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Universidade Federal de Minas Gerais

Faculdade de Direito
Direito Administrativo III
Turma D
Acadêmicos: Luiza Linhares Costa, Marcelo Henrique Oliveira, Reberth Carolino de Oliveira
e Valentina Nogueira Camilo

Primeira Avaliação

Cite um exemplo concreto de limitação administrativa, demonstrando: a) por que o


exemplo citado constitui um caso de limitação administrativa (10 pontos); b) o
fundamento legal (10 pontos); c) a existência ou não de direito à indenização, justificando
a resposta (10 pontos).

Entende-se por limitação administrativa o instituto por meio do qual o Poder Público
impõe, mediante lei ou atos administrativos normativos, limitações gerais e abstratas à
propriedade privada. É, pois, uma das diversas modalidades de intervenção do Estado na
propriedade particular, diferenciando-se das demais sobretudo pela indeterminabilidade dos
destinatários da norma. Nas palavras do doutrinador José dos Santos Carvalho Filho 1 :
"limitações administrativas são determinações de caráter geral, através das quais o Poder
Público impõe a proprietários indeterminados obrigações positivas, negativas ou permissivas,
para o fim de condicionar as propriedades ao atendimento da função social”. Essas limitações
podem, então, tanto estabelecer obrigações positivas, de fazer, quanto de não fazer, de
abstenção.
Clássico exemplo de limitação administrativa é a edificação compulsória. Trata-se de
um instituto jurídico que busca garantir o princípio da função social da propriedade, em que o
poder público obriga o proprietário de imóvel não edificado, que não tiver aproveitamento
adequado, a nele construir. Desse modo, é notório que o valor do imóvel urbano não está
relacionado à qualidade da terra, mas aos equipamentos urbanos que a circundam. E assim
sendo, considerando que quem paga os equipamentos urbanos é a sociedade, então o
proprietário especulador, que possui o imóvel esperando que este se valorize para uma futura
venda com lucro, faz uso das melhorias geradas pelo esforço coletivo para benefício próprio,

1
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 34 ed. São Paulo: Atlas, 2021, p. 866.
sem nenhuma contrapartida à sociedade. Diante disso, o instituto tem por objetivo mitigar a
injustiça gerada pelo uso meramente especulativo do imóvel, de maneira a impelir o proprietário
a dar uma função ao seu imóvel que também beneficie a coletividade.
Assim como as demais formas de intervenção estatal no domínio privado, a limitação
administrativa, conforme alhures mencionado, funda-se na função social da propriedade,
prevista pelos artigos 5º, inciso XXIII 2 , e 170, inciso III 3 , ambos da Constituição Federal. Nesse
aspecto, encontram-se as assertivas de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, no sentido de que4
[...] a Constituição não nega o direito exclusivo do dono sobre a coisa, mas exige que
o uso da coisa seja condicionado ao bem -estar geral. Não ficou, pois, longe o
constituinte da concepção tomista de que o proprietário é um procurador da
comunidade para a gestão de bens destinados a servir a todos, embora não pertençam
a todos.

Nota-se, portanto, que a Constituição agregou ao direito de propriedade um dever


jurídico de atuar em observância ao interesse coletivo, de maneira que o interesse subjetivo de
um proprietário particular deve ser submetido ao interesse social comum 5 . Dessa maneira,
entende-se que a propriedade engloba, além dos incontestes direitos de uso, fruição e disposição
pelo seu titular, a obrigatoriedade de se atender à função social, requisito inerente que implica
no uso racional da propriedade e também dos recursos que lhe integram. Em outras palavras, o
proprietário, que também é um participante da sociedade, seja pessoa física ou jurídica, está
condicionado a obrigações que não se limitam aos direitos particulares e de vizinhança,
alcançando todo o rol de direitos da coletividade, com vistas a garantir o bem-estar geral, no
âmbito do direito público.
Ao lado do princípio da função social da propriedade, a edificação compulsória possui
como fundamento constitucional específico o art. 182, §4º, I da Constituição Federal6 , inserto

2
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: (...) XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; [...]
3
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observ ados os seguintes princípios: (...)
III - função social da propriedade; [...]
4
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 41 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
E-book. p. 313.
5
Nesse sentido, José dos Santos Carvalho Filho destaca que a “propriedade deve atender a sua função social,
dando prevalência ao interesse público sobre os interesses particulares”. CARVALHO FILHO, José dos Santos.
Manual de direito administrativo. 34 ed. São Paulo: Atlas, 2021, p. 868.
6
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes
gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvim ento das funções sociais da cidade e garantir
o bem-estar de seus habitantes.
§ 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes,
é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da
cidade expressas no plano diretor.
no capítulo relativo à política urbana. Segundo o caput do dispositivo mencionado, incumbe ao
Poder Público municipal a promoção de política de desenvolvimento urbano, por meio de
diretrizes gerais fixadas por lei, devendo concretizar a função social da cidade e garantir o bem-
estar de seus habitantes.
Ato contínuo, em seu parágrafo quarto, prevê a possibilidade de que o gestor municipal,
mediante lei específica para a região e em consonância com a lei federal, exija que o proprietário
de solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado promova o seu adequado
aproveitamento. Caso não o faça, há a previsão de aplicação de três categorias de penalidades
distintas, a serem aplicadas sucessivamente, sendo a primeira delas o parcelamento ou a
edificação compulsória. As demais, por sua vez, dizem respeito à possibilidade de
progressividade de imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana e, em último caso,
de desapropriação - nesse caso, mediante o pagamento de título da dívida pública.
No âmbito infraconstitucional, a matéria é regida, ainda, pela Lei nº 10.257/2001,
denominada Estatuto da Cidade. Em seu art. 5º, caput7 , o diploma reitera a normativa
constitucional pela possibilidade de que uma lei municipal específica regule o parcelamento, a
edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não
utilizado. Dispõe, ainda, sobre quando se considera subutilizado um imóvel (§1º), como se dará

§ 3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.
§ 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir,
nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova
seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo
Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas a nuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor
real da indenização e os juros legais.
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Art. 5 o Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a
edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar
as condições e os prazos para implementação da referida obrigação.
§ 1 o Considera -se subutilizado o imóvel:
I – cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em legislação dele decorrente;
II – (VETADO)
§ 2 o O proprietário será notificado pelo Poder Executivo municipal para o cumprimento da obrigação, devendo a
notificação ser averbada no cartório de registro de imóveis.
§ 3 o A notificação far-se-á:
I – por funcionário do órgão competente do Poder Público municipal, ao proprietário do imóvel ou, no caso de
este ser pessoa jurídica, a quem tenha poderes de gerência geral ou administração;
II – por edital quando frustrada, por três vezes, a tentativa de notificação na forma previst a pelo inciso I.
§ 4 o Os prazos a que se refere o caput não poderão ser inferiores a:
I - um ano, a partir da notificação, para que seja protocolado o projeto no órgão municipal competente;
II - dois anos, a partir da aprovação do projeto, para iniciar as obras do empreendimento.
§ 5 o Em empreendimentos de grande porte, em caráter excepcion al, a lei municipal específica a que se refere o
caput poderá prever a conclusão em etapas, assegurando -se que o projeto aprovado compreenda o empreendimento
como um todo.
a notificação do proprietário para cumprimento da obrigação (§§2º e 3º), os prazos a ele
atinentes (§4º) e o procedimento no caso de empreendimentos de grande porte (§5º).
Atendendo às previsões legais supramencionadas, a edificação compulsória é
frequentemente prevista nos Planos Diretores Municipais (PDM), que são instrumentos básicos
de políticas urbanas utilizados pelos Municípios para garantir um crescimento equilibrado e
organizado de todo o ambiente urbanístico da cidade.
No caso de Belo Horizonte, o atual Plano Diretor Municipal foi instituído pela Lei nº
11.181/2019, publicada em 09/08/2019, e tem suas disposições em vigor desde 180 dias após a
sua publicação, ou seja, desde fevereiro de 2020. Nele, há previsão, em seu art. 40, caput8 , de
que o Executivo poderá determinar tanto o parcelamento, como a edificação ou a utilização
compulsória do solo urbano não parcelado, não edificado, subutilizado ou não utilizado,
observando-se a capacidade de suporte e as diretrizes da política urbana das diferentes porções
do território municipal.
Tal disposição, nos termos do Plano Diretor Municipal, é aplicável em todo o território
do município, desde que observados os requisitos constantes na legislação federal, bem como
o que dispuser norma específica que os regulamente (art. 40, §1º), sendo excetuadas somente
as áreas para as quais não existe previsão de coeficiente de aproveitamento mínimo (CAmin),
para as quais somente pode ser exigível a utilização compulsória de edificações já existentes,
vedada a hipótese de edificação ou parcelamento (art. 40, §2º). Ademais, observa-se que a
edificação compulsória do solo somente deve ser aplicada em consonância com a destinação de
cada terreno, de acordo com as previsões legais municipais, e em conformidade com os
objetivos e especificações das regiões em que se encontram.

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Art. 40 - O Executivo poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo
urbano não parcelado, não edificado, subutilizado ou não utilizado, observadas a capacidad e de suporte e as
diretrizes da política urbana das diferentes porções do território municipal, visando ao cumprimento da função
social.
§ 1º - Os instrumentos de que trata o caput deste artigo poderão ser aplicados em todo o território do Município,
observados os requisitos para sua instituição constantes da legislação federal, bem como o que dispuser norma
específica que os regulamente.
§ 2º - Excetuam-se do disposto no § 1º deste artigo as áreas para as quais não há previsão de coeficiente de
aproveitamento mínimo - CAmin, nas quais somente poderá se exigir a utilização compulsória de edificações
existentes, vedadas as demais hipóteses de aproveitamento impositivo.
§ 3º - O instrumento do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios não será aplica do:
I - à gleba ou ao lote no qual haja impossibilidade técnica de implantação de infraestrutura de saneamento, de
energia elétrica ou de sistema de circulação;
II - à gleba ou ao lote com impedimento de ordem ambiental à sua ocupação ou utilização.
§ 4º - A norma específica prevista no § 1º deste artigo deverá estabelecer a forma de notificação do proprietário,
bem como os prazos para cumprimento da obrigação de parcelar, edificar ou utilizar e o tratamento a ser dado aos
empreendimentos de grande porte, observado o disposto na Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001.
O PDM ainda destaca que, sendo determinado o parcelamento, a edificação ou a
utilização compulsória do solo, deve o proprietário ser notificado dos prazos para cumprimento
de sua obrigação, observando-se as disposições do Estatuto das Cidades. Este determina, no art.
5º, §2º, que a notificação para o cumprimento da ordem d eve ser feita mediante averbação no
cartório de registro de imóveis.
Ante o exposto, percebe-se que a edificação compulsória configura um exemplo de
limitação administrativa, porquanto provém de ato legislativo geral (destinado a indivíduos
indeterminados), sendo dotada de caráter definitivo e instituída com o fim de promover
interesses públicos abstratos, notadamente a efetividade de direitos de ordem urbanística. Trata-
se de uma determinação abstrata destinada aos proprietários de solo urbano relativa a uma
obrigação positiva, qual seja, edificar o solo a fim de promover seu adequado aproveitamento.
Essa obrigação, de tal modo postulada - indeterminadamente, a todos os indivíduos
reconhecidos como seus destinatários -, constitui o próprio conteúdo do direito de propriedade
daqueles indivíduos. É uma norma que estabelece, de forma prévia e geral, os próprios
contornos e limites desse direito de propriedade que regula. Nesse sentido, Carvalho Filho
expressamente afirma que9

a limitação [...] já integra o conteúdo do direito, ou, em outras palavras, o próprio


direito de propriedade tem sua dimensão jurídica condicionada pelas várias limitações
impostas no ordenamento jurídico. Assim, o conteúdo do direito já teria reduções
relativas às limitações administrativas [...].

Pontue-se, ainda, que as limitações não impõem ao proprietário que ele reparta seus
poderes sobre o bem com terceiros, podendo ele gozar da propriedade integralmente, desde que
respeite os impedimentos postulados em favor do interesse público10 .
Por isso mesmo, em regra, esse instituto não enseja direito à indenização em face do
Estado, pois não configura restrição ao exercício de um direito que esses proprietários têm, mas
são impedidos de exercer; na verdade, compõe a própria definição do direito que esses
proprietários titularizam. Dessa forma, tal obrigação, abstratamente postulada, não gera dano
passível de indenização aos seus destinatários. Nas palavras da autora Irene Nohara11 , “[a]s
limitações administrativas – como condição do próprio direito de propriedade, cujo conteúdo é
normalmente limitado pelas leis – não dão direito à indenização, se mantiverem suas
características de imposições genéricas orientadas a finalidades de interesse público”.

9
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 35 ed. Barueri [SP]: Atlas, 2021. E-
book. p. 874
10
NOHARA, Irene. Direito administrativo. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2020. E-book, p. 834.
11
Ibidem, p. 834.
Também para José dos Santos Carvalho Filho12 , as limitações administrativas não
geram dever de indenizar por parte do Poder Público, posto se tratar de normas genéricas, que
atingem um número indeterminado de proprietários. No entanto, excepcionalmente, na hipótese
de o Estado, sob pretexto de limitações gerais, causar prejuízos a sujeitos determinados em
função de conduta administrativa, restar-se-ia configurada a sua responsabilidade civil (art. 37,
§6º, CR/88) e, por consequência, o dever indenizatório.
No entanto, vale dizer, ainda, que, conforme alhures apontado, descumpridas as
obrigações, os prazos e as etapas para edificar o imóvel, o Poder Executivo poderá proceder
com a aplicação do IPTU progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo
de 5 (cinco) anos consecutivos. Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem
que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o
Executivo tem a opção de então promover a desapropriação, instrumento diverso da edificação
compulsória aqui tratada, representado pelo desapossamento da propriedade particular, que
deve ocorrer mediante prévia e justa indenização em dinheiro. A desapropriação, frise-se,
configura outra forma de intervenção do Estado na propriedade diversa, não se tratando de
limitação administrativa.

12
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 34 ed. São Paulo: Atlas, 2021. E-
book. p. 869.
Referências Bibliográficas:

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 34 ed. São Paulo:
Atlas, 2020. E-book.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 35 ed. Barueri [SP]:
Atlas, 2021. E-book.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 41 ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2020. E-book.

NOHARA, Irene. Direito administrativo. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2020. E-book.

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