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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

Curso: Direito – 9º período


Filosofia Geral e Jurídica
Professor: Roberto Wöhlke
Aluna: Paula Tavares
Data: 09/07/2017

RESENHA DO LIVRO “AMOR LÍQUIDO – SOBRE A


FRAGILIDADE DOS LAÇOS HUMANOS”
DE ZYGMUNT BAUMAN

1. Introdução:
Uma das leituras possíveis da obra de Bauman, o Amor Líquido, consiste em
apontar as consequências das transformações que paulatinamente foram liquefazendo
as instituições e os relacionamentos na contemporaneidade. Para o autor, a morte e o
amor são os dois eventos inevitáveis e incontroláveis, que nos geram ansiedade e
medo.

Para isso, é necessário apresentar as características mais marcantes da dita


“modernidade sólida” para, assim, poder apontar o que efetivamente mudou ou está a
caminho de mudanças. Enfatizarei, sobretudo, uma ideia que parece fundamental:
como num mundo que aparenta tanta liberdade, sentimo-nos oprimidos.

Sustentarei que parte desse problema só pode ser entendido ao levarmos em


consideração que o conceito de liberdade que hoje se aplica à coisas e pessoas, é um
conceito sobretudo mercadológico. Em outras palavras, que nós não escolhemos
livremente, senão que o fazemos a partir de escolhas pré-determinadas.

2. Modernidade Sólida.
A modernidade sólida foi caracterizada por uma ordem social de valores e
modelos de vida estáveis, onde o futuro podia ser facilmente determinado em suas
certezas de vida, seja num emprego, onde um sujeito escolhia logo no início da vida
adulta e tinha a certeza de que ficaria nele até sua aposentadoria, seja no casamento,
“até que a morte os separe”, e em tantas outras escolhas que fazem parte da vida em
sociedade.

Como se pode denotar, na modernidade sólida o conceito de segurança se


sobrepunha sobre o de liberdade, mas isso passou a ser questionado, já que quanto
mais segurança, menos liberdade se parecia ter, e aparentemente, para alguns, esse
modelo de vida não trazia satisfação pessoal. Não sendo à toa que em diversos
lugares ao redor do mundo ganhou destaque a ideia de que quanto mais liberdade se
pudesse alcançar, mais felizes seriam as pessoas e a sociedade, deixando de lado o
excesso de preocupação com a segurança e a estabilidade das relações e instituições.

3. A passagem para a modernidade líquida.


Essa passagem da concepção de “mais segurança” para “mais liberdade” que
podemos caracterizar, em linhas gerais as transformações sucessivas da modernidade
sólida para a modernidade líquida. Dentre outras, marcada pelo capitalismo e a
globalização no mundo ocidental.

A modernidade líquida, é dita por Bauman, como um período de incertezas e


constantes mudanças, e esses aspectos são trazidos por ele em outras obras, como o
“Medo Líquido”, “A vida líquida”, “Tempos Líquidos”. Ou seja, a modernidade líquida
também trouxe com ela outras consequências em nosso cotidiano, como a inquietação
por tamanha liberdade que conquistamos e a maneira desenfreada que o tempo passa
sem o controle que pensamos ter.

Em 1988, Cazuza cantava em seus versos da música “Ideologia”, justamente o


que, ao meu ver, parece um exemplo dessa mudança, de um rapaz que antes tinha
uma ideologia, que desejava mudar o mundo; e que no entanto, apenas assiste em
cima de um muro o presente o futuro passar diante de seus olhos; vendo seus heróis
morrendo; onde agora seu único prazer é o risco de vida, para esquecer quem foi um
dia: um jovem sonhador e com esperanças de um futuro melhor.

“(...)O meu prazer Mudar o mundo


Agora é risco de vida Agora assiste a tudo
Meu sex and drugs Em cima do muro
Não tem nenhum rock 'n' roll Em cima do muro!
Eu vou pagar
A conta do analista Meus heróis
Para nunca mais Morreram de overdose
Ter que saber Meus inimigos
Quem eu sou Estão no poder
Ideologia!
Ah! Saber quem eu
Eu quero uma pra viver
sou Pois aquele garoto
Ideologia!
Que ia mudar o mundo
Pra viver.”

A modernidade líquida rompeu completamente com utopias, com ideologias,


com projetos de longa duração, com a necessidade de revoluções futuras. Porque não
há uma preocupação com a estabilidade futura, como havia na modernidade sólida,
apenas viver intensamente o presente.

4. Uma breve análise dos relacionamentos interpessoais nestes dois


momentos: o amor nos tempos líquidos.
Neste sentido, se denota que várias mudanças foram se acumulando para que a
fortaleza das antigas instituições fossem cedendo lugar a uma ideia cada vez mais
volátil de que agora a liberdade e a fluidez dos relacionamentos substituiriam as
constritivas instituições baseadas na segurança e na concretude.

Entretanto, consequências indesejadas desse processo - em princípio visto


apenas como positivo, ao menos pelas mentes tidas como libertárias - passaram a
emergir de forma a denunciar as constantes falhas nos sistemas de relações humanas
da nova modernidade líquida. Sendo uma delas, a inconstância e a facilidade de
desprendimento emocional, resultando na fragilidade e mercantilização das relações
afetivas.

Em outros termos, os amores também sofrem uma espécie de obsolescência


programada, que o mercado a um só tempo produz e ao mesmo tempo dissolve, com
o objetivo de manter a garantia de novos produtos, e no caso, novos amores. Todos
os anos uma nova versão do mesmo celular, por exemplo, é lançada e nos
preparamos para compra-lo, se pudermos; assim como sabemos que a qualquer
momento podemos encontrar alguém “melhor” do que aquele que nos relacionamos
agora.

Os laços humanos passaram a se tornar frágeis e sem maiores expectativas de


durabilidade, pessoas se conhecem e começam a se relacionar já tendo em mente a
certeza da possibilidade do afastamento, do fim. Seja nas amizades, nas relações de
parentesco, nos casamentos.

As relações humanas agora são feitas de redes, que podem se desconectar em


um clique. Elas não foram mais feitas para durar, mas sim para se renovar o tempo
inteiro. O que hoje parece ser bom, amanhã pode ser descartado. Assim como os
objetos são descartados quando apresentam algum problema, as relações humanas
que ao primeiro sinal de falha são deixados de lado, ao invés de tentar observar o
motivo e buscar consertar.

E isso, de acordo com o Bauman possui uma grande relação com o medo de se
relacionar. Ao mesmo tempo que desejamos a segurança de um amor, o carinho, o
companheirismo, temos medo de sermos sufocados por aquilo que desejamos ter.
Temos medo de poder estar perdendo outras oportunidades. De conhecer novas
pessoas. De não saber se aquela é a pessoa que desejamos compartilhar a vida, até
que a morte os separe.

Entretanto, assim como o medo do controle, da segurança experimentada por


relações estáveis nos causa medo, a falsa sensação de liberdade também não nos é
plenamente satisfatória. Porque confundimos liberdade, com oportunidade. A
liberdade também nos sufoca, assim como a segurança, porque é a grande
quantidade de oportunidades que nos tira a certeza de que seremos amados e
desejados.

Nessa busca por oportunidades, confundimos então o amor com desejo. A cada
pessoa que se conhece, cada relacionamento breve ou longo, se chama de amor.
Encontramos todos os dias um amor da nossa vida. Mas nem sempre queremos
compartilhar nossa vida com outro alguém.

O amor romântico se tornou banal, brega, ultrapassado. A nova modalidade de


romance agora é o “ficar”, amar pode ser considerada uma noite de sexo casual. “Eu
te amo”, assim como amo minha comida favorita e minha roupa nova. O desejo e o
amor se confundem. Nisso o desejo de estar com alguém, dividir bons momentos e se
relacionar durante alguns dias ou meses, é também chamado de amor. Porque não
podemos mensurar e ter certeza do que é amor. Mas o desejo sim. O desejo e o amor
se fundem na sua liquidez e escorrem pelas mãos ao longo do tempo.

E nessa modernidade líquida, apenas duas certezas podemos ter, que um dia
chegará a morte, e que um dia chegará o amor. Mas, assim como diz Bauman:

“Assim, não se pode aprender a amar, tal como não se pode aprender a
morrer. E não se pode aprender a arte ilusória – inexistente, embora
ardentemente desejada – de evitar suas garras e ficar fora de seu
caminho. Chegado o momento, o amor e a morte atacarão – mas não se
tem a mínima ideia de quando isso acontecerá. Quando acontecer, vai
pegar você desprevenido. Em nossas preocupações diárias, o amor e a
morte aparecerão ab nihilo – a partir do nada.” (BAUMAN, 2004, p. 15).

E isso, aparentemente, é o que melhor define a fragilidade das relações


humanas na modernidade líquida, o medo do amor, assim como o medo da morte: o
medo de sofrer que nos paralisa e transforma tudo em incerteza. Vivemos uma
modernidade onde prevalece o fim das relações duradouras e o início das conexões de
compromissos breves, assim como o amor e a morte, que nunca podemos prever ou
evitar.
5. Considerações finais.
A partir da leitura “Amor líquido: a fragilidade dos laços humanos”, pude refletir
mais a respeito das escolhas e consequências da sociedade atual a qual estamos
inseridos, que não estamos isentos, que fazemos parte todos os dias em cada detalhe.
Talvez seja perturbador passar a compreender o que Bauman nos traz com tanta
nitidez, talvez justamente pelo medo de encarar de o medo da durabilidade e
estabilidade, ao mesmo tempo que ansiamos por ela.

A ânsia de acertar; de nos formarmos na faculdade; acumular títulos no


currículo lattes; ter um bom emprego, mas que ao mesmo tempo possamos estar
fazendo o que gostamos; de encontrar o grande amor; tudo na necessidade
incessante de ser feliz, mas ao mesmo tempo o poder de ser livre para escolher nos
traz inúmeras outras oportunidades além dessas, e isso nos traz também o medo da
estabilidade de todas essas possibilidades.

As relações interpessoais se tornaram voláteis, podemos contar nos dedos os


verdadeiros amigos, e como disse Bauman durante uma entrevista: "eu tenho 86 anos
e nunca cheguei perto de ter 500 amigos". Quantos desses supostos 500 amigos
podemos contar? Quais deles nos conhecem além da vitrine que nos expomos
diariamente nas redes sociais?

Nossa vida virou totalmente pública, nossos medos e desejos não são mais
privados. Basta você saber gerenciar sua imagem, o que escreve, com quem se
relaciona e as fotos que publica e pronto! Você tem a chave para o “sucesso” das
relações líquidas. Não por acaso que se chamam “redes sociais”. As relações sociais
não são mais estáveis e tocáveis. São apenas redes que se conectam e desconectam
o tempo inteiro, em questões de minutos.

Mas a grande questão da modernidade líquida e dos amores líquidos, em meu


ponto de vista é, por trás de toda aparência, de todos o “likes”, e do bloqueio virtual e
real daqueles que de uma hora deixamos de “amar” para “odiar”, a nossa agitada e
ansiosa vida líquida é marcada por uma grande carência e solidão. No fundo,
tentamos preencher tudo isso com as telas de smarphones, mas não há nada mais
satisfatório do que viver o real.

REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar. Ed. 2004.

Paula Tavares
09 de julho de 2017.

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