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Direito Inclusivo com Ênfase

no Transtorno do Espectro do Autismo

O DIREITO COMO FERRAMENTA DE INCLUSÃO


Nas mais diversas áreas da vida em sociedade, a inclusão se faz presente.
Inúmeros são exemplos que podem ser citados: nas diversas engenharias, na
arquitetura, na educação, na saúde, etc… Cada uma dessas áreas possui um importante
papel na construção de uma sociedade cada vez mais inclusiva, mas somente o Direito
tem a capacidade de oferecer as ferramentas para a inclusão das pessoas com
deficiência. E isso pode ser realizado, tanto de modo indireto, por meio da elaboração
do conjunto de normas jurídicas no plano constitucional, legal ou regulamentar, como
de modo direto, por meio da tutela jurisdicional nos casos concretos.

Antes de saber o que vem a ser o Direito Inclusivo enquanto disciplina jurídica,
faz-se necessário desenvolver um paradigma, uma forma inclusiva, de como encarar o
Direito.

Um bom exemplo disso encontra-se


na questão de vagas exclusivas para pessoas
com deficiência em concursos públicos. Ora, a
Constituição Federal de 1988 estabeleceu em
seu Art. 37, Inc. VIII, que Lei definiria um
percentual de empregos e cargos públicos a
serem preenchidos por pessoas com
deficiência, mas somente depois de
aproximadamente dois anos da promulgação,
em dezembro de 1990, foi que a Lei 8.112 fixou,
apenas para o serviço público federal, o referido percentual, limitando a no máximo
20% das vagas oferecidas.

Embora a Lei 7.853 de 1989 já tipificasse como crime a conduta de obstar, sem
justa causa, o acesso de alguém a cargo público, por motivos derivados da sua
deficiência, somente em 1999, por meio do Decreto 3.298, é que se estabeleceu 5%
das vagas oferecidas como mínimo a ser observado, pois até então, como a legislação
não “obrigava” a ter o mínimo, simplesmente as vagas destinadas às pessoas com
deficiência não eram reservadas.

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Direito Inclusivo com Ênfase
no Transtorno do Espectro do Autismo

Ora, se a Constituição Federal


em 1988 previu que a Lei
fixaria um percentual de
cargos e empregos a serem
destinados à pessoa com
deficiência, por que a Lei
8.112 de 1990 limitou apenas
o percentual máximo de
vagas e deixou de fixar um
mínimo???

Nesse exemplo, a norma, nos planos constitucional e legal, foi insuficiente para
efetivar a inclusão, e somente onze anos depois, outro regramento jurídico veio para
fixar o mínimo de vagas para pessoas com deficiência. Apesar disso, não são raros os
editais de concurso público que negligenciam a reserva de vagas, exigindo dos
candidatos com deficiência a busca pela tutela jurisdicional do seu direito.

Se desde o advento da Lei 8.112 de 1990 os editais respeitassem o limite


máximo para vagas destinadas aos deficientes, reservando-lhes 20% de todas as vagas,
seriam desnecessárias as regulamentações nessa seara, trazidas pelo Decreto 3.298 de
1999. O que faltou então? O Direito ser Inclusivo ou uma atitude inclusiva diante do
Direito? Por óbvio que a segunda opção. Dessa forma, tem-se que a atitude do
operador do Direito diante da norma jurídica é que tem o condão de fazer o Direito
inclusivo, e não o inverso.

Embora a legislação protetiva das pessoas com deficiência tenha na Lei 4.169
de 1962 a sua mais antiga referência, sendo essa a Lei que oficializou o uso do Braille
para escrita e leitura das pessoas cegas no
Brasil, somente em agosto de 2009, por meio
do Decreto 6.949, foi internalizada a
Convenção Internacional sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência de 2007 - Convenção
de Nova York. Nesse ínterim, muitas normas
jurídicas, das mais diversas, trataram de uma
forma ou de outra de questões envolvendo as

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pessoas com deficiência. Nem todas as normas jurídicas tinham a Inclusão como
paradigma.

A própria estrutura governamental destinada à implantação das políticas


públicas, voltadas às pessoas com deficiência,
revelam a predominância do paradigma
integrativo das ações. Acesse o portal da
Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com
Deficiência para compreender um pouco da
evolução do tratamento governamental dado às
pessoas com deficiência na esfera federal, bem
como de algumas legislações afins ao assunto.

Ainda é incipiente a produção doutrinária relativa ao Direito Inclusivo, mas já


se encontram, no âmbito acadêmico, algumas iniciativas em monografias, dissertações
e teses, principalmente relativas à inclusão escolar, à inclusão no mercado de trabalho,
ao acesso à saúde e à previdência social. Podem ser citadas duas obras como fontes
de doutrina recentes:

▪ ESTATUTO da pessoa com DEFICIÊNCIA COMENTADO


artigo por artigo, dos autores Cristiano Chaves de
Farias, Rodrigo Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto,
pela Editora JusPODIVM; e

▪ Direitos das Pessoas Com Autismo: Comentários


Interdisciplinares à Lei 12.764/12 pelas organizadoras
Renata Flores Tibiriçá e Maria Eloísa Famá D’Antino,
pela Editora Memnom.

A crescente procura pela tutela jurisdicional por parte das pessoas com
deficiência tem contribuído para a produção de precedentes e, aos poucos, as decisões
de primeiro grau têm sido objeto de apelações e recursos aos tribunais superiores, de
modo que já existe um esboço inicial dos contornos jurisprudenciais de como a matéria
deve ser tratada, envolvendo temas como saúde, emprego e previdência.

Na atuação institucional dos Poderes do Estado, o Ministério Público Federal,


por exemplo, possui uma Procuradoria dos Direitos do Cidadão que, dentre as suas
competências, destaca-se a defesa do direito das pessoas com deficiência.

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A Câmara dos Deputados, por exemplo, criou a 23ª Comissão Permanente da


Câmara, como a Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência, por onde
passarão as proposições legislativas que envolverem matéria afim às pessoas com
deficiência.

Não é incomum ouvirmos discussões acerca da criação de varas especializadas


para receber as demandas que envolvam o direito das pessoas com deficiência,
embora, até recentemente, não se tenha conhecimento de qualquer instalação de vara
especializada em qualquer das Justiças: Estadual, Federal ou do Trabalho.

Algumas seccionais da Ordem dos


Advogados do Brasil (OAB), possuem uma
Comissão de Defesa das Pessoas com Deficiência,
a exemplo da Seccional do Estado de
Pernambuco, que tem atuado fortemente na área
desde a sua criação em 2017, conforme pode se
verificar no site da OAB-PE.

A produção de normas jurídicas inclusivas não é suficiente para dizer que uma
sociedade é ou não inclusiva. É preciso fazer com que as normas existentes “saiam do
papel”, por exemplo, a Lei que instituiu a Libras - Língua Brasileira de Sinais, Lei 10.436
de 2002, em seu Art. 3º e 4º estabelece:

“Art. 3º As instituições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos


de assistência à saúde devem garantir atendimento e tratamento adequado aos
portadores de deficiência auditiva, de acordo com as normas legais em vigor.

Art. 4º O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais,


municipais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de
formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis
médio e superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras, como parte
integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, conforme legislação
vigente.”

Quantas instituições nós conhecemos em que, na recepção, há um atendente


que esteja apto a interagir na Libras com uma pessoa surda?

Nesse mesmo sentido, a LBI - Lei Brasileira da Inclusão (Lei nº 13.146 de 2015),
instituiu a Tomada de Decisão Apoiada nos termos do Art. 1.783-A(1), algo ainda em

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implantação em algumas capitais, mas muito distante da realidade da maior parte dos
juízos.

(1) Art. 1.783-A. A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa
com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha
vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão
sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para
que possa exercer sua capacidade.

Enfim, o Direito Inclusivo, enquanto disciplina jurídica, está apenas no início,


principalmente no tocante à produção doutrinária, apesar da produção legislativa vir
numa crescente após a internalização da Convenção Internacional dos Direitos das
Pessoas com Deficiência. Na mesma direção segue a produção de precedentes e da
jurisprudência, inclusive nos tribunais superiores.

O fato de ser uma disciplina incipiente não retira a importância do Direito


Inclusivo. Ao reverso, denota-lhe uma relevância ímpar, por ser um campo aberto ao
desenvolvimento de princípios e teorias pelos que por ele se interessarem, a fim de
construir a sua sistematicidade enquanto disciplina jurídica a serviço da inclusão de
pessoas com deficiência.

No Tópico seguinte trataremos da titularidade do Direito à Inclusão.

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