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ABSTRACT: Birds are animals representing multiple signs and they have been represented
artistically many times. This article aims to investigate how the appearances of birds occur in
an excerpt from the works of the French poet Jacques Prévert and the Brazilian poet Manoel
de Barros. We will start from the comparative analysis of this theme between poems chosen
from the work Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo (2001) and Paroles (1946),
although they belong to two different universes, they present several similarities if analyzed
under certain aspects, like their metapoetic character. The apparent simplicity of their poetics
reveals the incorporation of elements of a modern refinement. Both gather in the speech and
in the banal images of everyday life the material for their poetic confection.
Keywords: Manoel de Barros. Jacques Prevert. Poetry. Comparative literature. Bird.
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Capes – doutorado pleno
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Doutoranda em Letras, na área de Literatura Comparada. Programa de Pós-Graduação em
Literatura e Vida Social. Unesp/Assis. Pesquisa financiada pela Capes, com doutorado sanduíche na
Sorbonne Université (Capes PrInt). ORCID: http://000000027699676X.
(Manoel de Barros)
Introdução
Dessa forma, foram selecionados alguns poemas que serão comparados ao longo
deste artigo.
O retrato de um pássaro
DE PASSARINHOS
Avant de se décider
Ne pas se décourager
Attendre
Attendre s’il le faut pendant des années
La vitesse ou la lenteur de l’arrivée de l’oiseau
N’ayant aucun rapport
Avec la réussite du tableau
Quand l’oiseau arrive
S’il arrive
Observer le plus profond silence
Attendre que l’oiseau entre dans la cage
Et quand il est entré
Fermer doucement la porte avec le pinceau
Puis
Effacer un à un tous les barreaux
En ayant soin de ne toucher aucune des plumes de l’oiseau
Faire ensuite le portrait de l’arbre
En choisissant la plus belle de ses branches
Pour l’oiseau
Peindre aussi le vert feuillage et la fraîcheur du vent
La poussière du soleil
Et le bruit des bêtes de l’herbe dans la chaleur de l’été
Et puis attendre que l’oiseau se décide à chanter
Si l’oiseau ne chante pas
C’est mauvais signe
Signe que le tableau est mauvais
Mais s’il chante c’est bon signe
Signe que vous pouvez signer
Alors vous arrachez tout doucement
Une des plumes de l’oiseau
Et vous écrivez votre nom dans un coin du tableau. (PRÉVERT,
1946, p. 184)
XV
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Douglas Diegues é um poeta carioca, autor de Dá gusto andar desnudo por estas selvas (2003),
cuja poesia flerta com as vanguardas do início do século XX. É conhecido por escrever em “portunhol
selvagem”, mistura de três línguas que adotou em sua poética. A matéria aqui citada é toda redigida
nesta nova língua. Sua poética se identifica com a de Manoel de Barros, na medida em que retoma
os restos, a fragmentação moderna como mote da poesia. Algumas destas informações foram
obtidas em: https://oglobo.globo.com/cultura/livros/critica-portunhol-de-vanguarda-do-carioca-douglas-
diegues-18365752. Acesso em: 16/08/2019 às 10h48.
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DIEGUES, Douglas. Viagem a las fontes selvagens de Manoel de Barros. Revista Cult, N. 219, ano
19, dezembro 2016, p.52-57
liberdade, o pássaro faz dessa tarefa algo de impossível para o artista, seja ele
pintor ou poeta. A beleza não poderá ser capturada, mas somente admirada pelo
humano, porque é o puro presente. Este valor também dialoga com a proposta
poética de Manoel de Barros: a poesia é antes resistência que produto, e, portanto,
não será enjaulada, não terá um preço a ser pago. A beleza em jogo jamais poderá
ser transformada em propriedade privada. Apesar de fazer uso da imagem da
pintura, o eu-lírico pinta com palavras, e portanto, ambos os poemas não têm suas
propostas distanciadas neste aspecto.
O segundo passo apresentado para a feitura do retrato é: “depois/
dependurar a tela numa árvore/ num jardim/ num bosque/ esconder-se atrás da
árvore/ sem nada dizer/ sem se mexer…//às vezes o pássaro chega logo/ mas pode
ser também que leve muitos anos/ para se decidir” (versos 9-17). Como um caçador
silencioso o artista deverá esperar, e o eu-lírico alerta que tal procedimento poderá
demorar anos. Se o pássaro chegar, não há garantias de que ele cantará, mas o
artista deverá apagar uma a uma as grades das gaiolas, sem tocar no pássaro. Feito
isso, poderá arrancar uma de suas penas para a assinatura do quadro. Bem como
no poema visto anteriormente, o eu-lírico oferece uma série de ensinamentos sobre
a pintura de um pássaro, mas sob um viés totalmente poético. Isto porque não seria
possível, também segundo sua visão, pintar um pássaro de outra forma. O retrato, a
pintura é o flagrante de um instante que se eterniza e, por vezes, congela um
movimento no decorrer de sua ação. O pássaro, na pintura de palavras, não está
imóvel: a liberdade é sua condição.
Apesar de tratar de um assunto metapoético, o poeta o faz segundo
perspectivas que podem ser aproximadas às de Manoel de Barros: quando traz uma
linguagem acessível para o jogo poético, quando não impõe práticas rebuscadas,
nem tampouco assuntos sublimes, mas antes uma inversão de valores que busca
ressaltar o que de mais simples possa haver na apreensão e na produção do que é
belo, sem deixar de lado o requinte próprio da linguagem poética.
Além disso, a presença do pássaro se dá em ambos os poemas como o
ideal, a perfeição do objeto contemplado. Aqui não se trata de uma ave exótica, mas
de “passarinho” ou “oiseau” pura e simplesmente. Os poemas trazem na tentativa de
representação de um bom pássaro “e depois esperar que o pássaro queira cantar/
se não cantar/ mau sinal/ sinal de que o quadro é ruim/ mas se cantar bom sinal/
sinal de que pode assiná-lo.” (versos 39-44) o constante duelo entre o sucesso e o
fracasso em que se encontra o poeta moderno. Consciente de sua insuficiência
diante da beleza, não almeja mais alcançar o inalcançável, mas encontra a plenitude
na tentativa do poema.
No entanto, a presença do pássaro nem sempre traz ao poema uma
atmosfera de leveza e liberdade, por vezes é portador da tristeza inesperada, como
no poema “Les oiseaux du souci”, de Jacques Prévert. Observemos a seguir:
uma vez que o fazem lembrar de outro tempo, em que a amada estivera presente.
Além disso, a cor de suas penas compõem a atmosfera escura do quarto, o cobrindo
de chuva e de fuligem : “Plumes de pluie pluie de plumes” (verso 1) [penugem de
chuva chuva de penugem], que se torna “Plumes de suie suie de plumes” (verso 18)
[penugem de fuligem fuligem de penugem]. Ao final do poema, já cansado de
mandá-los embora e de ameaçar deixar seu próprio quarto, o eu-lírico escolhe pedir
para que fiquem os “pássaros do desespero”, e que sintam-se confortáveis como se
estivessem em sua própria casa.
O poema 39 da segunda metade do Tratado geral das grandezas do ínfimo,
chamada “O livro de Bernardo”, de Manoel de Barros traz também para o texto os
elementos chuva e andorinha:
39
Andorinhas passeiam
na chuva
e no meu ocaso.
(BARROS, 2010, p. 419)
A DISFUNÇÃO
verbos e substantivos.
4 – Gostar de fazer casamentos incestuosos entre
palavras.
5 – Amor por seres desimportantes tanto como pelas
coisas desimportantes.
6 – Mania de dar formato de canto às asperezas de
uma pedra.
7 – Mania de comparecer aos próprios desencontros.
Essas disfunções líricas acabam por dar mais
importância aos passarinhos do que aos senadores.
(BARROS,2010, p. 400)
primeira vista, mas é antes uma oposição à função, bem como o é o exemplo dado
pelos pássaros em relação ao exemplo de Monsieur Glacis. Embora traga uma
abordagem metapoética ainda mais explícita, listando 7 sintomas da “doença” dos
poetas, ambos chegam a lugares próximos fazendo uso da imagem dos
passarinhos: “les oiseaux donnent l’exemple/ l’exemple comme il faut/ l’exemple des
oiseaux”. (versos 24, 25 e 26), no poema de Prévert e “Essas disfunções líricas
acabam por dar mais/ importância aos passarinhos que aos senadores” (versos 19 e
20). No poema de Prévert, o cidadão exemplar está concentrado nas figuras do
Senhor Glacis e da velha dona de uma vida e uma morte exemplares, já no poema
de Manoel de Barros, o exemplo social ao qual não se dá importância é o dos
senadores, figuras políticas cuja função é a de debater projetos de lei, emendas
constitucionais, etc. Trata-se de um papel de grande importância social, mas assim
como a figura do Senhor Glacis no primeiro poema analisado, é insignificante para a
ordem poética. Dado o histórico político brasileiro, pode-se dizer também que os
senadores são evocados de forma irônica pelo eu-lírico.
Referências