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O processo de construção do Estado no Brasil, ao longo do século XIX, revela que as elites
políticas do jovem país tinham por prática enunciar seus interesses particulares como se
fossem nacionais. Chama atenção a mobilização do medo do “Haitianismo”, que servia
como dispositivo recorrente de comunicação intra-elites e como fator de reforço de pactos,
alianças e identidade racial (branca) entre seus diferentes setores, quando situações de
crise e instabilidade poderiam ameaçar o sistema de poder em construção. A frequente
alusão ao “grande perigo” de ver repetidos no Brasil as cenas violentas da Revolução
Haitiana trazem à tona as antinomias de uma elite política cuja aspiração modernizante de
construir um Estado liberal se chocava com o racismo que lhe era constitutivo e com a
necessidade prática de manter uma economia de exportação baseada no trabalho de
negros escravizados. A partir da análise de 40 jornais e episódios ocorridos durante debates
parlamentares travados entre as décadas de 1830 e 1840, argumenta-se que o nó górdio
formado por práticas repressivas, retórica racial, sensação de medo, políticas públicas e
exploração do trabalho marcou o Brasil em um instante fundacional, deixando legados que
podem ser percebidos na história política subsequente do país. Toma-se o Haitianismo,
assim, como uma manifestação da “colonialidade do poder” (QUJANO, 2005) à moda
brasileira. A hipótese sugerida é que o Haiti e sua “revolução negra” serviram como
referentes negativos em oposição aos quais as nascentes elites políticas brasileiras forjaram
sua representação privilegiada de identidade nacional: se o Brasil e os brasileiros não
nasceram prontos e, portanto, precisaram ser produzidos historicamente, essa produção
acabou servindo-se fartamente do temor haitianista como dispositivo delimitador dos
conflitos entre os diferente projetos políticos em disputa na elite imperial. As consequências
sociais, domésticas e exteriores, desta complexa operação histórica, sugere-se, fazem-se
sentir até os dias atuais.
1
1. Introdução
O Brasil não nasceu pronto, nem sua elite. É partindo desta premissa básica que o
presente trabalho busca indagar a respeito de determinados acontecimentos históricos, de
caráter político, que tiveram lugar durante o primeiro século de independência formal do país.
Dentre os processos que contribuíram para a formação nacional brasileira ao longo do
século XIX, destaca-se aqui um elemento recorrentemente encontrado nas narrativas e
debates que concorreram para a produção discursiva de sua jovem elite política: o
Haitianismo. Como veremos a seguir, ele foi um dispositivo de poder político-retórico
intensamente mobilizado pelos diferentes setores, partidos e variações regionais das elites
oitocentistas brasileiras. Trata-se de um conjunto de palavras novas no léxico político e de
um alerta nelas embutido, que pareciam conferir aos que deles se utilizavam de um maior
poder de argumentação e convencimento, uma vez que apelavam para um fenômeno a ser
evitado a qualquer custo pelas elites brasileiras, relegando suas eventuais desavenças
internas para um segundo plano de preocupações e disputas.
Como é sabido, o Haitianismo denota o medo dos proprietários e da população branca
em geral no Brasil com relação a uma possível repetição em solo nacional de uma revolução
bem-sucedida da população negra e escravizada (CARVALHO, 2014; MOTT, 1988;
SCHWARCZ & STERLING, 2015), como ocorrera entre 1791 e 1804, na ex-colônia francesa
de São Domingos, rebatizada como “Haiti” no momento de sua emancipação do jugo
colonial (BLACKBURN, 2006; DUBOIS, 2004; GEGGUS, 1997; JAMES, 1989). Tanto a
historiografia tradicional quanto os estudos históricos mais recentes fazem repetidas
menções ao Haitianismo das elites brasileiras (AZEVEDO, 2004; EISENBERG, 2004;
FREITAS, 1978; FREYRE, 2004; GOMES & SOARES, 2002; PRADO JR, 1979). Também é
possível encontrar com relativa facilidade exemplos diretos de mobilização política deste
medo em jornais de época e pronunciamentos disponíveis nos arquivos históricos da Era
Imperial brasileira (1822-1889). No entanto, nenhum estudo ou fonte primária informa sobre
o fim desta prática retórica, deixando-nos com um silêncio produtivo, que propicia
indagações sobre possíveis desdobramentos futuros.
Nas páginas que se seguem, destacaremos exemplos primários relevantes
encontrados em nossa pesquisa acerca deste dispositivo discursivo, a fim de compreender
como e para que agendas políticas ele foi efetivamente mobilizado entre 1831 e 1848,
período em que o Haitianismo era um dos tropos discursivos mais freqüentes no debate
político nacional. Em paralelo, sugere-se uma hipótese acerca dos efeitos de poder que tal
prática parece ter inscrito nas instituições de segurança do Estado brasileiro e no modo de
agir e tomar decisões de suas elites políticas, interna e externamente. Ao fim, indica-se
caminhos para a continuidade de pesquisas sobre o tema e a relevância que podem ter para
2
o estudo crítico das relações internacionais contemporâneas, em especial para a inserção
internacional do Brasil no século XXI.
Ainda que o editor deste periódico seja ligado ao partido Restaurador e mostre
ceticismo (e ironia) quanto às razões da Assembleia Provincial fluminense para decretar a
suspensão das garantias constitucionais, sua reclamação mostra o quão sérias eram tais
medidas. Até mesmo os membros das elites políticas e econômicas ligadas aos setores
mais conservadores do Império temiam a instrumentalização do medo haitianista como
1
Todos os documentos originais pesquisados tiveram sua grafia atualizada pelo autor para a norma vigente na
língua portuguesa hoje. Os originais podem ser consultados na página eletrônica da Hemeroteca Digital da
Biblioteca Nacional e serão citados aqui em notas de rodapé com as iniciais abreviadas. Ver:
http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/ (ultimo acesso, Julho 2017)
2
PA, nº27, 07/04/1835, p. 1 (negritos adicionados).
3
justificativa para abusos do poder estatal. Como vê-se, o mesmo jornal menciona um
“Parecer da Comissão d’Assembleia Provincial acerca do Haitianismo”, que fora
encaminhado ao Poder Executivo imperial na forma de uma ‘Mensagem ao Trono’ naquela
mesma data. Para tanto, o projeto tivera que ser aprovado em três discussões no plenário
da casa, até chegar à sua votação final, que lhe conferiu uma redação definitiva. Dos oito
artigos, destacam-se dois a seguir, que exemplificam o cerceamento seletivo de direitos
decorrente dos efeitos de poder do Haitianismo:
4
Liberais Moderados à frente do governo regencial e os Restauradores, “agentes do gabinete
inglês”, que estariam formando em conluio um “gabinete secreto” para disseminar rumores
de revoltas no Brasil, a fim de criar um clima de tensão que propiciasse o retorno de d.
Pedro I e a restauração de seu regime. Ou pelo menos desta forma vociferavam os editores,
em réplicas à inculpação de Haitianismo.
5
contrário preferem homens de outras Nações que longe de construir
edifícios públicos, e promover o nosso aumento de prosperidade, chegam a
ponto de mandar vir de seus países a própria comida já cozida, e a mesma
roupa lavada que vestem! São haitianos somente os que promovem a
divisão do Brasil, que o salpicam de sangue fratricida, que não desejam o
perdão de leves erros políticos, e pelo contrario querem que graves
atentados gozem de indulgência. Haitianos são unicamente esses
moderados que tem apregoado a licença em vez da liberdade, a discórdia
em lugar do patriotismo, e um sistema efêmero em vez de uma Monarquia
Representativa sólida e duradoura, que faça a felicidade dos povos. Estes
são os verdadeiros haitianos, que indiretamente conduzem as coisas ao
5
termo do Haitianismo.
5
PA, nº 27 de 07/04/1835, p.3 (negritos adicionados).
6
Ora, se todos os que nascem no Brasil são cidadãos , quer sejam ingênuos
ou libertos; se todo cidadão pode ser admitidos aos diversos cargos da
nação sem outra diferença que não seja dos seus talentos e virtudes, se a
lei é igual para todos, quer proteja, quer castigue, se são abolidos todos os
privilégios, os privilégios de casta, só sustentados os que estão ligados aos
cargos por utilidade pública; como senhores se proclama em boa fé
haitianismo no Brasil? Não se conhece pelo contrário mui palpavelmente
que o que não quer o nobre deputado pelo Rio Grande, e os que com ele
pensam, é a execução da constituição do país, feita no país e para o país?
E na sessão do dia seguinte:
Ontem, continua o orador, disse o nobre deputado que não se referia a mim,
que o nobre deputado pelo Ceará foi quem pôs este aparte na minha
cabeça. Senhores, eu não creio que sejamos tão inocentes, que hoje, na
época em que nos achamos de 1831 pra cá, quando se fala em
haitianismo, em sociedade haitiana, não se refira tudo isto a Meirelles. Se
pois eu acredito que não ofendi com o meu aparte ao partido do nobre
deputado, nem a indivíduo algum de que ele se compõe, e menos ainda ao
nobre deputado, como disse ele, que desforçando-me eu de semelhante
6
injúria, vim para esta casa com o ânimo deliberado de o atacar caluniar?
6
Anais do Parlamento Brasileiro, sessões de 27 e 28 de Junho de 1848, p. 282 e 241.
7
VB, nº 16 de 19/06/1835, p. 3.
7
haitiana, aparecem há tempos na Bahia e em Pernambuco, aonde contudo
o partido Moderado não é o que prepondera (...). Se o haitianismo é puro
invento da Moderação, para a eleição de Feijó, como explica a Novidade o
vosso voto na Assembléia Provincial? Como, os de muitos membros que
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nunca fizeram parte do partido Moderado?
É possível que o próprio Evaristo da Veiga tenha sido responsável pela cunhagem
do termo Haitianismo no Brasil, em 1831, durante uma reunião da Sociedade Defensora da
Liberdade e Independência Nacional, uma das muitas agremiações e clubes políticos,
secretos, públicos ou semi-abertos, freqüentados pela elite imperial brasileira. Esta é, pelo
menos, a suposição de outros atores políticos da época, que acusam o redator da Aurora
direta ou discretamente deste feito, como faz o editor d’A Malagueta em sua coluna “Dois
Mocinhos” de 25 de Fevereiro de 1832: “Custou pouco ao Redator do Independente copiar o
Padre Januário, e ainda menos custa, ao Sr. Evaristo declamar contra o Haitianismo que
ele mesmo promoveu, talvez sem querer”9. A intriga política envolvendo este dispositivo de
linguagem iria além de momentos de campanhas eleitorais, sendo usada também para
politicagem envolvendo nomeações de ministros e outros cargos estatais do Império, como
embaixadas. Com boa dose de racismo, o jornal liberal-exaltado A Mutuca Picante, do Rio
de Janeiro, insinua em sua seção de “BOATOS” que:
Há quem diga que o Sr. Batista Matraca será nomeado para tratar com as
Autoridades Africanas as condições com que admitirão os pretos que se
exportarem do Brasil, em conformidade com a Lei de Novembro de 1831.
O Haitianismo conhecido de S. Sª fará sem dúvida, que contentando-se,
para desempenho desta missão, com a ajuda, noutros tempos gramada,
não quererá aumentar com grande ordenado o peso, que já causa um
10
exército de Diplomatas, que povoam a Europa.
O quarto uso político do Haitianismo no Brasil imperial é talvez, um dos que mais
marcas pode ter deixado nas fundações históricas do país, pois trata da militarização e
“securitização” (WEAVER, 1995), dos conflitos e “dramas sociais” (FRAGOSO, 1981, p.33;
TURNER, 1995). Liga-se, portanto, com as práticas de mobilização do medo branco em
8
AF, vol. 8, nº 1034, de 01/04/1835, p. 1 (negritos adicionados, itálicos no original).
9
AM, nº 144, de 25/02/1832, p. 3. O Pão d’Assucar nº 27, de 07/04/1835 traz na página 2 a seguinte versão para
a origem do fenômeno que ora nos ocupa: “Tratava a Sociedade Defensora sobre medidas relativamente ao
Pará, quando apareceu um sócio requerendo que na circular às províncias se falasse no haitianismo. Este
requerimento por sua natureza era de grande importância, revolveu a coisa de todos os modos, e o haitianismo
ali se desenrolou em toda a sua extensão. Valha-nos Deus com tanto haitianismo! Entre todos os objetos
daquela Sessão, nada houve para nós mais maravilhoso como o que disse um Sócio indagando a origem do
haitianismo. Disse o nobre Sócio; que raivosos os Portugueses por haverem perdido o Brasil com a
independência deste; e que tendo perdido a esperança de o reaver tinham recorrido à mais atroz vingança para
com os Brasileiros, revoltando os Africanos contra os brancos; e acrescentou, que tanto sabia por lh’o haverem
dito dois mesmos Portugueses! Nós não assistimos à Sessão da Defensora, mas temos ouvido isto geralmente.
Custa crer que hajam homens que assim se expliquem! Não se pejou aquele Sócio da Defensora quando disse
que dois Portugueses lhe haviam dito que os Portugueses eram os fautores do haitianismo?! Será crível que
sendo bem conhecido o tal defensor por seus feitos moderados, dois Portugueses lhe dissessem tanto, quando
fosse verdadeira essa vingança?” (negritos adicionados).
10
MP, nº 10, de 17/10/1834, p.3 (negrito adicionado, itálicos no original).
8
função das supostas atrocidades que homens negros - fossem africanos ou já nascidos no
Brasil; escravizados ou ‘livres’ - estariam sempre dispostos a cometer contra a boa
sociedade, branca e proprietária11. A defesa da família, “esposas e filhos”, não era incomum
neste tipo de discurso securitizante, cujos efeitos apontam, via de regra, para o incremento
da militarização.
Assim, desde antes do termo Haitianismo ser encontrado pela primeira vez (em
1831), as comparações com o Haiti que evocavam os “horribilíssimos crimes” ocorridos na
ex-colônia francesa de Santo Domingos já eram feitas no sentido de avançar agendas
conservadoras e de controle sócio-racial cujo objetivo declarado era evitar “fazer do Brasil
um novo Haiti”12, conforme discutido numa série de editoriais do jornal pernambucano O
CRUZEIRO ao longo do ano de 1829. No entanto, o episódio concreto que levou estas
alegorias de medo a parecerem assustadoramente mais próximas da realidade local foi a
irrupção da Revolta dos Malês em fins de Janeiro de 1835 nas imediações de Salvador,
Bahia, primeira capital do Brasil colonial (FLORY, 1981). Neste quarto caso, portanto, os
efeitos de poder de tais invocações de medo sócio-racial são, conforme já percebidos por
Mello Mourão (2009), o fortalecimento “as hostes monarquistas” de agendas políticas ultra-
conservadoras, além do incremento das práticas de vigilância, controle e repressão estatal
seletivas, direcionadas aos inimigos domésticos, negros e “licenciosos”:
11
C.L.R. James (1989) em seu Jacobinos Negros explora fecunda e literariamente a hipocrisia contida nestas
alegorias de terror branco em relação às narrativas sobre as supostas violências sem igual da revolução
haitiana. Sobre o caso do Brasil, ver a obra de referência de Célia Azevedo (2004), Onda Negra, Medo Branco: o
negro no imaginário da elite – Século XIX. Sobre o nexo entre medo branco e militarização, lugar-comum na
criminologia crítica contemporânea, ver a obra de Vera Malaguti Batista (2003), O Medo na Cidade do Rio de
Janeiro: dois tempos de uma história, que traz uma série de referências de haitianismo em seus achados
empíricos.
12
OC, nº 40, 25/06/1829, p.4.
13
OC, nº 35, 17/06/1829, p. 1 e 2 (itálicos no original).
9
tomadas em termos de políticas públicas frente ao risco haitianista, um artigo intitulado
“BAHIA”, do já mencionado nº 27 do conservador Pão d’Assucar é paradigmático. Ao
reproduzir matéria da Gazeta Comercial sobre as repercussões da Revolta dos Malês,
elenca-se uma série de medidas e uma racionalidade conhecida pelo leitor brasileiro
familiarizado com os debates sobre “segurança pública” contemporânea travados no campo
da criminologia crítica no país (BATISTA, 2000; ZAFARONI, 2000; NEDER, 1996; 1981). Diz
o jornal:
Passemos agora a considerar por alguns momentos o perigo em que
estivemos de ver nossas esposas e filhos mortos desapiedadamente por
bárbaros Africanos, se um acidente feliz não estorvasse a execução de um
intento tão cruel. Isto bem meditado deve nos horrorizar para que não
sejamos tão frouxos e descuidados como até agora temos sido, em tomar a
este respeito as medidas mais eficazes, para que outro igual rompimento
não nos apanhe de improviso. Parece que as mais óbvias e imediatas que
se devem tomar, é estabelecer primeiramente uma Polícia ativa e vigilante,
que observe com cuidado todos os passos que os Africanos derem, que
pareçam encaminhar-se a conjurações contra nossa existência, para que a
tempo se previnam, empregando para este fim todos os meios que mais
convenientes forem para se descobrirem intenções tão pavorosas; segundo,
termos uma força armada suficiente, que pela sua disciplina, gente
escolhida que se compuser, nos inspire confiança, e aos escravos terror, e
quando nos seja preciso possa rebater qualquer assalto, que da parte deles
14
nos possa sobrevir.
14
PA, nº 27, 07/04/1835, p.3.
10
e dependido a este respeito, à Assembleia Legislativa Provincial na sua
15
primeira reunião ordinária ou extraordinária, em ofício reservado.
O quinto efeito de poder do Haitianismo, que contribuiu para forjar as feições das
nascentes elites políticas brasileiras, diz respeito às conseqüências materiais mais agudas
desta prática retórica peculiar: a agressão física violenta - preventiva ou punitiva, pública e
privada - sobre corpos negros decorrente de rumores de Haitianismo. Mesmo sendo um
universo semântico preponderantemente pertencente ao mundo dos homens brancos e
politicamente influentes no Império, era nas vidas racializadas como não-brancas que a
biopolítica própria da construção do Estado brasileiro se encarnava. Mais do que um difuso
biopoder exercido sobre corpos avulsos, tratava-se de uma verdadeira técnica de
governamentalidade da população negra e escravizada, que teve importante espasmo
demográfico no período estudado, em virtude da aprovação da Lei de 1831, conhecida
como “lei para inglês ver” na historiografia nacional (CARVALHO, 2014, p. 294). Dois
episódios são ilustrativos de tais “efeitos de poder” biopolíticos (FOUCAULT, 1981):
***
Mas o que são os tempos!! Dali dizia um sujeito da barafunda, e que tinha
sido Chimango (e ainda era): olhe que esse ladrão está assim engraxado de
preto porque é um refinado haitiano, e deve chuchar 800 açoites de uma
assentada, um Cabo de quarteirão dizia.
(...) muitas outras encrespações, todas de natureza semelhante, foram
feitas ao Bacorinho, e em conformidade com o Código foi ali mesmo na
Praia condenado a levar 1.200 vergalhadas por haitiano, e ir depois para a
18
Casa de Correção pelo estelionato.
15
AF, vol. 8, nº 1032, 27/03/1835, p.2.
16
“Bacalhau” era o nome de um tipo de cassetete policial utilizado pela Polícia da Corte para patrulhar as ruas e
coibir a vagabundagem. Ver, a respeito, a descrição detalhada das operações policiais do início do século XIX
em Polícia no Rio de Janeiro, de Thomas Holloway (1997, p. 49), que cita o Haitianismo e faz referência a Miguel
Vidigal, temido chefe da corporação na Corte entre 1809 e 1824, conhecido pela violência racial desmesurada e
notabilização do “bacalhau”.
17
JF, nº 15, 16/11/1831, p.2 (itálicos no original, negritos adicionados).
18
OB, nº 2, 19/02/1836, p. 1 e 2 (itálicos no original, negritos adicionados).
11
O sexto, e penúltimo, efeito de poder do Haitianismo no Brasil oitocentista é o único
que se relaciona diretamente com as relações internacionais do país. Aqui a referência ao
Haiti é literal e talvez surpreenda a leitores desavisados, pois também é elogiosa, ainda que
o tema central gire em torno de discussões sobre raça e civilização. Trata-se do debate
ocorrido após a Revolta dos Malês (1835) entre alguns jornais e personalidades políticas
acerca das medidas destinadas a evitar um intento similar no Rio de Janeiro. Apesar de
ferrenhos adversários e protagonistas de ácidas disputas (e algumas conspirações
palacianas entre si), os editores da Aurora Fluminense e do Pão d’Assucar neste momento
conseguiram encontrar pontos em comum no racismo. O consenso principal era que as
medidas repressivas, que ambos exigiam, de nada adiantariam sem uma interrupção do
influxo de africanos escravizados e uma gradual abolição. O seu corolário era a
conveniência de estabelecer uma colônia brasileira na “Costa d’África”, para lá deportar os
negros insubordinados que se condenassem no Brasil e os demais que se fossem libertando.
***
19
PA, nº 27, 07/04/1835, p.3.
12
Sobre um projeto de lei apresentado na Assembléia Provincial da Bahia a
respeito de Africanos libertos, diz o Pão d’Assucar algumas coisas que
parecem razoáveis, sem embargo que muitas dificuldades se oporiam à
fundação dessa colônia que pretende estabelecer na Costa d’África. Mas,
como que arrependido de haver tido senso comum por espaço de algumas
linhas, ele se apressa a reclamar a dissolução dos Corpos de Permanentes
que hoje pertencem às províncias, a reorganização do exército e a de
Corpos Suíços e Alemães, comandados por Oficiais Brasileiros. Forte sanha
há de apagar até os vestígios da revolução de Abril, e de repor todas as
20
coisas no estado que existiam sob o governo de d. Pedro I!
RIO DE JANEIRO
20
AF, nº 1039, 29/04/1835, p. 2.
21
“O Brasil se inventou assim, como um anti-Haiti: por oposição, éramos todos brancos, cristãos e civilizados”
(SCHWARCZ & STERLING, 2015, p. 229).
13
instrução e muita gente de siso, não ignoram que eles não tem no Brasil as
queixas que exasperaram por exemplo os homens de cor em S. Domingos,
nem mesmo as que na América do Norte deve trazer o isolamento e
desprezo em que está posta essa parte da população. No Brasil, as coisas
se passam muito diversamente: quer no tempo do Governo absoluto, quer
sob o regime constitucional, nenhuma diferença legal foi estabelecida entre
os brancos e a gente de cor livre. Alguns prejuízos da educação a tal
respeito, que acham origem na existência da escravatura e nas castas a
que a escravatura pertence, perdem todos os dias da sua força, e cedem o
campo aos triunfos da Filosofia. Não há maior iniquidade do que confundir
homem de cor com haitiano: dos homens de cor livres, muitos tem
escravos, e são tão interessados como os nossos Cidadãos, em que as
ideias do feroz haitianismo não triunfem. Pardos con... [ilegível] nós em
que o horror a semelhantes tentativas não pode ser excedido, e que tem
mesmo prestado serviços importantes ao País, indicando as fontes do mal,
e mostrando quais tem sido a sua marcha e os seus progressos; no entanto
que sobre dois brancos, escritores bem conhecidos pela exageração de
suas doutrinas, recaem justificáveis suspeitas de que trabalham em favor do
haitianismo. Ao menos tem sido eles por vezes acusados de semelhante
crime e não puderam até agora lavar-se da imputação. Não equiparemos o
que é filho ou de fanatismo político ou de depravação de alma, com um
acidente de que ninguém é culpado, e que não torna menos estimáveis
quantos são merecedores de estima ou por suas virtudes cívicas, ou por
seus talentos. Não fazemos corte a esta ou aquela casta, a esta ou àquela
classe da Sociedade, e bastante o havemos mostrado, combatendo sem
cessar o espírito de classes que a Retrogredação tem querido manter
contra o fim da Comunidade. Mas não podemos sofrer que a pretexto de
defender os direitos e a causa dos homens de cor, se lhes esteja fazendo a
mais cruel injúria, e se empenha numa tática perversa, para separá-los da
massa Social, formando no Estado um novo Estado. Amalgamar todas as
prevenções, todos os interesses mesquinhos em um pensamento e
interesse comum que é o do Brasil, o da nossa pátria, deve ser todo o afã
dos amigos da prosperidade do país e da justiça. Quem a isto prefere ou
injustos ressentimentos, ou cálculos de ambição privada, não é digno do
nome de patriota. Pode ser útil em Governo livre que a Nação se divida em
partidos, contanto que estes não lancem mão da violência e dos meios
ilegítimos; mas nunca pode deixar de ser aí funesto que a população se
ache dividida em castas rivais, uma inimiga da outra, e cujo rancor muito
venha assim a ser eterno, por que os acidentes da natureza que os
separam, nem mudam, nem se modificam. Nada de confundir haitianos
22
com homens de cor.
22
AF, nº 1036, 06/04/1835, p. 2 e 3 (negritos adicionados).
14
haitianos, e a outros Lusitanos Restauradores de José Bonifácio.
Lembrem-se os Pardos do que ouviram na discussão da intitulada Lei de
serviços, e naturalização: lembrem-se os Pardos que nos promotores, e
denunciantes das cantigas de Maio, do 14 de Julho, do 28 de Setembro, &c.
havia muito Pardo, que se fingia medroso de haitianismo, e acusador de
Barata como haitiano! Os Pardos bons Brasileiros, e liberais devem
desconfiar muito de Pardo que finge ser branco, e dos Pardos que querem
figurar, ou enriquecer: estes com os Restauradores d’Evaristo, e do Esbarra
são os maiores inimigos do Brasil, e dos Pardos, que são bons Brasileiros, e
Liberais, como são a maior parte destes nossos Patrícios. Pardo
empertigado, ou dengue ora é haitiano, ora Evaristeiro, e sempre terrível
inimigo dos bons Pardos aos quais ilude, vende com a mesma segurança
com que furta o ladrão de casa. O Pardo bom Exaltado e Brasileiro
Andradista deve sempre guiar-se pelo virtuoso patriota Barata, e fugir de
23
Rusgas.
3. Considerações finais
23
OR, nº 04, 21/12/1833, p. 3 (itálicos no original, negritos adicionados).
24
Ver (acesso em Julho 2017): http://osoldiario.clicrbs.com.br/sc/noticia/2015/10/haitiano-morto-em-navegantes-
sonhava-em-morar-com-a-familia-nos-estados-unidos-4885824.html
25
Ver (acesso em Julho 2017): https://oglobo.globo.com/brasil/acre-sofre-com-invasao-de-imigrantes-do-haiti-
3549381
15
No entanto, os outros cinco efeitos de poder correlacionados ao Haitianismo fazem-
se presentes no cenário político brasileiro posterior ao século XIX, quando o fenômeno que
ora nos ocupa teria supostamente chegado ao seu fim. Pois a suspensão seletiva de direitos
e garantias constitucionais – estados de exceção - em nome de ameaças sócio-raciais à boa
sociedade segue recorrente, especialmente no Rio de Janeiro, quando se trata de
operações policiais em favelas e demais territórios de população predominantemente pobre
e não-branca. Os direitos a vida, à inviolabilidade do lar, da presunção de inocência e ao
tratamento digno são alguns dos cotidianamente violados em ações estatais contra os
“inimigos domésticos” (ANDRADA E SILVA, 2011) atuais. Outro efeito de poder ligado ao
Haitianismo que remete à atualidade é o clamor por uma “polícia mais ativa e vigilante”, de
proximidade, que vigie todos os passos das classes e raças perigosas, somada ao chamado
pelo emprego das forças armadas nacionais em operações domésticas contra tais ameaças,
tendo em vista o risco existencial enunciado na forma de medo branco. Os discursos que
promovem as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro e o uso de
Garantias da Lei e da Ordem (GLO) como fundamento de empregos de tropas militares em
operações (de defesa?) contra brasileiros, em território nacional, são deveras similares aos
ecoados por volta de 1835, após a Revolta dos Malês, como visto.
No mesmo sentido, os pedidos pelo estabelecimento de colônias brasileiras em
países identificados no discurso por sua negritude (“Costa d’África”) tem uma assustadora
semelhança com os que hoje defendem a invasão armada e presença brasileira numa
“República Negra” (KAWAGUTI, 2008), como a imprensa brasileira tem por hábito referir-se
ao Haiti. O sociólogo haitiano Franck Seguy (2015) defende a tese de que a Missão das
Nações Unidas para Estabilização do Haiti (MINUSTAH) faz parte de um projeto maior de
“recolonização” de seu país, tema igualmente evocado por amplo espectro da sociedade
civil e dos movimentos sociais haitianos, quase em sua totalidade contrários à ocupação
estrangeira26. Por sua vez, sob a ótica da criminologia crítica, pode-se ver que os efeitos de
poder nos corpos negros resultantes de tantos chamados por mais militarização cotidiana e
ocupação bélica de territórios vistos como não-brancos, que geravam “vergalhadas e
açoites”, hoje produzem um recorde de “autos de resistência” lavrados pela Polícia Militar do
Rio de Janeiro: somente entre 2010 e 2015 houve mais de 3.250, dos quais menos de 3%
resultaram em processo investigativo; em Março de 2017, houve um aumento de 96,7% em
relação ao ano anterior 27 . No Haiti, os oficiais brasileiros responsáveis pelo Centro de
26
Conferir as seguintes organiazções da sociedade civil Haitianas e suas posições em (acesso Julho/2017):
http://www.papda.org/;
http://sofahaiti.blogspot.com.br/2012/11/solidarite-fanm-ayisyen-sofa.html;
http://www.alterpresse.org/spip.php?article12268#.WXSy_iMrJ9I
27
Conferir as reportagens (acessadas em Julho/2017):
https://oglobo.globo.com/rio/escalada-no-numero-de-autos-de-resistencia-revela-tendencia-de-alta-na-letalidade-
policial-21276182;
16
Informações do Delta Camp da MINUSTAH não sabem informar quantos haitianos foram
oficialmente mortos por soldados brasileiros desde 200428. Ao mesmo tempo, a agência
Associated Press revela uma poderosa rede de exploração e abuso sexual de menores
haitianos e haitianas envolvendo os capacetes azuis da ONU sob comando de generais
brasileiros durante toda a operação.29 São os corpos negros e vidas de pessoas racializadas
como negras que continuam sofrendo as violentas conseqüências da retórica e dos
discursos imperiais brancos, incluindo aqueles de viés “humanitário” e filantrópico (BORBA
DE SÁ et. al, 2017; CHOMSKY, 2008).
Por fim, o último e possivelmente mais persistente efeito de poder decorrente das
práticas discursivas das elites brasileiras que criaram o Haitianismo é a “colonialidade do
poder” (QUIJANO, 2005) particular que deixou inscrita nas fundações do Estado e na
Sociedade Civil e nos modos de agir de quem ali ocupa altas posições, de tecnocratas a
professores universitários em instituições prestigiosas. Dentre os cinco efeitos que merecem
investigações futuras, este é o que possui agendas de pesquisa mais frutíferas para as
abordagens pós-coloniais e “descoloniais” (CASTRO-GÓMEZ & GROSFOGUEL, 2007) em
voga na teoria de Relações Internacionais e nos estudos críticos sobre pensamento social
latino-americano.
Esta batalha institucional das idéias não é menos importante, uma vez há na
academia brasileira do século XXI um movimento que busca reabilitar as teses de
‘Democracia Racial’ de Gilberto Freyre aos dias atuais, para isto lançando mão da negação
revisionista do Haitianismo e da própria idéia de raça no Brasil imperial escravista (BERBEL
& MARQUESE, 2007). Por mais que o contorcionismo argumentativo e a baixa qualidade
empírica devessem desqualificar tais agendas, seu financiamento contínuo tem crescido,
dada a receptividade institucional, privada e pública, aos discursos que hoje tentam
corroborar com uma epistemologia neo-positivista (mediante exagerada determinação
estatística e demográfica) as mesmas teses políticas defendidas por Freyre em 1936 sob
linguagem humanística30 e, como descobriu-se nesta pesquisa, já formuladas pelo próprio
Evaristo da Veiga, cem anos antes, em 1835, em meio à retórica própria do Haitianismo.
https://oab-rj.jusbrasil.com.br/noticias/3134972/autos-de-resistencia-no-rj-so-3-7-dos-casos-viraram-processo;
http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/10/rio-teve-mais-de-3250-autos-de-resistencia-entre-2010-e-2015-
diz-isp.html
28
Porto Príncipe, Haiti: Comunicação Pessoal, MINUSTAH Public Information Office (MPIO), 24/01/2017.
29
Conferir as reportagens (acessadas em Julho/2017):
http://diplomatique.org.br/militarizacao-tipo-exportacao-o-perigo-da-industria-humanitaria-brasileira/;
https://www.apnews.com/e6ebc331460345c5abd4f57d77f535c1/AP-Exclusive:-UN-child-sex-ring-left-victims-but-
no-arrests
30
Escrito em 1936, com edição atualizada em 2004, o livro de Freyre menciona o Haitianismo em diversas
passagens a fim de elaborar sua tese sobre a relativa brandura do escravismo brasileiro: “É o que vai nos
explicar o novo movimento de insatisfação da gente de cor do Recife que se verificou em 1824, com a rebelião
do batalhão dos pardos comandados por Emiliano Mundurucu. Atuava sobre Emiliano a sugestão do exemplo do
Rei Cristovão: “Qual eu imito Cristóvão/ Esse imortal Haitiano/ Eia! imitai o seu povo/ Oh! Meu povo soberano”. É
um ponto a se estudar com minúcia, a repercussão dos grandes movimentos de rebeldia dos escravos das
17
Portanto, desde os debates sobre políticas de “(in)segurança pública” na criminologia
contemporânea até os estudos descoloniais nas Relações Internacionais, o Haitianismo é
fonte de um vasto arsenal de correlações entre discursos e práticas históricas que merecem
atenção das pesquisas críticas e dos movimentos sociais que contestam as posições e
relações de poder constitutivas da sociedade brasileira. Sem isto, perder-se-á relevante
elemento da “nova cara da contra-revolução” (MARINI, 1977, p.3) preventiva e permanente
acerca da qual importantes autores como Caio Prado Jr. (1966), Florestan Fernandes (1976;
1981) e Ruy Mauro Marini (1977; 1978) se esforçaram para alertar.
O Haitianismo, afinal, existia na forma uma série de efeitos materiais e tecnologias
de prevenção e repressão afim de evitarem uma revolução que nunca aconteceu. Por isso,
tudo o que envolve a militarização sócio-racialmente seletiva no âmbito da atuação do
Estado brasileiro (incluindo os discursos e indústrias ligadas à pacificação humanitária
Liberal), seja para dentro ou para fora das fronteiras do país, deve ser tratado com muito
cuidado, a fim de evitar que os diálogos entre a escravidão branca sobre negros, durante
quatrocentos anos de História, e as escolhas políticas das elites brasileiras atuais sejam
escamoteados. No âmbito da disciplina de Relações Internacionais, em especial, tal
preocupação deveria ser compartilhada por todos aqueles que estudam as relações entre
Brasil e Haiti, uma vez que trata-se de uma séria escolha política abordar quaisquer
aspectos concernentes à MINUSTAH hoje sem levar em consideração que o Brasil é o único
país que teve um fenômeno histórico, de razoável alcance, cujo nome fora, justamente,
esse: Haitianismo.
4. Bibliografia
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MARTINS, L. B. (Org.). Coleção O Pensamento Político Brasileiro, 6. Brasília: Fundação Ulysses
Antilhas, sobre as diferentes áreas escravocratas do Brasil. Particularmente sobre as áreas de civilização
açucareira mais intensa, como o extremo Nordeste e o Recôncavo. As duas grandes civilizações do Açúcar na
América – a das Antilhas e a do nordeste do Brasil – tendo seguido atitudes psíquicas e sociais diversas com
relação aos escravos africanos importados para as suas plantações de cana, tiveram entretanto problemas
comuns em face do negro e do mulato; e não deixou de haver repercussão dos acontecimentos revolucionários
verificados na França e nos Estados Unidos, em Haiti e em São Domingos, sobre o nordeste do Brasil. A
ideologia libertária da Revolução Francesa e da Revolução Americana chegou aos dois sistemas escravocratas
– o das Antilhas e o do Brasil – pelos meios mais surpreendentes e mais sutis. No Brasil, até por intermédio de
padres. Mas sem encontrar nunca entre nós ambiente tão favorável ao ódio do escravo contra o senhor, do preto
contra o branco, como o que encontrou naquela outra parte da América, onde a monocultura do açúcar
igualmente separa a população em senhores e escravos: mas escravos e senhores mais distanciados
socialmente do que no nordeste do Brasil.O motivo para essa diversidade de ambiente, já se disse que foi
principalmente a doçura maior do português com a relação à gente de cor; o hibridismo em que se abrandou tão
cedo a colonização do Brasil, mesmo onde ela foi mais aristocrática pela sua origem e pela distância social
imposta pela técnica de produção a senhores e escravos, a brancos e homens de cor. Algumas famílias mais
nobres já se recordou que, no Nordeste, tomaram, desde os primeiros anos, sangue indígena; outras, mais
tarde, até sangue negróide ou ilhéu como, segundo bons depoimentos estrangeiros e a despeito de cartas de
branquitude triunfalmente citadas por cronistas ingênuos, a família de João Fernandes Vieira. E a verdade é que
a política portuguesa no Brasil sempre foi neste ponto, mais humana que a inglesa ou a francesa nas Antilhas”
(FREYRE, 2004, p.135-136).
18
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