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Variabilidade nos Parâmetros Geotécnicos de Alguns Solos

Residuais Brasileiros
João Barbosa de Souza Neto e Willy Alvarenga Lacerda
Universidade Federal do Rio de Janeiro, COPPE, Brasil

Roberto Quental Coutinho


Universidade Federal de Pernambuco, Departamento de Engenharia Civil, Brasil

RESUMO: Este trabalho apresenta uma análise conjunta de resultados de ensaios de laboratório
referentes a alguns solos residuais brasileiros, tendo em vista a obtenção de possíveis correlações
entre propriedades índices e índices físicos com propriedades mecânicas. Os dados analisados
foram obtidos de publicações nacionais e agrupados segundo o tipo de rocha matriz. O resultado das
análises mostra que solos de mesma origem genética, com semelhantes propriedades índices, podem
apresentar comportamentos distintos, conduzindo a correlações dispersas. Correlações satisfatórias
foram obtidas entre o índice de compressão e o índice de vazios inicial (eo). O mesmo não foi
observado ao se correlacionar o ângulo de atrito com o eo de alguns solos. Como esperado, as
propriedades índices (LL, IP, granulometria, etc) não se mostraram adequadas para o
correlacionamento com propriedades mecânicas. A grande variedade de rochas gnáissicas pode
explicar as dispersões encontradas ao se correlacionar, simultaneamente, os dados de diferentes
locais.

PALAVRAS-CHAVES: Solo Residual, Parâmetros Geotécnicos.

1 INTRODUÇÃO ao longo de todo território nacional, variando,


entretanto, as espessuras dos perfis em função
Classicamente o termo “Solo Residual” é das variâncias dos fatores acima mencionados.
atribuído a todo solo proveniente do Ao se comparar com outras formações, a
intemperismo “in situ” de uma rocha matriz, e principal característica de um solo residual é a
qual não foi removido do seu local de origem sua heterogeneidade, tanto a nível estrutural
por algum agente transportador (água, vento e quanto mineralógico. Em decorrência disso, a
ação da gravidade). definição de parâmetros a serem utilizados em
A espessura de um perfil de solo residual projetos geotécnicos, que sejam representativos
dependerá da intensidade dos processos dos materiais que compõem o maciço, nem
associados ao intemperismo. Portanto, fatores sempre é uma tarefa simples, especialmente
relacionados ao clima, rocha matriz, topografia quando estes parâmetros dizem respeito à
e tempo transcorrido serão os principais resistência.
responsáveis pelo desenvolvimento do perfil. É comum ocorrer a ruptura de taludes em
São nas regiões tropicais que estes fatores solos residuais ao longo de feições geológicas
encontram-se otimizados, onde temperaturas herdadas da rocha matriz, embora as análises de
elevadas, associadas a chuvas intensas, estabilidade, com base em parâmetros de
favorecem o intemperismo químico. Como laboratório, e que não incluem as referidas
conseqüência, é comum encontrar perfis de feições, indiquem que o mesmo seja estável. Há
solos residuais profundos nestas regiões, exemplos na literatura (Costa Nunes, 1969 e
podendo alcançar espessuras da ordem de 100 outros) que atestam isto.
metros de profundidade (Barata, 1981). Este trabalho provém de uma idéia inicial de
No Brasil, solos residuais provenientes dos elaborar um banco de dados em solos residuais,
mais diversos tipos de rochas são encontrados onde os dados deveriam ser agrupados em
função do tipo de rocha matriz. Ao se observar residuais tropicais” são estendidos a materiais
que solos de mesma gênese, com semelhantes com características, nitidamente, diferentes (solo
propriedades índices, podem apresentar laterítico, residual maduro, solo saprolítico).
propriedades mecânicas distintas, questionou-se Uma tentativa de uniformizar esta linguagem
a validade de tal empreendimento. ocorreu em 1985 na “First International
Inicialmente será apresentada uma revisão, Conference on Geomechanics of Tropical
sucinta, das principais características Soils”. Na ocasião, propôs-se dividir o manto de
geotécnicas dos solos residuais. Em seguida, solo que recobre a rocha nas regiões tropicais
será apresentada uma análise conjunta de dados em dois horizontes: 1) solos lateríticos nas
de alguns solos residuais brasileiros, no estado camadas superficiais; e 2) solos saprolíticos nas
natural, tendo em vista a obtenção de possíveis camadas subjacentes. A principal crítica com
correlações. Os dados analisados provêm de respeito a essa definição reside na camada
publicações nacionais (na maioria dissertações). superficial laterítica, a qual pode não ser de
A Tabela 1 apresenta um resumo das origem residual. Mesmo quando o horizonte
referências consultadas. superficial for de origem residual, pouca ou
nenhuma relevância terá o tipo de rocha nas
características geotécnicas deste solo.
2 TERMINOLOGIAS Alguns autores, a exemplo de Deere e Patton
(1971) e Vargas (1971) propõem que o perfil
Não existe uma terminologia universalmente
seja dividido em zonas de intemperismo. A
aceita para descrever as várias classes de solos
Figura 1 apresenta perfis típicos de solos
residuais. Termos como “solo saprolítico”,
residuais brasileiros. Todavia, raros são os
“saprolito” ou “solo residual jovem” são, muitas
estudos que procuram relacionar os resultados
vezes, utilizados para descrever o mesmo
de laboratório com estas zonas. Na grande
material. Outras vezes, termos como “solos
maioria das fontes consultadas para este trabalho
(Tabela 1) as terminologias mais comuns foram
“solo residual maduro” e “solo residual jovem”.
Tabela 1. Referências consultadas e ensaios
Neste trabalho será considerado solo residual
considerados.
Tipos de Ensaios
todo aquele que apresente alguma característica
Rocha Referência estrutural e/ou mineralógica que se relacione
CA ED CD* CT*
Silveira (1993) 4 3 3 1 com a rocha matriz, no caso os solos residuais
Granito Clementino (1993) 4 8 8 ---- jovens.
C. Noronha (1998) ---- ---- ---- ----
Basalto Tanaka (1976) 6 ---- 4 ----
Maccarini (1980) ---- ---- 20 7
3 CARACTERÍSTICAS GERAIS DOS
Campos (1980) ---- 33 ---- ----
Brito (1981) 10 ---- ---- -----
SOLOS RESIDUAIS
Andrade (1990) 3 ---- 8 1
Maciel (1991) 3 3 ---- ---- À medida que o perfil evolui, as partículas e a
Fonseca (1991) 2 ---- ---- ---- estrutura sofrem progressivas modificações em
Carrilo (1993) 2 ---- 2 ---- conseqüência dos intemperismos físico e
Gnaisse
Souza (1995) 2 ---- 2 ----
Lopes (1997) 2 4 ---- ----
químico. Os minerais primários (naturais da
Aleixo (1998) 2 8 ---- 8 rocha matriz) são, progressivamente,
Souza Neto (1998) 5 32 10 ---- transformados em minerais secundários,
Monteiro (1999) 5 5 5 ---- restando apenas os mais resistentes. Alguns
Carvalho (2000) 5 ---- 5 ---- minerais recém formados são removidos por
Fonseca (2000) ---- 2 2 ---- processo de lixiviação, vindo a precipitar-se nos
Seraphim (1974) 2 ---- 4 ----
horizontes subjacentes. Isto resulta em uma
Migmatito De Campos (1974) 4 ---- 11 ----
Chammas (1976) ---- ---- 6 ----
contínua gradação nas propriedades físicas,
Obs.: CA=Ensaio de caracterização; ED=Ensaio mecânicas e na textura do solo ao longo do
edométrico; CD=Cisalhamento direto; CT=Compressão perfil.
triaxial; (*) = Envoltórias.
Figura 1. Perfis típicos de solos residuais brasileiros (Vargas, 1981)

3.1 Mineralogia classificação. Este autor chama atenção a


importância no preparo das amostras na
A mineralogia do perfil será função do tipo de determinação dos Limites de Atterberg. Uma
rocha matriz e do grau de intemperismo. No vez que estes são propriedades índices da fração
caso de rochas ígneas e metamórficas ácidas fina do solo, características de estado (estrutura,
brasileiras, os dados da literatura indicam o compacidade, etc) devem ser destruídas.
quartzo, feldspatos e as micas como os minerais A variação granulométrica ao longo do perfil
mais comuns na fração grossa. Na fração argila, será função da granulometria e mineralogia da
o mineral argílico predominante é a caolinita e rocha matriz. Solos residuais provenientes de
óxidos, especialmente nas camadas superficiais. rochas sedimentares, tal como os arenitos,
Algumas rochas podem conter minerais tendem a apresentar pouca variação nas frações
argílicos expansivos, que persistirão nas com a profundidade. Enquanto rochas ígneas e
camadas menos desenvolvidas de solo residual metamórficas tendem a apresentar maior
(residual jovem), podendo provocar expansão quantidade de argila com a redução da
quando o solo for induzido a alívio de tensão e profundidade. Solos provenientes de rochas
umedecimento. Típicos perfis mineralógicos de ácidas, tal como os gnaisses, tendem a ser
solos residuais que retratam estes aspectos são menos argilosos do que os provenientes de
apresentados em Vargas (1981). rochas básicas, tal como os basaltos. Perfis
típicos que retratam estes aspectos podem ser
3.2 Propriedades índices encontrados em Vargas (1981), Coutinho et al.
(1998), e muitos outros.
O termo “propriedade índice” foi utilizado por Quanto aos limites de Atterberg, a variação de
Vargas (1982) ao se referir àquelas relacionadas LL e LP estará relacionada à fração fina do solo
às características naturais do solo (textura, e sua mineralogia. Em rochas ácidas, como os
plasticidade e teor de matéria orgânica), e estas granitos e os gnaisses, os horizontes de solo
devem ser consideradas para fins de residual jovem tendem a ser não plástico.
Todavia, em solos micáceos, com pouca exemplo típico é apresentado e discutido em
quantidade de argila, podem apresentar Vaughan (1988). Ao contrário dos solos
plasticidade, induzindo a um “índice de sedimentares, o aumento do peso específico nos
atividade”, porém fictício (Vargas, 1988). A solos residuais não está relacionado,
Figura 2 apresenta um perfil de solo residual de diretamente, com o peso das terras e sim com o
gnaisse de Pernambuco, onde ressalta este grau de alteração da rocha.
aspecto.
3.4 Compressibilidade e resistência
3.3 Índices físicos
As variações no índice de vazios conduzem a
A remoção, por processo de lixiviação, dos previsíveis variações nas propriedades
minerais alterados e a conseqüente precipitação mecânicas dos solos. A compressibilidade, em
destes nas camadas subjacentes resulta em geral, diminui com a profundidade, enquanto a
aumento da porosidade nos horizontes resistência aumenta, semelhantemente ao que
lixiviados e redução nos horizontes subjacentes. ocorre nos solos transportados. A diferença é
No perfil, em geral, o peso específico tende a que a variação destas propriedades, nem
aumentar com a profundidade e, sempre, ocorre de forma sistemática, podendo-
conseqüentemente, o índice de vazios tende a se observar comportamento contrário à
diminuir. Todavia, há casos em que esta tendência esperada. Além disso, os parâmetros
tendência não é verificada, podendo ocorrer representativos destas propriedades, raramente,
redução e aumento com a profundidade. A apresentam boa concordância com as
Figura 3 retrata estes comentários. Outro propriedades índices, tal como ocorre nos solos

Figura 2. Variação de algumas propriedades índices de um solo residual de Pernambuco (Coutinho


et al., 1998).
transportados. P o nto s vas ad o s = valo res ind ivid uais  ' (o )
A Figura 3 apresenta um perfil de um solo P o nto s c heio s = méd ia 25 30 35 40

residual de gnaisse de Minas Gerais, onde se 0 0 0 0

C oe s ã o
observa boa concordância entre o índice de 2 2 2 2 Â ng. A trito
vazios e o índice de compressão do solo. No
4 4 4 4
caso do limite de liquidez, esta tendência não

Profundidade (m)
apresenta-se bem definida. Exemplos 6 6 6 6

semelhantes podem ser encontrados em Blight 8 8 8 8

(1988), para um solo residual de cinzas


10 10 10 10
Vulcânicas. Tal fato já foi discutido por
Lacerda et al. (1985). 12 12 12 12

A Figura 4 apresenta um perfil de solo residual 14 14 14 14

de gnaisse do Rio de Janeiro. Os dados desta


16 16 16 16
figura foram obtidos a partir de resultados de
30 35 40 45 0,5 1 1,5 0 100 200 300 20 40 60
ensaios de cisalhamento direto realizados na  (kP a)
LL (% ) eo c' (kP a)
condição inundada. A resistência () considerada
neste perfil refere-se a tensão normal total
Figura 4. Relação entre resistência, índice de
devido ao peso das terras. Neste caso observa-se
vazios e limite de liquidez para um solo residual
a tendência de aumento da máxima resistência
de gnaisse do Rio de Janeiro, Minas Gerais
com a diminuição do índice de vazios. O mesmo
(dados de Maccarini, 1980).
ocorre com o limite de liquidez. Todavia, é
importante ressaltar que estas amostras não
apresentaram limite de plasticidade. Portanto, é
normais compreendidas no intervalo de 50 e
questionável se esta última tendência esteja
500kPa, num total de quatro ensaios por
associada à plasticidade do solo.
envoltória, definida pelo ajustamento de uma
Com respeito aos parâmetros de resistência, o
reta. A envoltória para solos residuais é,
ângulo de atrito aumenta com a profundidade,
geralmente curva, e o valor do ângulo de atrito
ou seja, aumenta com a redução do índice de
decresce para tensões confinantes mais
vazios. O intercepto de coesão apresenta
elevadas. Não foi considerado o efeito de
comportamento variado, sem tendência
curvatura, embora alguns resultados assim
definida. Estes valores são referentes a tensões
sugerissem.
Além dos aspectos físicos, fatores
0 0 0 mineralógicos podem ter grande influência nas
0,5 0,5 0,5 propriedades mecânicas dos solos residuais.
1 1 1 Solos com características físicas e
Profundidade (m)

1,5 1,5 1,5 granulométricas semelhantes tendem a ser mais


2 2 2 compressíveis e menos resistentes à medida que
2,5 2,5 2,5 aumenta o teor de mica em suas frações.
3 3 3 Exemplo disso pode ser encontrado na Figura 5.
3,5 3,5 3,5 Portanto, do que foi exposto no parágrafo
4 4 4 acima compreende-se que, não apenas os
4,5 4,5 4,5 índices físicos, como também a mineralogia,
5 5 5 devem ser levados em consideração ao se
37 38 39 0,5 1 1,5 2 0,2 0,4 0,6 0,8
analisar parâmetros de projeto em solos
LL (% ) eo Cc residuais. Em caso de correlações, a
mineralogia de alguns solos residuais pode ser
tão ou mais importante do que os índices
Figura 3. Relação entre compressibilidade, físicos, resultando em grande dispersão quando
índice de vazios e limite de liquidez para um a mesma não é considerada. Apesar de sua
solo residual de gnaisse de Viçosa, Minas importância, o maior problema em se
Gerais (dados de Monteiro, 1999). estabelecer correlações, que levem em conta os
(1) P o u c a m ic a (S a n d ro n i, 1974)
(2) 7% d e m ic a (S e ra p h im , 1974)
(3) M ic a < 2% (M a c c a rin i, 1980)
(4) 18% d e m ic a (S e ra p h im , 1974)
TENSÃO CISALHANTE (kPa)

600
(5) 23 a 32% d e m ic a (C a m p o s , 1974)
(6) M ic a > 40% (S o u za N e t o , 1998)
500
(2 )
400 Aumento d e (3 )
(4 )
M ic a
300
(5 )

200
(1 )

100
Ensaios de cisalhamento
(6 ) direto inundados
0
0 200 400 600 800

T ENS ÃO NO R M AL (kP a)

Figura 5. Influência da mica na resistência de


solos residuais jovens (A partir de Sandroni, Figura 6. Relação entre índice de vazios e
1991) tensão para um solo estruturado sob compressão
unidimensional (Vaughan, 1988).

aspectos mineralógicos, é a pouca quantidade


de dados existentes na literatura, uma vez que ao normalmente encontrado no estado
não se trata de ensaios corriqueiros nos desestruturado (Cc). A Figura 6 ilustra este
laboratórios de mecânica dos solos. comportamento. Em ensaios de resistência, um
Além da mineralogia, um outro efeito de solo estruturado pode exibir um pico não
relevância no comportamento dos solos relacionado à dilatância. Típico exemplo disso
residuais é a estrutura. Estes solos são pode ser encontrado em Vaughan (1988).
“fracamente estruturados”, conforme
conceituado por Lerouiel e Vaughan (1990). 4 CORRELAÇÕES
Uma das características de um solo estruturado
é o fato deste existir com um índice de vazios Nos itens anteriores foram abordados alguns
superior ao permitido para o mesmo solo não aspectos dos solos residuais que influenciam
estruturado, no mesmo estado de tensão. suas propriedades de engenharia. Foram
Quando o estado de tensão ultrapassa o limite apresentados perfis onde se mostra que as
de escoamento, a relação entre o índice de propriedades mecânicas podem variar,
vazios e a tensão do solo estruturado caminha sistematicamente com os índices físicos, tal
para o estado desestruturado, ocorrendo então como o índice de vazios.
grandes deformações volumétricas, em ensaios Com base nos dados (Tabela 1) tentou-se
drenados, ou aumento de poro-pressão, em correlacionar parâmetros relacionados às
ensaios não drenados. propriedades mecânicas, em especial a
Em compressão unidimensional, este efeito é resistência e a compressibilidade, com índices
refletido através de um aumento na tensão de físicos e propriedades índices. Alguns desses
pré-adensamento (tensão de escoamento), resultados são apresentados e discutidos nos
induzindo a não linearidade no trecho virgem da itens seguintes.
curva e vs. log’v. Em tal situação, as
deformações imediatamente após o limite de 4.1 Compressibilidade
escoamento podem ser caracterizadas por um
índice de compressão equivalente (Ccs), superior Dentre os parâmetros relacionados à
compressibilidade de um solo, o índice de
compressão Cc e o índice de expansão Cs, (Souza Pinto et al, 1993). Apesar dos dados
ambos obtidos por meio de ensaios edométricos referentes a muitos solos residuais
são os mais empregados quando se pretende apresentarem-se bem ajustados à “Faixa de
avaliar recalques em fundações, especialmente Sowers”, o uso de uma relação geral definida
em solos sedimentares argilosos. Para estes com base nestes limites, resultará em uma
solos, boas correlações têm sido obtidas com o estimativa apenas aproximada do índice de
LL e o eo. Todavia, em solos residuais o LL não compressão, devido à amplitude da faixa.
tem-se eficiente quando relacionado com Cc,
resultando em correlações dispersas e sem 4.2 Resistência
sentido prático.
As principais causas dessas limitações se No item 3.4 mostrou-se, para um perfil de solo
devem aos aspectos estruturais e mineralógicos residual de gnaisse (Figura 4), que a resistência
dos solos residuais. São comuns amostras com , referente à tensão normal devido ao peso das
mesmas propriedades índices apresentarem terras, definida a partir das envoltórias de
grandes variações nos índices de vazios, ensaios de cisalhamento direto inundados,
refletindo-se isso na compressibilidade. Muitos apresenta uma tendência de aumento com a
solos residuais possuem textura areno-siltosa, profundidade, à medida que o índice de vazios
muitas vezes de difícil determinação dos limites diminui. O mesmo observou-se para o ângulo
de Atterberg. Efeitos de estruturação, atrito.
especialmente devido a agentes cimentantes, Na maioria dos casos envolvendo
dificilmente podem ser previstos por meio de deslizamentos de encostas em solos residuais, a
ensaios de caracterização e, conforme ruptura ocorre de forma brusca. Muitas vezes,
ressaltado no item 3, este efeito pode ter grande nenhum indício de movimentos é observado, ao
influência na compressibilidade de alguns solos contrário do que ocorre nos colúvios saturados.
residuais. Em conseqüência disso, os acidentes mais
Para contornar este problema, alguns autores catastróficos registrados no Brasil ocorreram
tais como Sowers (1963), Vargas (1981), em encostas de solos residuais (ver Vargas,
Lacerda et al. (1985), Leroueil e Vaughan 1999).
(1990) e muitos outros, propõem correlacionar Isto é uma conseqüência do comportamento
Cc ou Ccs (no caso de solos estruturados) com o tensão-deformação dos solos residuais. Para as
índice de vazios inicial (eo). Acatando esta condições de tensões no campo, estes materiais
sugestão, os dados das referências listadas na
Tabela 1, quando disponíveis, foram
correlacionados segundo esta sistemática. As 0,6
Residual de Granito
Figuras 7 e 8 apresentam os diagramas de
0,5 (ensaios inundados)
dispersão e a equação de ajuste para os solos de
Cc = 0,43eo - 0,09
granito e os de gnaisses, referentes aos ensaios 2
inundados. Vale ressaltar que os resultados dos 0,4 R = 0,76
ensaios edométricos disponíveis para este
Cc

trabalho apresentaram trecho virgem linear. 0,3


Portanto, o índice de compressão considerado
para fins de correlação foi Cc. 0,2
Em ambos os casos, o índice de compressão
aumenta linearmente com o índice de vazios 0,1
inicial. Ao se comparar estes resultados com
faixas de valores definidas por outros autores 0
(Figura 9) observa-se que a maioria dos dados 0,5 0,7 0,9 1,1 1,3
enquadra-se dentro da faixa estabelecida por eo
Sowers (1963) para solos saprolíticos de
gnaisse dos Estados Unidos. O mesmo foi Figura 7. Correlação entre Cc e índice de vazios
observado para solos residuais de São Paulo inicial (solo residual de granito)
0,7 Seguindo a mesma sistemática dos parâmetros
de compressibilidade, tentou-se correlacionar o
0,6
índice de vazios inicial com o ângulo de atrito
0,5
para os dados disponíveis (Tabela 1), referentes
a cada tipo de rocha matriz. As Figuras 10 e 11
0,4 apresentam alguns desses resultados. Devido à
Cc

limitada quantidade de resultados, parâmetros


0,3 de resistência obtidos a partir de diferentes tipos
Residual de Gnaisse de ensaios foram inclusos na mesma correlação.
0,2 (ensaios inundados) Independente do tipo de rocha, a tendência foi
0,1
Cc = 0,35eo - 0,034 sempre de redução de ’ com o aumento de eo.
2
R = 0,60 Entretanto, na maioria dos casos, não foi
0 possível definir correlação única capaz de
0,5 1,0 1,5 2,0 atender todos os dados. No solo de granito
eo (Figura 10) os dados de Silveira (1993) não
seguiram a mesma relação dos demais. Nos
Figura 8. Correlação entre Cc e índice de vazios solos de gnaisse (Figura 11), correlações bem
inicial (solo residual de gnaisse). definidas só foram possíveis para alguns locais
específicos. Ao correlacionar todos os dados de
uma só vez, a dispersão foi de tal ordem que
1 nenhuma tendência definida foi observada. O
ÍNDICE DE COMPRESSÃO (C c )

0,9 Sower (1963) mesmo ocorreu para os solos de migmatito


Saprolítico de Gnaisse analisados. Quanto ao solo de basalto, pouco se
0,8
Gnaisse pode concluir, uma vez que os dados referem-se
0,7
Granito
a um local específico.
0,6 A explicação disso pode estar nas variedades
0,5 Saprolito de de litotipos existentes em cada classe de rocha,
gnaisse
0,4 M ori et al. (1974)
capazes de apresentar mineralogia e feições
Azevedo
0,3 (1972) Residual de Basalto
0,2
Saprolítico de basalto 55
0,1 N unez e M icucci (1985)
0 50
Alto da Boa Vista, RJ
ÂNGULO DE ATRITO

0 0,5 1 1,5 2 2,5 Silveira (1993)


45 ' = -45,66eo + 80,77
ÍNDIC E DE VAZIO S INIC IAL (e o )
R2 = 0,77
40
Figura 9. Posição dos dados disponíveis em
relação a faixa de valores de outros autores (A 35
Madureira
partir de Lacerda et al., 1985) (Clementino, 1993)
30 Av. Américas, RJ
alcançam a resistência máxima para pequenas (Cons. Noronha, 1998)
deformações, com súbita redução após este 25 ' = -53,24eo + 71,51
pico. Nos solos coluvionares a condição de R2 = 0,71
ruptura é alcançada após grandes deformações, 20
o que explica os grandes movimentos que se 0 0,5 1 1,5
observam nos colúvios antes de ocorrer um ÍNDICE DE VAZIOS INICIAL
deslizamento de grandes proporções.
Considerando o comportamento tensão-
deformação dos solos residuais, os parâmetros Figura 10. Correlação entre o ângulo de atrito e
de resistência considerados neste trabalho, para o índice de vazios inicial em solos residuais de
fins de correlação, referem-se aos de pico. granito (ensaios inundados / saturados).
38 60
Gávea, RJ (Maccarini, 1980)
Gávea, RJ (Maccarini, 1980)
36 c' = -8,24 A + 83,6
' = -11,53eo + 43,60 50
R2 = 0,88
ÂNGULO DE ATRITO

34 R2 = 0,73
40
32

c', kPa
30
30

28 20

26
J. Botânico, RJ (Andrade, 1991) 10 Cisalhamento direto
24 ' = -23,87eo + 52,90 Ensaios inundados
R2 = 0,97 0
22
2 4 6 8 10
0,7 0,9 1,1 1,3
% ARGILA
ÍNDICE DE VAZIOS INICIAL

Figura 12. Correlação entre intercepto de


Figura 11. Correlação entre o ângulo de atrito e
coesão e percentagem de argila em um solo
o índice de vazios inicial em solos residuais de
residual da Gávea, Rio de Janeiro (dados de
gnaisse (ensaios inundados / saturados).
Maccarini, 1980).

estruturais diversas, resultando em solos


heterogêneos e com propriedades mecânicas argila. Entretanto, tal tendência não pode ser
distintas, embora, muitas vezes, apresentem encarada como um padrão de comportamento,
semelhantes índices físicos e propriedades já que, apenas neste local, tal tendência foi
índices. A título de exemplo, uma areia siltosa observada. Comentários sobre a variação de
pouco micácea tende a apresentar ângulo de parâmetros mecânicos com o intemperismo
atrito da ordem de 28 a 30o, enquanto em uma podem ser encontrados em Bligth (1988).
areia siltosa não micácea, este valor pode ser
superior a 35o.
Tal fato ressalta a importância de considerar as 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
características mineralógicas na caracterização
dos solos residuais, especialmente da fração Este trabalho partiu da idéia de se elaborar um
grossa, uma vez que, na maioria das rochas, a banco de dados em solos residuais brasileiros,
fração fina é composta de minerais inativos. agrupando resultados de ensaios de laboratório
Nos granitos e nos basaltos, a mineralogia é referentes às diversas classes de rocha. O
relativamente uniforme, o que resulta em solos objetivo principal de tal empreendimento seria
mais homogêneos, mesmo provenientes de fornecer faixas de valores de parâmetros de
diferentes locais. Com isso, é possível que projeto e/ou correlações, que servisse de base
correlações com solos residuais provenientes aos profissionais que lidam com problemas
destas duas classes possam apresentar melhores geotécnicos envolvendo tais formações. Ao
resultados. Todavia, a limitada quantidade de correlacionar parâmetros com índices físicos e
dados analisados não permite uma conclusão propriedades índices, raramente as correlações
definitiva. obtidas foram consistentes, principalmente em
O intercepto de coesão não apresentou solos gnáissicos. Correlações razoáveis foram
correlações consistentes com nenhum índice obtidas com o Cc e o eo. Tentativas de
físico. Apenas, em um local específico (Figura correlacionar parâmetros mecânicos
12), alguns dados do solo de gnaisse (compressibilidade e resistência) com
apresentaram tendência de redução do intercepto propriedades índices não apresentaram
de coesão com o aumento do percentual de resultados satisfatórios. É possível que uma das
causas das dispersões obtidas seja a Chammas, R. (1976). Estudo da estabilidade de
mineralogia. Todavia, devido à limitada um talude natural de solo residual
quantidade de dados analisados torna-se migmatítico da rodovia RJ-20. Dissertação
prematuro apresentar uma conclusão definitiva. de MSc, PUC-RJ”. Rio de Janeiro
Clementino, R.V. (1993) Características dos
solos coluvionares e residuais de granito do
REFERÊNCIAS escorregamento da Rua Licurgo, RJ.
Dissertação de MSc, COPPE/UFRJ. Rio de
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