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marcaram a vida, política e sociedade do país nos vinte anos que se seguiram ao
conflito.
Considero importante fazer um breve resumo (ainda que de forma muito
simplista) sobre a Guerra Civil Espanhola, que assolou a Espanha durante três anos.
Entre 1923 e 1930 a Espanha esteve sob uma ditadura militar liderada por Primo
de Rivera, que assumiu o poder com o aval do rei Alfonso XIII. No entanto, uma grave
crise social levou o ditador a renunciar, e em 1931 aconteceram eleições para uma
Assembleia Constituinte.
Grupos políticos, como comunistas, socialistas e anarquistas se uniram,
formando uma frente republicana, e conseguiram conquistar mais da metade dos votos
nas eleições. O rei renunciou ao trono e em abril de 1931, a República foi proclamada
pela Assembleia.
Entre os projetos do novo governo para a Espanha, a reforma agrária estava
entre as prioridades, fato que desagradou a burguesia formado pelos grandes
proprietário de terra espanhóis.
A Espanha ficou dividida por dois grupos contrários: de um lado, a Frente
Popular, que reunia os setores democráticos republicanos e grupos de esquerda apoiados
pelos trabalhadores e por uma parte das classes médias; do outro lado, a Falange, de
tendência fascista, composta por militares, pelos grandes proprietários de terra,
integrantes da burguesia urbana e representantes da Igreja.
Em 1933, quando foram feitas novas eleições, a vitória foi da direita, e esta
tentou anular as leis que haviam sido votadas pela República a partir de 1931. Três anos
depois, a Frente Popular conseguiu maioria de votos e retornou ao poder. O governo
retomou então o processo de reforma agrária, além do projeto para aumento de salários
dos trabalhadores.
O clima de tensão no país aumentou, os grupos fascistas não demoraram em
reagir contra o governo, e em julho de 1936 tropas espanholas que estavam no Marrocos
(que na época era uma colônia espanhola) decidiram rebelar-se. Seu líder era o general
Francisco Franco, ligado à Falange.
Teve então início os conflitos que estouraram na Guerra Civil, que segundo o
historiador Josep M. Buades:
“Não se trata de mais um conflito para determinar fronteiras de nações ou
para resolver pendências entre monarcas orgulhosos. Também não se trata de
um confronto para subjugar um território estrangeiro supostamente
vulnerável. Menos ainda de uma guerra de revanche, feita par cicatrizar as
feridas no orgulho pátrio após uma derrota. Uma guerra civil é uma guerra
2
entre vizinhos, entre grupos do mesmo país. E no caso da Guerra Civil
Espanhola, todo tipo de questão veio à tona de modo muito intenso: religião,
conflito de classes, interesses corporativos, luta pela reforma agrária, ideias
de supremacia cultural e de identidade nacional, utopias. Tudo isso somado
às manobras dos interesses individuais mais mesquinhos (...)”.1
1
BUADES, Josep M. A Guerra Civil Espanhola. São Paulo, Editora Contexto, 2013, p. 9.
2
SEMPRÚN, Jorge. Vinte anos e um dia. São Paulo, Companhia das Letras, 2004, p. 229.
3
realizada em Maestranza pudesse ser adotada em todo o país, como uma forma de
manter na lembrança, principalmente dos comunistas a derrota para os nacionalistas:
“(...) Avedaño lhe explicou em que consistia a cerimônia, que don Roberto
achou exemplar. Prouvera a Deus que se pudesse fazer algo parecido em
escala nacional! Um ato multitudinário e religioso, no Cerro de los Ángeles,
quem sabe, para lembrar aos comunas que eles tinham sido vencidos pelos
nacionales, e que os obrigasse periodicamente a assumir sua condição
maligna, não só de vencidos mas também de condenados pela História e pela
divindade.”3
Além disso, há também uma parte que, em minha opinião, pode ser
compreendida como certo fanatismo do delegado pelo conservadorismo existente na
Espanha àquela época, pois ao saber que a família Avedaño pretendia sepultar o corpo
de Chema – o guerrilheiro que assassinou José Maria Avedaño – na mesma cripta de
sua vítima, Sabuesa fica irritado e até exagera, dizendo não conseguir acreditar que
vítima e assassino seriam enterrados na mesma sepultura, ao passo que José Inácio,
irmão de José Maria, lhe responde com certa ironia: “Na mesma cripta, sim, mas em
sepulturas separadas. Não seja mais franquista do que Franco, delegado (...)”.5
Apesar de o tema principal da trama girar em torno da cerimônia anual de
encenação do assassinato de José Maria, o autor não dá muitos detalhes nem do ato
teatral, nem do assassinato em si, além disso, por conta do fluxo de pensamento que
utiliza em sua escrita, acaba levando o leitor a ter dificuldades em identificar o que
realmente são os fatos verdadeiros que basearam o enredo e o que é simples invenção de
Semprún.
No livro Vinte Anos e Um Dia podemos compreender a importância que Jorge
Semprún da à narrativa do testemunho, retratando o presente que não consegue se
desvincular das memórias e lembranças do passado.
3
Ibidem, p. 77.
4
Ibidem, p. 108.
5
Ibidem, p. 35-36.
4
Referências Bibliográficas
BUADES, Josep M. A Guerra Civil Espanhola. São Paulo, Editora Contexto, 2013.
MARÇAL, Marcia Romero. Jorge Semprún: Forma Precária e Literatura de
Testemunho. Tese de doutororamento, São Paulo, Departamento de Letras Modernas –
FFLCH, USP, 2008
PINHO, Milanne Ayala Bobadilha; LOPES, Alfredo Ricardo Silva. Memória e
esquecimento da guerra civil espanhola em Vinte anos e um dia, de Jorge Semprún.
Revista Guavira Letras, nº 29, p. 425-439, Jan/Abr 2019.
ROMERO SALVADÓ, Francisco J. A Guerra Civil Espanhola. Rio de Janeiro, Editora
Zahar, 2005.
SEMPRÚN, Jorge. Vinte anos e um dia. São Paulo, Companhia das Letras, 2004.