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A EMPRESA RURAL NO
CÓDIGO CIVIL DE 2002

CELSO TOSHIO SAKAMOTO


Aluno do 2º ano do Curso de Direito da UNESP (campus de Franca-SP)

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceitos Preliminares. 2.1. A Atividade


Rural. 2.2. A Propriedade e a sua Função Social. 2.3. A Atividade
Empresarial e a Empresa Rural. 2.4. O Direito Agrário. 3. A Questão Rural
na Constituição Brasileira. 4. O Direito Agrário e o Direito Civil. 5. Tipos
de Empresa Rural. 5.1. Sociedade Cooperativa. 5.2. Sociedade Limitada.
5.3. Sociedade Anônima. 5.4. Outras Formas Societárias. 6.
Conseqüências da Constituição da Empresa Rural. 7. Aspectos Pertinentes
à Empresa Rural. 8. Considerações Finais. 9. Referências Bibliográficas.

1. INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por escopo abordar a empresa rural dentro do


enfoque do direito de empresa, considerando a atual legislação brasileira.

A modernização do sistema de produção das atividades rurais e a


complexidade das relações no mundo atual exigem também modernização das disciplinas que
as regulam. Questiona-se na doutrina a ligação da empresa com a cultura rural, apesar de que
a atividade agrícola é uma das atividades produtivas mais antigas do homem. O conceito de
empresa agrícola nasceu para o direito quando começou a assumir relevo como um instituto
separado e diferente da propriedade do fundo rústico. Anteriormente, a agricultura interessava
unicamente como disciplina de um tipo particular de propriedade, a propriedade fundiária e,
em conseqüência, o processo produtivo ficava fora da disciplina jurídica. A empresa rural é
um instituto fundamental do direito agrário, que busca dentro de suas especificidades entender
e interpretar em todos os aspectos de valoração deste instituto, deixando de lado a óptica
meramente fundiária do imóvel rural, e sendo vista como empresa que exerce uma atividade
produtiva, organizada e profissional.
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Mesmo para os milhares de produtores rurais, presos a um sistema


convencional de agricultura, pensar na propriedade rural como uma empresa pode ser mais
vantajoso do que imaginam.

A questão agrária no Brasil sempre foi sensível e sempre esteve inserida


entre as grandes questões nacionais, seja sob o ponto de vista econômico, seja sob o ponto de
vista social, cultural ou político. Intimamente ligada ao direito de propriedade e à função
social dele decorrente, teve, inclusive, envolvimento crucial para a instalação do regime
militar de 1964.

A estabilização política brasileira com a consolidação da democracia


após 1985, e as transformações por quais o mundo passa, tais como o fenômeno da
globalização, trazem ao debate a necessidade de jogar nova luz sobre as discussões e buscar
procedimentos inovadores e desafiadores.

Em uma plataforma mais concreta, o Código Civil de 2002 (CC/2002 –


Lei nº 10.406, de 10/01/2002) trouxe algumas novidades com relação ao direito de empresa, a
começar pela própria denominação do Livro II – “Do Direito de Empresa”. A atividade rural,
até então, sempre esteve vinculada ao direito civil e ao direito agrário (Estatuto da Terra – Lei
nº 4.504, de 30/11/1964). Com a vigência do novo código, permitiu-se o funcionamento deste
tipo de atividade sob a forma de sociedade empresária, podendo ser constituída em
conformidade com um dos cinco tipos societários nele discriminados. Assim, pelo art. 984, a
sociedade que tenha por objeto o exercício de atividade própria de empresário rural e seja
constituída, ou transformada, de acordo com um dos tipos de sociedade empresária, pode,
com as formalidades do art. 968, requerer inscrição no Registro Público de Empresas
Mercantis da sua sede, caso em que, depois de inscrita, fica equiparada, para todos os efeitos,
à sociedade empresária.

2 CONCEITOS PRELIMINARES

2.1 A ATIVIDADE RURAL


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A atividade rural é termo usado para designar a atividade econômica


desenvolvida na zona rural, ou no campo. Mas não basta apenas que seja atividade
desenvolvida no campo; deve haver um envolvimento de produção ligada à terra, seja de
natureza animal ou vegetal, sob orientação da ação humana. Assim, consideram-se como
atividade rural a exploração das atividades agrícolas e das atividades pecuárias; a extração e a
exploração vegetal e animal; a exploração da apicultura, da avicultura, da suinocultura, da
sericicultura, da piscicultura e de outras de pequenos animais; a transformação de produtos
agrícolas ou pecuários, sem que sejam alteradas a composição e as características do produto
“in natura”, realizada pelo próprio agricultor ou criador, com equipamentos e utensílios
usualmente empregados nas atividades rurais, utilizando-se exclusivamente matéria-prima
produzida na área explorada (p.e.: descasque de arroz, conserva de frutas, moagem de trigo e
milho, pasteurização e acondicionamento do leite, assim como o mel e o suco de laranja,
acondicionados em embalagem de apresentação; produção de carvão vegetal; produção de
embriões de rebanho em geral (independentemente de sua destinação: comercial ou
reprodução).

De todo o apresentado, é possível identificar aspectos fundamentais,


que podem distinguir as atividades em três grupos:

1- Explorações rurais típicas, que compreendem a lavoura (tanto a temporária, como arroz,
feijão e milho, quanto a permanente, como café, cacau, laranja e outros), o extrativismo
animal e vegetal, a pecuária de pequeno, médio e grande porte e a hortigranjearia (produção
de hortaliças, ovos etc.).

2- Explorações rurais atípicas, que envolvem beneficiamento ou transformação dos produtos


rústicos (matéria-prima), e que são denominadas genericamente de agroindústria, como por
exemplo a produção de farinha, o beneficiamento de arroz, etc. A agroindústria se refere aos
processos industriais desenvolvidos no limite territorial da produção rural.

3- Atividades complementares da exploração agrícola, que compreendem o transporte e a


comercialização dos produtos. São etapas finais do processo produtivo e situam-se no setor
terciário da economia. Os transportes são atividades típicas de prestação de serviços e a
comercialização, atividade tipicamente mercantil (comercial). Mais uma vez, é importante
ressaltar que devem se referir a atividades desenvolvidas no limite territorial da produção
rural.
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O termo “atividade agrária” é usado numa abrangência mais restritiva


que “atividade rural”. Autores distinguem a atividade agrária como aquela relacionada às
explorações rurais típicas, já citadas, diferenciando-a das atividades industriais e comerciais.
Destacam-se Antônio Carroza e Antônio Vivanco. O primeiro introduziu a teoria mais
moderna, para a qual existe um critério intrínseco à atividade agrária, que depende
diretamente de um ciclo biológico ligado à terra e aos recursos da natureza, separando,
portanto, as atividades agrárias das atividades comerciais e industriais. A teoria da
acessoriedade, proposta pelo segundo, esclarece que todas as atividades de transformação e
venda dos produtos agropecuários são complementares à atividade agrária.

2.2 A PROPRIEDADE E A SUA FUNÇAO SOCIAL

Nas sociedades primitivas, não havia uma preocupação específica sobre


a questão da propriedade particular de terras, tendo em vista que o solo pertencia à
coletividade – tribo ou família. A propriedade individual limitava-se às coisas móveis,
essencialmente objetos de uso pessoal ou alimentos. A própria condição de vida do homem
primitivo, que somente se apropriava do que a terra lhe dava, como frutos e caças, e quando
estes escasseavam, simplesmente mudava para outros lugares, favorecia a conformação a esse
padrão. Mesmo com a fixação do homem, fundando cidades, as terras ainda pertenciam aos
nobres em nome do poder divino. O antigo direito grego admitia timidamente formas de
propriedade privada, havendo registros da divisão de terras entre os membros de grupos
familiares.

Lentamente, entre os séculos VII e VI a.C., a idéia de propriedade


imobiliária individual foi tomando corpo, embora não houvesse uma definição técnica.
Também na Roma antiga não havia um conceito escrito de propriedade. Esta era tida
primeiramente como coletiva, indivisa, pertencente a gens, e englobava a terra, os animais e
os escravos. Estava intimamente ligada à posse. Suas características próprias eram a
perpetuidade, a exclusividade, o teor absoluto, a isenção de impostos, a extensão a tudo que se
encontrava abaixo e acima do solo e a quase inexistência de limitações. O poder de decisão
inerente ao patrimônio familiar pertenceu, por muito tempo, de forma praticamente exclusiva,
ao pater familias. Posteriormente desenvolveram-se os grandes latifúndios, e somente com
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Justiniano houve um incremento nas limitações estatais, com a instituição da possibilidade de


expropriação, que tinha uma motivação de utilidade pública.

Ao longo do tempo, a civilização romana estabeleceu um sólido sistema


jurídico, tendo, inclusive, adentrado o campo do direito à propriedade privada. Atualmente, o
direito à propriedade é tutelado no ordenamento jurídico de várias nações, inclusive o
brasileiro, de tal maneira como sustentado pelos romanos há centenas de anos, tão avançado
foi o seu grau de desenvolvimento.

No período pós-clássico, o proprietário que não cultivava seu terreno


perdia a propriedade do mesmo para aquele que o vinha cultivando há mais de dois anos, o
que demonstra uma preocupação acerca da correta destinação da propriedade agrícola.

O feudalismo, na Idade Média, trouxe profunda modificação no direito


de propriedade. O domínio foi dividido em direto e útil. O proprietário do imóvel, titular do
domínio direto, repassava a posse da terra a outrem, o vassalo, que tornava-se assim titular do
domínio útil. Era uma relação onde reinava o binômio propriedade/política, posto que ser
dono de bens imóveis era fator de poder. Como resultado, os próprios vassalos passaram a
criar novas divisões de domínio, em relação a outros subservos, ou subvassalos, dando origem
a uma complicada trama de interdependências jurídicas.

Entretanto, o direito à propriedade privada é fruto de uma secular


elaboração conceitual, que teve nos ideólogos do liberalismo a sua primeira fundamentação
teórica. O direito há muito tempo requeria da economia política argumentos que justificassem
a propriedade individual. As ponderações dos teóricos do liberalismo assentavam mais ou
menos sobre o justo e o útil para a sociedade ou sobre a salvaguarda da liberdade, sem
necessariamente excluir a proteção da liberdade do outro. O sistema, porque fundado no
liberalismo econômico e na livre iniciativa, consagrara a liberdade dos titulares dos direitos
quanto à destinação dos bens e suas possibilidade de utilização e de gozo. Segundo os liberais,
a propriedade individual aumenta a produção, porque a incitação do interesse pessoal elimina
a preguiça e o desperdício.

Contudo, o liberalismo puro conduziu a uma opressão social das elites


sobre as camadas mais desfavorecidas da sociedade. Contrapondo os liberais, emergem os
movimentos sociais, que contestam a visão francamente individualista da propriedade. Dizem,
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a propriedade, enquanto bem, se configura como relação entre pessoa e coisa e, portanto, as
coisas ou bens devem ser instrumentos a serviço dos homens para a satisfação de suas
necessidades. Na evolução do pensamento, o individualismo da propriedade perde espaço
para o interesse coletivo, de modo a subordiná-la, cada vez mais, ao bem comum. Não é
possível admitir que o titular empregue seu imóvel em atenção a fins puramente individuais.
Cumpre-lhe, ao contrário, fazê-lo de uma forma útil à sociedade, usando-o como um
instrumento de riquezas e visando a felicidade de todos. A propriedade, assim, constitui-se em
um verdadeiro encargo social voltado ao bem estar da coletividade. E, de fato, sendo escassos
os bens naturais postos à disposição do homem, exige-se que seu uso se faça para proveito de
todos, ainda que se deva respeitar a propriedade como um direito subjetivo individual.

A própria Constituição Federal do Brasil de 1988 (CF/88) preceitua que


o regime jurídico da terra está alicerçado na doutrina da sua função social. Infere-se que a
doutrina da função social da propriedade rural está fundada na destinação social e econômica
da terra. A produtividade corresponde, pois, a um elemento da aludida função. Dessa maneira,
aquele que detém a propriedade agrícola tem o dever de utilizá-la não simplesmente como um
bem patrimonial, subserviente aos seus interesses pessoais, mas sim, como um bem de
produção, capaz de gerar, de forma mediata, riquezas para atender a toda uma coletividade.

Dispõe os arts. 5º, XXII e XXIII, e 184, caput, da CF/88:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
...................................................................................................................................
XXII - é garantido o direito de propriedade;
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
...................................................................................................................................

Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma
agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia
e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do
valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua
emissão, e cuja utilização será definida em lei.

...................................................................................................................................

2.3 A ATIVIDADE EMPRESARIAL E A EMPRESA RURAL


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De acordo com a teoria do direito de empresa, esta é entendida como


organização econômica que se dedica à produção ou venda de mercadorias, a atividades de
intermediação de serviços ou de compra e venda de bens imóveis. Qualquer atividade
econômica pode ser organizada sob a forma de empresa. Este é o enfoque da Teoria da
Empresa, fruto da unificação dos direitos civil e comercial ocorrido na Itália, em 1942. Note-
se que empresa é entendida como atividade empenhada na produção, circulação e distribuição
da riqueza, não como entidade.

Na Teoria da Empresa, não se confundem as figuras da empresa, do


estabelecimento e do empresário. O empresário é o titular da empresa; o estabelecimento é o
conjunto de elementos corpóreos e incorpóreos sobre os quais se assenta a empresa. A ação
do empresário faz existir a empresa e o estabelecimento, os quais, por sua vez, propiciam-lhe
os resultados econômicos desejados como remuneração do seu capital e do seu trabalho.
Nesse agir, empenham-se compromissos e adquirem-se direitos. É assim que a empresa
cumpre sua finalidade econômico-jurídica. O empresário – agente maior e destinatário dos
interesses empresariais – é o responsável pela atuação da empresa no mundo do direito.

Entretanto, o próprio Código Civil Brasileiro, ao tratar do tema, não


define diretamente o que seja empresa. É o que traz o seu art. 966:

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade


econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

É da doutrina, conforme exposto, que advêm os conceitos de empresa e


atividade empresarial. Não obstante o enfrentamento dessa questão doutrinária, o CC abre
espaço para a empresa rural ao autorizar o registro do empresário rural.

Lei nº 10.406, de 10/01/2006 (CC):

...................................................................................................................................
Art. 970. A lei assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao
empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daí
decorrentes.

Art. 971. O empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode,
observadas as formalidades de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer
inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em
que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário
sujeito a registro.
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O registro visa dar garantia, publicidade, autenticidade, segurança e


eficácia aos atos jurídicos das empresas, como também cadastrar as empresas nacionais e
estrangeiras em funcionamento no Brasil. O empresário goza de proteção quando estiver
regularmente inscrito (registrado).

Mas para gozar da proteção jurídica e das prerrogativas próprias de


empresário é necessário que a inscrição seja regular, que se processe no órgão competente
específico (art 1.150, CC):

Lei nº 10.406, de 10/01/2006 (CC):

...................................................................................................................................
Art. 1.150. O empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público
de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, e a sociedade simples ao
Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o qual deverá obedecer às normas fixadas para
aquele registro, se a sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade empresária.

No caso da sociedade empresária, o registro regular faz nascer a pessoa


jurídica, que a torna capaz de direitos e obrigações; estabelece a distinção entre o patrimônio
da pessoa jurídica e os dos sócios, como também possibilita a alteração de sua estrutura
interna.

A inserção do empresário rural no CC/2002 decorre da evolução da


atividade agrária no mercado econômico. A atividade agrária tornou-se economicamente
organizada e com objetivo de mercado. Desta forma, o legislador brasileiro se viu obrigado a
incluí-la no âmbito empresarial comum, com observância do seu caráter especial.

2.4 O DIREITO AGRÁRIO

Direito agrário vem da palavra “agri”, “ager”, os quais derivam de


“agrarius”, que significa campo. Agrário é o campo suscetível de produção. Portanto, o
direito agrário se refere ao direito que envolve as questões do campo e das atividades rurais.
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A denominação do direito agrário é bastante controvertida entre os


estudiosos. A preferência de sua denominação é essa, mas é possível encontrar outras
nomenclaturas: direito rural, direito da agricultura, direito agrícola ou direito da reforma
agrária. De qualquer maneira, o direito agrário é o conjunto de normas imperativas e
supletivas e princípios jurídicos de produtividade e justiça social de direito público e de
direito privado, que tem como finalidade disciplinar as relações emergentes das atividades do
homem sobre a terra, tendo em vista o progresso social e econômico do rurícola e o
enriquecimento da comunidade com base na função social.

O objeto do direito agrário constitui a matéria de fato reguladora da


atividade agrária. Daí poder se afirmar que o objeto agrário nada mais é do que o complexo de
produção formado pela trilogia homem-terra-comunidade.

O sujeito do direito agrário é todo aquele que, possuindo personalidade


jurídica, sendo capaz de direitos e deveres, seja sujeito da atividade agrária. Vale dizer, sujeito
agrário é o ser humano que vive em função da terra, aquele que dedica sua força de trabalho
no campo, seja como proprietário, seja como trabalhador não proprietário.

No que respeita à relação jurídica agrária, sabendo que a relação


jurídica consiste num vínculo entre pessoas, em razão do qual uma possui o direito de exigir
de outra a satisfação de uma prestação, sempre que esse vínculo diga respeito ao sujeito
agrário, tem-se aí uma relação jurídica agrária. Em outras palavras, denomina-se como tal
toda relação jurídica cujo objeto primordial seja a atividade agrária.

Fato jurídico agrário é o elemento que dá origem aos direitos subjetivos,


impulsionando a criação da relação jurídica, concretizando as normas jurídicas. Diante disso,
tem-se que o fato jurídico agrário é o acontecimento suscetível de produzir alguma aquisição,
modificação, transferência ou extinção de vínculos jurídicos agrários. A diferença que entre
ato jurídico civil e o ato jurídico agrário está no objeto desse ato: sendo o ato civil, o negócio
jurídico será civil; se o ato for agrário, o negócio jurídico será agrário. Daí ser possível
afirmar que são atos ou fatos jurídicos agrários todos aqueles atos ou fatos que tenham por
objeto a atividade agrária.

Vários são os princípios do direito agrário, do qual destacam-se:


monopólio legislativo da União, utilização da terra que se sobrepõe à titulação dominical,
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propriedade condicionada à função, interesse público sobre o individual, proteção à


propriedade familiar e a pequena e média propriedade, fortalecimento da empresa rural,
conservação e preservação dos recursos naturais e do meio ambiente.

O principal instrumento normativo do direito agrário positivo é o


conhecido “Estatuto da Terra”, instituído pela Lei nº 4.504, de 30/11/1964, que, conforme seu
art. 1º, regula os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais para os fins de
execução da reforma agrária e promoção da política agrícola. Entende-se por política agrícola
o conjunto de providências de amparo à propriedade da terra, que se destinem a orientar, no
interesse da economia rural, as atividades agropecuárias, seja no sentido de garantir-lhes o
pleno emprego, seja no de harmonizá-las com o processo de industrialização do país.

O Estatuto da Terra foi criado pelo regime militar que acabava de ser
instalado no país através do golpe militar de 1964. Sua criação está intimamente ligada ao
clima de insatisfação reinante no meio rural brasileiro e ao temor do governo e da elite
conservadora pela eclosão de uma revolução camponesa. A criação do Estatuto da Terra e a
promessa de uma reforma agrária foi a estratégia utilizada pelos governantes para apaziguar,
os camponeses e tranqüilizar os grandes proprietários de terra. As metas eram basicamente
duas: a execução de uma reforma agrária e o desenvolvimento da agricultura. Todavia, o que
se constata agora é que a primeira meta ficou apenas no papel, enquanto a segunda recebeu
grande atenção do governo, principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento capitalista
ou empresarial da agricultura.

3 A QUESTÃO RURAL NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

A propriedade rural possui disciplina própria inserta na Lei Maior e


constitui um regime jurídico especial, em razão do seu caráter eminentemente produtivo,
sobretudo por sua relevância para a própria sobrevivência humana. Este regime jurídico
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consubstancia-se em normas especiais prescritas no Título VII, Capítulo III (Da Política
Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária), arts. 184 a 191, da CF/88. Tais disposições
legitimam, em verdade, a ampla intervenção do Poder Público nas relações de propriedade,
produção e trabalho rurais, já que significam condicionamentos específicos acerca da função
social da propriedade, da política agrícola e fundiária, dentre outros aspectos, cuja observação
a todos se impõe.

Observa-se que a Constituição Federal fundamenta o regime jurídico da


propriedade, garantindo-a, desde que ela atenda a sua função social. Seu art. 5º, XXII e XXIII,
estabelece a garantia ao direito de propriedade e a necessidade desta atender a uma função
social. Assim, esse direito só estará garantido se cumprida a sua função social.

O art. 184, CF, caput, preceitua que o regime jurídico da terra está
alicerçado na doutrina da sua função social. Infere-se que a doutrina da função social da
propriedade rural está fundada na destinação social e econômica da terra. A produtividade
corresponde, pois, a um elemento da aludida função. Dessa maneira, aquele que detém a
propriedade agrícola tem o dever de utilizá-la não simplesmente como um bem patrimonial,
subserviente aos seus interesses pessoais, mas sim, como um bem de produção, capaz de
gerar, de forma mediata, riquezas para atender a toda uma coletividade.

Diante da possibilidade de não se atender a função social reclamada, a


própria Carta Magna de 1988 consigna sanções de natureza punitiva aplicáveis aos imóveis
rurais, tendo o fim precípuo de recolocar a propriedade em sua trilha normal. Significa dizer
torná-la e mantê-la, efetivamente, como um bem de produção, com uma finalidade econômica
e, bem assim, social. Aliás, a satisfação, a contento, da função social da propriedade agrícola é
também de responsabilidade do Poder Público e não apenas daqueles que detêm a posse ou o
domínio da terra, tendo em vista o disposto no parágrafo único do art. 185 da CF/88, que reza
a obrigatoriedade da lei de garantir tratamento especial à propriedade produtiva e fixar normas
para o cumprimento dos requisitos relativos à função social, previstos no art. 186 do texto
constitucional. Com efeito, cabe à lei a tarefa de fixar os requisitos do exato cumprimento da
função social da propriedade rural. O art. 186, CF, predefine aqueles componentes que hão de
estar presentes para que se tenha como cumprida a mencionada função. Destarte, remete-se à
lei a tarefa de especificar os critérios e graus de exigência com que deverão ser observados os
incisos do artigo referido e, considerando-se que o detentor do imóvel rural irá fazê-lo
produzir de acordo com o tipo de terra, localização e condições e meios propiciados pelo
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Poder Público, conclui-se a sua parcela de contribuição para o perfeito cumprimento da


função social da propriedade agrícola.

Arts. 184 a 191, CF/88:

Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma
agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia
e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do
valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua
emissão, e cuja utilização será definida em lei.

§ 1º - As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro.

§ 2º - O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma
agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação.

§ 3º - Cabe à lei complementar estabelecer procedimento contraditório especial, de


rito sumário, para o processo judicial de desapropriação.

§ 4º - O orçamento fixará anualmente o volume total de títulos da dívida agrária,


assim como o montante de recursos para atender ao programa de reforma agrária no
exercício.

§ 5º - São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de


transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária.

Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:

I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu
proprietário não possua outra;

II - a propriedade produtiva.

Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará


normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social.

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,


simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos
seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio


ambiente;

III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a
participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores
rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de
transportes, levando em conta, especialmente:

I - os instrumentos creditícios e fiscais;


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II - os preços compatíveis com os custos de produção e a garantia de


comercialização;

III - o incentivo à pesquisa e à tecnologia;

IV - a assistência técnica e extensão rural;

V - o seguro agrícola;

VI - o cooperativismo;

VII - a eletrificação rural e irrigação;

VIII - a habitação para o trabalhador rural.

§ 1º - Incluem-se no planejamento agrícola as atividades agro-industriais,


agropecuárias, pesqueiras e florestais.

§ 2º - Serão compatibilizadas as ações de política agrícola e de reforma agrária.

Art. 188. A destinação de terras públicas e devolutas será compatibilizada com a


política agrícola e com o plano nacional de reforma agrária.

§ 1º - A alienação ou a concessão, a qualquer título, de terras públicas com área


superior a dois mil e quinhentos hectares a pessoa física ou jurídica, ainda que por
interposta pessoa, dependerá de prévia aprovação do Congresso Nacional.

§ 2º - Excetuam-se do disposto no parágrafo anterior as alienações ou as concessões


de terras públicas para fins de reforma agrária.

Art. 189. Os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária


receberão títulos de domínio ou de concessão de uso, inegociáveis pelo prazo de dez
anos.

Parágrafo único. O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao


homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil, nos termos e
condições previstos em lei.

Art. 190. A lei regulará e limitará a aquisição ou o arrendamento de propriedade


rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá os casos que dependerão
de autorização do Congresso Nacional.

Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua
como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural,
não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua
família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.

Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

Cumpre destacar, ainda, que o princípio da função social pode ser


definido como o fundamento do regime jurídico da propriedade, e nunca como uma limitação,
obrigação ou um ônus; constituindo-se, portanto, em um dos princípios estruturantes da
propriedade privada e fundamento da atribuição do direito de propriedade, posto que incide
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sobre o seu próprio conteúdo. O que há de se levar em conta, é que a função social da
propriedade, princípio constitucional de conteúdo certo e determinado, e não mera norma
programática, é um importante aliado da democracia.

E mais, ao relacionar os princípios a serem observados para que a


ordem econômica, radicada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tenha por
finalidade assegurar a todos existência digna, de acordo com os ditames da justiça social, o
art. 170, CF, refere-se, expressamente, à função social da propriedade (inciso III).

4 O DIREITO AGRÁRIO E O DIREITO CIVIL

O direito agrário e o direito civil são disciplinas fundamentais no


tratamento da empresa rural. O direito agrário porque está ligado às questões do campo e das
atividades rurais, e o direito civil, por tratar do direito de empresa.

Tendo como base o Estatuto da Terra, o direito agrário brasileiro está


fundado nos princípios da função social da propriedade. O conceito de função social está
definido nesse próprio diploma legal. Em quatro itens ele diz que a propriedade cumpre a
função social quando, simultaneamente, favorece o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores que nela labutam, mantém níveis satisfatórios de produtividade, assegura a
conservação dos recursos naturais, e observa as disposições legais que regulam as justas
relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivam. Depois de vinte e quatro anos, essas
disposições foram transpostas integralmente para a Constituição brasileira (art. 186).

A atual legislação agrária em vigor teve toda a sua origem no seu bojo
do Estatuto da Terra. Qualquer cidadão comum que atua na atividade rural lida no seu dia-a-
dia com essas leis. Passa pelo seu crivo todo o universo temático da economia rural. Esse
universo está dividido em quatro setores desdobrados em onze capítulos. Os dois mais
importantes, de efeitos práticos, são os Títulos II e III, que tratam, respectivamente, da
reforma agrária e da política de desenvolvimento rural. No mais, o Estatuto da Terra
disciplina os direitos e obrigações relativos aos bens imóveis rurais, com a finalidade de
execução da reforma agrária e da política agrícola.
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O direito civil é o ramo do direito que mais se relaciona com o direito


agrário, pois no direito das obrigações há relação com os contratos agrários, no direito das
coisas há relação com o imóvel rural e no direito das sucessões há formação de cadeias
sucessórias de imóveis rurais.

O novo Código Civil brasileiro, que também é um código de direito


privado, revoga o Código Comercial, salvo no que concerne ao direito da navegação,
reunindo em um mesmo corpo de leis, e sob os mesmos princípios, a matéria comercial e a
matéria civil. Não mais existem contratos comerciais distintos dos contratos regidos pelo
direito civil. Tampouco permanecem os diferentes prazos de prescrição para obrigações civis
ou comerciais. Mais do que isso, o conceito jurídico de comerciante deixou de existir,
substituído que foi pelo de empresário. Não se trata, porém, de uma singela mudança de
nomenclatura, posto que as figuras do empresário e do comerciante não se identificam. O
comerciante era aquele que praticava profissionalmente atos de comércio, e os atos de
comércio correspondiam às atividades que historicamente se situaram no âmbito do comércio.
O empresário, diferentemente, é o titular da empresa, sendo esta uma atividade econômica
organizada.

Deve-se, entretanto, atentar para o fato de que, com o novo Código


Civil, o complexo normativo aplicável a empresários e não-empresários, e a sociedades
empresárias e sociedades simples, ressalvadas algumas exceções bastante limitadas, é
exatamente o mesmo.

Unificados o direito das obrigações e as modalidades contratuais, assim


como os prazos de prescrição, as diferenças que remanescem se resumem às seguintes: a) ao
sistema de registro, posto que os empresários e as sociedades empresárias se registram no
Registro Público de Empresas Mercantis (Juntas Comerciais), enquanto as sociedades simples
se registram no Registro Civil das Pessoas Jurídicas; b) ao processo de execução coletiva,
que, para os empresários e sociedades empresárias, observa a lei de falências e concordatas,
ao passo que, em se tratando de não-empresários e sociedades simples, incide o processo de
insolvência civil; c) ao sistema de escrituração contábil, que é mais rigoroso com relação aos
empresários e às sociedades empresárias.

Guardadas essas divergências, empresários e não-empresários regem-se


pelos mesmos preceitos, podendo-se declarar que os sistemas são bastante convergentes. Seria
16

mesmo o caso de afirmar-se que a classificação da pessoa natural ou da sociedade como


empresária ou não-empresária apenas significa uma dose maior de rigor para o empresário no
que tange à escrituração contábil e ao processo de execução coletiva.

5 TIPOS DE EMPRESA RURAL

De acordo com o Código Civil, para o desenvolvimento da atividade


empresarial, tanto pode haver o empresário individual, que é a pessoa física que assume
sozinha os riscos do negócio, como a sociedade empresária, que é uma pessoa jurídica,
resultado da união de esforços de pessoas naturais.

O empresário rural individual não está sujeito a registro obrigatório


como empresa, mas o art. 971, CC, lhe autoriza o registro facultativamente, caso em que fica
equiparado ao empresário obrigatório ao mesmo.

Quanto à sociedade empresária, uma vez que o Código Civil permitiu o


funcionamento da empresa rural como tal, à opção do empresário, ela pode se constituir em
qualquer uma das hipóteses previstas no Código. Aliás, a constituição da empresa rural é a
única situação prevista em que o registro será constitutivo, em que o registro é a palavra final,
sem a análise do objeto. Se registrada na Junta Comercial, tem-se uma sociedade empresária;
se registrada no Registro Civil de Pessoa Jurídica, tem-se uma sociedade simples.

As sociedades simples substituíram, no Código Civil, as sociedades


civis, abrangendo aquelas sociedades que não exercem atividade própria de empresário sujeito
a registro. É, portanto, o tipo de atividade desenvolvida que define se a sociedade é simples ou
empresária. A sociedade simples pode assumir a forma de qualquer dos tipos societários
destinados às sociedades empresárias no Código Civil: sociedade em nome coletivo,
sociedade em comandita simples e sociedade limitada. Só não pode assumir o formato de
sociedade anônima, que é reservado às sociedades empresárias sujeitas a registro obrigatório.
A peculiaridade da sociedade simples é que, enquanto as outras são obrigadas a adotar as
formas previstas, esta não está obrigada. Deste modo, pode não optar por nenhum destes
tipos, sujeitando-se apenas às regras gerais do Código.
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5.1 SOCIEDADE COOPERATIVA

Cooperativa é uma organização constituída por membros de


determinado grupo econômico ou social, que objetiva desempenhar, em benefício comum,
determinada atividade. A solidez de uma cooperativa depende de alguns fatores: identidade de
propósitos e interesses, ação conjunta, voluntária e objetiva, obtenção de resultado útil e
comum para todos.

Na CF/88, art. 174, § 2º, estabelece-se que a lei apoiará e estimulará o


cooperativismo e outras formas de associativismo. E ainda, o art. 5º traz que:

XVIII – a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem


de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;

XIX – as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas


atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito
em julgado;

XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;

A Constituição trata conjuntamente associações e cooperativas, estando


diretamente protegidas contra intervenção estatal, o que leva a crer que as cooperativas estão
muito mais próximas das associações do que das sociedades.

O Código Civil possui um capítulo que trata especificamente das


cooperativas, conforme assevera o seu art. 1.093: “A sociedade cooperativa reger-se-á pelo
disposto no presente capítulo, ressalvada a legislação especial”. No caso, a legislação especial
referida é a Lei nº 5.764, de 16/12/1971. Somente nas lacunas da Lei nº 5.764 é que devem ser
aplicadas as normas da sociedade simples e, ainda assim, respeitadas as peculiaridades da
sociedade cooperativa. Desta maneira, o seu estudo não se localiza no direito de empresa,
bastando, portanto, indicar os elementos essenciais para caracterizá-la, quais sejam:

a) variabilidade ou dispensa do capital social;


b) sócios em número mínimo necessário à composição de seu órgão de administração, sem
restrição de número máximo;
c) limitação do valor das quotas do capital social que cada sócio poderá deter;
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d) intransferibilidade das quotas do capital a terceiros estranhos ao corpo de cooperados,


mesmo que em razão de herança;
e) quorum de instalação e de deliberação da assembléia dos cooperados estabelecido em razão
do número de sócios presentes ao encontro social e não com base no capital representado;
f) direito de cada cooperado a um só voto nas deliberações das assembléias, tenha a
cooperativa ou não capital e, independente do valor de sua participação caso o tenha;
g) distribuição do resultado em proporção direta ao valor das operações efetuadas pelo sócio
cooperado com a sociedade, podendo ser atribuído juro fixo ao capital realizado;
h) indivisibilidade do fundo de reserva entre os sócios, ainda que em caso de dissolução da
sociedade;
i) responsabilização limitada ou ilimitada dos sócios em relação às dívidas da sociedade
cooperativa.

Embora sociedade simples, a sociedade cooperativa encontra-se sujeita


à inscrição na Junta Comercial, por força de previsão na lei especial.

Os principais instrumentos legislativos aplicáveis aos agronegócios em


cooperativa são a Constituição Federal e a Lei 5.764/71, que define a Política Nacional do
Cooperativismo e institui o regime jurídico das sociedades cooperativas.

5.2 SOCIEDADE LIMITADA

Desejando adotar a forma de sociedade limitada, que é a mais usada


pelas empresas brasileiras, a empresa rural passa a se sujeitar a todas as regras comuns às
demais empresas (contrato social, estatutos, registros, regime trabalhista, etc.).

Assim, o contrato social deve conter todos os elementos do art. 997 do


Código Civil, marido e mulher casados em regime de comunhão universal de bens não podem
ser sócios, o poder de decisão dos sócios está vinculado ao número de quotas detidas, a
retirada de sócios e a dissolução da sociedade estão sujeitas a procedimento complexo fixado
pelo próprio Código, as reuniões de sócios estão sujeitas a maiores formalidades (ata, registro,
etc.). Por outro lado, a limitada pode ter no mínimo dois sócios, pessoas físicas ou jurídicas e
as regras são mais flexíveis do que a das sociedades cooperativas.

5.3 SOCIEDADE ANÔNIMA


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A sociedade anônima não está entre as opções de sociedade simples.


Porém, não há nenhum impedimento a que se organize a empresa rural como sociedade
anônima. A sociedade anônima é uma sociedade de capitais, e não de trabalho, o que justifica
que não goze dos privilégios de tratamento “diferenciado e simplificado” a que se refere o art.
970, CC.

Embora o Código Civil não tenha revogado a Lei das Sociedades


Anônimas, essa complexa forma de organização se presta a todas as atividades empresariais,
assim entendidas: o exercício de atividade destinada à criação de riqueza pela produção de
bens ou de serviços ou pela circulação de bens ou serviços produzidos; a atividade organizada
que coordena os fatores da produção (trabalho, natureza e capital) e; o exercício praticado de
modo habitual e sistemático (profissionalmente), o que implica dizer em nome próprio e com
ânimo de lucro.

5.4 OUTRAS FORMAS SOCIETÁRIAS

Outras formas societárias previstas pelo Código Civil de 2002 são a


sociedade em nome coletivo e a sociedade em comandita simples, mas que não merecem
destaque pelo simples fato de que se tratam de formas desnecessárias ou em desuso. Na
sociedade em nome coletivo, todos os sócios respondem, solidária e ilimitadamente, pelas
obrigações sociais, como na sociedade simples, até mesmo sem registro. Na sociedade em
comandita simples, há duas espécies de sócios: o comanditado, que responde ilimitadamente
pelas obrigações, e o comanditário, que responde por elas apenas até o limite do valor das
suas quotas sociais.

Do exposto, é possível afirmar que a facultativa assunção de registro


empresarial se encontra basicamente em três opções: a firma individual para o pequeno
empresário que opera sozinho, a sociedade cooperativa e a sociedade limitada para os demais.
A complexidade das sociedades anônimas não as recomenda para a atividade, exceto se
efetivamente se tratar de sociedade de capitais.

Enfim, não é possível indicar um modelo único que seja mais adequado
a todos os tipos de sociedades de empresas rurais. Todas as peculiaridades do grupo
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interessado, sua constituição, sua atividade, seus objetivos empresariais, tipos de produto e
outros devem ser considerados antes da opção.

6 CONSEQUÊNCIAS DA CONSTITUIÇÃO DA EMPRESA RURAL

A opção por uma das formas organizadas de sociedade é importante


para todos os quantos forem exercer atividade econômica, porquanto se não o fizerem
permanecerão sujeitos a todas as regras e responsabilidades da sociedade simples sem forma
definida e, portanto, a responderem integralmente com seu patrimônio pessoal pelos riscos do
negócio, inclusive solidariamente pelos eventuais erros, abusos ou desmandos dos seus outros
sócio.

Na prática, dificilmente uma empresa rural optará por outra forma que
não seja a sociedade cooperativa ou a sociedade limitada, que é mais simplificada no aspecto
da constituição e funcionamento, faz parte da tradição do direito brasileiro e traz a vantagem
da limitação da responsabilidade patrimonial dos sócios. Caso uma sociedade rural deseje
organizar-se sob a forma de sociedade anônima, não está impedida de fazê-lo, porém abre
mão de todos os privilégios do tratamento “diferenciado e simplificado”. A Lei das S/A, que é
anterior ao Código e continua em vigor, não prevê privilégios.

Cabe enfatizar que empresários e não-empresários, ao se dedicarem,


profissionalmente, ao exercício de atividade econômica, para a produção ou circulação de
bens e serviços, regem-se pelos mesmos princípios e normas, exceto com relação ao rigor
maior que é exigido do empresário no que tange à escrituração contábil e ao processo de
execução coletiva. Guardadas essas divergências, empresários e não-empresários regem-se
pelos mesmos preceitos, podendo-se declarar que os sistemas são bastante convergentes. Seria
mesmo o caso de afirmar-se que a classificação da pessoa natural ou da sociedade como
empresária ou não-empresária apenas significa uma dose maior de rigor para o empresário no
que tange à escrituração contábil e ao processo de execução coletiva.

As normas de escrituração contábil a serem observadas


compulsoriamente por empresários e sociedades empresárias encontram-se estabelecidas pelo
21

Código Civil, nos arts. 1.179 e seguintes, que não se dirigem ao não-empresário e à sociedade
simples, os quais apenas se sujeitariam aos preceitos de escrituração decorrentes da legislação
fiscal, e àqueles que, de acordo com os princípios gerais da contabilidade, fossem necessários
a bem demonstrar a regularidade e os resultados dos seus negócios, tudo de acordo com as
demais normas já anteriormente existentes. E, por força do disposto no art. 2.037 do Código
Civil, o processo de execução coletiva aplicável a empresários e sociedades empresárias é o
que se encontrava previsto para comerciantes e sociedades comerciais (lei de falências e
concordatas).

A falência e a insolvência civil são processos paralelos, com idêntica


finalidade, qual seja a execução coletiva do devedor insolvente. A falência envolve
procedimentos mais complexos e regras mais gravosas para o devedor, e pode tipificar o
cometimento de crimes falimentares, os quais não se estendem à insolvência civil.

A concordata é um instituto restrito ao empresário, mas o não-


empresário, de forma análoga, poderá acordar com os seus credores uma forma de pagamento,
que será submetida à homologação judicial. Trata-se de uma “concordata contratual”, que se
estabelece por acordo entre o devedor e os credores concorrentes.

7 ASPECTOS PERTINENTES À EMPRESA RURAL

Se a sociedade com atividade rural pode inscrever-se no Registro de


Empresas equiparando-se à sociedade empresária, enquanto não o fizer será uma sociedade
simples e, como conseqüência, deverá inscrever-se no Registro Civil das Pessoas Jurídicas. A
sociedade com atividade rural, se não for empresária, vale dizer se não contar com uma
organização, será necessariamente uma sociedade simples. Dotada de organização, poderá
optar, livremente, entre a condição de sociedade simples e a condição de sociedade
empresária. A sociedade rural desfruta, pois, de uma situação singular. Mesmo sendo uma
empresa, cabe-lhe escolher o seu status jurídico, de sociedade simples ou empresária, para
tanto bastando optar, respectivamente, pelo Registro Civil das Pessoas Jurídicas ou pelo
Registro Público de Empresas Mercantis.
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É curiosa a situação analisada. Está-se a falar de uma sociedade


empresária que será tratada ou não como sociedade empresária, segundo o registro adotado. A
empresa rural pode preferir o status de sociedade simples e, como conseqüência, não se
sujeitará à lei de falências e concordatas, nem a processos mais rigorosos de escrituração
contábil.

Essa especial situação da empresa rural deita as suas origens na tradição


e no contexto histórico que sempre reservaram ao produtor rural um regime diferenciado. A
empresa rural compreende todas as atividades que têm na terra o fator principal de sua
realização. As atividades conexas, tais como as de beneficiamento dos produtos rurais,
promovidas localmente, a fim de adequá-los à comercialização, também se integrariam nesse
mesmo contexto. Sem dúvida, a empresa rural, assim considerada em sentido técnico, exige
um estatuto próprio que é fundamentado no ciclo biológico das atividades agrárias, ao qual se
somam às leis de mercado dos produtos agrícolas, que tornam ainda mais vulnerável esta
atividade empresarial.

Inegável é também a importância do debate acerca do princípio da


função social, sendo este o ponto de chegada do processo evolutivo por que passou o conceito
de propriedade. O Código Civil italiano de 1942 é o momento da expressão máxima da
produtividade, ou seja, aquele momento que é típico da empresa. Dessa forma, a terra vem a
ser considerada sob um duplo aspecto: o estático, representado pela propriedade, e o
dinâmico, que é a empresa. Neste momento, a propriedade da terra, bem produtivo por
excelência, adquire função social, ou seja, o proprietário tem para com a coletividade o dever
de fazer a terra produzir; o direito de propriedade está intimamente ligado a um sistema de
deveres públicos. A propriedade deixa de ser direito inviolável e passa a ser um valor baseado
na Constituição e ligado a interesses gerais tutelados constitucionalmente. Logo, a
propriedade da terra não pode ser passiva, mas ativa, não pode se limitar a gozar os frutos da
riqueza da terra, mas deve desenvolvê-los, aumentá-los, multiplicá-los, por meio de uma
atividade organizada, capaz de colocar estes produtos no mercado.

Nota-se, então, que a propriedade fundiária é muito importante, mas


não é tudo na empresa rural. A terra só não basta para a constituição da empresa, é necessário
à conjugação de outros fatores, como a figura essencial do empresário. Assim, a figura do
empresário rural é vista como a de um investidor nas atividades agrárias, que legalmente
abrange as atividades agrícolas, pecuárias, agroindustriais e extrativas (animal e vegetal). Ele
23

é a pessoa física que coordena e organiza a empresa, unindo os fatores terra, trabalho, capital
e tecnologia. E mais do que isso, deve mostrar-se capaz de conciliar, em seus objetivos e com
relação ao mundo rural, a propriedade privada e a função social que ela agasalha, o proveito
individual e o progresso coletivo, a liberdade e a igualdade, condicionantes do regime
democrático.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta parte final do presente trabalho, é interessante uma abordagem a


respeito da terminologia “empresa rural” e “propriedade rural”.

Quando a Constituição usa o termo “rural”, o faz sempre no sentido de


propriedade. Pelo direito agrário, predomina a tese da destinação para caracterizar imóvel
rural (art. 4o, I, do Estatuto da Terra), sendo prédio rural o que se destina à exploração
extrativa, agrícola, pecuária ou agroindustrial. Para o Código Tributário Nacional, imóvel
rural é aquele situado fora da zona urbana, predominado o critério da localização.

Não bastasse isso, leis e decretos mais recentes afirmam que se


considera atividade rural (Lei nº 8.023, de 12/04/1990, art. 2º, Lei nº 9.250, de 1995, art. 17,
Lei n º 9.430, de 1996, art. 59, Decreto 3.000/99, art. 58):

I – a agricultura;
II – a pecuária;
III – a extração e a exploração vegetal e animal;
IV – a exploração da apicultura, avicultura, cunicultura, suinocultura, sericicultura,
piscicultura e outras culturas animais;
V – a transformação de produtos decorrentes da atividade rural, sem que sejam alteradas a
composição e as características do produto in natura, feita pelo próprio agricultor ou criador,
com equipamentos e utensílios usualmente empregados nas atividades rurais, utilizando
exclusivamente matéria-prima produzida na área rural explorada, tais como a pasteurização e
o acondicionamento do leite, assim como o mel e o suco de laranja, acondicionados em
embalagem de apresentação;
VI – o cultivo de florestas que se destinem ao corte para comercialização, consumo ou
industrialização.
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A agroindústria está definida no art. 2º, § 4º do Decreto nº 73.626/74,


referindo-se às atividades que compreendem o primeiro tratamento dos produtos agrários “in
natura”, sem transformá-los em sua natureza, ou seja, sem que deixe de se caracterizar como
matéria prima.

A Constituição, para as atividades especificamente compreendidas nos


dispositivos que versam sobre empresa e atividade empresarial, se refere a política agrícola, e
não política rural.

Assim, é fácil constatar que o uso da o adjetivo “rural” para se referir a


atividade agroindustrial não é das melhores. À falta de uma modernização da terminologia,
para que a própria legislação adote de vez o termo “agronegócio”, acaba-se sendo obrigatória
uma convivência com o emprego de variadas denominações, ora baseadas nos aspectos
referentes à propriedade propriamente dita, ora tentando de adequar à atividade econômica de
exploração dos negócios que utilizam a terra como seu principal fator de produção.

Outro aspecto importante relativa à modernização da visão sobre a


atividade agrária é que esta tornou-se economicamente organizada e com objetivo de
mercado. Desta forma, o legislador brasileiro se viu obrigado a incluí-la no âmbito
empresarial comum, com observância do seu caráter especial.

Em verdade o governo brasileiro deve garantir e promover o acesso


daquele produtor marginalizado à empresa rural, pois a antiga política de Reforma Agrária,
ligada somente à divisão de terras, definitivamente, não resolve o problema grave da realidade
sócio-econômica brasileira. É preciso conjugar o processo de distribuição de terras com uma
efetiva política de desenvolvimento agrícola, a fim de dar condições ao sujeito de desenvolver
determinada atividade agrária de modo organizado e profissional.

A realidade brasileira indica que a agricultura moderna, embora não


tenha alcançado a imensidão de nosso país, ainda assim ela existe e é a maior responsável
pelo abastecimento dos mercados agrícolas. É uma realidade que não pode ser negada, e é
suficientemente relevante, merecedora de normas de incentivo e de proteção específicas.

As atividades conexas, integrantes do possível conceito de empresa


rural, darão aos legisladores informações suficientes para buscar a criação de normas para
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promover a industrialização do mundo rural, além de incentivar a criação de novas atividades


rurais, como as de prestação de serviço.

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1988.
BRASIL. Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964. Estatuto da Terra. Disponível em
<https://www.planalto.gov.br/>.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro. Disponível em
<https://www.planalto.gov.br/>.
BULGARELLI, Waldírio. Tratado de Direito Empresarial. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1997.
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
GODOY, Luciano de Souza. Direito Agrário Constitucional: O Regime da Propriedade.
São Paulo: Atlas, 1998.
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 22a ed. Volume 1. São Paulo: Saraiva,
1995.
SCAFF, Fernando Campos. Aspectos Fundamentais da Empresa Agrária. São Paulo:
Malheiros, 1997.
______. Teoria Geral do Estabelecimento Agrário. São Paulo: RT, 2002.
TRENTINI, Flávia; SARAIVA, Luciana de Andrade. Aspectos Gerais da Empresa Rural e
Atividades Conexas. Revista de direito privado, São Paulo, n. 5, p.113-133, jan./mar. 2001.
VARGAS, Ivens Cristian. Introdução ao Gerenciamento de Empresa Rural. São Paulo,
2002. Disponível em: <http://www.ruralnews.com.br>.

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