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MISES: Interdisciplinary Journal of

Philosophy, Law and Economics


ISSN: 2318-0811
editor@mises.org.br
Instituto Mises Brasil
Brasil

Fernandes de Araujo, Marcos Paulo


Por Que as Nações Fracassam: As Origens do Poder, da Prosperidade e da Pobreza
Daron Acemoglu e James Robinson Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. (401 páginas) ISBN
978-85-352-3857-0
MISES: Interdisciplinary Journal of Philosophy, Law and Economics, vol. 3, núm. 1, enero-
junio, 2015, pp. 307-311
Instituto Mises Brasil

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MISES: Revista Interdisciplinar de Filosoa, Direito e Economia
ISSN 2318-0811
Volume III, Número 1 (Edição 5) Janeiro-Junho 2015: 307-311

Por Que as Nações Fracassam: As Origens


do Poder, da Prosperidade e da Pobreza
Daron Acemoglu e James Robinson
Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. (401 páginas)
ISBN 978-85-352-3857-0

O
badalado best-seller da lista do New imperiais Inca, Asteca e Maia, bem como com
York Times – gurou entre os trinta os exemplos hodiernos de Botsuana, Cinga-
mais vendidos de não-cção por cer- pura e Malásia.
ca de um mês reúne, segundo os próprios Quanto à hipótese cultural, arma-se
autores Daron Acemoglu e James Robinson, que sua importância é reduzida relativamen-
os frutos de quinze anos de pesquisas a m te à capacidade de colaboração das pessoas
de demonstrar a sua tese acerca do fracasso ou à conança que mantêm entre si, as quais,
econômico das nações. segundo sua tese, constituem basicamente um
Esta tese pode-se ver resumida no se- resultado das instituições” (p. 45). O principal
guinte parágrafo de Por Que as Nações Fracas- exemplo que lhes suporta a tese é o das cida-
sam: As Origens do Poder, da Prosperidade e da des de Nogales (ambas permeadas pela cul-
Pobreza: tura latina), que se encontram no Arizona e
DEFENDEMOS QUE, para compreender as no México, respectivamente, sendo a primeira
desigualdades do mundo, é preciso enten- três vezes mais rica (em renda per capita) que a
der por que algumas sociedades são orga- segunda.
nizadas de maneiras muito inecazes e so- Parece um argumento inconclusivo. É
cialmente indesejáveis. [ ] A maioria dos
fácil argumentar que as instituições têm um
economistas e autoridades concentra-se em
papel decisivo se comparadas à cultura em se
acertar , quando o que é de fato necessário
é uma explicação de onde os países pobres tratando de uma pequena cidade engolfada
estão errando . E erram basicamente não pela malha institucional de uma potência eco-
por uma questão de ignorância ou cultura. nômica de extensão territorial tão considerá-
Como pretendemos mostrar, os países po- vel quanto é a dos Estados Unidos. Sequer se
bres são pobres porque os detentores do po- considera, contudo, proceder a uma compa-
der fazem escolhas que geram pobreza (p. ração entre a cidade de Nogales, no Arizona,
53). e outras do mesmo país onde predominaram
outras matrizes culturais.
A grande questão a que se tentará res- Instituições são compostas por pessoas,
ponder será, portanto, a seguinte: será que os e pessoas são obedientes a hábitos, os quais,
autores foram bem-sucedidos em comprovar por sua vez, acumulam uma sabedoria tácita
sua tese estatocêntrica? e muitas vezes de teleologia parcial ou com-
O livro inicia-se com uma breve suposta pletamente desconhecida, passada, por tradi-
refutação das teses que não se coadunam com ção entre gerações. Tudo isto constitui, ao m
aquela apresentada pelos autores. Iniciam e ao cabo, como resultado de diversas intera-
pelo descarte da teoria dos fatores geográ- ções humanas, uma parcela não desprezível
cos, difundida amplamente pelo menos desde daquilo que se conhece por cultura.
Montesquieu (1689-1755). Aniquilam tal teo- Deste modo, os autores chegam até pró-
ria a partir do exemplo das antigas economias ximo realmente de acreditar a hipótese cul-
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tural, admitindo que talvez o fenômeno do os dois e, acima de tudo, nenhum método simples
desenvolvimento estivesse ligado a culturas para garantir a existência de ambos 1.
nacionais’ especícas. Quem sabe a cultura ingle- Outra característica notável ao longo
sa [ ] (p. 48). Dele abrem mão, porém, sob dessa obra é o uso canhestro de certas catego-
a armação completamente descabida de que rias da ciência política, como se os rios de tinta
Serra Leoa e Nigéria, assim como Canadá, Es- que correm a respeito de seu emprego fossem
tados Unidos e Austrália, também eram gran- apenas sinal de um apego fetichista dos cien-
des colônias inglesas (p. 49). tistas políticos a termos herméticos, os quais,
Avançemos ainda mais, sem passar pela ao m e ao cabo, designariam apenas a sim-
hipótese da ignorância (a terceira), pois sabe- ples diferença entre regimes inclusivos e ex-
mos que ela é mais rara na política do que a trativistas . Assim, Daron Acemoglu e James
simples má-fé. Robinson recorrem a absolutismo a uma só
A meu ver é no capítulo seguinte (4) que vez para descrever os regimes da Coréia do
repousa um dos grandes erros de teoria dos Norte e da América Espanhola Colonial (p.
autores. Ao mesclar política e economia nas 63), de igual modo, mais à frente (p. 74), va-
mesmas categorias, eles parecem dar uma lem-se do termo totalitário para classicar o
amostra de perda de exatidão epistemológica. Império Romano e o regime Maia.
Empregar os termos extrativista e inclusi- Assim, continuam ao longo de todo o
va tanto para as instituições políticas quanto livro, de maneira constrangedora, a reduzir
para as econômicas de um país não parece ra- o papel da cultura na formação das institui-
cional. Em primeiro lugar, porque a inclusi- ções, armando que as diferenças institu-
vo não se opõe extrativista , mas sim exclu- cionais eram muito pequenas entre o Oci-
sivo ; a essa segunda categoria se oporia e dente e o Oriente Europeu na Idade Média,
perdoem-me rudeza no domínio da ciência quando se sabe que a diferença entre uma
econômica , igualmente, não uma economia cidade e outra, um burgo e outro, depois de
inclusiva , mas antes uma transformadora . 900 anos de m do Império Romano não po-
Posso até estar sendo ingênuo, e pode ser que deria ser senão gigantesca. Como armou
realmente uma economia transformadora Alexis de Tocqueville (1805-1859), em 1835:
permita, pelo seu ganho de produtividade, Não existe uma nação europeia, pequena que
uma maior inclusão de pessoas no mercado, seja, que não apresente um aspecto menos homo-
a longo prazo. Mas não sem primeiro gerar gêneo, nas suas diferentes partes, do que o povo
exclusão, como os próprios autores demons- americano, cujo território é tão grande quanto
tram, ao mencionar o caso da invenção da má- metade da Europa 2.
quina de tear por William Lee (1563-1614), em Neste sentido, igualmente, postergam
1589 (p. 143-44). para o século XIV o fator fundamental do
É justamente esse tipo de relação cau- crescimento econômico da Inglaterra. Mas
sal formal que os autores pretendem ter visto será mesmo lícito armar que a diferença ins-
ocorrer entre instituições políticas e econômi- titucional entre a Inglaterra e a Europa Orien-
cas que, a meu ver, não encontra fundamento tal, ou mesmo a Ocidental era pequena até o
na história. Anal, como armou Ralf Dah- advento da Peste Negra?
rendorf (1929-2009), comentando a curiosa
instabilidade da democracia Alemã, em meio
1
a um crescimento econômico pujante, ao lado DAHRENDORF, Ralf. Reexões sobre a Revolução
na Europa. Tradução de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro:
de uma Inglaterra em período de recessão, Jorge Zahar, 1991. p. 112.
mas de estabilidade institucional: Indubita-
2
velmente ajuda se as instituições democráticas e o TOCQUEVILLE, Alexis de. A Democracia na
América. Tradução de Neil Ribeiro da Silva. Prefácio
bem-estar econômico orescem juntos, mas, nova- de Antônio Paim. 4. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1998.
mente, não há nenhuma relação necessária entre p. 131.
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Igualmente, chamar a centralização novecentos anos anteriores é de uma pre-


promovida por Henrique VIII (1491-1547) sumptuosidade atroz.
de pilar das instituições inclusivas e, mais O que há, então, para se compreender,
ainda, de contribuição para o pluralismo ex- nos novecentos anos que medeiam o m do
cede todos os limites da ignorância e passa Império Romano e o surto de Peste Negra e,
a congurar, já, charlatanismo (p. 146). É o por que, anal, não são pequenas as diferenças
mesmo que armar que o ataque do Japão culturais e institucionais entre a Inglaterra e o
a Pearl Harbor contribuiu indiretamente resto da Europa? Me arrisco a apresentar uma
para a vitória dos aliados na II Guerra, e, hipótese, que se resume na seguinte sentença:
igualmente, Adolf Hitler (1889-1945) e Josef Muito antes de sequer sonhar em exportar manufa-
Mengele (1911-1979) para o avanço dos Di- turas, as Ilhas Britânicas exportavam santos.
reitos Humanos na Europa. E não apenas santos, mas cultura. Para
É essa utilização de termos abstratos compreender o papel das Ilhas Britânicas no
e desencarnados que vai de encontro às desenvolvimento econômico da Europa, é ne-
próprias raízes que tornaram possíveis o cessário de antemão compreender seu papel
desenvolvimento econômico e político que espiritual no reerguimento desse continente,
zeram da Inglaterra e de suas colônias po- após o m do Império Romano.
tências mundiais no período entre o século Como apontou o historiador galês Chris-
XVII e XX. topher Dawson (1889-1973) em A Formação da
Considerar termos como pluralismo Europa:
e centralização sem nenhuma modulação O reaparecimento duma nova cultura anglo-
é esquecer que a centralização política não -saxónica no século VII é talvez o aconteci-
sobrevive senão com muito esforço, a uma mento mais importante surgido entre a épo-
falta de unidade cultural e moral entre os ci- ca de Justiniano (483-565) e a de Carlos Mag-
dadãos. De outro lado, é fácil observar que no (742-814), porque exerceu uma inuência
nada disso teria ocorrido sem a herança da profunda no desenvolvimento intelectual de
usurpada Igreja. A Inglaterra jamais se teria todo o continente3.
tornado um país inclusivo às expensas da
Igreja se esta já não fosse por sua natureza e Essa importância está signicada pelo
doutrina uma instituição inclusiva. papel que essa cultura desempenhou no en-
Igualmente, nada disso jamais se ha- gendramento do fenômeno medieval conheci-
veria realizado na Inglaterra se a teoria a do como o Renascimento Carolíngio.
sustentar suas instituições políticas não se Tal cultura, não é demais recordar, foi de-
houvesse mantido próxima ao aristotelis- senvolvida sobretudo nos monastérios. O fato
mo fato já demonstrado pela doutrina do de que a cultura cristã e monástica conheceu na
jurista Henry de Bracton (1210-1268), con- Inglaterra uma independência e uma autonomia
forme exposta no seu De legibus et consue- que nunca conseguiu atingir no continente 4 pare-
tudinibus Angliae, no século XIII , ao pas- ce merecer maior consideração na medida em
so que a Europa Central se afundava nas que diferencia a Inglaterra dos demais países
teorias racionalistas em grande parte por da Europa. “Nos territórios francos”, continua
influência do estoicismo dos juristas da Dawson,
a realeza conservou sempre um pouco do
Escola de Bolonha, fundada em 1088 e que,
prestígio do antigo Estado e exerceu [ ]
desde pelo menos Frederico II (1194-1250),
já impelia a Europa Central na direção de
um centralismo. 3
DAWSON, Christopher. A Formação da Europa.
Pretender haver compreendido um Tradução de João Dias Pereira. Braga (Portugal):
evento histórico ao mesmo tempo em que se Livraria Cruz, 1956. p. 227.
dá o luxo de ignorar o que o precedeu nos 4
Idem. Ibidem, p. 230.
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uma scalização extensíssima sobre a Igreja. estudioso sério que pretenda ter refutado em
Na Inglaterra, a Igreja incarnara a herança cinco páginas a importância da cultura para
total da cultura romana, ao lado de débeis e o desenvolvimento econômico ainda mais
bárbaros estados de organização tribal. Foi quando o faz mencionando o fato de Nigéria
a Igreja, mais que o Estado, que preparou a
e Serra Leoa ao lado de Estados Unidos e Ca-
unidade nacional, pela sua organização co-
nadá terem sido colônias inglesas; como se o
letiva, pelos seus sínodos anuais, pelas suas
tradições administrativas5. vocábulo colônia não se prestasse a inume-
ráveis equívocos e analogias mais ou menos
Semelhantemente arma Dahrendorf: impróprias. Quanto a Botsuana, a inuência
[…] na Inglaterra, os governantes absolutistas da religião é mencionada pelos próprios Da-
nunca prevaleceram sobre os barões e outras fon- ron Acemoglu e James Robinson, implicita-
tes de poder local na mesma extensão em que isso mente, ao relatarem a ação evangelizadora
ocorreu na Europa continental 6. de David Livingstone (1813-1873), que con-
Poder-se-ia quiçá aventar que o sucesso verteu o rei dos kwena ao cristianismo; o fato
da Inglaterra se deveu a ter iniciado o movi- de a primeira língua africana a expressar o
mento de unicação “do espírito de iniciativa ger- texto a Bíblia ter sido o setswana; e a ação da
mânico e do espírito de ordem romana que está na London Missionary Society no apoio à mis-
origem do desenvolvimento de toda a cultura me- são de liberdade dos chefe tswana na Ingla-
dieval 7 e que, acrescento, o continente jamais terra, a m de buscar proteção inglesa contra
conseguiu reproduzir de maneira tão orgânica, as pretensões de Cecil Rhodes9 (1853-1902)
tendendo via de regra a um mecanicismo ins- (p. 313-14).
titucional mais ou menos centralizador, com O único caso em parece realmente não
menor participação da sociedade civil. se vericar qualquer inuência da religião
Ademais da Inglaterra, são apresenta- cristã na cultura, concomitante ou previa-
dos ainda outros exemplos cuja pretensão é mente à liberação econômica, parece ser o
ilustrar a teoria institucionalista. Dentre eles caso de Cingapura. Mas armar que even-
são apresentados as duas Coréias, Botsuana tualmente instituições podem ser as princi-
e Cingapura. pais responsáveis por uma decolagem eco-
Em relação aos dois primeiros, não nômica não corresponde à asserção de que
creio que seja possível armar que o papel o protagonismo de tais transformações lhes
da religião tenha sido tão diminuto. É certo seja sempre, ou mesmo na maioria das vezes,
que no caso da Coréia do Norte, foram efe- reservado. Anal, como armou Ralf Dah-
tivamente as instituições que precipitaram o rendorf:
Construir instituições, e ainda mais uma
país no caos econômico em que ora se encon-
sociedade civil, é uma ideia profundamen-
tra, mas, para além das instituições formais, te difícil. [ ] Edmund Burke (1729-1797)
considerar seriamente o papel da religião [ ] gostava do conceito de sociedade civil.
cristã no desenvolvimento da Coréia do Sul Mas embora armasse que a ‘sociedade ci-
é tarefa à qual, diante de dados como os do vil deve ser construída para vantagem dos
Pew Research Center8, não se pode furtar um homens , ele apenas acreditava parcial-
mente na palavra construída nessa frase.
5
Idem. Ibidem, p. 230-231. A sociedade é de fato um contrato , escre-
veu, mas a parceria criada por esse contrato
6
DAHRENDORF. Reexões sobre a Revolução na não pode ser obtida em muitas gerações;
Europa. p. 137. ela se torna uma parceria não só entre os
7
DAWSON. A Formação da Europa. p. 234. que vivem, mas entre os que vivem, os que
8
Ver: <hp://www.pewresearch.org/facank/2014/08/12/
9
6-facts-about-christianity-in-south-korea/> (acessado em ACEMOGLU; ROBINSON. Por Que as Nações
26 dez. 2014). Fracassam.
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estão mortos e os que ainda vão nascer e ela decidem reformas políticas nos primeiros
é também uma cláusula no contrato prime- momentos de crises, para adaptar a ideia à
vo da sociedade eterna 10. realidade, e, por m, o momento do cidadão,
arrematando ao nal: “A hora do advogado e a
Assim, fala o político anglo-alemão hora do político pouco signicam sem a hora do
em três processos paralelos na estrada para cidadão 11. Por que as nações fracassam parece
a liberdade: a hora dos juristas, que formu- desprezar exatamente o valor dessa última
lam a constituição; a hora dos políticos, que asserção.

11
10
DAHRENDORF. Reexões sobre a Revolução na Idem. Ibidem, p. 132.
Europa. p. 133-34.

Marcos Paulo Fernandes de Araujo


Editor assistente do periódico Communio: Revista Internacional de Teologia e Cultura
Mestre em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Doutorando em Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
marcos.fernandes@ufrgs.br

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