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DOI: 10.1590/1413-812320152111.

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Botega NJ. Crise Suicida: avaliação e manejo. Porto cognitivo-comportamental, em que o suicídio “é

RESENHAS BOOK REVIEWS


Alegre: Artmed; 2015. concebido como uma forma extrema de comporta-
mento de esquiva”. Comenta sobre as posições de
Ana Elisa Bastos Figueiredo 1 autores como Shneidan, que compreende o suicídio
1
Departamento de Estudo de Violência e Saúde Jorge como “uma dor insuportável, vivenciada como uma
Careli, ENSP, Fiocruz turbulência emocional interminável, uma sensação
angustiante de estar preso em si mesmo, sem encon-
O livro trata da crise suicida, sua avaliação e manejo. trar a saída”; Durkheim, que sob o ponto de vista da
É direcionado a profissionais do campo da saúde, do sociologia, mostra que a morte por suicídio “advém
direito, dos direitos humanos da suicidologia e a todos da pressão e tensão social”; Camus que em seu livro
que se interessam pelo tema. O Mito de Sísifo enfoca o suicídio como uma questão
Na Introdução o autor delimita seu campo de filosófica em que a essência é o viver ou não viver.
estudo ao definir o que entende por crise e, especifi- No item 4 o autor nos levar a percorrer questões
camente, por crise suicida. Mostra que ao avaliar o como os Fatores de risco para o suicídio: fatores
risco de suicídio na prática clínica, o profissional e o sociodemográficos, mentais, psicossociais e outros
paciente estão envolvidos em um “campo intersubje- como o acesso aos meios letais e sua incidência ao
tivo”. Dependendo de como esse encontro se dá pode longo do tempo e os Fatores de proteção: persona-
possibilitar uma boa avaliação clínica e o estabeleci- lidade e estilo cognitivo; estrutura familiar; fatores
mento de uma aliança terapêutica. No item 1. Atitudes socioculturais e outros como gravidez, puerpério,
faz um percurso histórico de como o fenômeno sui- boa qualidade de vida. Convém ressaltar que cada
cídio foi compreendido desde os povos primitivos, um desses fatores é discutido pelo autor, sendo que
passando pela antiguidade greco-romana, em que o os destaques vão para o “paradoxo de gênero” e a
suicídio era visto com tolerância, um ato de liberdade, “tentativa de suicídio no Hospital das Clínicas da
honroso, pela Europa na Idade Média, o século XVII, UNICAMP”. O item 5 é dedicado aos Transtornos
onde busca Shakespeare com sua questão “ser ou não mentais como a depressão, o transtorno bipolar, os
ser” como paradigma para suas reflexões, chegando transtornos decorrentes do uso de álcool, os trans-
aos tempos modernos, colocando como ponto de tornos de personalidade, delirium, e outros: esqui-
pauta a saúde pública. Nesse mesmo item apresenta zofrenia, transtorno delirante, de ansiedade e ano-
a compreensão que as várias culturas e religiões cons- rexia nervosa. Interessante a forma de apresentação
truíram sobre o suicídio e a atitude dos profissionais deste item pelo autor – quadros explicativos que
de enfermagem em relação ao comportamento suici- facilitam ao leitor a visualização do que vai ser abor-
da. Para compreender a atitude dos profissionais de dado. O exame do estado mental dos pacientes com
enfermagem aplicou um questionário com 317 par- risco de suicídio é tema de relevância, e o autor
ticipantes e os resultados desse estudo informaram apresenta um modelo de exame psíquico que inclui
que aqueles profissionais que participaram de treina- aparência e postura, nível de consciência, orientação,
mento passaram a reagir mais positivamente cada vez atenção, memória, sensopercepção, pensamento,
que se depararam com pacientes em risco de suicídio. linguagem, juízo da realidade, vida afetiva, volição,
A intenção é preparar os profissionais de enfermagem, psicomotricidade, inteligência, personalidade e os
fundamentais na prevenção do suicídio, para o ma- sentimentos contratransferenciais que incluem a
nejo terapêutico. No item 2 é descrita a Magnitude do capacidade de crítica e o desejo de ser ajudado. Por
fenômeno suicídio, com ênfase no Brasil, levando em fim, apresenta uma Escala Hospitalar de Ansiedade
conta as questões relacionadas à diversidade regional, e Depressão (HAD) e o Miniexame do Estado Men-
as variações por sexo e idade, os meios de suicídio, as tal (Mini-Mental), importantes de serem utilizados
tentativas e as ideações suicidas, analisando com um pelos profissionais de saúde ao lidarem com os pa-
olhar crítico as estatísticas sobre suicídio. Apresenta cientes. No item 6 é discutida a Avaliação de pacien-
ainda um mapeamento do suicídio na cidade de São tes com crise suicida, em que são abordados os tipos
Paulo e o suicídio entre os povos indígenas, traçando de riscos – agudo, subagudo e crônico; as possibili-
um panorama da questão no Brasil. No item 3 Enten- dades de ocorrência; e os aspectos clínicos mais re-
dimentos demonstra como algumas teorias científicas levantes. Dando seguimento a este item, são tratados
têm se ocupado do comportamento suicida sejam elas temas como: a sistematização da avaliação; o que
biomédicas, psicológicas, sociais ou filosóficas. Inicia está acontecendo com o paciente; o estado mental;
pelas teorias biológicas, movidas pela genética com- a intencionalidade suicida e os principais fatores de
binada com fatores ambientais. Segue comentando as risco e proteção para o suicídio, dentre eles os trans-
teorias psicológicas, entre elas a psicodinâmica, com tornos mentais, a tentativa de suicídio pregressa e o
foco na simbiose e individuação e ato-dor; a teoria risco crônico de suicídio. Em todos os temas abor-
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dados neste item, como nos demais, o autor tem da a Psicoterapia de crise como um dos instru-
o cuidado de apresentar quadros e figuras onde as mentos importantes para abordagem dos pacien-
questões são colocadas de forma a permitir ao tes que vivenciam a crise suicida. Esse item inclui
leitor a visualização imediata e a compreensão do o referencial teórico, os princípios da psicoterapia
que está sendo tratado. São apresentados também de crise, e as propostas de diálogo, lembrando que
alguns lembretes para os profissionais de saúde no “é recomendável primeiro ouvir e acolher sem
processo de avaliação: risco em quadros instáveis, pressa”. E que as propostas sugeridas não devem
internação psiquiátrica, falsas melhoras como o ser tomadas como “receitas simplificadas”. Nos
início de recuperação da depressão e quando a itens 9, 10 e 11 são discutidas questões relaciona-
crise perdura e o paciente transmite calma repen- das ao Cuidar, a Possibilidade de manter o pacien-
tina. Ao final deste item é comentada a Formulação te estável e O que fazer após um suicídio. Esses
do risco, isto é, as considerações do profissional itens são ilustrados com casos clínicos e demons-
sobre o risco de suicídio do paciente sob seus tram a atuação dos profissionais face ao paciente
cuidados e o autor chama a atenção para o fato de com risco de suicídio. Interessante o aspecto em
que “a formulação de risco só é possível após uma que o autor comenta o dilema profissional de
avaliação clínica cuidadosa e sistemática. Basear-se “estar no controle ou dar autonomia” ao paciente
apenas na intuição, após breve entrevista sem e o “impacto do suicídio” de um paciente no pro-
informações detalhadas é temerário”. Ainda nesse fissional que lhe dá assistência direta. No item 12
item Avaliação é descrito o risco de suicídio entre são descritos os Aspectos legais que envolvem o
adolescentes, sendo enfatizados os sinais de alerta suicídio, inclusive a relação entre suicídio e euta-
e os fatores de risco para o comportamento suici- násia. No item 13 é abordada a Prevenção do
da. Ao final o autor apresenta um Roteiro para suicídio em que são postos os marcos recentes na
Avaliação do Risco de Suicídio, no sentido de trajetória de prevenção do suicídio no Brasil, os
orientar os profissionais de saúde a compreender níveis de prevenção – universal, seletiva e indicada,
e manejar a situação vivida pelo paciente. O item apresentando o público alvo e exemplos de ações
7 é dedicado às Primeiras Providências a serem e estratégias a serem desenvolvidas em cada um
tomadas pelos profissionais. Na figura “Sequência desses níveis –, as sugestões para as reportagens
de ações que compõem um plano terapêutico sobre suicídio, enfatizando que “em vez de manter
geral de amparo na crise suicida”, o autor esque- o tabu de não noticiarem suicídios, os meios de
matiza aspectos relevantes considerados como comunicação devem fazê-lo com sensibilidade e
prioritários no contato com o paciente: 1. Manter ponderação” Ao final da leitura deste livro uma
o paciente seguro: impedir que se mate, afastando reflexão me acompanha: Ninguém pode saber de
meios letais, proporcionando apoio emocional e antemão que distúrbio, que sofrimento aflige o
vigilância e incentivando atividades programadas; paciente; é preciso descobri-lo, desvendá-lo pou-
utilizar psicofármacos para diminuir a ansiedade co a pouco e não produzi-lo1. Sábio foi Cangui-
e garantir a noite de sono; e identificar pessoas lhem ao nos apresentar esse princípio fundamen-
significativas e obter apoio; 2. Esclarecer e apoiar tal da clínica e que Botega, de forma magistral, nos
os familiares; 3. Monitorar e obter colaboração: apresentou em seu livro, tomando como cerne a
incrementar e facilitar contatos por meio de con- crise suicida. Como relevante e que reafirma as
sultas frequentes e telefonemas periódicos; elabo- colocações de Canguilhem, o mérito maior do
rar um plano de segurança identificando gatilhos livro está na possibilidade de prevenir e minimizar
para o suicídio, diminuindo estressores, aumen- as crises suicidas, ao fornecer subsídios para a
tando o apoio social e viabilizando contatos atenção em saúde, impedindo inclusive a distorção
emergenciais; repetir a avaliação do risco; 4. Dis- do acolhimento, da atenção e do manejo dos casos
cutir clinicamente o caso com a supervisão, reven- e os eventuais e possíveis atos iatrogênicos muitas
do disponibilidade externa e interna tanto do vezes fatais.
paciente como do profissional. 5. Manter o pacien-
te estável, diagnosticando e tratando transtornos
mentais, lidando com estressores clínicos, abor- Referências
dando comportamentos disfuncionais, estimulan-
do e encaminhando para a psicoterapia e cuidan- 1. Canguilhem G. Le normal e le pathologique. Paris: Presses
Universitaires de France; 1943.
do da adesão ao tratamento. No item 8 é aborda-

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