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“... um poema é criação pura – por mais impura que seja. É como uma pessoa,
ou como a vida: por melhor que você a explique, a explicação nunca pode
substitui-la”. Décio Pignatari
Latas
Estas latas têm que perder, por primeiro, todos os ranços (e artifícios) da indústria que
as produziu. Segundamente, elas têm que adoecer na terra. Adoecer de ferrugem e
casca. Finalmente, só depois de trinta e quatro anos elas merecerão de ser chão. Esse
desmanche em natureza é doloroso e necessário se elas quiserem fazer parte da
sociedade dos vermes. Depois desse desmanche em natureza, as latas podem até
namorar com as borboletas. Isso é muito comum. Diferentes de nós as latas com o
tempo rejuvenescem, se jogadas na terra. Chegam quase até de serem pousadas de
caracóis. Sabem muito bem, estas latas, que precisam de pensar em ter raízes. Para
que possam obter estames e pistilos. A fim de que um dia elas possam se oferecer às
abelhas. Elas precisam de ser um ensaio de árvore a fim de comungar a natureza. O
destino das latas pode também ser pedra. Elas hão de ser cobertas de limo e musgo.
As latas precisam ganhar o prêmio de dar flores. Elas têm de participar dos
passarinhos. Eu sempre desejei que as minhas latas tivessem aptidão para
passarinhos. Como os rios têm, como as árvores têm. Elas ficam muito orgulhosas
quando passam do estágio de chutadas nas ruas para o estágio de poesia. Acho esse
orgulho das latas muito justificável e até louvável.
*Manoel de Barros
https://youtu.be/VG4P_mWWAI0
→ A onda: exercício de percepção. Leia em voz alta, várias vezes, o poema de Manuel
Bandeira. Perceba todas as repetições: tanto de sons quanto de pausas. Procure fazer
um inventário dos sons do poema, percebendo quantas vezes cada som se repete.
Procure repetir o poema marcando as tônicas (“a ôonda”). Quais texturas sonoras são
criadas, a partir dos recursos de assonância (repetição de sons de vogais), rimas internas,
paralelismos (repetição de palavras ou frases), aliterações (repetição de sons de
consoantes)? Observe agora a forma do poema no papel, a disposição das palavras e o
modo como são grafadas (fonte, pontuação, tamanho dos versos). Repita várias vezes,
em voz alta, depois tente gravar com o celular a vocalização do poema (pode inserir
musicalidade, se quiser, entoando-o do seu jeito). Ouça o áudio e depois dance esse
poema, do modo como seu corpo reagir naturalmente aos sons. Que movimentos esses
sons sugerem? (Movimentos contínuos? Deslizantes? Amplos? Circulares?)
*Manuel Bandeira
A) Sugestão de exercício de percepção sonora
1. Antes de tudo, vamos repetir juntos várias vezes, sem parar: “a onda, a onda, a onda,
a onda...”(+-30segundos). Agora, vamos colocar a ênfase da voz o “o”: “a ôonda, a
ôonda, a ôonda...”.
3. Dividindo a turma em quatro, um quarto grupo fará “a ôonda” bem devagar, sempre
retidas vezes, um quarto fará “anda” rápido, um quarto falará “aonde? aonde?” e o
último grupo falará “a onda, a onda”. Procurar manter o máximo de concentração e
repetir pelo menos um minuto, registrando em áudio a experiência. Você pode pedir a
dois voluntários que registrem com seus celulares, para posteriormente rodar o material
e conversar sobre o resultado.
O rato Roque
O rato Roque
roque, roque
Rói o queijo
roque, roque
Rói a cama
roque, roque
O pé da mesa
roque, roque
Rói o pão
roque, roque
O coração
roque, roque
De Tereza
roque, roque
Rói o tempo
roque, roque
Rói a hora
roque, roque
E o vestido
roque, roque
De Maria
roque, roque
Rói a rua
roque, roque
Rói o beijo
roque, roque
Rói a lua
roque, roque.
*Sergio Capparelli
C) Sugestão de exercício de percepção sonora
Um exercício muito simples, e que funciona bem com diversos tipos de grupos,
é o de falar em uma língua inventada. Cada um criará a sua, com os sons que julgar
adequados. Conversar uns com os outros em línguas que não existem – não vale a
“língua do p”, nem usar palavras que fazem sentido. Exemplo:
- Jutur quá!
Uma progressão possível para esse exercício é a de propor a criação e vários tipos
de línguas: uma em que se fale com muitos “m” e “n”, uma em que se fale sempre com
“p” e “t”, outra em que se use abundantemente “v” e “f”, etc.
D) Sugestão de exercício de percepção sonora / rima
Brincar também a mesma brincadeira com outras rimas, das mais fáceis às mais
difíceis: em “ar”, em “er”, em “uz”, em “is”.
Notem que essas são atividades práticas de fruição dos sons das palavras.
Utilizamos práticas de sensibilização, experiências coletivas de vocalização e de escuta
para um aprendizado concreto dos recursos sonoros da linguagem. O melhor resultado
reside na percepção, e não necessariamente no entendimento racional (por
explicações).
Rima / dicas e sugestões
Quanto à rima, é importante observar que ela não precisa estar sempre no final
do verso. Outra sugestão de exercício criativo envolvendo rima é a de criar um poema
que tenha a seguinte estrutura: a palavra que inicia cada verso, a partir do segundo
verso do poema, irá rimar com a palavra que termina o verso anterior. Usar,
preferencialmente, versos breves, não muito longos. Ler em voz alta e procurar
observar se o poema tem o ritmo de um galope. Não é necessário manter a mesma
rima em todos os versos e inícios de versos, desde que o verso sempre inicie repetindo
o som do final do verso anterior.
Trem de ferro
Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força
(trem de ferro, trem de ferro)
Oô...
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
Da ingazeira
Debruçada
No riacho
Que vontade
De cantar!
Oô...
(café com pão é muito bom)
Quando me prendero
No canaviá
Cada pé de cana
Era um oficiá
Oô...
Menina bonita
Do vestido verde
Me dá tua boca
Pra matar minha sede
Oô...
Vou mimbora vou mimbora
Não gosto daqui
Nasci no sertão
Sou de Ouricuri
Oô...
Vaou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente...
(trem de ferro, trem de ferro)
*Manuel Bandeira
Comparar os dois poemas acima. Ambos fazem com palavras o barulho do trem. Quais
versos Manuel Bandeira usa para nos passar a ideia de uma locomotiva em movimento? E quais
Mario Quintana usa? (Respostas possíveis: Manuel Bandeira sempre repete o mesmo verso, ex.:
“Pouca gente/Pouca gente/Pouca gente”; e Mario Quintana também usa repetições ex.: “É
preciso partir/é preciso chegar/é preciso partir/é preciso chegar”).
Agora, vamos criar as nossas próprias palavras para expressar diferentes sons:
*de uma construção
*de um avião partindo
*de uma avenida no centro da cidade
*da beira da praia
*de uma floresta densa.
E) Sugestão de exercício / melopeia (aliteração)
Observe: “Debussy” é o nome de um compositor francês. Você pode mostrar uma das
músicas mais famosas dele, Clair de Lune, para complementar a leitura do poema.