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Estudo dirigido – Biologia

Desvendando o genoma: a corrida para desvendar o DNA humano, Kevin Davies.

Capítulo 3: O olho do TIGR. (pgs. 94-97)

Em 21 de junho de 1991, Venter apresentou a sua nova estratégia de ESTs num artigo da
Science que se tornou ponto de referência, com o título, antes de mais nada, provocador:
“Sequenciamento de DNA Complementar: Etiquetas de Seqüências Expressa e Projeto
Genoma Humano”. (O artigo foi dedicado a seu falecido pai, John, que morrera de ataque
cardíaco com 59 anos.) Enquanto a maioria dos outros relatos de pesquisa tratava
tipicamente de um ou dois genes, o artigo de Venter revelava a identidade de mais de 330
novos genes ativos no cérebro humano, deduzidos a partir da análise da seqüência de
mais de seiscentos clones de cDNA do cérebro aleatoriamente selecionados. A escolha do
cérebro para o projeto piloto de EST foi ditada por dois fatores: primeiro, há mais genes
ativos no cérebro do que em qualquer outro tecido – eles constituem a metade de todos
os genes; segundo, aproximadamente um quarto das mais de 5 mil doenças genéticas
conhecidas afeta o sistema nervoso.

Além de algumas dezenas de correspondências com genes humanos previamente conhecidos, Venter encontrou novos
genes humanos que mostravam fortes semelhanças de sequência com genes interessantes de outras espécies. Por
exemplo, uma forte correspondência ocorreu com a sequência de um gene da Drosophila chamado NOTCH, que codifica
uma importante molécula sinalizadora intercelular. A notável conservação de genes em espécies separadas por centenas
de milhões de anos de evolução é fortemente sugestiva de que eles desempenham papéis importantes. Essa previsão foi
confirmada seis anos mais tarde, quando uma equipe francesa mostrou que as mutações no gene humano NOTCH3 no
cromossomo 19 causam uma forma hereditária de derrame chamado CADASIL (arteriopatia autossômica dominante
cerebral com enfartes subcorticais e leucoencefalopatia).

Mas o impacto global do artigo de Venter foi muito maior do que a soma de suas partes. Enviou ondas de choque pela
comunidade científica. O que ele tinha feito era conceitualmente redundante e tecnicamente mundano – ainda assim,
de um só golpe ele tinha revelado mais genes novos do que qualquer outro relatório até então. Na época da publicação,
o banco de dados de genes público, o GenBank, continha as sequências de menos de 3.000 genes humanos. Quase
sozinho, Venter tinha identificado mais de dez por cento do total mundial em apenas alguns meses.

Em oposição ao estilo impenetrável habitual da prosa científica, Venter já ensaiava um tipo de conversa direta que não
contribuía para torná-lo benquisto entre seus pares. Ele estabelecia um contraste agudo entre a programação monótona
da sequência completa do genoma, que na sua opinião poderia ocupar a maior parte de duas décadas até ser
completada, com a produtividade de seu próprio laboratório, que podia gerar 10.000 ESTs por ano a um custo de apenas
doze centavos por base. “Em nosso laboratório”, concluía Venter, “a abordagem de EST deve resultar no
seqüenciamento parcial da maioria dos cDNAs do cérebro humano em alguns anos.” Ele também previa que alguns
“melhoramentos nas tecnologias de seqüenciamento do DNA tornariam exeqüível o exame essencialmente completo do
conjunto de genes expressos de um organismo.”

Não é surpreendente que os pronunciamentos de Venter tenham incomodado várias figuras graduadas no Projeto
Genoma Humano. John Sulston, o diretor britânico do Projeto Genoma Nematódeo, rejeitou a previsão de Venter de
que poderia identificar a maioria dos genes com amostras de cDNAs, especialmente devido à qualidade inferior de
alguns produtos comerciais. Mas a maior preocupação científica era de que a abordagem de EST desconsiderava
informações genéticas cruciais contidas nos promotores, as sequências de DNA localizadas à frente do início da
sequência de um gene, que controlam onde e quando um gene deve ser ativado. James Watson, diretor do Projeto
Genoma do NIH, sustentava inflexível que os cDNAs não eram um substituto para a análise genômica. Venter admitia
essa falha, afirmando que a sua abordagem de EST devia complementar, em vez de substituir, o Projeto Genoma
Humano. Mas no seu laboratório todos os recursos estavam agora dirigidos para a geração de ESTs.

Oito meses mais tarde, em fevereiro de 1992, Venter era novamente notícia. Num relato na Nature, ele descreveu
sequências de DNA parciais de outros 2375 genes expressos no cérebro. Embora esse relato não tivesse o elemento-
surpresa de seu artigo de 1991 na Science, o seu grupo de quinze pesquisadores estava produzindo um volume
assombroso de dados. Em menos de um ano, o grupo de Venter tinha seqüenciado parte ou o total de mais de 2500
genes humanos – duas vezes o número total de genes seqüenciados pelo resto do mundo naquela época. Além disso,
ele estava aumentando esse número a uma taxa de mais de cem por dia. Houve críticas pouco duradouras de que
algumas das ESTs continham sequencias de DNA de íntrons, mas isso tinha um impacto mínimo sobre a utilidade das
sequências.

Enquanto os cientistas avaliavam os méritos do seqüenciamento de EST, o editor da Nature, Sir John Maddox, lançava
um grito de alerta. Algumas semanas depois de publicar a segunda opus de Venter, ele escreveu: “Na esteira da saída de
James Watson do Projeto Genoma Humano dos Estados Unidos, existe o perigo de que a a abordagem de cDNA seja
apresentada como uma alternativa mais barata para completar o seqüenciamento [do genoma], o que ela não é.”

Questões para discussão

1) O que é um genoma?
2) Em 1991, ou seja, há 18 anos atrás existiam aproximadamente 3000 sequências gênicas no GenBank. Hoje
temos centenas de genomas seqüenciados por completo. Reflita sobre o avanço das ciências genômicas nas
duas últimas décadas. O que podemos esperar para os próximos anos em termos de genômica? Quando você
acha que terá toda informação de seu genoma em DVD, na prateleira de cima da estante da sala?
3) Não é impressionante que a Drosophila tenha genes similares aos nossos? Praticamente todos os genes
relacionados ao metabolismo básico de açúcares, proteínas, lipídeos e ácidos nucléicos são compartilhados
entre uma enorme gama de organismos. O que podemos concluir dessa conservação biológica em nível
molecular?
4) Craig Venter é um dos personagens mais polêmicos do mundo da genômica mundial. Além de ter popularizado
as técnicas de seqüenciamento de ESTs e criado o instituto TIGR (The Institute for Genome Research), ele em
seguida fundou uma empresa chamada Celera Genomics que competiu
com o projeto genoma público para sair na frente quando do
seqüenciamento do genoma humano. O genoma humano seqüenciado
pela Celera é o genoma do próprio John Craig Venter! Tais informações
genômicas, uma vez terminadas, foram vendidas a preços alucinantes para
as indústrias farmacêuticas, sedentas em descobrir novos meios de tratar
doenças. Venter tentou patentear genes humanos e transformou a ciência
genômica em uma grande corrida capitalista. Não obstante, pode-se dizer
que Venter foi também o criador da metagenômica. Ao navegar pelo mar
de Sargaços, Venter coletou amostras de água e seqüenciou as
conservadas moléculas de rRNA ribossômico encontradas ali no ambiente,
abrindo caminho para a chamada genômica ambiental e permitindo
analisar a fauna microbiana de uma diversidade de diferentes ambientes.
John Craig Venter: gênio ou louco? Bom ou mau? Inteligente ou oportunista? Julgue-o ética e cientificamente.

Craig Venter (esquerda) coletando no Mar de Sargaços com Tony Knapp (obtido em
http://scrippsnews.ucsd.edu/Releases/?releaseID=706)

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