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AULA 02- PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO AGRÁRIO

1- Introdução:

Como já visto, a autonomia científica do Direito Agrário traz como


decorrência a existência de princípios próprios, específicos. Esses, por sua
vez, constituem os fundamentos estruturantes do Direito Agrário.
Os princípios possuem algumas finalidades: determinar a autonomia
científica do Direito Agrário, direcionar a interpretação e aplicação das
legislações agrárias.
Para fins didáticos, na sequência, serão apontados os mais importantes
princípios agrários, assim considerados pela doutrina.

2- Princípio do Monopólio Legislativo da União:

Com a Emenda Constitucional no 10 (09/11/1964), a União passou a ter


competência privativa para legislar sobre Direito Agrário.
A inserção do tema no texto constitucional foi muito bem-vinda e
permanece atualmente na CF/88, em seu art. 22, I, sob a rubrica de
competência legislativa privativa da União.
Tratando-se de competência legislativa privativa (e não exclusiva), à luz
do parágrafo único do citado dispositivo, autorizados por lei complementar,
os Estados poderão legislar sobre as matérias previstas no artigo em
comento. Do contrário, a lei sofrerá pronúncia de inconstitucionalidade
formal.

2- Princípio da Privatização das Terras Públicas:


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O Estado não pode exercer atividades agrárias, como regra, razão pela
qual as terras públicas devem ser compatibilizadas com as políticas de reforma
agrária e regularização fundiária. Neste sentido é o art. 173 da CF/88.
Dispõe também sobre o art. 188 da CF, isso porque o legislador entende
que o particular é dotado de maior capacidade para a exploração das
atividades agrárias.

4- Princípio da Proteção à Propriedade Familiar, Pequena e Média


Propriedades Rurais:

A Constituição Federal confere a este princípio duas aplicações. (Art. 5o,


XXVI e art. 185, I).
Em primeiro lugar, a pequena propriedade rural, quando utilizada pela
família para seu trabalho e sustento, não poderá ser objeto de penhora para
pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva.
Já a luz do art. 185, I, em decorrência do princípio da função social da
terra, a pequena e média propriedade rural não poderá ser desapropriada
para fins de reforma agrária.
A propriedade rural, conforme a Lei no 8629/93, art. 4o, poderá ser
classificada segundo a sua extensão ou produtividade:
- pequena propriedade: imóvel rural de área com até 4 módulos fiscais.
- média propriedade: imóvel rural de área superior a 4 e até 15
módulos fiscais.
- grande propriedade: imóvel rural de área superior a 15 módulos
fiscais.

5- Princípio da Primazia da Utilização da Terra:

Esse princípio pretende realizar um dos objetivos do Direito Agrário,


informando que o efetivo trabalho sobre a terra, manifesto na posse mansa,
pacífica, contínua e não resistida (aspecto material), tem maior valor jurídico
quando contrastado com a simples invocação de domínio registral (aspecto
formal.
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6- Princípio da Proteção do Trabalhador Rural:

O trabalhador rural é toda pessoa que exerce labor de natureza agrícola,


retirando dessa atividade seu sustento. Em razão do forte êxodo rural,
observado nas últimas décadas no Brasil, o trabalhador rural quedou-se
deslocado do acesso à informação, estudo em grandes centros de ensino,
tecnologias e demais elementos cujo acesso é facilitado pelo ajuntamento
social.
Não obstante, o trabalhador rural exerce papel de suma importância
social, pois é decorrência de seu trabalho o alimento da nação brasileira e de
outros países que importam a produção havida em território nacional.
Assim sendo, em razão da combinação da fragilidade e importância, o
trabalhador rural demanda especial tutela protetiva do Direito Agrário. Destaca-
se, inclusive, que a observância das normas de Direito do Trabalho constitui
um dos pilares da função social da propriedade rural.

7- Princípio da Prevalência do Interesse Público Sobre o Privado


(Primazia do Interesse Coletivo):

O Direito Agrário trata-se de matéria relacionada à política agrária e


agrícola, cuja projeção se pretende difusa e coletiva, ainda que em detrimento
de interesses marcadamente pessoais.
Assim sendo, a prevalência do interesse público é facilmente perceptível
em institutos como a desapropriação para fins de reforma agrária (em que o
interesse do proprietário cede em favor do interesse coletivo), bem como das
imposições legais aos contratos agrários, dentre as quais se podem
destacar as opções de preferência do arrendatário, prazos mínimos nos
contratos de arrendamento e parceria rurais, dentre outras, todas limitativas da
autonomia privada.

8- Princípio do Combate às Terras Improdutivas:


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Extrai-se do estudo desse princípio a ideia de que o Direito Agrário tanto


combate as terras improdutivas (independentemente do seu tamanho-
latifúndios ou minifúndios), como também assume feições de instrumento
fomentador da produtividade, isto é, da utilização racional e adequada dos
recursos naturais emergentes da propriedade rural. Ex: a desapropriação rural
como sanção imposta ao proprietário que descumpre a função social da terra,
em razão da improdutividade.

9- Princípio do Fortalecimento da Empresa Agrária:

A empresa agrária pode tanto ser pessoa física, como pessoa jurídica,
estabelecida com o objetivo de explorar, de modo racional, o imóvel rural, na
modalidade de exploração extrativa, agrícola, pecuária e agroindustrial.
No art. 4o , VI da Lei no 4.504/64, encontra-se a definição da empresa
agrária/rural.

10- Princípio da Conservação e Preservação dos Recursos Naturais


e a Proteção do Meio Ambiente:

O Direito Agrário e o Direito Ambiental se entrelaçam, pois, ambos têm


como importante objeto de estudo a terra, a natureza e o próprio ciclo biológico.
Seus objetivos devem ser equalizados numa relação que garante o
desenvolvimento da produção agrícola, em busca da segurança alimentar da
população, com a necessidade inadiável de preservação do meio ambiente,
direito difuso de característica transgeracional.
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FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL

1- Notas Introdutórias:

O tema da função social da propriedade rural é muito recorrente nos


concursos públicos em que o Direito Agrário é cobrado, sendo que,
normalmente, as questões são bem simples, de fácil compreensão e resolução.
Saber quais são os requisitos essenciais ao cumprimento da função social da
propriedade rural, bem como que eles devem ser observados cumulativamente,
costuma ser suficiente.
Passemos agora à análise do princípio fundamental à disciplina em
estudo. A função social da propriedade rural é o princípio em torno do qual
gravita toda a legislação e doutrina agrarista.
De maneira genérica, entende-se por função social aquilo que a
sociedade espera que seja feito de algo, ou seja, a forma como a sociedade
pretende que certo instrumento/ instituto/ direito seja utilizado. Exatamente por
isso, afirma-se que a função social é aplicada, no direito como um todo, de
modo a limitar a autonomia privada.
Atualmente a função social é aplicada como um verdadeiro limitador da
autonomia privada. Objetivamente, o titular de um direito privado não pode
exercê-lo da forma como bem entender e nem mesmo simplesmente deixar de
exercê-lo, mas deve cumprir com a sua função social, sob pena de sofrer
variadas consequências, podendo até mesmo perdê-lo, como ocorre na
desapropriação para fins de reforma agrária.

2- Função Social da Propriedade:

Art. 1228 do CC- O titular de um direito real de propriedade, muito


embora ainda possua ampla liberdade para o seu exercício, podendo usar,
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gozar, dispor da coisa e reavê-la daquele que injustamente a possua ou


detenha, deve fazê-lo observando a sua função social.
Assim, conforme o artigo acima mencionado, o proprietário tem a
faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de
quem quer que injustamente a possua ou detenha. Todavia, devemos verificar
o parágrafo 1o , que de forma complementar prevê que tal direito deve ser
exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de
modo que sejam preservados, a flora, fauna, as belezas naturais, etc...
Ainda, o parágrafo 2o dispõe que são defesos os atos que não trazem ao
proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela
intenção de prejudicar outrem. Nesses termos, o exercício de propriedade
contrário a tais premissas pode, inclusive, configurar ato ilícito por abuso de
direito (art. 187 do CC), hipótese em que o seu titular deverá ser
responsabilizado pelos danos que houver causado (art. 927 do CC).
Segue no parágrafo 3o, estipulando que o proprietário pode ser privado
da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública
ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público
iminente.
Por fim, através dos parágrafos 4 o e 5o , o texto legal prevê que o
proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado
constituir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de 5
anos.

3- Função Social do Contrato:

Art. 421 do CC, no mesmo sentido: art. 2035, parágrafo único.


Explicitam que a relação contratual deve ser pautada pela função social.
Doutrinariamente, a função social do contrato tem sido compreendida a
partir de dois aspectos: o da eficácia interna (entre as partes) e o da eficácia
externa (para além das partes).
No tocante à eficácia interna, o objetivo é proteger os contratantes de
suas próprias manifestações de vontade. Dessa forma, a lei dispensa especial
proteção aos vulneráveis contratuais, como por exemplo, o consumidor e o
trabalhador.
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Já a eficácia externa, prega-se a máxima de que o interesse da


coletividade deve prevalecer sobre os interesses dos contratantes. Ex: cuidado
que os contratantes devem ter com o meio ambiente.
4- Função Social da Propriedade Rural:

Conforme informado anteriormente, este princípio é considerado o ponto


central do Direito Agrário, notadamente em relação às políticas agrícolas e o
incentivo da reforma agrária. Ex: o instituto da desapropriação para fins de
reforma agrária, tem, pois, no princípio da função social o seu principal
fundamento.

4.1 Histórico:
As duas primeiras constituições brasileiras (1824 e 1891) reconheciam a
propriedade como um direito absoluto, mesma linha seguida pelo Código Civil
de 1916, diretamente influenciado pelo Código de Napoleão, que transmitia um
pensamento individualista de prevalência dos direitos privados.
Esse panorama começou a se alterar com a Constituição Federal de
1934 que, inspirada na Constituição de Weimar (1919), reconheceu alguns
limitadores à autonomia privada e expressamente previu, que a propriedade
não poderia ser exercida contra o interesse social ou coletivo, tendo ainda
instituído a desapropriação por necessidade ou utilidade pública.
A Constituição de 1937 não tratou especificamente sobre a relação entre
a propriedade e o interesse social, tendo esta premissa voltado a aparecer na
constituição de 1946, que manteve o instituto da desapropriação.
A Emenda Constitucional 10/1964 foi um marco importantíssimo para a
nossa disciplina, pois transferiu para a União a competência privativa de
legislar em matéria de Direito Agrário, fato que determinou a promulgação do
Estatuto da Terra (Lei no 4504/64) e foi exatamente essa lei que incorporou em
nosso ordenamento jurídico a expressão “função social”.
Atualmente, a CF/88 determina o cumprimento da função social em
relação a qualquer bem (art. 5o, XXIII), elencando expressamente quais são os
seus requisitos especificamente no que tange à propriedade rural (art. 184).
Como a CF/88 tão somente indicou os requisitos, mas não os explicou, a
Lei 8629/93 se encarregou de detalhar o assunto.
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4.2 Requisitos da função social da propriedade rural:


Para fins didáticos, a função social da propriedade rural é sustentada por
três pilares: econômico, social, ecológico.
Inicialmente, afirma-se que o imóvel rural deve ser produtivo, promover a
justiça social, com preservação ambiental.
Art. 2o do Estatuto da Terra- prescreve que a propriedade da terra
desempenha a sua função social, quando SIMULTANEAMENTE (parágrafo
1o):
- favorece o bem- estar dos proprietários e dos trabalhadores
- mantém níveis satisfatórios de produtividade
- assegura a conservação dos recursos naturais
- observa as disposições legais que regulam as justas relações de
trabalho.
Não basta o cumprimento de um ou dois requisitos. A função social da
propriedade rural somente será atendida se TODOS os requisitos forem
observados cumulativamente.
Com o advento da CF/88, tais requisitos foram mantidos com certos
ajustes de nomenclatura, notadamente com relação ao exercício da
propriedade rural de modo a preservar o meio ambiente.
Tal assunto vem disciplinado no art. 186 da CF.
Percebe-se que o texto constitucional é um pouco mais confuso do que
o disposto no Estatuto da Terra, razão pela qual o legislador infraconstitucional
entendeu por bem explicar cada um dos requisitos acima através da Lei
8629/93, em seu art. 9o.

4.3 Principais consequências do descumprimento da função social:


A principal delas, encontra-se no art. 184 da CF: desapropriação por
interesse social e pagamento de indenização pela terra nua, paga em
Títulos da Dívida Agrária (TDA´s), com prazo de carência de dois anos e
parcelamento em até 20 anos, apenas prevendo a indenização em dinheiro
pelas benfeitorias necessárias e úteis.
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Destaca-se ainda o art. 243 da CF, trazendo o instituto da


expropriação. Neste caso, não há que se falar em indenização, nem mesmo
em Títulos da Dívida Agrária.

4.4 Imóveis insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma


agrária:
Art. 185 da CF- pequena e média propriedade rural e a propriedade
produtiva (entendimento majoritário: a propriedade deve cumprir todos os
critérios impostos pela sua função social).

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