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Se por um lado é verdade que o bem-estar depende do cérebro, por outro só nos sentimos
bem quando esse órgão recebe informações do corpo de que também este está em boas
condições. O sistema interoceptivo - que leva informações à ínsula, região do córtex que
monitora o estado fisiológico do corpo e suas expressões emocionais de prazer, surpresa,
medo, alegria - dedica-se exatamente a essa tarefa. Embora o cérebro represente apenas 2%
da massa corporal, ele consome 20% da energia necessária ao longo do dia, trazida pelo
sangue. O fluxo sanguíneo intenso e constante é crítico: uma redução de apenas 1% é
suficiente para provocar mal-estar e até desmaio. Alguns dos principais fatores de risco de
acidentes vasculares são evitáveis, como o fumo, a hipertensão, o sedentarismo e o consumo
excessivo de álcool. Nunca a frase "corpo são, mente sã" pareceu tão embasada
cientificamente: cuidar da saúde física, de fato, faz bem à cabeça - e em médio e longo prazo
significa investir na futura saúde mental. A seguir, oito atitudes que, comprovadamente,
fazem bem à saúde mental e neurológica. Seu cérebro agradece a leitura.
1 Ouvindo emoções
Em linhas podemos dizer que felicidade é o estado do cérebro que vê tudo dando certo:
emoções positivas inibem o córtex cingulado anterior (uma espécie de centro de alarme
cerebral), e provocam maior atividade elétrica no lado esquerdo do córtex frontal. O sorriso,
expressão mais evidente do bem-estar, aparece quando as regiões do córtex que cuidam de
programas motores fazem o músculo zigomático elevar os cantos da boca, e o orbicular dos
olhos apertar levemente as pálpebras; o músculo corrugador da testa (que eleva as
sobrancelhas em situações de medo ou espanto), relaxa. Além disso, é acionado o córtex
órbito-frontal, que registra quando algo de bom acontece - como, por exemplo, a causa do
sorriso. O gesto genuíno de sorrir coincide com o aumento da atividade da região frontal
esquerda, associada à felicidade.
O sorriso ainda tem a vantagem de ser contagioso. Ver alguém sorrir ativa as mesmas áreas
do cérebro acionadas quando nós mesmos sorrimos, incluindo as regiões corticais motoras e o
córtex da ínsula anterior, responsáveis pelas sensações subjetivas do corpo, como o bem-estar
associado ao sorriso.
Apesar dos benefícios cerebrais da alegria, ela deve ter hora - da mesma forma que a tristeza,
uma emoção também importante e útil. Em algumas situações extremas, como a perda de
pessoas queridas, a tristeza profunda é a única resposta razoável de um cérebro saudável. A
depressão, ao contrário, é um estado de tristeza não justificada. Como ela, também existe o
estado de felicidade e motivação desmedidas, exageradas, que não refletem a realidade da
vida: é a euforia (ou mania), condição que à primeira vista parece bênção, mas rapidamente
se torna maldição - e que a neurociência começa a entender como um estado de ativação
exagerada do sistema de recompensa, típico de transtorno bipolar.
Muitos dos transtornos que afligem o cérebro, como a depressão e a mania, podem ser
disparados em períodos de stress intenso. Isso não significa, no entanto, que o stress, por si
só, seja sempre um vilão. É fundamental que possamos identificar situações ameaçadoras e
reagir a elas de forma condizente. O stress agudo tem efeitos benéficos sobre a memória e a
resposta imunológica. A resposta imediata a ele é altamente desejável, pois nos permite
resolver as mais diferentes situações. O cérebro, porém, não apenas responde, mas também
antecipa possíveis situações estressantes. Algumas preocupações são saudáveis, embora
deflagrem uma espécie de stress antecipado, chamada de ansiedade, que pode ser percebido
como indesejável. Em doses saudáveis, no entanto, essa habilidade de "pré-ocupar-se" evita
que nos coloquemos em situações problemáticas, o que é favorável - desde que nas horas
certas.
A ansiedade crônica, porém, diminui a qualidade de vida ao fazer com que o cérebro "crie"
seu próprio stress crônico, apontado pela neurociência hoje como o vilão da história. Por
meio da produção sustentada de doses maciças de hormônios glicocorticoides no sangue, que
agem diretamente sobre neurônios do cérebro, levando-os à morte, a resposta de stress
prolongada e exagerada acaba por tornar ruim para corpo e cérebro tudo o que inicialmente
era bom.
Boa parte dos problemas de saúde mental dos idosos é causada ou agravada pela má saúde
física. A troca de massa muscular por gordura, a tendência ao sedentarismo e à hipertensão
comprometem o desempenho cardiovascular, o que aumenta a possibilidades de ocorrência
de microderrames e acidentes vasculares - sobretudo por causa do acúmulo de placas
ateroscleróticas nas artérias, com o passar do tempo.
Hoje se sabe que o hipocampo, conhecido por seu papel na formação de novas memórias,
também atua como a origem de um sistema de alarme que nos lembra de tarefas a cumprir e
gera a ansiedade que nos chama a atenção para os deveres. Como os neurônios novos no
hipocampo têm ação inibitória, funcionam como um freio que mantém sob controle a
percepção do stress e a resposta a ele. Disfunções nesse sistema, como a perda do controle
inibitório interno do hipocampo, causam ansiedade e aumentam a resposta ao stress.
O sono é fundamental para o bem-estar: é nesse momento que, sem parar de funcionar, o
cérebro descansa, reorganiza as memórias do dia - e se prepara para lidar de maneira saudável
com o stress do dia seguinte. Durante a fase sem sonhos de cada noite ocorre o único período
do dia em que o sistema nervoso simpático, responsável pela resposta ao stress de
disponibilização de energia para a ação, é totalmente desligado. Em seu lugar, o sistema
parassimpático reina sozinho sobre o corpo, permitindo que ele reduza o metabolismo e
reponha suas reservas energéticas.
Já falta de sono é por si só um stress: a insônia leva à liberação de altos níveis de cortisol no
sangue, o que desencadeia alterações no comportamento. Pesquisas realizadas com ratos
impossibilitados de dormir mostram, por exemplo, que os animais se tornam mais agressivos.
Longos períodos de vigília prejudicam a memória e a cognição.
Além disso, a relação entre o sono e a regulação da resposta ao stress faz com que a falta de
sono leve a problemas de saúde associados ao stress crônico. Um estudo recente mostrou que,
entre pessoas que dormem seis horas e meia por noite, aquelas com o sono fragmentado, que
acordam várias vezes durante a noite, têm níveis mais altos de gordura e cortisol no sangue, e
pressão arterial elevada. O problema se agrava porque a ansiedade associada ao
próprio stress crônico pode levar a insônia e fragmentação do sono - o que agrava a resposta
crônica de stress, e torna o adormecimento ainda mais difícil. Outro estudo mostrou que a
falta de sono é duplamente maléfica à capacidade do cérebro de regular a resposta ao stress,
pois não só reduz a produção de neurônios novos no hipocampo como ainda aumenta a morte
dos neurônios que já estão lá.
Para seres sociais, como nós, ter companhia é mais do que um desejo: é uma necessidade,
fundamental para o bem-estar. Curiosamente, essa necessidade não se dá tanto pela
possibilidade de recebermos afeto efetivamente, e sim por sabermos que os outros estão lá,
disponíveis e ao nosso alcance, mesmo que seja apenas para nos ouvir e oferecer um ombro
amigo em tempos difíceis. Por isso, o isolamento prolongado costuma provocar sofrimento
psíquico - e faz o corpo adoecer.
Estudos revelam que pessoas que cultivam relacionamentos conjugais harmoniosos e/ou têm
amigos íntimos adoecem menos e vivem mais do que as que têm poucos relacionamentos
afetivos. O impacto positivo direto dos relacionamentos sobre o bem-estar pode estar na
regulação da resposta ao stress crônico. Se considerarmos que o próprio isolamento é para o
cérebro uma fonte de stress, fica fácil entender por que as pessoas socialmente isoladas têm o
sistema nervoso simpático - aquele que dispara a resposta ao stress - cronicamente hiperativo.
Como a resposta crônica e intensa a vivências estressantes provoca hipertensão e leva à
formação de placas nas artérias, essas pessoas têm de duas a cinco vezes mais riscos de sofrer
de doenças cardíacas. No que talvez seja a descoberta da neurociência de maior impacto
social da década, hoje sabemos como o contato social, na forma de abraços, beijos e carinhos,
garante ao cérebro que você não está sozinho no mundo.
O carinho tem um enorme impacto sobre o cérebro. Esse tipo particular de toque, com
pressão moderada e movimento lento sobre a pele, é detectado por fibras nervosas especiais,
que levam a informação à ínsula. A partir daí, os efeitos são distribuídos pelo cérebro: o
hipotálamo diminui os níveis corporais de hormônios do stress, o locus coeruleus reduz sua
atividade e a quantidade de noradrenalina - neurotransmissor que ativa os sistemas de alerta e
vigília - que ele libera sobre o cérebro. Os músculos relaxam e, ao sentir o corpo menos
tenso, o cérebro também "relaxa". Com menos stress para corpo e cérebro, aumenta a
sensação de bem-estar. Com o tempo, os neurônios do hipocampo são mantidos mais
saudáveis, já que sua atrofia ao longo dos anos adultos é diretamente relacionada ao stress -
incluindo a solidão.
Ao ser acariciado o bebê reconhece a presença de um outro que o aquece, protege e alimenta.
Nessa fase, o afeto "ensina" o cérebro a formar uma resposta saudável ao stress. Também na
vida adulta, o toque delicado é uma maneira poderosa de regular ansiedade e respostas
exageradas ao stress de maneira geral. Mais curioso, contudo, é que o carinho se propaga de
uma geração para a outra. Se a criança é tratada com carinho desde o nascimento, seu cérebro
alcançará uma melhor regulagem" do sistema de resposta ao stress, o que lhe dará mais
chances de se tornar mais resistente a situações que causam medo e ansiedade. E também
mais possibilidades de desenvolver relacionamentos amorosos no futuro.