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ADORNO
MAX HORKHEIMER
DIALÉTICA
DO
ESCLARECIMENTO
fragmentos filosóficos
Tradução:
Cuido Antonio de Almeida
Professor de Filosofia da Universidade F ederal
d o R io d e Janeiro
pôs-se ao inteiro serviço desse projeto. A vida não deve mais, ten-
dencialmente, deixar-se distinguir do filme sonoro. Ultrapassando de
longe o teatro de ilusões, o filme não deixa mais à fantasia e ao
pensamento dos espectadores nenhuma dimensão na qual estes pos
sam, sem perder o fio, passear e divagar no quadro da obra fílmica
permanecendo, no entanto, livres do controle de seus dados exatos,
e é assim precisamente que o filme adestra o espectador entregue a
ele para se identificar imediatamente com a realidade. Atualmente,
a atrofia da imaginação e da espontaneidade do consumidor cultural
não precisa ser reduzida a mecanismos psicológicos. Os próprios pro
dutos — e entre eles em primeiro lugar o mais característico, o filme
sonoro — paralisam essas capacidades em virtude de sua própria
constituição objetiva. São feitos de tal forma que sua apreensão
adequada exige, é verdade, presteza, dom de observação, conheci
mentos específicos, mas também de tal sorte que proíbem a atividade
intelectual do espectador, se ele não quiser perder os fatos que des
filam velozmente diante de seus olhos. O esforço, contudo, está tão
profundamente inculcado que não precisa ser atualizado em cada
caso para recalcar a imaginação. Quem está tão absorvido pelo uni
verso do filme — pelos gestos, imagens e palavras — , que não
precisa lhe acrescentar aquilo que fez dele um universo, não pre
cisa necessariamente estar inteiramente dominado no momento da
exibição pelos efeitos particulares dessa maquinaria. Os outros filmes
e produtos culturais que deve obrigatoriamente conhecer tomaram-
no tão familiarizado com os desempenhos exigidos da atenção, que
estes têm lugar automaticamente. A violência da sociedade industrial
instalou-se nos homens de uma vez por todas. Os produtos da indús
tria cultural podem ter a certeza de que até mesmo os distraídos
vão consumi-los alertamente. Cada qual é um modelo da gigantesca
maquinaria econômica que, desde o início, não dá folga a ninguém,
tanto no trabalho quanto no descanso, que tanto se assemelha ao
trabalho. É possível depreender de qualquer filme sonoro, de qual
quer emissão de rádio, o impacto que não se podería atribuir a
nenhum deles isoladamente, mas só a todos em conjunto na socie
dade. Inevitavelmente, cada manifestação da indústria cultural re
produz as pessoas tais como as modelou a indústria em seu todo.
E todos os seüs agentes, do producer às associações femininas, velam
para que o processo da reprodução simples do espírito não leve à
reprodução ampliada.
As queixas dos historiadores da arte e dos defensores da cultura
acerca da extinção dá força criadora do estilo no Ocidente são assus- <
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