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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

CURSO DE CINEMA E REALIZAÇÃO AUDIOVISUAL

Disciplina: Análise e Crítica

Professora: Dra Ramayana Lira

Aluna(o): Dimitri B. Wittkopf

Data de entrega: 11.09.2019

Título do texto: Prazer Visual e Cinema Narrativo

Autora: Laura Mulvey

Contextualização da autora:

Laura Mulvey é crítica cinematográfica, feminista e professora de filmologia e


estudos de mídia na Universidade de Londres. Nasceu em 15 de agosto de 1941 (78 anos)
em Oxford, se formou em História na Universidade de Oxford e tornou-se uma influente
teórica do cinema em meados da década de 70 escrevendo para periódicos como Spare
Rib e Seven Days. Mas foi com o ensaio Prazer Visual e Cinema narrativo, escrito em 1975,
que Mulvey consolidou sua teoria feminista do cinema a respeito do olhar masculino
objetificador, erotizador e sexualizador com relação à mulher.

Contextualização das ideias:

Em seu lugar de fala como mulher, feminista, crítica de cinema e espectadora,


Mulvey passou a enxergar os filmes a partir de um olhar crítico, analisando o cinema
narrativo sob a ótica da psicanálise e feminismo, em conjunto com as teorias de Freud
sobre gênero e sexualidade, não necessariamente concordando com tais teorias, mas
utilizando-as como meio para buscar compreender a forma com que o cinema é
influenciado pela estrutura de uma sociedade patriarcal e de como o inconsciente coletivo é
formado a partir dela. O objeto central de análise de Mulvey se baseia na posição das
mulheres em relação ao mito patriarcal, a linguagem simbólica e a fantasia masculina.
Resumo do texto:

Em seu ensaio “Prazer visual e cinema narrativo”, Laura Mulvey se propõe a utilizar
a psicanálise em sua teoria crítica e feminista do cinema como instrumento político,
buscando compreender como “o inconsciente da sociedade patriarcal estruturou a forma do
cinema.” (MULVEY, p. 437).

A autora inicia seu ensaio fazendo uma breve apresentação de conceitos


psicanalíticos a respeito da imagem da “mulher castrada”, com relação ao paradoxo do
falocentrismo, que diz respeito ao desejo da mulher na compensação da ausência do falo,
que restringe sua existência apenas como a relação ao outro - o masculino e ao falo que
não possui - e a necessidade de transformar essa ausência em um significante - o filho.

“A mulher, desta forma, existe na cultura patriarcal como o


significante do outro masculino, presa por uma ordem simbólica na
qual o homem pode exprimir suas fantasias e obsessões através do
comando linguístico, impondo-as sobre a imagem silenciosa da
mulher, ainda presa a seu lugar como portadora de significado e não
produtora de significado.” (MULVEY, p. 438).

De acordo com as teorias feministas, essa análise serve para compreender a


frustração da mulher sob uma perspectiva de ordem falocêntrica, articulando as origens das
opressões sofridas pelas mulheres com o inconsciente que se estrutura na linguagem e que
nela se perpetua através do patriarcalismo.

Busca-se, a partir daí, desenvolver uma análise sobre o cinema como sistema de
representação da ordem patriarcal dominante contida no inconsciente, as formas de ver e o
prazer no olhar e, ainda, interligar o significado do prazer erótico no cinema com relação ao
lugar ocupado pela imagem da mulher, com o objetivo de “destruir” o prazer e a beleza
contidos na história do cinema como satisfação e reforço do ego masculino.

Dos prazeres que o cinema pode oferecer, a autora destaca a escopofilia, definida
por Freud como um prazer ao submeter, objetificar e sujeitar outra(s) pessoa(s) ao seu olhar
fixo, curioso e controlador, muito relacionado a atos voyeuristas.

Conforme discorre Mulvey, “o cinema satisfaz uma necessidade primordial de prazer


visual, mas também vai um pouco além, desenvolvendo a escopofilia em seu aspecto
narcisista.” (MULVEY, p. 441), sendo que constitui o imaginário do cinema a imagem da
mulher como objeto de prazer no olhar, e as estruturas de fascinação que permitem, ao
mesmo tempo, suspender e reforçar o ego.
“Foram apresentados dois aspectos contraditórios das estruturas de
prazer no olhar existentes numa situação cinematográfica
convencional. O primeiro, escopofílico, surge do prazer de usar uma
outra pessoa como um objeto de estímulo sexual através do olhar. o
segundo, desenvolvido através do narcisismo e da constituição de
um ego, surge pela identificação com a imagem vista. Assim, em
termos cinematográficos, o primeiro implica uma separação entre a
identidade erótica do sujeito e o objeto na tela (escopofilia ativa),
enquanto que o segundo caso requer a identificação do ego com o
objeto na tela através da fascinação e do reconhecimento do
espectador com o seu semelhante. O primeiro é uma função dos
instintos sexuais, o segundo, da libido, do ego. Essa dicotomia foi
crucial para Freud. Embora ele visse esses dois aspectos interagindo
e se superpondo um ao outro, a tensão entre as pulsões do instinto e
a autopreservação continua a ser uma polarização dramática em
termos de prazer. Ambas são estruturas possuem significação, e
devem estar ligadas a uma idealização. Ambas perseguem seus
objetivos na indiferença com relação à realidade perceptiva, criando
um conceito erotizado, “imagizado” do mundo, que forma a
percepção do sujeito e que não leva a objetividade empírica a sério.”
(MULVEY, 1975. p. 443).

A autora separa em ativo/passivo a representação do homem e da mulher no


cinema, sendo a mulher como imagem e o homem como o dono do olhar, explicando dessa
forma como o olhar masculino é determinante ao projetar na figura feminina suas fantasias
e erotizações. A mulher, sob essa perspectiva é o objeto e a ser exibido, ao passo que sua
aparência deve transmitir um impacto erótico que justifique a sua condição de objeto a ser
observado. A figura feminina serve como espetáculo a ser contemplado de forma erótica e
objetificada, fazendo parte da estrutura narrativa do observador masculino (protagonista),
que é a figura principal e controladora com a qual o espectador tende a se identificar

A forma feminina exposta com o único intuito de ser apreciada pelo jugo masculino,
se torna objetificada, exposta, sexualizada, mas ao decorrer da narrativa, ao se apaixonar
pelo protagonista e tornar-se propriedade dele, perde todas suas características que antes a
erotizavam e a subjugavam para o personagem masculino. Identificando-se com o
protagonista, o espectador possui a oportunidade de satisfazer seu prazer de possuí-la
também.

Desta forma, a autora analisa os mecanismos de prazer utilizados pelo cinema


narrativo tradicional, baseando-se em teorias psicanalíticas, argumentando que os códigos
cinematográficos, enquadramentos, estruturas de controle do tempo e espaço do filme,
fazem parte de uma lógica inerente à linguagem do patriarcalismo que cria a relação entre
sujeito/objeto, ativo/passivo, dono do olhar/objeto observado, que compreende a interação
do olhar masculino que objetifica, erotiza e fetichiza a imagem da mulher no cinema.

Principais exemplos:
Mulvey utiliza como exemplo filmes de Hitchcock e Sternberg. Como em “Um corpo
que cai”, onde a câmera subjetiva é utilizada fortemente para fazer predominar o imaginário
de que o protagonista possui o controle da narrativa.

“Enquanto Hitchcock caminha em direção à investigação do


voyeurismo, Sternberg produz o fetiche máximo, levando-o até o
ponto em que o olhar poderoso do protagonista masculino
(característico do filme tradicional narrativo), é quebrado em favor da
imagem, em afinidade erótica direta com o espectador. A beleza da
mulher enquanto objeto e o espaço da tela se unem; ela não é mais a
portadora da culpa e sim um produto perfeito, cujo corpo, estilizado e
fragmentado nos close-ups, é o conteúdo do filme e o recipiente
direto do olhar do espectador.” (MULVEY, 1975. p. 448)

Principais argumentos:

De acordo com a autora, se faz necessário destruir o padrão tradicional de prazer e


beleza na cinematografia, que retrata ao longo da história do cinema a satisfação e o
reforço do ego masculino por meio da representação da mulher como sujeito de controle,
desejo e fantasia do homem heterossexual na sociedade patriarcal, representado no cinema
sob um olhar escopofílico-voyeurista, onde o homem é o dono do olhar e a mulher é o
objeto a ser observado de forma erotizada, fantasiada, fetichizada, sendo assim, o
espetáculo em si.

“Existem três séries diferentes de olhares associados com o cinema:


o da câmera que registra o acontecimento pró-fílmico, o da platéia
quando assiste ao produto final, e aquele dos personagens dentro da
ilusão da tela. As convenções do filme narrativo rejeitam os dois
primeiros, subordinando-os ao terceiro, com o objetivo consciente de
eliminar sempre a presença da câmera intrusa e impedir uma
consciência distanciada da platéia. [...]. Entretanto, conforme
discutido neste artigo, a estrutura do olhar no filme narrativo de ficção
carrega uma contradição em suas bases: a imagem feminina
enquanto perigo de castração constantemente ameaça a unidade da
diegese e irrompe através do mundo da ilusão como um fetiche
intruso, estático e unidimensional. assim, os dois olhares
materialmente presentes no tempo e no espaço estão
obsessivamente subordinados às necessidade neuróticas do ego
masculino.” (MULVEY, 1975. pp. 452 - 453).

Posicionamento pessoal:

Após a leitura do presente texto, “Prazer visual e cinema narrativo”, de Laura


Mulvey, pude concluir que o cinema narrativo tradicional possui aspectos nitidamente
estruturados em uma linguagem falocêntrica do sistema de sociedade patriarcal, que define
o papel da mulher na sociedade, ora como objeto de satisfação e prazer, ora como figura
materna que compensa a ausência do falo através do significante, como figura castrada
perante a manifesta figura do homem - sujeito ativo e determinante com relação à
passividade da figura feminina a ser objetificada pelo seu olhar controlador. De acordo com
as teorias psicanalíticas utilizadas pela autora, pode-se depreender as raízes de opressões
de gênero que se apresentam no inconsciente das pessoas de diversas maneiras, inclusive
através do cinema. O ensaio de Mulvey, ao meu ver, cumpriu com seu objetivo de discutir e
relacionar o significado do prazer erótico no cinema com a figura da mulher.

Dimitri B. Wittkopf

11.09.2019

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