia baseada no conhecimento seria, assim,
crucial para aumentar, quer a produtividade quer o crescimento económico.

6. Estimular um saudável clima empresarial e criar um ambiente onde as Pequenas e Médias


Empresas (PMEs) pudessem florescer. De forma a facilitar a criação (e destruição) de PMEs,
os entraves burocráticos (excesso de regula(menta)ção) deveriam ser o mais possível evitados,
sobretudo no caso da criação de empresas. Neste campo há a destacar o papel da legislação
quanto às falências, de forma a distinguir as fraudulentas das legítimas.

7. Assegurar a sustentabilidade a longo prazo das contas públicas. Tal exigia que se aumentas-
sem as taxas de emprego, se reduzisse a dívida pública e se reformassem os sistemas de pensões
(de reforma).

8. Aprofundar e integrar ainda mais os mercados financeiros, bem como estimular e continua-
mente reestruturar os sectores financeiros. Enquanto em muitos países os mercados financeiros já
funcionavam razoavelmente bem, existia ainda alguma segmentação nestes mercados, sobretudo
em determinados países.

9. Aumentar a qualidade e a eficiência do sector público. Tanto quanto possível, dever-se-ia


apostar no e-governo e na provisão de bens públicos orientada pelo utilizador, assente na
modernização da administração pública.

Por sua vez, o relatório de 2005 do Comité da Política Económica9 enunciou 7 áreas prioritárias,
em tudo semelhantes àquelas 9 reformas estruturais, salientando-se a introdução das preocupações
de carácter ambiental. Aquelas áreas deveriam ser:

1. Realização de uma sociedade de conhecimento e impulso da inovação, o que passaria por:

• Facilitar o investimento privado em I & D;


• Consolidar o progresso alcançado na sociedade da informação;
• Reformar os sistemas de ensino.

2. Manutenção do compromisso com o Mercado Único, o que passaria por:

• Integrar os mercados financeiros, de trabalho e de serviços;


• Refrear as actuações públicas sobre o livre funcionamento dos mercados;
• Eliminar os proteccionismos desnecessários.

3. Criação de um clima apropriado ao empreendedorismo, o que passaria por:

• Desenvolver um espírito empresarial competitivo;


• Reduzir as barreiras de acesso ao mercado, por exemplo ao nível da carga burocrática (na
criação do próprio posto de trabalho).

4. Construção de um mercado de trabalho propício a um maior nível de emprego e a uma mais


forte coesão social, o que passaria por:

• Implementar as três reformas identificadas no relatório de 2004;


• Aumentar a coesão nacional/regional;
• Aumentar a cooperação entre os parceiros sociais.

5. Construcção de um futuro ambiente sustentável


9 Disponível em http://ec.europa.eu/economy_finance/publications/publication978_en.pdf [acedido em Abril 25, 2015.]
46 As Políticas Económicas Estruturais

6. Promoção da sustentabilidade a longo prazo e a qualidade das contas públicas, o que impli-
caria:

• Reforma dos sistemas de pensões;


• Aumento das taxas de emprego;
• Redução da dívida pública;
• Aumento da eficiência do sector público.

7. Aumento da abertura dos países-membros ao exterior, o que resultaria em:

• Maior comércio;
• Maior investimento directo estrangeiro.

XXX
Capítulo
5
O Crescimento Económico em
Portugal
***

5.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
5.2 Crescimento Económico e Desemprego em Portugal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49

5.1 Introdução
Considere-se a formulação original da curva de oferta agregada, dita de Lucas, tal como se encontra
em Lucas (1973: 328):1  
yt = yn,t + θγ Pt − P¯t + λ yt−1 − yn,t−1 ,
 
(5.1)
onde yt é o nível de oferta/produção agregada (em logaritmos), yn,t é o logaritmo da componente
normal da produção – comum a todos os mercados –, θ é a fracção das variações individuais de preços
em relação ao total, γ é um parâmetro positivo, Pt é o nível geral de preços medido em logaritmos, P¯t
é a média de Pt e |λ| ≤ 1.
Nestas circunstâncias, a expressão 5.1 conduz a uma curva de oferta agregada simplificada do tipo:

yt = ȳ + α (πt − πte ) ,

onde yt e ȳ são, respectivamente, os logaritmos do nível de produto e do nível de produto natural, α é


uma constante positiva, πt é a taxa de inflacção, cujo nível esperado é πtε , se:
 
• λ = 0, o que dá origem a → yt = yn,t + θγ Pt − P¯t ;
 
• ȳ = yn,t , o que significa que → yt = ȳ + θγ Pt − P¯t ;
 
• θγ Pt − P¯t = α (πt − πte ). Obviamente, Pt − P¯t = Pt − Pt−1 + Pt−1 − P¯t . Dado que P está expresso
em logaritmos, Pt − Pt−1 ' πt . Se P¯t = Pte , então Pt−1 − P¯t ' πte .2 Em suma, se θγ ' α, então
yt = ȳ + α (πt − πte ) .
Note-se que existem circunstâncias em que a expressão 5.1 conduz a uma relação fundamental
entre o crescimento económico, medido pela taxa de variação (relativa) do produto, e o nível de
desemprego. Se ȳ ≡ yn,t = yn,t−1 e θ = 1 então a expressão 5.1 pode ser aproximada por:

yt = ȳ + α (πt − πte ) + λ (yt−1 − ȳ) .


1 Lucas, Robert E. (1973), “Some International Evidence on Output-Inflation Trade-offs”, American Economic Review, 63,
326–334. (Disponível em https://www.aeaweb.org/aer/top20/63.3.326-334.pdf; acedido em Outubro 07, 2014.)
2 Sabendo que, para um w pequeno, w ' ln(1 + w), então se w = Yt −Yt−1 , ou seja w = Yt − 1, ter-se-á w ' ln(1 + Yt − 1),
Yt−1 Yt−1 Yt−1
ou seja w ' ln Yt − ln Yt−1 .
48 O Crescimento Económico em Portugal

Se, na expressão anterior, λ = 1, então:

yt = α (πt − πte ) + yt−1


yt − yt−1 = α (πt − πte ) ,

ou seja a taxa de crescimento do produto aproximadamente igual a uma proporção positiva α da


diferença entre a taxa de inflação e a taxa de inflação esperada.
Ora uma dita curva de Phillips expressa que:

πt = πte − β (ut − ū) ,

onde ū representa a taxa natural de desemprego e ut representa a taxa de desemprego, sendo β uma
constante positiva. Assim,
πt − πte = −β (ut − ū) ,
o que significa:
yt − yt−1 = −αβ (ut − ū) ,
o que significa que, se a taxa de desemprego estiver abaixo/acima da taxa natural, o produto apresen-
tará uma taxa de crescimento positiva/negativa.
Aquela relação entre a taxa de crescimento e o nível de desemprego foi obtida considerando que
o produto exibe uma persistência total, ou seja λ = 1. Na verdade, não é necessário admitir uma
hipótese tão ‘forte’. Tal como vimos atrás:

yt = ȳ + α (πt − πte ) ,

ou:
yt = ȳ + αβ (ū − ut ) ,
o que significa:
yt−1 = ȳ + αβ (ū − ut−1 ) .
Se se subtrair a yt , yt−1 teremos:

yt − yt−1 = ȳ + αβ (ū − ut ) − ȳ − αβ (ū − ut−1 )


= −αβ (ut − ut−1 ) ,

o que significa que se a taxa de desemprego aumentar (diminuir) o produto apresentará uma taxa de
crescimento negativa (positiva). Esta última expressão corresponde mesmo a uma versão logarítmica
de uma das leis de Okun. Esta, para efeitos de estimação econométrica, tem sido modificada para:

∆Y
= a − b∆u.
Y
Considere-se a curva de oferta agregada:

yt = ȳ + α (πt − πte )

em que yt corresponde ao lnYt e ȳ corresponde ao lnȲ . Considere-se, igualmente, a curva de Phillips:

πt = πte − β (ut − ū) .

Daquelas duas expressões pode retirar-se que:


yt − ȳ
πt − πte =
α
e
πt − πte = −β (ut − ū) .
5.2 Crescimento Económico e Desemprego em Portugal 49

Assim:
yt − ȳ
= −β (ut − ū) ,
α
o que mostra que, se o nível de produto acima do seu nível natural, a taxa de desemprego deverá estar
abaixo do seu nível natural também (e vice-versa). A partir da expressão anterior podem obter-se duas
expressões equivalentes:
yt = ȳ − αβ (ut − ū)
ou
1
ut = ū − (y − ȳ) .
αβ t
Tendo em conta que
yt−1 = ȳ − αβ (ut−1 − ū) ,
é fácil verificar que:
yt − yt−1 = −αβ (ut − ut−1 ) ,
ou seja a taxa de crescimento em função da variação na taxa de desemprego, indicando que quando ut
aumenta/baixa, a taxa de crescimento deverá ser negativa/positiva. Note-se também que a expressão
obtida poderia ter sido:
1
ut − ut−1 = − (y − yt−1 )
αβ t
o que indica uma relação equivalente, mas em que a variação na taxa de desemprego se apresenta em
função da taxa de crescimento.

5.2 Crescimento Económico e Desemprego em Portugal


Portugal enfrenta, tal como de resto quase toda a Europa, um problema no que diz respeito ao crescimento
económico. Qualquer tentativa real de solução deste problema obviamente não deve, nem pode, ignorar
as relações que o crescimento económico apresenta com a evolução de outros agregados macroeconómicos,
nomeadamente o desemprego. (Caleiro, 2005)

l m l m l m lm

No seu relatório de 2004 sobre reformas estruturais, o Comité da Política Económica da União
Europeia identificou como reforma prioritária, entre outras, uma forte promoção de estratégias
económicas de crescimento através de estímulos à produtividade e às taxas de emprego, num ambiente
de políticas fiscais sustentáveis. Esta prioridade viria a ser reafirmada no relatório de 2005 daquele
mesmo Comité. Sendo certo que um acréscimo na produtividade (do factor trabalho) contribui,
ceteris paribus, para um aumento na produção nacional, enquanto medida de crescimento económico,
não deixa de ser também verdade que, em contexto de estabilidade no nível de população activa, o
aumento das taxas de emprego deve significar normalmente uma redução nas taxas de desemprego.
A relação que parece (dever) existir entre o crescimento económico e a evolução do desemprego
é bem conhecida na literatura económica, devendo-se, aparentemente, a sua primeira verificação
empírica ao economista norte-americano Arthur Okun.3 Esta relação entre as taxas de crescimento do
produto e as variações nas taxas de desemprego, a qual é habitualmente conhecida, precisamente, por
lei de Okun, tem um fundamento de natureza teórica, tal como se mostrará de seguida.4
Suponha-se que, em termos agregados, o nível de produto de uma economia, Y , é proporcional, de
acordo com um factor a, ao volume de trabalho utilizado na produção, L, de acordo com a seguinte
função de produção:5
3 De facto, apesar da sua parcimónia, a lei de Okun caracteriza-se por uma evidência empírica robusta, quer no tempo,
ou seja para diferentes períodos de observação, quer no espaço, ou seja para diferentes países.
4 Esta abordagem é comum em muitos textos. Sigamos de perto, por exemplo, Gärtner (1997: 305-307).
5 Obviamente, o nível de produto depende também de outros factores, tais como o stock de capital. Desde que se admitam
como constantes estes factores, a hipótese 5.2 não deve suscitar problemas já que a lei de Okun é uma relação de natureza
diferencial.
50 O Crescimento Económico em Portugal

Y = aL (5.2)
O nível de desemprego, U , é, por definição, a diferença entre o nível de população activa, N , e o
nível desta que está empregada, L. Assim, a expressão 5.2 pode ser reescrita como Y = aN − aU , ou
ainda como:

Y = aN − aN u, (5.3)
fazendo uso da definição de taxa de desemprego, u = U /N .
A expressão 5.3 é, naturalmente, válida também para o caso em que a economia esteja a funcionar
ao seu nível natural, ou seja quando o produto e a taxa de desemprego estejam aos seus níveis naturais,
Ȳ e ū, respectivamente. Assim:

Ȳ = aN − aN ū. (5.4)
Subtraindo, à expressão 5.3, a expressão 5.4, e considerando b = aN , obtém-se a primeira versão
da lei de Okun:

Y − Ȳ = −b(u − ū), (5.5)


que afirma serem os desvios do nível de produto em relação ao seu nível natural proporcionais aos
desvios da taxa de desemprego em relação ao seu nível natural.6
Em termos empíricos, os autores têm preferido usar uma segunda versão da lei de Okun, a qual
relaciona as taxas reais de crescimento do produto com as variações absolutas na taxa de desemprego,
tal como a seguinte expressão mostra:

Yt − Yt−1
= c + d(ut − ut−1 ). (5.6)
Yt−1
Como é evidente, de acordo com a lei de Okun 5.6, se a taxa de desemprego se mantiver constante
ao longo do tempo, tal significando um equilíbrio no mercado de trabalho, daí resulta uma taxa de
crescimento do produto igual ao parâmetro c. Assim, alguns autores identificam o intercepto da lei de
Okun, c, como sendo a taxa de crescimento de equilíbrio potencial da economia.
De forma a verificar até que ponto a realidade portuguesa suporta a existência de uma lei de
Okun, procedemos à estimação econométrica de 5.6, considerando o período 1978-2013. A figura 5.1
representa os dados utilizados na estimação econométrica.7
A figura 5.1 mostra que existe uma clara relação, de natureza inversa, entre a taxa de crescimento
e a variação na taxa de desemprego. O coeficiente de correlação entre estas duas variáveis é da ordem
dos 83,34% (negativo).8
Os resultados da estimação da lei de Okun para Portugal, de acordo com a expressão 5.6, foram os
seguintes:9

ŷ = 2.67231 −2.41793x (5.6)


(10.09) (−8.791)

onde y representa a taxa de crescimento do produto (medida em percentagem) e x representa a


variação absoluta na taxa de desemprego (medida em percentagem).
A equação 5.6 apresenta um coeficiente de determinação, R2 , de 69,45%. Para além deste facto,
conforme os valores da estatística t de Student entre parênteses indicam, parece existir uma relação
significativa (em termos estatísticos) entre a taxa de crescimento do produto e a variação na taxa de
desemprego, assim como uma taxa de crescimento de equilíbrio significativamente diferente de zero.
6 Note-se que o parâmetro de proporcionalidade, b, só se pode considerar constante desde que o mesmo aconteça ao nível
de população activa, N .
7 As fontes dos dados são a OCDE e o EUROSTAT. Todos os resultados econométricos foram obtidos através do recurso ao
programa (gratuito) Gretl, disponível em http://gretl.sourceforge.net (acedido em Março 31, 2014).
8 De acordo com a hipótese nula de não correlação: t(34) = -8,79138, com valor p bilateral = 0,0000.
9 Conforme se tornará evidente, os resultados econométricos que se seguem devem ser encarados com prudência, dada a
ignorância da endogeneidade da variável explicativa.
5.2 Crescimento Económico e Desemprego em Portugal 51

Taxa de Crescimento
4

−2

−4
−2 −1 0 1 2 3
Variação na Taxa de Desemprego

Figura 5.1: A lei de Okun para Portugal

No que diz respeito à taxa de crescimento de equilíbrio, uma estimação recursiva da lei de Okun
mostra que esta se teria situado, no período em questão, entre os 2.6% e os 3.1%. No que diz respeito à
influência da variação da taxa de desemprego sobre o crescimento económico, a expressão 5.6 mostra
que o aumento de 1 ponto percentual na taxa de desemprego se associaria a uma redução do produto
em, sensivelmente, 2.4 pontos percentuais.
Naturalmente, a estimativa da lei de Okun atrás apresentada admite como constantes todos os
factores sistematicamente explicativos da produção para além do factor trabalho. Certamente, a
consideração, por exemplo, da variação na produtividade deste factor e/ou a variação no factor capital,
aumentaria o poder explicativo da lei de Okun, o qual nos parece, por si só, razoável tendo em
conta que se pretende explicar o crescimento económico através, meramente, da variação na taxa de
desemprego.
A parcimónia do modelo e, naturalmente, a, aparente, bondade dos seus resultados, não permitem,
no nosso entender, que se ignore que, se o objectivo de política económica for o crescimento económico,
importa conhecer as relações causais que este apresenta com a evolução registada pelo desemprego,
como parece ser claramente o caso no nosso país. O desconhecimento deste facto poderá, obviamente,
pôr em causa as políticas económicas destinadas a promover o crescimento económico em Portugal, as
quais deverão, através de estímulos à produção, resultar em aumentos das taxas de emprego.
A consideração de que aumentos nas taxas de emprego se poderão obter em resultado de políticas
de estímulo à produção, na verdade, inverte o sentido de causalidade presente na lei de Okun. Desta
forma, não é a utilização de mais factor trabalho que implica um maior nível de produção mas sim
este que exige uma maior utilização de factor trabalho. Em termos econométricos, a inversão daquele
sentido de causalidade implica que deve ser significativa uma relação do tipo:

Yt − Yt−1
ut − ut−1 = e + f . (5.7)
Yt−1
De forma a verificar se é o crescimento económico que induz diminuições na taxa de desemprego,
a expressão 5.7 foi alvo de uma estimação econométrica, cujos resultados foram os seguintes:10

ŷ = 0.844778 −0.287224x, (5.8)


(7.622) (−8.791)

onde y representa a variação absoluta na taxa de desemprego (medida em percentagem) e x representa


a taxa de crescimento do produto (medida em percentagem).
10 Novamente, conforme se tornará evidente, os resultados econométricos que se seguem devem ser encarados com
prudência, dada a ignorância da endogeneidade da variável explicativa.
52 O Crescimento Económico em Portugal

Claramente, os resultados expressos em 5.8, a serem aceitáveis, não permitem descartar a possibi-
lidade de ser o crescimento (do produto) económico que implica diminuições na taxa de desemprego.
Este facto, em conjunto com a não rejeição da hipótese de causalidade inversa, tal como se verificou em
5.6, conduz à necessidade de testar a causalidade à Granger entre a taxa de crescimento e a variação
na taxa de desemprego.
Como é sabido, a causalidade à Granger é, facilmente, testável através do recurso a um modelo
vector auto-regressivo (VAR), o qual tem também a vantagem de estimar, em simultâneo, as regressões
do tipo 5.6 e 5.7, sendo estas acrescentadas de desfasamentos para as variáveis em causa, neste caso, a
taxa de crescimento e a variação na taxa de desemprego.
A estimação de um modelo VAR (com um número óptimo de desfasamentos igual a 4), desta
vez considerando as observações trimestrais para o período 1979-2008, deu origem aos seguintes
resultados:11

Equação 1: TaxaCresc
Coeficiente Erro Padrão rácio-t valor p
Constante 0,0044 0,0015 2,9918 0,0034 ***
TaxaCresc_1 0,1122 0,0954 1,1762 0,2420
TaxaCresc_2 0,01833 0,0971 0,1887 0,8506
TaxaCresc_3 0,2213 0,0951 2,3274 0,0217 **
VarTaxaDes_1 -0,0111 0,0046 -2,3944 0,0183 **
VarTaxaDes_2 -0,0067 0,0047 -1,4166 0,1593
VarTaxaDes_3 0,0080 0,0046 1,7407 0,0845 *

Equação 2: VarTaxaDes
Coeficiente Erro Padrão rácio-t valor p
Constante 0,0806 0,0296 2,7226 0,0075 ***
TaxaCresc_1 -4,1855 1,9088 -2,1927 0,0304 **
TaxaCresc_2 -0,2140 1,9437 -0,1101 0,9126
TaxaCresc_3 -5,2346 1,9029 -2,7508 0,0069 ***
VarTaxaDes_1 0,2902 0,0929 3,1233 0,0023 ***
VarTaxaDes_2 0,2535 0,0940 2,6957 0,0081 ***
VarTaxaDes_3 -0,1552 0,0914 -1,6975 0,0924 *

A utilização desta metodologia econométrica revelou uma causalidade (de Granger) significativa
da variação na taxa de desemprego sobre a taxa de crescimento, o mesmo acontecendo, sobretudo, ao
nível da causalidade inversa.12
Em suma, existindo uma causalidade em ambos os sentidos entre as duas variáveis, tal significa
que, claramente, não se pode dissociar o crescimento económico (em Portugal) da evolução da taxa de
desemprego, devendo as políticas económicas actuar, tanto quanto possível, sobre ambas as variáveis
de forma a mais rápida e consistentemente se alcançarem bons ritmos de crescimento acompanhados
por evoluções favoráveis nas taxas de desemprego. Para tal há certamente que recorrer a políticas
económicas (estruturais) de estímulo à produção e também à criação de empregos.13

XXX
11 Logo que estejam disponíveis os valores mais recentes para as variáveis em questão, devidamente ajustados sazonalmente,
proceder-se-á a uma actualização destes resultados.
12 O teste de causalidade VarTx.Des. → Tx.Cresc. obteve um valor de F(3, 113) = 3,3861 [0,0206]** enquanto o teste de
causalidade Tx.Cresc. → VarTx.Des. obteve um valor F(3, 113) = 4,2218 [0,0072]***.
13 Para uma análise complementar do crescimento económico em Portugal pode consultar-se Caleiro, António (2005),
“Crescimento Económico e Ciclos Partidários: Uma clarificação da relação existente”, Actas da conferência Políticas Públicas
para o Desenvolvimento, Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa, cuja versão de documento
de trabalho se encontra em http://dspace.uevora.pt/rdpc/bitstream/10174/8421/1/wp_2005_15.pdf (acedido em
Janeiro 26, 2015), ou Caleiro, António (2007), “Crescimento Económico e Desemprego em Portugal: Uma explicação
adicional para a sua relação”, Documento de Trabalho 2007/05, Departamento de Economia, Universidade de Évora,
disponível em http://dspace.uevora.pt/rdpc/bitstream/10174/8452/1/wp_2007_05.pdf (acedido em Abril 05, 2015).
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1.a versão: Março 31, 2014

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