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ISSN: 2525-8761
DOI:10.34117/bjdv7n2-032
RESUMO
Em meio à crescente cultura do uso abusivo e indiscriminado de exames, procedimentos
e tratamentos, surgiu a iniciativa Choosing Wisely ("escolhendo com sabedoria" em
tradução literal), a qual tem o intuito de evitar a realização de condutas desnecessárias
nos serviços de saúde e, assim, melhorar a qualidade da assistência. O presente artigo tem
por objetivo discutir a aplicação dessa campanha no contexto da saúde a partir de uma
revisão narrativa de literatura. Por ser uma proposta ainda recente no mundo e no Brasil,
profissionais de saúde podem se mostrar receosos quanto à aplicação das orientações,
devido à associação feita pelos pacientes entre a solicitação de exames e ter um bom
atendimento em saúde. Para isso, deve-se realizar programas de educação de profissionais
de saúde, com o intuito de demonstrar que as orientações criadas pela iniciativa são
benéficas tanto para o sistema de saúde, quanto para os usuários, uma vez que são
recomendações embasadas em evidências de qualidade.
ABSTRACT
In the context of the growing culture of abusive and indiscriminate exams, procedures
and treatments requests, the Choosing Wisely initiative emerged, which aims to prevent
unnecessary conduct in health services and thus improve the quality of care. This article
aims to discuss the application of this campaign in the context of health based on a
narrative literature review. Because it is still a recent proposal in the world and in Brazil,
health professionals may be afraid of applying the guidelines, due to the relation made by
patients over requesting tests and having good health care. To this end, education
programs for health professionals must be carried out, in order to demonstrate that the
guidelines created by the initiative are beneficial both for the health system and for users,
since they are recommendations based on quality evidence.
1 INTRODUÇÃO
Os gastos com saúde pública têm crescido nos últimos anos, mais especificamente
4% ao ano entre 1995 e 2016 (CHANG, et al., 2019), no entanto, é comum observar o
mau uso dos recursos e o desperdício com procedimentos considerados desnecessários no
sistema de saúde (MENDONÇA et al., 2020). Segundo um estudo realizado pelo Instituto
de Estudos de Saúde Suplementar, considerando-se os dados sobre os gastos em saúde no
ano 2015, divulgados pela Agência Nacional de Saúde (ANS), 40% dos pedidos de
exames laboratoriais são considerados desnecessários, o que representou cerca de 10
bilhões de reais (LARA et al., 2017). Por sua vez, a Organização Mundial de Saúde
anunciou que até 40% dos gastos com saúde no mundo são desperdiçados por ineficiência
(OMS, 2010).
A iniciativa Choosing Wisely (“escolhendo com sabedoria”), criada pela
American Board of Internal Medicine, tem como finalidade evitar a realização de exames,
procedimentos e tratamentos desnecessários (MALIK e OLIVEIRA, 2017). A
necessidade de sua criação decorreu da crescente cultura do uso excessivo e
indiscriminado de determinadas condutas (Choosing wisely UK, 2018). Desde 2011, essa
iniciativa vem crescendo como forma de melhorar a qualidade dos serviços de saúde. Para
tanto, busca-se reduzir procedimentos médicos adotados que não possuem embasamento
em evidências científicas (MESQUITA, 2015).
Primariamente, seu objetivo não é racionalizar recursos, mas melhorar a qualidade
da assistência, que deve ser sempre embasada em evidências, aumentando a probabilidade
de benefício e reduzindo o risco de malefício à saúde dos indivíduos (LAGUARDIA et
al., 2016). A campanha propõe uma redução amparada por avaliações de sociedades de
especialidades médicas dos procedimentos - sobretudo exames, tratamentos e
intervenções - que agregam pouca ou nenhuma melhoria aos desfechos, e que aumentam
os custos para o sistema de saúde. Partindo disso, foram desenvolvidas recomendações,
listando-se quais procedimentos são considerados desnecessários dentro das mais
diversas áreas médicas (HUDZIK et al., 2014).
Dessa forma, o presente trabalho objetiva discutir a aplicação da iniciativa
Choosing wisely no contexto da saúde.
2 MATERIAL E MÉTODOS
O presente artigo se trata de uma revisão narrativa de literatura, com busca de
referências nas bases de dados PubMed e Scielo, utilizando-se a seguinte combinação de
termos: ["choosing wisely" AND "overdiagnosis" AND "overtreatment"] OR ["decision
making" AND "overdiagnosis" AND "overtreatment"], compreendendo os anos de 2012
a 2020. Foram identificadas 74 publicações, sendo 14 destas selecionadas para discussão
segundo o objeto de interesse.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A campanha Choosing Wisely foi lançada em 2012 nos Estados Unidos, a partir
da parceria entre três organizações médicas americanas e europeias. A ideia surgiu
baseada em discussões sobre a manutenção de princípios éticos e sociais na medicina
durante a nova era moderna, incluindo não apenas os princípios básicos de beneficência,
autonomia e justiça, mas também de distribuição adequada de recursos finitos na saúde,
evitando-se exames e procedimentos supérfluos (BORN & LEVINSON, 2019).
O projeto, que atualmente contempla mais de 40 organizações e cerca de 20
países, tem como objetivo principal minimizar o uso excessivo de recursos na área da
saúde e, assim, reduzir o risco ao paciente (HUDZIK et al., 2014; MENDONÇA et al.,
2020). As Sociedades Médicas são convidadas a apontar entre cinco e dez condutas
médicas utilizadas, mas que, no entanto, não são suportadas por evidências científicas,
que não estão livres de danos ao paciente ou que não são necessárias e, portanto, não
deveriam ser adotadas (LAGUARDIA et al., 2016).
Exemplos de orientações incluem: i) contra-indicação à prescrição de
medicamentos com preços mais altos se houver medicação igualmente efetiva de mais
baixo custo; ii) não prescrição de antibióticos para tratamento de otite média em crianças
de 2 a 12 anos com sintomas leves e passíveis de observação; iii) evitar estudo por
imagem em lombalgias com menos de 6 semanas de duração e sem sinais de alerta
(disponível no sítio www.choosingwisely.org/doctor-patient-lists, acesso em jan,
2021).
A Sociedade Americana de Clínica Oncológica e a Academia Americana de
Médicos de Família, em suas listas de recomendações da Campanha Choosing Wisely,
desaconselham o rastreamento de rotina para câncer de próstata com dosagem de PSA
(antígeno específico da próstata). Este é um exemplo em que pode ser questionado o
benefício ao paciente, uma vez que valores elevados não significam necessariamente a
presença de câncer e valores normais ou baixos não excluem a sua ocorrência. Estima-se
que o exame detecta apenas 3,8% dos casos de câncer de próstata. Ademais, esse tipo de
câncer tem um crescimento muito lento, sendo mais comum pacientes morrerem com ele,
do que morrer devido a ele (CHOOSING WISELY, 2021). A utilização desse exame tem
maior benefício quando solicitado após tratamento do câncer, pois o aumento rápido dos
seus valores pode indicar retorno da doença (RICHARD, 2010).
Outra aplicação da iniciativa é no controle do uso de medicamentos em pacientes
com dor crônica, cuja recomendação atual é de que se esgotem os recursos não
farmacológicos e com drogas não opióides antes de iniciar a terapia com opióides. Essa
recomendação se baseia em evidências de que opióides oferecem melhora pouco
significativa na dor crônica quando comparada aos seus efeitos adversos (KAHAN,
2018).
Por se tratar de uma iniciativa recente, ainda há poucos relatos na literatura acerca
da sua aplicação prática e de seus desfechos no contexto de saúde, sobretudo no Brasil.
Um dos receios por parte dos profissionais de saúde sobre a aplicação do programa é o
entendimento de que os pacientes se mostrem resistentes em aceitar a prescrição de um
menor número de procedimentos diagnósticos e/ou terapêuticos (VIEIRA et al., 2018),
devido à associação feita pelo indivíduo entre a solicitação de exames e ter um bom
4 CONCLUSÃO
A participação orientada de médicos e pacientes, amparada por decisões baseadas
em evidências e por escolhas com discernimento acerca da utilização dos recursos
disponíveis tem papel primordial no sucesso das ações de educação em saúde, visando a
redução de procedimentos desnecessários, que trazem pouco ou nenhum benefício ao
paciente. A iniciativa Choosing Wisely é bastante recente, de forma que seu benefício
sobre a gestão de recursos ainda é incerto, porém promissor.
O site da campanha traz um espaço de busca com um banco completo de
recomendações já feitas pelas sociedades, objetivando informar tanto profissionais da
área da saúde, quanto usuários. Com isso, pacientes e familiares podem ter mais uma
forma de acesso à informação, encorajando questionamentos aos procedimentos que
serão realizados e facilitando o processo de escolha e adesão às condutas.
Vale destacar que os artigos publicados utilizando-se a ideia da campanha são
compilados e lançados anualmente no site oficial, evidenciando o crescimento do projeto
e trazendo novas perspectivas para a implementação do projeto em âmbito mundial.
REFERÊNCIAS
BORN, Karen B.; LEVINSON, Wendy. Choosing Wisely campaigns globallys: A shared
approach to tackling the problem of overuse in healthcare. Journal of General and Family
Medicine. v.20, n.1, p. 9-12, jan., 2019.
GUSMAO, Marilia Menezes; MENEZES, Marta Silva; AGUIAR, Carolina Villa Nova;
LINS, Liliane; LADEIA, Ana Marice; CORREIA, Luis Cláudio. Perception of cost-
consciousness among medical students: an 11-item scale. Inter J H Educ, v. 2, n. 1, p. 66-
72, out., 2018.
MALIK, Ana Maria; OLIVEIRA, Martha Regina. As escolhas são do paciente? In:
OGATA, Alberto José Niituma (org.). Temas avançados em qualidade de vida – Volume.
Londrina: Midiograf, 2017. Disponível em
<http://www.ans.gov.br/images/stories/Plano_de_saude_e_Operadoras/Area_do_consu
midor/sua_saude/projeto_sua_saude_as_escolhas_sao_do_paciente.pdf> Acesso em: 16
de set. de 2020.
RICHARD, J. Ablin. The Great Prostate Mistake. The New York Times, mar., 2010.