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Sobre a governante

Dilma Vana Roussef nasceu em 14 de dezembro de 1947 em Belo Horizonte/MG.


Filha do meio de uma professora e um imigrante búlgaro, Dilma iniciou seus estudos
em um colégio tradicional católico e seu ensino médio em um colégio estadual,
iniciando sua vida política em 1964, aos 16 anos, na luta contra a Ditadura Militar,
pela qual foi perseguida, passando quase três anos (1970 a 1972) detida no presídio
Tiradentes em São Paulo, por “subversão”.
Quando fica livre da prisão, Dilma se muda para Porto Alegre, onde retoma os
estudos de Economia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e em 1975
Dilma começa a trabalhar na Fundação de Economia e Estatística (FEE), um órgão do
governo gaúcho. Em 1979 dedica-se na campanha de Anistia e, com o seu marido,
ajuda a fundar o Partido Democrático Trabalhista no Rio Grande do Sul. Após isso, se
envolve assessoria de bancada do partido e, em 1986, é escolhida pelo então prefeito
de Porto Alegre, Alceu Collares, para ocupar a secretaria da Fazenda de seu governo.
Com a volta da democracia, Dilma trabalha na campanha do candidato do PDT
Leonel Brizola para a Presidência da República e, no segundo turno, apoia Luís Inácio
Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), para o cargo. Em 1990, Dilma
ocupa a Presidência da FEE, e, em 1993, co a eleição de Collares para o governo do
estado do Rio Grande do Sul, ela é chamada para ocupar a secretaria de Energia,
Minas e Comunicação do estado. Em 1998, uma aliança entre PDT e PT elege Olívio
Dutra para governador do Rio Grande do Sul, e Dilma ocupa mais uma vez a mesma
secretaria, fazendo um trabalho notável e deixando a unidade federativa ser uma das
poucas que não sofreram racionamento de energia em 2001.
Em 2000 Dilma filia-se ao Partido dos Trabalhadores e em 2002 é chamada para
integrar a equipe de transição entre o governo Fernando Henrique Cardoso e o recém
eleito governo Lula e, depois, integra este na pasta de Minas e Energia. Entre 2003 e
2005, comanda uma reformulação no setor, além de presidir o Conselho de
Administração da Petrobrás. Em 2005, é indicada por Lula para comandar a o
ministério da Casa Civil e, com isso, assume a coordenação de projetos como o
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Minha Casa, Minha Vida, entre
várias outras contribuições que fez ao governo Lula.
Em 2010, Lula e Dilma promovem a segunda fase do Programa de Aceleração ao
Crescimento, o chamado PAC 2, e em abril do mesmo ano ela deixa o governo para se
candidatar à Presidência da República pelo Partido dos Trabalhadores, sucedendo seu
companheiro Lula. No dia 31 de outubro de 2010, após o segundo turno, Dilma
Rousseff é eleita a primeira mulher Presidenta da República Federativa do Brasil, com
uma maioria de quase 56 milhões de votos.
Com um governo marcado por diversas crises econômicas e políticas, além do
combate à corrupção, liderada pela operação Lava-Jato, Dilma consegue se reeleger
em 2014, porém, em 2016, foi afastada de seu cargo por denúncias de crime de
responsabilidade, resultando em um processo de impeachment contra a então
Presidenta.

“O príncipe” e a princesa herdeira

A obra “O príncipe”, do italiano Nicolau Maquiavel, lançado em 1532, já se


tornou, há muito, um clássico literário mundial. Nele, o autor ensina como um
governante deve se comportar se almeja manter-se no poder, e, mesmo tendo sido
publicado séculos atrás, permanece, ainda muitíssimo atual. Nesse sentido, é cabível
fazer uma análise do governo Dilma Roussef sob a ótica d’O príncipe.
Logo no início de sua obra, Maquiavel diz que existem dois tipos de príncipes, ou
seja, dois tipos de governantes: os novos e os herdeiros, os primeiros seriam aqueles
que conquistam uma nova terra e a reivindicam, já os segundos são aqueles que
recebem seu cargo a partir de forma hereditária. Dessa forma, de modo análogo,
pode-se dizer que Dilma seria uma espécie de “princesa herdeira”, visto que ela não
precisou construir sua imagem do zero, não precisou conquistar aquele público, ele já
existia, e só foi repassado para ela por Lula, o seu antecessor, pois, como afirma
Martins (2013, p. 14), “Dilma era uma espécie de versão feminina de Lula”.
Desse modo, pode-se perceber que o governo de Dilma foi algo bem atípico, pois,
para Maquiavel as dificuldades em manter um Estado herdado são consideravelmente
menores que as sofridas por príncipes novos, porque:
basta não preterir a ordem sucessória da estirpe e contemporizar com os
imprevistos, de modo que, se tal príncipe for dotado de um engenho mediano,
sempre se manterá no poder, a menos que uma força desmedida e excessiva o
prive dele; e, uma vez privado de seu Estado, ao primeiro revés sofrido pelo
usurpador, logo o reconquistará. (MAQUIAVEL, Nicolau, 2010, p. 28).
Dessa forma, é possível visualizar que Maquiavel tinha um claro entendimento
sobre como a política funciona, pois foi exatamente isto que ocorreu. Logo no seu
primeiro mandato, Dilma teve que enfrentar uma falta de fortuna, como diria o
filósofo italiano, pois havia acabado o chamado “boom das commodities”, que
auxiliou financeiramente o Brasil durante o governo Lula. Assim, o Brasil entrou em
uma grave crise econômica, e com isso vieram vários desafios para a princesa.
Um dos desafios apresentados à Dilma foi o de assegurar a continuidade de uma
economia forte como foi a de Lula, porém, por conta da crise, ela teve de escolher
entre manter o compromisso com o superávit e a inflação ou promover uma política
fiscal anticíclica por conta da recessão, entretanto, a princesa herdeira não soube
tomar um partido, optando, assim, por decisões ambíguas, que hora se adaptavam ao
primeiro, hora ao segundo. Na obra de Maquiavel ele fala que “príncipes irresolutos,
para fugir de iminentes perigos, seguem o mais das vezes a via da neutralidade - e o
mais das vezes se arruínam.” (2010, p. 80), ele fala isso prioritariamente referindo-se
a guerras, porém, pode-se fazer uma analogia à tomada de decisões em geral, e, no
caso de Dilma, foi justamente sua “neutralidade” que a levou ao fracasso, como
explica Gentil e Hermann:
No esforço de conciliar os dois objetivos, o governo acabou por adotar uma
política fiscal ambígua, que contemplava tanto ações expansionistas (em
alguns itens de gasto e tributos) quanto restritivas (em outros). Essa
ambiguidade se fez notar tanto na política de gasto público, quanto na falta de
coordenação entre esta e a política tributária. (GENTIL & HERMANN, 2017,
p. 22)
Por conseguinte, devido à má gestão econômica, a princesa herdeira teve de lidar
com adversidades com os demais políticos e as lideranças, porém, ela não possuía
paciência necessária para isto, o que, segundo Prando (2016, p. 15), a deixou isolada
no governo, e segundo Maquiavel um príncipe nunca deve ficar nessa posição, pois
dessa forma pode ser facilmente. Aliado a isto, pode-se afirmar que Dilma também
perdeu apoio popular ao realizar políticas contrárias ao que havia prometido em sua
campanha, indo novamente de encontro com o que Maquiavel fala, quando diz que
um príncipe deve sempre manter sua palavra para transparecer confiança e só deve
não o fazer quando a outra parte do acordo se mostrar corrupta, porém, como a outra
parte do acordo era o povo brasileiro, acredito que esta exceção não possa ser
encaixada aqui.
Ademais, também por conta da crise, a princesa precisou tomar certas decisões
que iam contra as vontades dos poderosos, como de “fixar preços, regular e controlar
a atividade privada, estatizar setores estratégicos” entre outros (SINGER, 2015, p. 66).
Desse modo, Dilma conseguiu inimigos fortíssimos 1, que estavam empenhados em
desfazer essas decisões o que, para Maquiavel, é algo perigosíssimo para um príncipe,
pois, segundo o pensador, só se devia ter como inimigos aqueles que você pudesse
combater, e não era o caso da nossa princesa.
Outrossim, um outro exemplo pode ser o combate à corrupção: a princesa
herdeira, receosa por ter perdido o apoio do povo, promove um ostensivo combate à
corrupção em seu governo, entretanto, em retaliação, os políticos decidem agir contra
ela, negando suas decisões na Câmara e no Senado, e minando seu apoio político, o
que levou ao eventual processo de impeachment da princesa e, consequentemente, à
perda de seu poder. Nesse caso, há mais um erro de Dilma segundo Maquiavel, pois
um príncipe deve saber conciliar os poderes e mediar a situação, não devendo
favorecer demais.
Enfim, existem centenas de exemplos em que se pode vincular o governo Dilma
(e qualquer outro governo, tanto do Brasil quanto do exterior) à ilustre e primordial
obra de Nicolau Maquiavel, porém este estudo irá se manter apenas nestes poucos
pontos, pois, para elencar todos os possíveis, seria necessário uma obra gigantesca, o
que não é possível no momento.

Referências
GENTIL, Denise; HERMANN, Jennifer. A política fiscal do primeiro governo
Dilma Rousseff: ortodoxia e retrocesso. Econ. soc., Campinas , v. 26, n. 3, p.
793-816, Dec. 2017 . Available from
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-06182017000300793
&lng=en&nrm=iso>. access on 12 Oct. 2020.
https://doi.org/10.1590/1982-3533.2017v26n3art9.
MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. 1. ed. [S.L]: Penguin Companhia, 2010.
105 p. Tradução feita por Luiz A. de Araújo.
MARTINS, JOYCE MIRANDA LEÃO. Dilma Rousseff: vestígios da construção
de uma candidata. In: 5º Congresso da Associação Brasileira de Pesquisadores em
Comunicação Política. 2013. p. 8-10.
PIRES, Teresinha Maria de Carvalho Cruz. A construção da imagem política de
Dilma Rousseff como mãe do povo brasileiro. Revista Debates, v. 5, n. 1, p. 139,
2011.
PRANDO, Rodrigo Augusto. Política e estilos de liderança: FHC, Lula e
Dilma. Transversal, São Paulo.
SINGER, ANDRÉ. CUTUCANDO ONÇAS COM VARAS CURTAS: O
ENSAIO DESENVOLVIMENTISTA NO PRIMEIRO MANDATO DE DILMA
ROUSSEFF (2011-2014). Novos estud. CEBRAP, São Paulo , n. 102, p. 39-67,
July 2015 . Available from
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002015000200039
&lng=en&nrm=iso>. access on 12 Oct. 2020.
https://doi.org/10.25091/s0101-3300201500020004.

1
Ao definir o que torna um príncipe odiado, Maquiavel diz que “[...] o mais importante é abster-se dos bens
alheios, pois os homens se esquecem com maior rapidez da morte de um pai que da perda do patrimônio.” (2010, p.
66), e foi justamente esse o pecado de Dilma, fez diminuir o patrimônio de alguns

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