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Sejam Σ1 e Σ 2 dois sistemas que não contêm paredes adiabáticas internas, mas que são
isolados do exterior por paredes adiabáticas e cada um está num estado de equilíbrio
termodinâmico E1 e E 2 respectivamente. Ao juntar os sistemas Σ1 e Σ 2 substituindo a
parede que os separa por uma parede diatérmica e rígida, podemos observar dois possíveis
comportamentos do sistema composto: 1) o sistema Σ1 + Σ 2 começa mudar seu estado ou
2) o sistema Σ1 + Σ 2 está num estado de equilíbrio termodinâmico e não mostra nenhuma
mudança. Se a possibilidade 2) for observada, dizemos " E1 de Σ 1 e E 2 de Σ 2 têm a
mesma temperatura" . A relação "ter a mesma temperatura" é obviamente uma relação
simétrica:
A lei número zero da termodinâmica garante que se pode usar um sistema como um
instrumento de medida para avaliar se dois outros corpos têm a mesma temperatura. Este
instrumento de medida é chamado termômetro. Ao invés de escrever " E1 de Σ 1 e E 2
de Σ 2 tem a mesma temperatura", vamos escrever θ( E 1 ) = θ( E 2 ) onde θ , por enquanto,
não é um número, mas simplesmente um símbolo para expressar a relação "ter a mesma
temperatura". Podemos dizer que θ é uma característica da classe de estados que tem a
mesma temperatura.
1A. Sommerfeld: Thermodynamis and Statistical Mechanics Lectures on Theoretical Physics Vol V Academis
Press
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Por enquanto temos um conceito de temperatura que permite avaliar apenas uma igualdade.
Gostaríamos de poder comparar também temperaturas desiguais. Para isso vamos agora
estudar os casos em que dois sistemas Σ1 e Σ 2 com estados E1 e E 2 , respectivamente,
ao serem juntados com uma parede diatérmica não permanecem em equilíbrio. Faremos a
junção sempre de uma forma que não envolva trabalho, mas apenas troca de calor.
Experimentalmente podemos constatar o seguinte fato:
Fato experimental 2:
~
Se E1 de Σ 1 e E 2 de Σ 2 não têm a mesma temperatura, observamos que para todo E 1
~ ~ ~
de Σ 1 que tem a mesma temperatura que E1 de Σ 1 e para todo E 2 de Σ 2 que tem a
~ ~
mesma temperatura que E 2 de Σ 2 existe um fluxo de calor ao juntar Σ 1 com Σ 2 e este
fluxo é sempre na mesma direção. Ou seja, ao juntarmos dois sistemas com temperaturas
diferentes, observamos um fluxo de calor não nulo e a direção do fluxo de calor depende
apenas das temperaturas dos sistemas nos seus estados. Este fato permite definir uma outra
relação entre as temperaturas: escrevemos θ1 ≺ θ2 se o fluxo de calor for do sistema 2
para o sistema 1. O fato de que para temperaturas desiguais sempre se observa um fluxo de
calor ao juntar os sistemas implica que para quaisquer duas temperaturas θ1 e θ2 vale
exatamente uma das três relações: ou θ1 ≺ θ2 , ou θ2 ≺ θ1 , ou θ1 = θ2 .
Podemos observar ainda o:
Fato experimental 3: A relação ≺ é transitiva, isto é, se vale θ1 ≺ θ2 e θ2 ≺ θ3
sempre vale também θ1 ≺ θ3 , ou seja, Σ1 e Σ 3 não podem ter as mesmas temperaturas
e o fluxo de calor ao juntar Σ1 com Σ 3 é necessariamente na direção 3 para 1.
A relação ≺ ordena os estados no sentido menor ou maior. Os fatos experimentais 1, 2 e 3
juntos são quase uma formulação completa da segunda lei da termodinâmica.
Completaremos a formulação da segunda lei em outra seção. Nesta seção vamos ainda
substituir a temperatura abstrata θ por alguma característica quantitativa dos estados.
Estamos então procurando alguma função de estado τ tal que:
θ1 ≺ θ2 ⇔ τ1 < τ2
(4.1.1)
θ1 = θ2 ⇔ τ1 = τ2
É fácil encontrar este tipo de grandeza. Pode-se, por exemplo, tomar τ como a pressão de
um certo fluido a volume constante ou o volume a pressão constante. Na maioria dos
fluidos, obtém-se desta maneira uma função de estado τ que cumpre a condição (4.1.1).
A resistividade elétrica de condutores também é usada frequentemente para se obterem
escalas de temperatura. As características espectrais da radiação térmica de um corpo
podem também ser usadas para definir uma escala de temperatura. As escalas de
temperatura definidas de maneira arbitrária com a única condição de que satisfaçam a
relação (4.1.1), são chamadas temperaturas empíricas. Naturalmente estes métodos não
fornecem uma escala única e a relação entre duas escalas empíricas é geralmente
complicada e não linear. Mais tarde mostraremos como a segunda lei da termodinâmica
pode ser usada para definir uma escala única e privilegiada de temperatura.
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Tendo escalas empíricas de temperatura, podemos comparar temperaturas de forma
quantitativa. Isto significa que, para uma dada escala e um dado procedimento de medida,
podemos julgar se duas temperaturas são muito ou pouco diferentes, comparando a
diferença das temperaturas com a incerteza experimental. Neste sentido podemos agora
falar em processos que mantêm a temperatura aproximadamente constante. Estamos em
condições de definir a noção de reservatório térmico. Um reservatório térmico é um corpo
que mantém sua temperatura aproximadamente constante mesmo se trocarmos calor com
ele. É necessário que a distribuição da energia dentro do reservatório térmico aconteça
muito mais rapidamente que a entrada ou saída de calor, de tal forma que possamos tratar o
reservatório sempre como um sistema num estado de equilíbrio termodinâmico.
Vale ressaltar que temperatura é definida somente para sistemas em equilíbrio
termodinâmico! No entanto, veremos na parte de termodinâmica fora de equilíbrio que
muitas vezes é possível definir temperatura localmente dentro de um corpo que não se
encontra em equilíbrio. Mas isto requer definições especiais.
Chamaremos um processo de reversível se ele puder ser invertido de tal forma que o
sistema e o ambiente do sistema percorram na inversão do processo todos os estados em
ordem inversa como se fosse um filme que foi exibido de traz para frente. Para poder julgar
se um processo é reversível, temos que definir qual parte do resto do universo é "o ambiente
do sistema". Escolhendo como ambiente uma região grande demais, eliminaremos
obviamente toda possibilidade de realizar processos reversíveis. Entende-se o conceito de
reversibilidade da termodinâmica de maneira macroscopicamente quantitativa. Isto significa
que tem-se que julgar se um processo é reversível, ou não, comparando os valores das
coordenadas que descrevem os estados macroscópicos do sistema e do ambiente na ida e na
volta do processo. Esta comparação quantitativa ocorre naturalmente com certo erro
experimental. Se todas as características quantitativas da ida coincidem dentro da incerteza
experimental com as da volta em ordem inversa podemos dizer que o processo era
reversível dentro do erro experimental. Em termodinâmica não se usa reversibilidade de
forma microscópica. Com reversibilidade microscópica queremos dizer um conceito de
reversibilidade que exclui qualquer rastro de um processo no universo. Por exemplo, para
que uma compressão de um gás seja microscopicamente reversível, teríamos que exigir que
a tinta da caneta, que anotou no livro de laboratório que o gás sofreu uma compressão, volte
para a caneta na hora da expansão, e que o fato de a compressão ter ocorrido deve-se apagar
da nossa memória na hora da expansão. Este tipo de reversibilidade é importante para a
discussão do processo de medida na mecânica quântica. Processos microscopicamente
reversíveis são na prática realizáveis apenas com sistemas microscópicos. Pode-se
quantificar a exatidão da reversibilidade deste gênero também de forma quantitativa usando
os "operadores de densidade" da mecânica quântica. O conceito de reversibilidade usada em
termodinâmica é muito menos exigente e permite registros permanentes do processo
ocorrido.
Veremos agora com dois exemplos quais as condições necessárias para poder realizar
processos reversíveis.
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Consideremos uma compressão de um gás dentro de um cilindro com paredes adiabáticas.
Neste processo tem que existir algum agente externo no ambiente do sistema que forneça o
trabalho de compressão
l2
Wcom = ∫ F dl (4.2.1)
l1
l1 l2 l2
Então o processo geralmente será irreversível. A desigualdade Fexp < Fcom tem duas
origens:
1) Se o êmbolo estivesse parado e o gás estivesse num estado de equilíbrio termodinâmico,
atuaria a força AP sobre o êmbolo onde A é a área do êmbolo e P é a pressão de
equilíbrio do gás. Esta força é provocada pelas inúmeras colisões das moléculas do gás com
o êmbolo. Se se mover o êmbolo com uma velocidade l > 0 para dentro do cilindro, as
colisões terão velocidades relativas molécula-êmbolo aumentadas e também o número de
colisões aumentará. Na expansão tem-se l < 0 e as velocidades relativas de colisão
diminuem e o número de colisões diminuirá em comparação com o caso do equilíbrio.
2) A força F tem que superar não apenas as forças que o gás exerce sobre o êmbolo, mas
também forças de atrito entre êmbolo e cilindro. Esta força de atrito está sempre orientada
contrariamente à velocidade e dará uma contribuição para a desigualdade Fexp < Fcom .
Veremos agora como estas fontes de irreversibilidades podem ser eliminadas. A primeira
fonte contribui com um ∆ F ( 1) = Fcon ( 1) ( 1)
− Fexp que é uma função da velocidade l tal que
∆ F ( 1) ( l = 0) = 0 já que tanto F 1 como F ( 1) coincidem com o valor de equilíbrio AP
( )
con exp
~
forças de atrito pode ser escrita com uma expansão análoga ∆ F 2 = a~ l + b l2 + ~ c l3 +....
( )
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deste que se evitem atritos entre sólidos. Pode-se evitar atrito entre sólidos colocando um
fluido lubrificante entre pistão e cilindro. Somando as duas contribuições
∆ F = ∆ F ( 1) + ∆ F ( 2 ) = A l + B l2 + C l3 + .... obtemos
t fim
Esta integral vai obviamente para zero se mandarmos t fim − t in para infinito e a velocidade
l para zero na mesma proporção. Por exemplo, se escolhermos uma velocidade constante
( )
l = ( l2 − l1 ) / t fim − t in e se supormos que os coeficiente A , B, ... sejam aproximadamente
constantes obtemos
2 3 4
(l − l1 ) (l − l1 ) (l − l1 )
Wexp + Wcom = A
2
+B
2
+C
2
+ .... → 0 para (t )
− tin → ∞
(t fim − tin ) (t fim − tin )
2
(t fim − tin )
3 fim
2tomando todas os cuidados restantes no ambiente do sistema e escolhendo um ambiente não grande demais.
3usando paredes diatérmicas entre Σ e o reservatório com baixa condutividade térmica
62
aquecimento seria feito separando Σ do primeiro reservatório térmico e encostando-o no
reservatório 1 e depois no 2, no 3 etc. até chegar no reservatório de temperatura τ q .
Fig. 4.3
Troca de calor quase-reversível
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uma parede adiabática como casca externa. O que o fluido que era originalmente frio sofre
no percurso da tubulação é o processo da figura (4.3).
Fig. 4.4 Troca de calor quase-
reversível efetuado num
τf τq processo contracorrente.
τf τq
Com a equação (4.3.1), podemos agora definir também a forma diferencial do calor
reversível
Q = dU − W (4.3.3)
de tal forma que o calor transmitido para o sistema durante um processo reversível com
caminho C seja dado por
64
Q = ∫Q (4.3.4)
C
Se o volume V for muito maior que o produto da área A de superfície pelo diâmetro das
moléculas do fluido, a parcela causada pelas tensões superficiais é desprezível em
comparação com o trabalho volumétrico. Neste caso W se reduz a
W = − P dV (4.3.7)
Na presença de forças de longo alcance, temos que adotar uma descrição de teoria de
campos para o fluido. Sabemos, por exemplo, que a pressão no fundo de uma piscina é
maior que na superfície. Temos que descrever a pressão e outras grandezas como funções
da posição; P = P ( r ) . Com isso o número de parâmetros macroscópicos será grande (a
todo rigor infinitamente grande). Porém a resolução espacial necessária, em geral, será tão
baixa que o número de parâmetros macroscópicos é ainda muitíssimo menor que o número
de graus microscópicos de liberdade. Por exemplo, obtemos uma descrição bem satisfatória
da água numa piscina atribuindo valores de pressão e densidade de centímetro em
centímetro. Isto daria para uma piscina de 30m x 20m x 10 m uns 6 ×109 valores de
densidade e pressão. Este é ainda um número minúsculo se comparado com os 2 × 1032
moléculas de água nesta piscina. Para descrevermos a configuração do fluido, podemos
imaginar que marquemos os elementos de massa do fluido pelas suas posições r numa
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dada configuração de referência.
Podemos descrever uma configuração genérica por um
campo de deslocamentos ξ( r ) de tal forma que a posição do elemento de massa que estava
em r na referência agora está em r + ξ( r ) . Podemos descrever as forças de longo alcance
por um campo de densidade de força f = f ( r ) . No equilíbrio vale f = grad P . As forças
de curto alcance exercidas pela matéria adjacente ao sistema no equilíbrio têm a forma
− P dS onde dS é o elemento de superfície orientado para fora do sistema. Desprezando
trabalhos de tensão superficial, teríamos então a forma diferencial do trabalho reversível
( )
Wtotal = ∫∫∫ f r + ξ ( r ) ⋅ d ξ ( r ) dV − ( )
∫∫ P r + ξ ( r ) d ξ ( r ) ⋅ dS (4.3.8)
V [ξ] S [ ξ]
2) Sólidos
Em sólidos podem existir forças de cisalhamento mesmo numa situação de equilíbrio
estático. No lugar da pressão temos que usar o negativo do tensor de tensões. O análogo da
eq. (4.3.8) seria
( )
Wtotal = ∫∫∫ f r + ξ ( r ) ⋅ d ξ ( r ) dV + (
∫∫ d ξ ( r ) ⋅ σ r + ξ ( r ) ⋅ dS )
(4.3.10)
V [ξ] S [ξ]
3
3) Trabalho de magnetização
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Para tornar o processo de magnetização de uma amostra reversível, é também necessário
executar este processo infinitamente lento. Uma magnetização rápida levaria à indução de
correntes elétricas e à emissão de ondas eletromagnéticas e ambos os fenômenos teriam
componentes irreversíveis. Mesmo mudando o campo externo que magnetiza a amostra
lentamente, temos que excluir amostras ferromagnéticas. Para estas amostras o processo de
magnetização é geralmente irreversível como podemos notar pelo aparecimento de uma
histerese. A principal origem da irreversibilidade nas substâncias ferromagnéticas é o
avanço rápido e repentino das paredes de Bloch (saltos de Barkhausen) que separam os
domínios de Weiss. Mesmo com cristais ferromagnéticos tão pequenos que não existam
separações em vários domínios, a mudança da magnetização é irreversível porque ela é
geralmente rápida e acompanhada de emissão de ondas eletromagnéticas. Vamos então
excluir aqui substâncias ferromagnéticas. Voltaremos à termodinâmica de ferromagnéticos
só depois de ter visto a terceira lei da termodinâmica.
Na sessão 3 escrevemos o trabalho magnético como
∂B ( t , r )
t fin
1
WM total = ∫∫∫ ∫ B ( t , r ) − M ( t , r ) ⋅ dt dV (4.3.12)
µ
V0 tin . 0 ∂t
Nesta fórmula temos que escolher o volume de integração V0 um tanto maior que o
volume V A da amostra, pois a amostra magnetizada cria um campo ao redor dela que
contém energia também. Temos que escolher V0 tão grande que o campo da amostra fique
desprezível fora de V0 . Para criar a magnetização, aplicamos um campo externo B0 . A
contribuição ao trabalho que serve apenas para modificar a energia do campo externo
dentro do volume V0 é geralmente desconsiderada na contabilidade dos trabalhos. Em
lugar da equação (4.3.12), usamos então
∂B ( t , r )
t fin t fin
1 1 ∂B0 ( t , r )
WM = ∫∫∫ ∫ B ( t , r ) − M ( t , r ) ⋅ dt dV − ∫∫∫ ∫ B0 ( t , r ) ⋅ dt dV (4.3.13)
µ
V0 tin . 0 ∂t V0 tin .
µ0 ∂t
Nesta fórmula integra-se apenas sobre o volume da amostra e não mais sobre o espaço onde
o campo magnético sofre alterações pela amostra. Esta é a grande vantagem da subtração da
parcela do campo externo, ou seja, o termo que diferencia as equações (4.3.13) e (4.3.12).
Somente com esta subtração podemos reduzir a integral a um volume em que tudo é bem
mais fácil de conhecer. Poder-se-ia questionar esta liberdade de subtrair isto e aquilo do
trabalho. Mas devemos considerar que a energia interna sofre uma subtração
correspondente e não há estrutura interna ligada ao campo externo B0 . Não existe,
portanto, uma termodinâmica associada à energia do campo externo.
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Da equação (4.3.14) concluímos que a forma diferencial do trabalho reversível de
magnetização é
WM = ∫∫∫ B0 ( tin , r ) ⋅ dM ( r ) dV (4.3.15)
VA
Se B0 e M forem homogêneos, esta forma diferencial se reduz a
W = B0 ⋅ d M (4.3.16)
onde M é o momento magnético total da amostra. Podemos simplificar esta forma ainda
mais escolhendo uma geometria tal que B0 e M sempre serão colineares. Neste caso
podemos descrever ambas as grandezas em termos de uma componente na direção do
campo.
W = B0 ⋅ d M (4.3.17)
4) Trabalho de polarização
Para aplicar um campo elétrico a uma amostra sem causar processos irreversíveis, é
necessário evitar correntes elétricas dissipativas. Em dielétricos esta condição é válida. De
forma análoga ao caso da magnetização pode-se mostrar que a forma diferencial do trabalho
reversível de polarização é
W = − ∫∫∫ P ( tin , r ) ⋅ dE0 dV (4.3.18)
VA
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Num sistema real a forma diferencial do trabalho reversível pode ser uma soma de uma
parte mecânica (fórmulas (4.3.5)-(4.3.11)) com uma parte eletromagnética (fórmulas
(4.3.14)-(4.3.19)). Generalizando podemos escrever a forma diferencial do trabalho
reversível como
W = ∑ wk dX k (4.3.20)
k
Na secção 4.1 vimos que a direção do fluxo de calor em experiências que põem corpos em
contato térmico define uma ordem total das temperaturas. Nestas experiências permitimos
apenas troca de calor e excluímos qualquer tipo de trabalho. O enunciado de Clausius da
segunda lei generaliza a situação permitindo experiências que envolvam trabalho
intermediário. Com trabalho intermediário queremos dizer que o trabalho líquido do
processo tem que ser zero. O resultado líquido do processo é novamente uma pura
transferência de calor. O enunciado de Clausius diz que, mesmo permitindo trabalho
intermediário, o fluxo de calor nunca pode ser do corpo mais frio para o corpo mais quente.
Enunciado de Clausius:
Não existe processo cujo único efeito líquido seja transferir calor de um corpo mais
frio para um corpo mais quente.
Nesta frase usamos as expressões "mais quente" e "mais frio". Isto significa que implícitas
no enunciado de Clausius estão as três observações experimentais, Fato experimental 1-3 da
secção 4.1. Elas fazem parte substancial da segunda lei4. É também importante notar a
condição de se ter a transferência de calor como único efeito líquido. Existem naturalmente
processos que transferem calor de um corpo frio para um corpo quente, mas estes efetuam
outras mudanças. Por exemplo, uma geladeira executa este tipo de processo. Mas a
geladeira consome energia e não tem apenas o efeito líquido da retirada de calor do interior
dela. Uma forma simplificada do enunciado de Clausius é: "não existe geladeira milagrosa".
A segunda lei da termodinâmica declara que certos processos são irreversíveis. Da
formulação de Clausius, podemos concluir logo que uma transferência de calor num contato
térmico entre dois corpos de temperaturas diferentes é irreversível; a inversão deste
processo é proibida pelo enunciado de Clausius. Para outros tipos de processos irreversíveis
é mais fácil provar sua irreversibilidade com formas diferentes, mas equivalentes, da
4 Por esta razão o termo “lei zero da termodinâmica” não é muito apropriado.
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segunda lei. Uma outra forma que historicamente teve sua origem no estudo de máquinas
térmicas é o
Enunciado de Kelvin:
Não existe processo cujo único efeito líquido é remover calor de um corpo e produzir
uma quantidade equivalente de trabalho.
A condição “cujo único efeito” é importante. A segunda lei não proíbe, por exemplo, de
transformar calor inteiramente em trabalho numa expansão de um gás. Este processo
realmente existe, mas o gás fica com um volume maior no estado final de tal forma que a
condição de efeito único não é satisfeita. Com este enunciado é, por exemplo, fácil mostrar
que uma expansão livre (sem trabalho) de um gás é irreversível. (Deixamos esta
demonstração como exercício). Preocupar-nos-emos agora com a demonstração da
equivalência dos dois enunciados. Faremos isso apenas para o caso mais simples em que os
corpos mencionados nos enunciados sejam reservatórios térmicos. Instrumento essencial da
demonstração da equivalência dos enunciados serão máquinas térmicas cíclicas e bombas
de calor cíclicas. Estas máquinas cíclicas são sistemas termodinâmicos que executam um
processo cíclico. Isto quer dizer que o estado final da máquina é idêntico ao estado inicial.
O processo envolve trocas de calor com reservatórios térmicos e trocas de trabalho com
algum agente. Na análise destes processos não é a priori claro qual objeto é o sistema e
qual é o ambiente. Podemos considerar tanto a máquina quanto algum reservatório térmico
como o sistema. Por este motivo adotaremos para a análise das máquinas cíclicas a seguinte
convenção de sinais para calor e trabalho: cada análise de máquina cíclica será
acompanhada por um fluxograma de energias e um fluxo de energia indicado no
fluxograma é considerado maior que zero se a energia fluir na direção da seta do
fluxograma. Para poder distinguir as quantidades de calor e trabalho que obedecem a esta
~ ~
convenção de sinal, escreveremos calor e trabalho nestas análises como Q e W . Nos
fluxogramas representaremos a máquina por uma elipse e reservatórios térmicos por
retângulos com uma indicação de temperatura onde τ f e τ q serão usados para
temperaturas fria e quente respectivamente. O enunciado de Clausius afirma que uma
bomba do tipo da Figura 4.5
τq
Q>0 τq
Q>0
Q>0
τf W=Q
Fig. 4.5 "Bomba de calor milagrosa" Fig. 4.6 "Máquina térmica milagrosa"
não existe, e o enunciado de Kelvin afirma que uma máquina térmica do tipo da Figura 4.6
não existe. Note, no entanto, que ambas estas máquinas existem com Q < 0 . Também,
sabemos que máquinas e bombas do seguinte tipo existem:
70
Fig. 4.7 Máquina térmica e bomba de calor real.
Notamos também que é fácil adaptar os tamanhos dos ciclos das máquinas ( ou das
~ ~ ~
bombas) para ter um W ou um Qq ou um Q f de um dado tamanho. Isto pode ser feito
deixando várias máquinas trabalharem paralelamente e considerando o conjunto todo como
uma única máquina. Com estas ferramentas podemos agora demonstrar a equivalência dos
enunciados de Clausius (C) e de Kelvin (K).
Primeiramente mostramos C ⇒ K . Se K não fosse válido, poder-se-ia construir uma
máquina M como aquela da figura 4.6 . Combinando esta máqina com uma bomba de calor
B cujo tamanho de ciclo é adaptado de forma que o trabalho necessário num ciclo de B
seja igual ao trabalho fornecido num ciclo de M, obtém-se uma nova bomba B' de calor que
é indicada com a elipse grande na figura 4.8. Mas esta bomba não pode existir se o
enunciado de Clausius for válido. Então vale C ⇒ K .
71
Fig. 4.8 "Bomba de calor milagrosa" feita com
uma "máquina de calor milagrosa" e uma bomba
de calor real.
Na secção anterior vimos que não existe uma máquina térmica que trabalhe ciclicamente e
que remova calor de um corpo e produza uma quantidade equivalente de trabalho. Qualquer
máquina cíclica que usa um reservatório térmico como fonte de energia necessariamente
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devolve calor para outros reservatórios. Portanto, o rendimento de qualquer motor térmico
definido como quociente do trabalho fornecido e o calor absorvido da fonte de energia é
necessariamente menor que um. Então é uma pergunta natural de se fazer: qual é o melhor
rendimento possível de uma máquina? Carnot respondeu esta pergunta para o caso mais
simples e mais importante de uma máquina que interage com apenas dois reservatórios
térmicos. Sejam dois reservatórios térmicos dados com temperaturas τ q e τ f sendo
τ q > τ f . A figura 4.10 mostra uma máquina cíclica trabalhando entre estes reservatórios. O
rendimento η da máquina é definido como
W
η= (4.5.1)
Q
q
Fenômenos como atrito prejudicam obviamente o bom rendimento de uma máquina. Por
outro lado, atrito é uma fonte de irreversibilidade. A ideia de Carnot era, então, que se podia
esperar o melhor rendimento possível de uma máquina que trabalhasse reversivelmente.
Isto é de fato verdade.
Teorema de Carnot:
O rendimento de qualquer máquina cíclica que trabalha entre as temperaturas
τ q e τ f é menor ou igual ao rendimento de uma máquina cíclica que trabalha
reversivelmente entre as temperaturas τ q e τ f .
Demonstração:
Seja M uma máquina que trabalhe entre as temperaturas τ q e τ f e que absorva o calor
~ ~
QqM da fonte quente e forneça o trabalho W . Vamos comparar esta máquina com uma
máquina reversível C (máquina de Carnot) e vamos ajustar os tamanhos dos ciclos de tal
73
~
forma que C forneça o trabalho W também. A figura 4.11 mostra a "competição" das duas
máquinas.
Fig. 4.11 Competição das máquinas M e C
A questão é qual das duas máquinas
~
consegue fornecer W com menos calor
~
absorvido pela fonte quente. Seja QqC o calor
absorvido pela máquina de Carnot. Temos
~ ~
que mostrar que QqM ≥ QqC . A única
informação que temos a nossa disposição
para esta demonstração é que a máquina C é
reversível. Então vamos inverter o ciclo de
C. Invertendo o ciclo de C, tornamos a
máquina C numa bomba de calor C' .
Podemos agora acoplar a máquina M à
máquina C'.
Como podemos ver pela figura 4.12, o
processo resultante é uma pura transferência de calor entre os reservatórios térmicos.
Segundo o enunciado de Clausius esta transferência só pode ter o sentido da fonte quente
~ ~ ~ ~
para a fonte fria. Então concluímos QqM − QqC ≥ 0 e então QqM ≥ QqC .
Fig. 4.12 Demonstração do teorema de Carnot
Corolário de Carnot:
Quaisquer máquinas cíclicas e reversíveis que trabalham entre o mesmo par de
temperaturas τ q e τ f têm o mesmo rendimento.
Demonstração:
Sejam C1 e C2 duas máquinas cíclicas e reversíveis que trabalham entre as temperaturas
τ q e τ f . Como C1 é uma máquina de Carnot, temos, com o teorema de Carnot, ηC2 ≤ ηC1 .
74
Mas como C2 é também uma máquina de Carnot, temos, com o teorema de Carnot,
ηC2 ≥ ηC1 . Então segue ηC2 = ηC1 .
Esta consequência do teorema de Carnot é de suma importância. Ela significa que o
rendimento ηC de uma máquina de Carnot pode ser só uma função das temperaturas τ q e
τ f . Temos
W C Q q − Q f Q Cf
C C
C
η = C = = 1− C (4.5.2).
Q q Q Cq Q q
Então existe uma função f tal que para qualquer máquina de Carnot que trabalha com as
temperaturas τ q e τ f vale
Q q C
f ( τq , τ f ) = (4.5.3).
Q C
f
A forma explícita desta função depende naturalmente da escala empírica τ usada. Mas
uma característica desta função podemos determinar mesmo não conhecendo a escala
usada. Para descobrir esta propriedade da função f , vamos combinar uma máquina de
Carnot que trabalha entre as temperaturas τ q e τ m com uma, igualmente reversível, que
~ ~
trabalha entre τ m e τ f . Ajustamos os tamanhos dos ciclos tal que Qm1 = Qm2 (compare a
figura 4.13).
Fig. 4.13
Temos então
75
Q q Q m Q q
f ( τq , τm ) = f ( τm , τ f ) = f ( τq , τ f ) = (4.5.4).
Qm Q f Q f
f ( τq , τ f )
f ( τq , τm ) = (4.5.5).
f ( τm , τ f )
Para um τf fixo podemos agora definir uma nova função da temperatura
T ( τ ) = f ( τ, τ f ) κ , onde κ é uma constante que terá o papel de uma unidade desta nova
grandeza. Veremos que T pode ser usado como escala de temperatura. Para isso temos que
mostrar que T ( τ ) = f ( τ, τ f ) κ é uma função estritamente monotonamente crescente de
τ . O rendimento de uma máquina de Carnot que trabalha ente as temperaturas τ e τ f é
1 T (τ f )
η ( τ, τ f ) = 1 − = 1− (4.5.6).
f ( τ, τ f ) T ( τ)
Portanto, mostrar que T ( τ ) é estritamente monotonamente crescente é equivalente a mostrar
( )
que η τ ,τ f como função de τ é estritamente monotonamente crescente. Para isso
acoplamos uma máquina de Carnot que trabalha entre τ 1 e τ f a uma máquina de Carnot
invertida (bomba de calor de Carnot) que trabalha entre τ 2 e τ f e ajustamos os
tamanhos dos ciclos como está indicado na figura 4.14. 5
5 Estamos tacitamente supondo τ 1 ,τ 2 > τ f . Deixamos a análise do caso geral como exercício.
76
(compare a figura 4.14). A condição de ajuste dos tamanhos dos ciclos que deixa o
reservatório τ f no estado inicial após um ciclo é
Tq − T f
η (Tq , T f ) = (4.5.10)
Tq
e as equações 4.24 e 4.26 podemos juntar na seguinte forma:
Q q C Q f C
= (4.5.11).
Tq Tf
Para medir uma temperatura desconhecida T na escala absoluta, podemos construir uma
máquina de Carnot que trabalhe entre a temperatura T e uma temperatura de referência
Tref bem reprodutível. A definição oficial da escala "Kelvin" usa como temperatura de
referência o ponto triplo da água6 e atribui a este ponto a temperatura Tref = 273,16 K (K=
Kelvin). A temperatura T obtemos então com a equação (4.5.11) medindo as quantidades
de calor Q C e Q ref C no Ciclo de Carnot:
Q C
T = 273,16 K (4.5.12)
Q C
ref
6 Ponto no qual água líquida está em equilíbrio com gelo e água gasosa.
77
característica: se a marcação do ponto zero tiver uma imprecisão de 1mm, todas as
coordenadas x terão pelo menos uma imprecisão de 1mm. Na escala das temperaturas a
situação é diferente: mesmo tendo uma imprecisão de, digamos, 0,01 K na determinação do
ponto triplo da água, podemos, em princípio, medir uma temperatura de 0,001 K com uma
0,01 ~ ~
incerteza de apenas 0,001 K ⋅ ≈ 0,3 ⋅ 10 −7 K (supondo que possamos medir Q e Qref
27316
,
com incertezas desprezíveis). Como podemos ver pela equação 4.33, a escala é na verdade
uma escala multiplicativa. Seria no fundo mais adequado definir a temperatura da seguinte
forma:
T
T = ln (4.5.13).
T
ref
Esta escala seria análoga às diversas outras escalas que temos na física no sentido de ser
uma escala aditiva. Apesar de ser teoricamente a escala mais apropriada, ela não é usada na
~
prática. Mas o fato de que a escala T seria no fundo a mais apropriada deixa suspeitar que o
ponto T = 0 da escala absoluta não pertence ao espaço dos estados. De fato todo sistema
conhecido tem um comportamento que impede atingir a temperatura T = 0. Além do mais
um reservatório de temperatura T = 0 poderia ser usado para violar o enunciado de Kelvin
com uma máquina de Carnot trabalhando com este reservatório térmico.
Na secção anterior introduzimos a temperatura absoluta e vimos que para uma máquina de
Carnot vale a equação (4.5.11):
Q q C Q f C
= (4.5.11).
Tq Tf
78
percorrer estados fora do equilíbrio. Especialmente Σ não precisa ter temperaturas bem
definidas durante o processo. No processo haverá trocas de calor com certos corpos que
geralmente também não terão temperaturas bem definidas. Mas vamos supor que é possível
determinar temperaturas de finas camadas de superfície adjacentes a Σ durante a troca de
calor. Para o sistema Σ nada mudará se substituirmos os corpos de troca de calor por
reservatórios térmicos com temperaturas bem definidas se suas temperaturas forem iguais
às temperaturas das superfícies mencionadas. Podemos, então, imaginar que durante o
processo um grande número de reservatórios térmicos R1 , R2 , ...... R N é colocado em
contato com o sistema. Estes contatos térmicos podem formar uma sequência rápida e
também podem encostar vários reservatórios com temperaturas diferentes ao mesmo tempo
e em partes diferentes da superfície de Σ . Para podermos avaliar as quantidades de calor
trocadas de alguma forma, vamos envolver todos estes reservatórios térmicos num grande
processo cíclico. Para isso vamos repor exatamente cada quantidade de calor trocado com
cada Rk através de máquinas cíclicas reversíveis C1 , C2 , ......, C N . A máquina Ck
trabalha entre o reservatório Rk e um reservatório R0 que é comum a todas as máquinas
C1 , C2 , ......, C N . A figura 4.15 mostra este arranjo. Pelo enunciado de Kelvin da segunda lei
sabemos que o trabalho fornecido pelo ciclo total, que é indicado com a elipse grande, não
pode ser positivo:
N N
∑ k W − WΣ = ∑ Q k0 ≤ 0 (4.6.2).
k =1 k =1
Por outro lado podemos aplicar a equação (4.5.11) para cada uma das máquinas
C1 , C2 , ......, C N .
Fig. 4.15
Obtemos então
79
N N
Qk
∑ Q
k =1
0
k = ∑T
k =1
0
Tk
(4.6.3).
Como as temperaturas absolutas foram definidas como grandezas positivas temos T0 > 0 e
podemos concluir da desigualdade (4.6.2) que
N
Qk
∑T
k =1
≤0 (4.6.4)
k
onde a integral é tomada sobre o caminho descrito pelo o processo. Para processos
reversíveis C, a desigualdade(4.6.4) implica então em
Q
∫ Tc
≤0 (4.6.6).
Q
∫ Tc
=0 (4.6.9).
80
Desta igualdade podemos imediatamente concluir que, para qualquer processo reversível
(não cíclico), a integral sobre o caminho A que descreve o processo
Q
T
depende apenas ∫
A
dos pontos inicial e final do caminho, mas não dos detalhes do caminho. Já que um segundo
caminho B com os mesmos pontos iniciais e finais que A poderia ser combinado com A
para formar um caminho fechado C = A − B para o qual vale a equação (4.6.9). Temos
então como conseqüência do teorema de Clausius:
∫
Com a integral de caminho Q / T podemos definir uma função de estado S tal que
E
Q
S ( E ) = S ( Eref ) + ∫ (4.6.10).
E ref T
Esta equação define S até uma constante aditiva que corresponde à escolha do valor
( )
S E ref . A função S é chamada de entropia7. Podemos formular esta consequência também
em forma diferencial: dividindo a forma diferencial do calor reversível entre a temperatura
absoluta, obtemos a diferencial de uma função
Q
dS = (4.6.11).
T
Agora vamos deduzir uma outra consequência da desigualdade de Clausius que envolve a
entropia. Faremos algum processo que leve o sistema de um estado inicial E in até um
estado final E fim . Para podermos aplicar o teorema de Clausius, temos que voltar para o
estado inicial. Faremos esta volta de forma reversível. O teorema de Clausius implica então
7 Nome inventado por Clausius. Este nome tem a raiz grega εντροπία (εν= em, τροπή = mudança). A palavra
foi formada de tal forma que se pareça com energia. É difícil entender o que Clausius tinha na mente quando
escolheu “em mudança” como nome para esta grandeza.
81
Ei n
Q Q
∑ Tk + ∫ T ≤ 0 (4.6.14),
k E fim
Especialmente obtemos para o caso que o processo E in → E fim for adiabático, Sin ≤ S fim .
Num processo adiabático a entropia não pode diminuir.
Esta lei expressa novamente a irreversibilidade de certos processos. Neste caso a classe de
processos é dada pelos processos adiabáticos. Se a entropia num processo adiabático
aumentou, ele é necessariamente irreversível.
Imaginamos agora uma caixa de paredes adiabáticas e rígidas longe de toda influência de
forças externas. Toda mudança de funções de estado de um sistema termodinâmico dentro
desta caixa seria então gerada pelo próprio sistema sem ajuda externa. Podemos dizer que
nestas condições a energia interna do sistema tem que ficar constante. Temos uma lei de
conservação de energia. Mas a entropia do sistema pode crescer. Não vale uma lei de
conservação de entropia, mas uma lei que proíbe a destruição da entropia. Apenas para
processos reversíveis podemos ter a certeza que a entropia é conservada. Imaginamos agora
dentro da caixa rígida e adiabática um sistema composto de um subsistema Σ e um outro
subsistema chamado ambiente de Σ. Σ e o ambiente de Σ são separados por uma parede
diatérmica que não deixa passar matéria. Um processo reversível que transfere calor do
ambiente de Σ para Σ conserva a entropia do sistema composto e transfere entropia do
ambiente de Σ para o sistema Σ segundo a equação (4.6.10).
Frequentemente estudaremos sistemas compostos de subsistemas. Imaginamos agora dois
sistemas Σ1 e Σ 2 e vamos supor primeiramente que eles estão espacialmente separados
sem nenhuma interação entre eles. Neste caso temos, pela definição (4.6.12) da entropia,
que a entropia do sistema composto Σ1 e Σ 2 é a soma das entropias de Σ1 e Σ 2 desde
que escolhemos o valor da entropia do estado de referência como a soma dos valores de
( ) ( ) (
referência dos subsistemas; S E1,ref , E 2 ,ref = S E1,ref + S E 2 ,ref : )
S ( E1 , E2 ) = S ( E1 ) + S ( E2 ) (para sistemas separados) (4.6.17)
82
e E 2 não mudem e este processo de separação seja reversível e não envolva transferências
de calor. Vamos chamar este tipo de sistema “sistema separável”. Da definição de entropia
e a equação (4.6.17) segue então
S ( E1 , E2 ) = S ( E1 ) + S ( E2 ) (para sistemas separáveis) (4.6.18).
(10 )
23
W ( E ) ≈ (1023 ) (4.7.1).
Estes números não são somente enormes; suas variações também são enormes. Quando
compararmos dois macroestados E1 e E2 ligeiramente diferentes, tipicamente os
volumes (ou números) W ( E1 ) e W ( E2 ) são tão diferentes que valem
(10 )
23
(
− 10 23 )
W ( E1 ) / W ( E2 ) ≈ (1023 ) ou W ( E1 ) / W ( E2 ) ≈ (1023 ) (4.7.2).
83
Este fato, que é uma mera consequência matemática da geometria em espaços de alta
dimensionalidade, dá uma bela explicação da irreversibilidade de certos processos
termodinâmicos. Todo motorista de carro sabe que é muito mais difícil entrar numa
pequena vaga de estacionamento do que sair dela. Partindo de um volume pequeno é fácil
acertar num volume grande. O inverso é difícil. Esta assimetria resulta na irreversibilidade.
(10 )23
Uma vez que um sistema entrou num volume W ( E2 ) que é (1023 ) vezes maior que o
volume W ( E1 ) de um estado original E1 , a chance de voltar para o volume W ( E1 ) é
desprezivelmente pequena. Estas ideias sugerem que há uma relação entre entropia e
W ( E ) . É fácil adivinhar qual deve ser a relação. Para sistemas compostos de várias partes
separadas, a entropia do sistema total é a soma das entropias das partes
k
S = ∑ Sl (4.7.3)
l =1
84
Num processo adiabático irreversível, o sistema sai de um pequeno volume W ( Einicial ) e
entra num volume muito maior W ( E final ) . Isto corresponde à produção de entropia.
Quando o processo não for adiabático, pode haver, além de produção de entropia, fluxos de
entropia entre ambiente Α e sistema Σ . Para entender bem estes fluxos de entropia, vamos
estudar especialmente os processos reversíveis. Nestes não há produção de entropia e toda
mudança de entropia é causada pelo transporte entre ambiente e sistema.
Para esta análise vamos imaginar que o ambiente do sistema esteja encapsulado em paredes
adiabáticas. Então sabemos que com processos reversíveis a entropia do sistema total, isto
é, sistema Σ mais ambiente Α , se conserva. Toda mudança da entropia de Σ tem uma
contrapartida de sinal oposto no ambiente Α . Se o processo reversível não envolver troca
de calor entre Σ e Α a entropia de Σ fica constante. Somente quando o processo
reversível envolve troca de calor há mudança de entropia de Σ . De fato da equação (4.6.11)
podemos concluir que a entropia transportada e o calor transportado reversivelmente são
proporcionais. A constante de proporcionalidade é o inverso da temperatura.
1 rev.
δS = Q (4.7.10),
T
ou inversamente
Q rev. = T δS (4.7.11)
Com (4.7.6) podemos escrever a (4.7.11) em termos de aumento relativo do numero de
microestados:
δW
Q rev. = k BT (4.7.12).
W
Esta equação combina com uma interpretação do calor como energia transportada por graus
microscópicos de liberdade. Como não temos meios de acompanhar estes processos
microscópicos, é evidente que tal fluxo de energia é acompanhado por um fluxo de falta de
informação sobre o verdadeiro microestado. Isto resulta numa variação do número W ( E ) .
85
4.8 Apêndice do capítulo 4: A forma diferencial de trabalho de magnetização
1
Para facilitar os cálculos é conveniente introduzir os campos auxiliares H = B−M e
µ0
D = ε0 E + P . Com estes campos as equações de Maxwell têm a forma
∂D
rot H = j + (4.8.1)
∂t
div D = ρ (4.8.2)
∂B
rot E + =0 (4.8.3)
∂t
div B = 0 (4.8.4)
onde j e ρ são a densidade de corrente livre e a densidade de carga livre (livre = não
ligada em moléculas). A equação (4.3.13) toma a forma
t fim
∂B ( r , t ) ∂B0 ( r , t )
WM = ∫∫∫ ∫ H ( r , t ) ⋅ − H0 ( r ,t ) ⋅ dt dV
V0 tin
∂t ∂t
t
(4.8.5)
fim
≡ ∫∫∫ ∫ G dt dV
V0 tin
com
∂B ( r , t ) ∂B0 ( r , t )
G ( r , t ) = H ( r , t ) ⋅ − H0 (r , t ) ⋅ (4.8.6).
∂t ∂t
Somando e subtraindo nesta expressão um H 0 ⋅ ∂B / ∂t , obtemos
∂B ∂ H − H 0 (
∂M )
(
G = H − H0 ⋅
∂t
+ B0 ⋅) ∂t
+ B0 ⋅
∂t
(4.8.7)
∂M
≡ K + B0 ⋅
∂t
com
∂B ∂ H − H 0 ( )
K = ( H − H0 ⋅ )
∂t
+ B0 ⋅
∂t
(4.8.8).
Para chegarmos na (4.8.7) usamos B0 = µ 0 H 0 .
Vamos mostrar que a integral do termo K é zero desde que o processo seja feito de forma
infinitamente lenta obedecendo a certas condições. Cada um dos dois termos na expressão
86
K tem um fator cuja divergência é zero. Vamos analisar o rotacional do outro fator. Com a
equação de Maxwell (4.8.1) temos
∂ D − D0 ( )
( )
rot H − H 0 = j − j0 +
∂t
(4.8.9).
Evidentemente temos que evitar correntes elétricas para tornar o processo reversível. Então
não podemos admitir campos elétricos permanentes durante o processo a não ser que exista
uma força eletromotriz que anule a densidade de corrente ou que a amostra seja um isolante
perfeito. Vamos excluir o caso da força eletromotriz da nossa consideração, pois as
amostras magnéticas geralmente não são fontes elétricas. Geralmente podemos supor a lei
de Ohm j = σE para amostras deste tipo. Se a condutividade σ do material for zero a
contribuição das densidades de corrente na equação (4.8.9) não causa nenhum problema. Se
σ ≠ 0 teremos correntes mesmo sem campos elétricos estáticos. Pois, durante o processo,
temos ∂B / ∂t ≠ 0 e com isto aparecem correntes induzidas. Estas correntes certamente vão
−1
para zero pelo menos como ( t fim − tin )
já que a origem delas reside na derivada temporal
( )
do campo magnético. O outro termo ∂ D − D0 / ∂t evidentemente tem também esta
propriedade. Mostramos então que o rotacional de H − H 0 é pequeno da ordem de
−1
(t fim − tin ) .
Com o teorema de Helmholtz, sabemos que todo campo vetorial F duas vezes
diferenciável que decai no infinito pelo menos como 1/r pode ser decomposto num campo
sem rotação e outro sem divergência:
F = ∇Φ + ∇ × A (4.8.10)
onde ∇Φ é determinado pela divergência de F e ∇ × A é determinado pelo rotacional
de F :
1 div F ( r ′ ) 3
4π ∫∫∫ r − r ′
Φ (r ) = d r′ (4.8.11)
e
1 rot F ( r ′ ) 3
4π ∫∫∫ r − r ′
A(r ) = d r′ (4.8.12)
Podemos aplicar este teorema para o campo H − H 0 :
H − H 0 = ∇Φ + ∇ × A (4.8.13)
−1
Como o rotacional de H − H 0 é pequeno da ordem ( t fim − tin ) , podemos afirmar que
−1
∇ × A é pequeno da ordem ( t fim − tin ) . Podemos agora inserir a representação (4.8.13) na
expressão de K (equação (4.8.8)):
87
∂B ∂ −∇Φ + ∇ × A ( )
K = ( ∇Φ + ∇ × A ⋅
∂t
)
+ B0 ⋅
∂t
=
(4.8.14).
∂B ∂Φ ∂B ∂ ∇ × A ( )
= ( ∇Φ ) ⋅
∂
t
+ B0 ⋅∇
∂
t
+ ∇× A ⋅
∂t
(
+ B0 ⋅
∂t
)
d) c) b) a)
−2
Os termos a) e b) são claramente pequenos da ordem (t fim − tin ) e a integral temporal
destas contribuições vai para zero no limite ( t fim − tin ) → ∞ . Para a análise dos termos c) e
d) podemos usar o fato que div B = div B0 = 0 . Temos
∂Φ 3 ∂Φ 3
∫∫∫ B
V0
0 ⋅∇
∂t
d r = ∫∫∫ div B
V0
0 d r =
∂t
(4.8.15).
∂Φ
∫∫ ∂t B0 ⋅ dS
=
∂V0
Supostamente o volume V0 foi escolhido tão grande que na superfície ∂V0 não haja mais
influência apreciável dos campos gerados pela amostra magnética. Então nesta superfície
temos H − H 0 = 0 . Com a equação (4.8.13) segue então que nesta superfície as derivadas
−1
espaciais de Φ são pequenas da ordem ( t fim − tin ) . Termos espacialmente constantes em
Φ podemos excluir deste campo. Como na (4.8.15) entra uma derivada temporal de Φ ,
concluímos que a contribuição do termo c), quando integrado no tempo, vai para zero no
limite ( t fim − tin ) → ∞ . Com o termo d) podemos argumentar de forma análoga:
∂B 3 ∂B 3
∫∫∫
V0
( ∇Φ ) ⋅ d r =
∂t ∫∫∫
V0
div Φ
∂t
d r =
(4.8.16)
∂B
∫∫
=
∂V0
Φ
∂t
⋅ dS
A integral temporal disso obviamente vai também para zero no limite ( t fim − tin ) → ∞ . Pois
−1
Φ é da ordem ( t fim − tin ) na superfície ∂V0 e o outro termo ∂B / ∂t também.
Outros tipos de trabalho como o trabalho de Joule são zero no limite ( t fim − tin ) → ∞ , pois
−1
tanto o campo elétrico induzido como as correntes induzidas são da ordem ( t fim − tin ) .
Para um processo de magnetização quase estático, temos então
88
t fin
∂M
WM = ∫∫∫ ∫
V0 tin
B0 ⋅
∂t
dt d 3 r (4.8.17).
Bernhard Lesche
89