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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

DEPARTAMENTO DE LITERATURA - CURSO DE LETRAS


LITERATURA PORTUGUESA III; SEMESTRE 2020.2
PROFESSOR: Geraldo Augusto
ESTUDANTE: Yoná Feitosa Vieira e Weslley Sampaio Marreiro

ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS FRAGMENTOS (42), (45) E (71) DO LIVRO DO


DESASSOSSEGO DO SEMI-HETERÔNIMO DE FERNANDO PESSOA, BERNARDO SOARES.

O livro do Desassossego de Bernardo Soares, foi escrito em forma de prosa, se assemelhando a uma
espécie de diário pessoal devido seu caráter intimista e autobiográfico. É uma obra existencialista que
discorre sobre os males e anseios do monótono cotidiano do autor, evocando questões filosóficas e
psicanalíticas sobre si mesmo e a sociedade que o envolve.
Bernardo Soares é tido como um semi-heterônimo de Fernando Pessoa, pois, como este mesmo diz,
“não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou
eu menos o raciocínio e a afetividade.", sendo assim, o mesmo se difere das outras personas criadas
por Pessoa, pois sua personalidade se aproxima à do próprio autor.
Nestes três fragmentos da obra, são apresentados fortes traços de correntes filosóficas, como o
Niilismo de Nietzsche, ao passo em que retrata o estado humano em sua forma mais verdadeira,
expondo discriminadamente o marasmo de seu cotidiano, a insignificância das ideias e da esfera
tóxica em que a sociedade se encontra. Ao reduzir os sonhos e idealizações mundanos a nada, Soares
não se isenta disso, pelo contrário, a ciência de toda a problemática o coloca como antagonista e
coadjuvante dessa ode, no qual ao mesmo tempo em que o distancia mais ainda daqueles que vivem a
ignorância dos sentimentos carnais, o obriga a assumir o papel de um mero expectador sem aspirações
e desejos concretos, tornando-o tão vazio e insignificante quanto aqueles que julga. Esse sentimento
desperta uma ambiguidade dentro do autor, pois mesmo que reconheça o vazio e falta de propósito em
todas as coisas, não consegue evitar de invejar a ignorância daqueles que vivem sem pensar sobre
essas questões.
Ao longo dos três fragmentos analisados, tais características são desenvolvidas em meio às reflexões e
metáforas. No primeiro fragmento(42), Bernardo discorre sobre a monotonia e seu anonimato, ao
colocar-se como uma figura insignificante e sem vida, que nada faz para sair do estado de inércia em
que se encontra. Sua insignificância é tamanha, que nem a morte serviria como escape, uma vez que o
autor já se considera sem vida, como podemos ver no trecho “Não, nem com a morte. Quem vive
como eu não morre. acaba, murcha, desvegeta-se. O lugar onde esteve fica sem ele ali estar, a rua por
onde andava fica sem ele lá ser visto, a casa onde morava é habitada por não-ele.”,
Para ele, o afastamento dessa monotonia, é algo muitas vezes impossível por culpa do próprio ser, que
negligencia a necessidade de mudança. O niilismo é a característica predominante no fragmento,
ficando mais clara nos últimos parágrafos do texto, nos quais Bernardo faz clara alusão ao niilismo
quando fala sobre o seu discernimento sobre a vida associando-a ao nada, porém deixando claro que,
ele, como ser limitado não pode afirmar o que seria “nada”.
Enquanto o fragmento 42 explora o sentimento de impotência, o segundo fragmento (45) aborda a
forma como o eu-lírico vaga por um mundo onírico e acaba por se distanciar do mundo real, de
desejos e paixões inerentes ao homem vulgar. A partir da ausência de certos sentimentos, ele se
encontra em um estado de vazio, que se assemelha ao nada, já que não sente, não quer e não é; não
está nem feliz, nem triste, nem entediado, nem entusiasmado, apenas está. O autor relata como é viver
sempre à margem dos acontecimentos reais, preso aos seus próprios pensamentos túrbidos, que resulta
em um sentimento de desalento e de extremo cansaço. O sonho então, se torna não um lugar de alento
e aconchego, mas um estado de espírito no qual o autor passa a vida a sonhar acordado o que lhe
causa uma sensação de inadequação e de não pertencimento ao mundo real.
Por fim, no terceiro fragmento (71), Soares dá continuidade a essa existência introspectiva vista antes,
desenvolvendo mais a fundo a forma como se compara aos que elege como “vulgares”. Diferente dos
homens comuns, ele reflete a todo momento sobre a sua própria existência e tem clara consciência de
si e de seu ser, enquanto os ordinários apenas vivem sem se preocupar com o que move a sua própria
existência. Esse fragmento é essencialmente existencialista com traços positivistas, pois o eu-lírico
reflete sobre o sentido da vida e a responsabilidade que tem por ser capaz disso, enquanto os outros
podem usufruir dela sem questionar sobre seu propósito. O autor acredita que a verdade sobre a vida
só pode ser alcançada por intermédio da ciência ao distanciar-se dos sentimentos e praticidades do
mundo empírico. Ao colocar-se em contraste ao homem vulgar, Soares nota que está desligado da
realidade, pois, tendo consciência do vazio da vida, é incapaz de usufruir da plenitude advinda de uma
vida leiga, divergentemente dos homens comuns que, ao seu ver, são mais reais que o próprio.

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