2.2 Diferença entre resolução e transformação de conflitos
A resolução de conflitos procura encerrar uma situação problemática, de
modo a oferecer uma resposta capaz de afastar o litígio. Por bastante tempo, esse foi o foco da conflitologia.
Contudo, estudos mais recentes passaram a questioná-la. Não
propriamente para dizer que resolver conflitos nunca será bom, mas por constatar que, em diversas situações, é insuficiente.
Diante de direitos coletivos ou de conflitos reiterados, por exemplo, a
repercussão de se responder individualmente aos danos causados pelo ato costuma ser insatisfatória. Em casos como esses, pode ser relevante olhar tanto para os danos causados quanto para os revelados pelo ato. É preciso levar em conta não apenas os resultados do conflito, mas também suas causas.
Dito de outro modo, ocorrendo conflitos, pode-se focar exclusivamente em
responder a situações imediatas. Todavia, “manter o foco exclusivamente nas urgências pode distrair o olhar daquilo que é importante” (CARVALHO, 2019). Para construir um mapa ampliado do conflito, é preciso compreender as causas e as forças presentes; os padrões de relacionamentos; o contexto em que encontra expressão; e a estrutura conceitual que sustenta essas perspectivas (LEDERACH, 2012).
Como ressaltado em outro espaço (CARVALHO, 2019, n.p):
Por isso, numa visão mais ampla, que considere a topografia da
situação problemática, o conflito desponta como oportunidade para entender os padrões e modificar as estruturas dos relacionamentos. Isso sem desconsiderar a necessidade de oferecer soluções concretas capazes de responder satisfatoriamente aos problemas presentes (LEDERACH, 2012). É também uma via eficaz para conduzir grandes discussões públicas no cerne de assuntos e relações que costumam estar adstritos à esfera privada (BRAITHWAITE, 2006). Com isso, pode ser uma alternativa importante para impulsionar reflexões e aprofundar a compreensão sobre as implicações do contexto, da estrutura e dos padrões de relacionamentos em questões que aparentavam ser meramente interpessoais.
A Justiça Restaurativa possibilita a transformação de conflitos, uma vez
que envolve microcomunidade de referência e afeto; desenvolve espaços seguros para o compartilhamento e escuta de narrativas pessoais; e traz uma perspectiva ampliada dos impactos do ato a partir da teia de contação de histórias.
Raul Calvo Soler (2014) apresenta a importância da intencionalidade do
facilitador ao elaborar as perguntas dos encontros restaurativos para a construção do mapa ampliado do conflito. Inicialmente, mapeia-se cada uma das narrativas. Em seguida, a compreensão da situação ganha um caráter mais profundo, completo e complexo.
Para o mapeamento de conflitos, é importante atentar-se, ao menos, aos
seguintes elementos: características dos sujeitos envolvidos, assim como seus interesses e necessidades; estruturas de poder e padrões das relações intersubjetivas em questão; estruturas conceituais que sustentam cada uma dessas perspectivas; compreensões de mundo dos indivíduos e grupos envolvidos; as emoções despertadas pela situação conflitiva (CALVO SOLER, 2014).
Com isso, busca-se agir de maneira efetiva e profunda para, além de
resolver os problemas atuais e específicos, compreender os padrões e modificar as estruturas dos relacionamentos (LEDERACH, 2012). REFERÊNCIAS
BRAITHWAITE, John. Doing justice intelligently in civil society. Journal of Social
Issues, v. 62, n. 2, p. 393-409, 2006.
CALVO SOLER, Raúl. Mapeo de conflictos: técnica para la exploración de los
conflictos. Barcelona: Gedisa, 2014.
CARVALHO, Mayara de. Justiça restaurativa na comunidade. Belo Horizonte:
Instituto Pazes, 2019. E-book Kindle.
LEDERACH, John Paul. Transformação de conflitos. São Paulo: Palas Athena,