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Pré-Aquecimento na

Soldagem dos Aços


Marcello Ferrari

Marcello Ferrari

Engenheiro de Materiais & Soldagem Sênior - Inspetor de Soldagem Nível 2


Publicado em 1 de dez. de 2022
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Quando o pré-aquecimento é necessário na soldagem? Qual


é a sua importância? Como determinar a temperatura mais
adequada? Como deve ser aplicado corretamente?

Neste artigo eu vou falar um pouco sobre esta etapa, muitas


vezes crucial,  para se alcançar o sucesso na soldagem de uma
junta de aço.

Qual é a finalidade do pré-aquecimento na soldagem dos


aços?

A maioria dos metais e suas ligas são bons condutores de calor.


Consequentemente o calor na região de soldagem é
rapidamente escoado por toda a massa envolvida no processo,
acarretando um resfriamento relativamente rápido. Em alguns
metais esse resfriamento rápido pode contribuir para a
formação de microestruturas prejudiciais na junta soldada: é o
caso dos aços estruturais e de baixa-liga. O pré-aquecimento
da junta a ser soldada é uma maneira de reduzir a taxa de
resfriamento do metal. O pré-aquecimento aumenta a
temperatura do metal adjacente à solda, de tal modo que o
gradiente de temperatura (isto é, a diferença de temperatura)
entre a solda e sua vizinhança seja reduzido. O resultado é que
a junta soldada se resfria mais lentamente, visto que a taxa de
resfriamento é diretamente proporcional ao gradiente de
temperatura entre as massas quente e fria

O efeito da aplicação do pré-aquecimento na redução da taxa


de resfriamento a partir de 300°C pode ser evidenciado pela
aplicação da Equação de Rosenthal para a condição de
escoamento do calor tridimensional. 

Considerando-se os dados abaixo tem-se que:

k = 35 J/m.s.°C, condutibilidade térmica do aço; I = 127 A,


corrente; U = 27 V, tensão v = 32 cm/min = 5,3.10-3 m/s,
velocidade de soldagem; Ɛ = 0,85, eficiência do arco (FCAW); T
= 300° C

Observando-se os resultados obtidos, fica claro o efeito da


temperatura de pré-aquecimento no sentido de se reduzir a
taxa de resfriamento.

Durante a soldagem de aços-carbono e de baixa-liga há a


possibilidade de que o metal de solda e a zona afetada pelo
calor (ZAC) contenham altos percentuais de martensita, um
microconstituinte de elevada dureza e baixa ductilidade,
indesejável nos aços para fins estruturais, pois aumenta de
forma significativa o risco de ocorrência de trincas.

A martensita forma-se durante o resfriamento da solda e da


zona afetada pelo calor (ZAC). A quantidade de martensita
formada pode ser limitada reduzindo-se a taxa de resfriamento
da junta soldada.

É possível, por meio de diagramas (CCT) , determinar a


porcentagem das fases formadas durante a soldagem e, deste
modo, determinar a taxa de resfriamento desejada e a
temperatura de pré-aquecimento. Entretanto, para fins práticos,
é usual empregar tabelas com as recomendações dos Códigos.
Outro problema é que uma possível ZAC endurecida torna-se
mais susceptível a trincas induzidas por hidrogênio. (TIH) – ver o
artigo que eu escrevi a esse respeito deste assunto no Linkedin.
Neste sentido, o pré-aquecimento também auxilia no sentido
de favorecer a expulsão do hidrogênio difusível da solda para a
atmosfera.

Assim, podemos citar as razões primárias do pré-aquecimento:

1.°) reduzir a taxa de resfriamento no metal de base e de


solda favorecendo a formação de estruturas metalúrgicas
mais dúcteis e resistentes a trincas – quanto menor a dureza
da ZAC menor a probabilidade de ocorrerem trincas a frio
(TIH);

2.°) temperaturas mais elevadas favorecem a expulsão do


hidrogênio difusível para a atmosfera reduzindo assim a
tendência de trincas a frio (Trinca Induzida pelo Hidrogênio
- TIH)

Além disto, pode-se citar também como um efeito benéfico a


redução das tensões de contração no metal de solda e metal de
base adjacente, o que é especialmente interessante para juntas
com elevados graus de restrição.

Como determinar a temperatura de pré-aquecimento?

O primeiro passo para tal é conhecer a composição química do


metal de base.

Basicamente quanto maior for o teor de carbono do material


de base, maior será a temperatura de pré-aquecimento
requerida. Esse raciocínio também se aplica ao teor elementos
de liga.

Um método simples para determinar a necessidade de pré-


aquecimento de uma junta soldada é o do carbono equivalente
(CE). A temperabilidade de um aço está relacionada ao seu teor
de carbono acrescido dos teores de certos elementos de liga.
Quanto maior for o carbono equivalente maior será a
temperatura de pré-aquecimento requerida.

Uma equação para o carbono equivalente, largamente utilizada,


é dada pelo International Institute of Welding - IIW.

Outro fator importante para se determinar a temperatura de


pré-auecimento é a espessura do componente. De um modo
geral, quanto maior a espessura, maior é a temperatura de
pré-aquecimento, até um certo limite. De fato, esta função
pode ser representada por uma tangente hiperbólica e assim a
partir de uma determinada espessura o acréscimo na
temperatura é desprezível.

A título de exemplo (digo isto pois existem outras abordagens)


é mostrado aqui uma tabela de temperatura de pré-
aquecimento mínimas recomendadas para a soldagem de aços-
carbono e carbono-manganês extraída da norma N-133 da
PETROBRAS. Pela análise desta tabela nota-se a influência das
variáveis carbono equivalente e espessura. É interessante
observar que nesta tabela é utilizado o termo “espessura
calculada”, o que é bastante apropriado, visto que uma junta
em T é muito mais eficiente em escoar o calor do que uma junta
de topo. Nos desenhos são mostradas as fórmulas para a
“espessura calculada” de acordo com a configuração da junta.
Apesar de muitas vezes as tabelas dos Códigos mostrarem
baixas temperaturas de pré-aquecimento (por exemplo 10°C)
para espessuras mais finas de certos materiais, a boa prática diz
que mesmo assim deve ser realizado o pré-aquecimento, neste
caso apenas com a finalidade de remover a umidade da chapa
ou tubo antes da soldagem. Outro detalhe interessante que
deve ser observado é que para uma soldagem realizada em
condições climáticas inclementes (ex.: inverno na Rússia –
temperaturas abaixo de - 50°C), uma temperatura de +10°C
representa um pré-aquecimento considerável.

E o que deve ser feito quando a temperatura de pré-


aquecimento mínima recomendada pelos Códigos se
mostrar inadequada?

Como foi comentado aqui, as tabelas de temperaturas mínimas


de pré-aquecimento exigidas por alguns Códigos (ex.: AWS D.1)
levam em consideração apenas a composição química do metal
de base e a faixa de espessura. Entretanto, isto não quer dizer
que tais temperaturas serão sempre suficientes e adequadas
para uma dada aplicação. Existem outros fatores que as vezes
também precisam ser considerados, tais como: grau de
restrição da junta e teor de hidrogênio difusível do
consumível. O próprio Código AWS D1.1 prevê este tipo de
situação, e no Anexo G intitulado Guideline on alternative
Methods for Determining Preheat, são dadas as diretrizes para
um cálculo mais completo e apurado da temperatura de pré-
aquecimento, levando em consideração estes fatores.

Mesmo se, após a aplicação deste métodos alternativos a


temperatura de pré-aquecimento se mostrar inadequada, pode
se fazer uso dos testes de soldabilidade para se determinar a
temperatura mais adequada.

Os testes de soldabilidade, com destaque ao CTS (Controlled


Thermal Severity), Tekken (Y-Groove Restraint Test), o de
restrição LEHIGH e o G-BOP, foram desenvolvidos para avaliar a
sensibilidade ao trincamento a frio de juntas soldadas. Tais
testes são padronizados pela norma ISO 17642-2.

O ideal, quando se trata de uma soldagem manual ou semi-


automática, é sempre empregar a temperatura mais baixa
possível de pré-aquecimento, para o conforto do soldador. Isto
pode ser obtido por meio do uso de consumíveis de baixíssimo
teor de hidrogênio difusível ( classe H4 : inferior a 4 ml/100 g de
metal de depositado ) e também aplicando-se altos aportes de
calor durante a soldagem. Claro que este balanço não é algo
simples, e deve ser analisado com extremo cuidado pelo
Engenheiro de Soldagem, mas o que eu gostaria de deixar claro
aqui é que sempre existem saídas para se mitigar um
problema. 

Considerações Finais

Uma pergunta interessante que poderia ser feita é a seguinte: o


pré-aquecimento na soldagem dos aços poderia ser
dispensado? Em tese, a resposta seria SIM, até porque segundo
a norma EN DIN 1011-2, a medida mais efetiva para se evitar a
trinca a frio é reduzindo o teor de hidrogênio difusível dos
consumíveis, o que combinado a altos aportes de calor durante
a soldagem, poderiam isentar a junta de ser pré-
aquecida. Entretanto, na maior parte dos projetos os Códigos
exigem que uma determinada temperatura mínima de pré-
aquecimento deve ser aplicada. Isto deve ser cumprido e ponto
final.

Outro questionamento recorrente é por que alguns aços


inoxidáveis, especificamente os austeníticos, não devem ser pré-
aquecidos antes da soldagem. A resposta é que a fase
predominante nestes aços é a gama (austenita) e não há
transformação de fase no estado sólido. Como o hidrogênio
apresentar grande solubilidade nesta fase, tais aços não são
susceptíveis a TIH. Deste modo o pré-aquecimento não é
requerido.

Por fim, eu gostaria de reforçar aqui a importância da técnica de


se pré-aquecer corretamente uma chapa ou tubo. O calor deve
ser distribuído de forma que seja evitado a formação de altos
gradientes de temperatura. Em outras palavras, o calor deve ser
distribuído de forma homogênea na superfície (e no volume) da
peça de modo que não ocorra a formação de regiões muito
quentes e outras muito frias o que colabora para a formação de
tensões residuais. Assim, não basta aplicar rapidamente o calor
na superfície da chapa por alguns minutos e depois de verificar
que o lápis está fundindo, interromper o pré-aquecimento.
TODA a seção da chapa deverá ser pré-aquecida! Tenha
paciência e faça a coisa certa!

Outra coisa importante é saber monitorar a temperatura. Muito


cuidado deve ser tomado com o uso de pistola de raios
infravermelhos. Lembre-se que a emissividade de superfícies
brilhantes (por exemplo superfícies usinadas) é muito maior e
assim certamente ocorrerá erros de leitura. Neste sentido, o uso
de lápis térmicos é muito mais confiável e aconselhado.

Bom, acho que por hoje é só. Até a próxima!

Marcello Ferrari, Eng.°, MSc.

Engenheiro de Soldagem Sênior - Inspetor de Soldagem Nível 2

Referências

Structural Welding Code – Steel: AWS D1.1/D1.1M. American


Welding Society, 2010.

NORMA Soldagem: N- 133, Revisão K. PETROBRAS. 2012


KOU, S. Welding Metalurgy. Second Edition. New Jersey: John
Wiley & Sons, 2003. 461p.

GRANJON, H. Les bases métallurgiques du soudage. Institut de


Soudure: editeur PSA, 2000. 233p

LANCASTER, J.F. Metallurgy of Welding. Sixth Edition.


Cambridge: Abington Publishing, 1999. 468p

STANDARD. Recommendations for welding of metallic


materials. Part 2: Arc welding of ferritic steels. English Version of
DIN EN 1011-2. Deutsche Norm, 2001.

STANDARD Destructive tests on welds in metallic materials –


Cold cracking test for weldments – Arc Welding Process – Parte
2: Self-restraint tests: ISO 17642-2. International Organization
for Standardization, 2005

PEREZ,R.C. A influência da temperatura de pré-aquecimento e


tecimento na microestrutura e propriedades mecânicas na
soldagem MIG/MAG robotizada de aços SAE 8620 com ABNT
LN28. Dissertação Mestrado - Faculdade de Engenharia,
Universidade Estadual Paulista. Bauru. 2007.

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