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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS – CURSO DE DIREITO


DEPT. DE DIREITO PRIVADO
DISCIPLINA: DIREITO AGRÁRIO
PROF. DRA.: PAULLA CHRISTIANNE DA COSTA NEWTON
10º PERÍODO - NORTURNO

AISLAN SARAIVA TAVARES


EDVALDO FERREIRA DA SILVA JUNIOR
GABRIELA BRITO DE SOUZA
ENRICO BRAGA BELTRÃO DE ALBUQUERQUE
PAULO JOSÉ LEANDRO DE OLIVEIRA

TUTELA AOS TRABALHADORES RURAIS E FUNÇÃO SOCIAL DA


PROPRIEDADE

JOÃO PESSOA – PB
2019
1 INTRODUÇÃO

2 TUTELA AOS TRABALHADORES RURAIS

A abordagem acerca da tutela aos trabalhadores rurais implica nos direitos que
lhes são conferidos na legislação pátria. Tais direitos percorrem, sobretudo, duas
grandes áreas jurídicas, a trabalhista e a previdenciária, as quais serão objeto de estudo
nesta oportunidade de maneira resumida. Cabe o destaque ao fato de que, consoante
Benedito Ferreira Marques, a proteção ao trabalhador rural é um dos princípios do
Direito Agrário1, de modo que essa proteção deve ser observada nas demandas que
envolvam esse tipo de trabalhador.

2.1 Os direitos trabalhistas dos trabalhadores rurais

2.1.1 Fases e instrumentos normativos

De início, mister é que se conceitue o trabalho rural, o qual, para Amauri


Mascaro Nascimento, é a “atividade desempenhada em propriedade rural com fins
lucrativos, ou, em prédio rústico destinado à exploração agrícola, pecuária, extrativa ou
agroindustrial, mesmo estando localizado em perímetro urbano, mas com atividade
utilizada em agroeconomia”2.
É certo que o trabalho rural, e consequentemente seu reconhecimento jurídico e
social, evoluiu ao longo da história. Nessa seara, o Ministro Maurício Godinho
Delgado3 afirma três fases relativas à atividade laborativa no campo. A primeira é a fase
de “restrição de direitos”, na qual a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) 4, de
1
MARQUES, Benedito Ferreira. Direito Agrário Brasileiro. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p.18.
Colaboração de: Carla Regina Silva Marques.
2
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação do direito do trabalho – 33. ed. – São Paulo: LTr. 2007,
p. 206.
3
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 17. ed. rev. ampl. São Paulo: LTr,
2018, p. ?.
4
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei nº 5.452 de 1º de maio de 1943.
Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm>. Acesso em 20 de
Abril de 2019.
1943, o grande instrumento normativo de defesa e regulação dos direitos trabalhistas,
excluiu expressamente os trabalhadores rurais do seu alcance, salvo disposição em
contrário. Senão, veja-se:

Art. 7º Os preceitos constantes da presente Consolidação salvo quando fôr


em cada caso, expressamente determinado em contrário, não se
aplicam : (Redação dada pelo Decreto-lei nº 8.079, 11.10.1945)
[...]

b) aos trabalhadores rurais, assim considerados aqueles que, exercendo


funções diretamente ligadas à agricultura e à pecuária, não sejam empregados
em atividades que, pelos métodos de execução dos respectivos trabalhos ou
pela finalidade de suas operações, se classifiquem como industriais ou
comerciais;

À vista disso, o trabalhador rural encontrava-se desprotegido do ponto de vista


legal, com exceção de direitos esparsos que, no entanto, eram insuficientes. Por
conseguinte, foram surgindo projetos para sanar esse desamparo, culminando com a
elaboração do Estatuto do Trabalhador Rural, em 1963, que versava sobre os direitos
individuais, coletivos, processuais, previdenciários e a fiscalização trabalhista no campo
rural. Essa é segunda fase, apontada por Godinho como a “aproximação de situações
jurídicas”. Segundo Benedito Ferreira Marques (2015, p.184):

Diversos projetos e propostas foram sendo elaborados e apesentados,


principalmente depois da Constituição de 1946, que, por seu art. 157, XII,
previu a estabilidade no emprego e a indenização por rescisão contratual,
para o empregado rural. O resultado dessa luta foi a edição do Estatuto do
Trabalhador Rural em 1963 (Lei no 4.214, de 2.3.63), cujo projeto fora
encaminhado por Getúlio Vargas, desde 1954. Esse histórico diploma legal
estendeu ao trabalhador do campo o que a CLT não concedia senão para o
trabalhador urbano.

Essa lei tentou aproximar os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais e,


inclusive, revogou dispositivos da CLT que estavam em confronto com o Estatuto.
Porém, o tal diploma carregava vícios em seu bojo, como considerar como empregado
qualquer trabalhador rural. Para Raymundo Laranjeira (apud Marques, 2015, p.185),
isso configurava uma “anomalia legislativa”, que provocou uma série de demandas na
Justiça do Trabalho. Desta feita, o entendimento jurisprudencial pacificado foi no
sentido de que essa lei deveria alcançar apenas os empregados, e não todos os
trabalhadores do campo.
Como tentativa de contornar a situação, diversos mecanismos foram aplicados,
como a expedição da “Portaria n° 71/65, mais tarde a Lei Complementar n° 11/71
(Programa de Assistência ao Trabalhador Rural – Pró-Rural), e depois a Resolução n°
775/82 da CES (Comissão de Enquadramento Sindical), que também tentou conceituar
o rural”5. Em 1971, foi editado o Decreto-Lei nº 1.166/71, que tratava sobre
enquadramento e contribuição sindical.
Finalmente, em 1973, entrou em vigor a Lei nº 5.889, a qual revogou o Estatuto
do Trabalhador Rural e outras leis contrárias. A 5.889/73 estatui normas reguladoras do
trabalho rural e, consequentemente, do trabalhador rural. Assim sendo, as questões
trabalhistas seriam regidas pela Justiça do Trabalho e os contratos de parceria rural,
empreitada e arrendamento pelo Código Civil.
A terceira fase descrita por Godinho é a fase “contemporânea: diferenciações
tópicas”, de aproximação jurídica com os empregados rurais e urbanos. Teve como
grande precursora a Constituição Federal de 1988 e as disposições de seu Art. 7º,
conforme se aferirá adiante.

2.1.2 Trabalhador Rural, empregado rural e empregador rural

De forma ampla, trabalhador rural, em consonância com a Convenção nº 141


(aprovada pelo Decreto Legislativo 5/93) da Organização Internacional do Trabalho
(OIT), compreende todas as pessoas que prestam serviços, ou tenham ocupação similar
ou conexa, nas regiões rurais, nas tarefas campesinas, artesanais, agrícolas, pastoris e
pecuárias, não somente os assalariados, mas também os eventuais (boias-frias) ou
aqueles que exploram atividade por conta e risco próprios (autônomos), como os
parceiros, meeiros, arrendatários, etc, inclusive os empregados rurais. Destarte, de
acordo com Wladimir Novaes Martinez6, trabalhador rural é o gênero, e empregado
rural a principal espécie.
O Art. 2º da Lei de 1973 dispõe que “Empregado rural é toda pessoa física que,
em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a
empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário”. Mesmo com a
apropriada denominação do empregado rural, Roberto Barreto Prado considera a
definição legal “incompleta”, de modo que falta apontar qual a finalidade da atividade.
Assim, o conceito para ele deveria ser:
5
NEVES, Anderson Alex Prata; LIMA, Juscelino Silva de. O trabalhador rural e seus direitos na
Constituição Federal. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIX, n. 148, maio 2016. Disponível em:
<http://www.ambito-juridico.com.br/site/?
n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=17204&revista_caderno=25>. Acesso em Abril de 2019.
6
MARTINEZ, Wladimir Novaes. O trabalhador rural e a previdência social. 2 ed. São Paulo: LTr,
1985. p 595.
É empregado rural a pessoa física que, trabalhando em propriedade rural ou
prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob
dependência deste e mediante salários, diretamente relacionados com os
objetivos da empresa agrária7.

Nessa senda, o empregado rural atua em propriedade rural (aquela


geograficamente localizada no campo) ou prédio rústico (localizado em área urbana,
mas que sob a perspectiva econômica e laborativa é nitidamente agropastoril ), lidando
com atividades típicas (natureza agrícola) ou atípicas. Importante colacionar os
pensamentos de Benedito Ferreira Marques (2015, p.186), na ótica de que a Lei
supramencionada trata tanto das relações de trabalho rural, quanto de contrato de
emprego, portanto, de trabalhadores rurais e empregados rurais:
[...] a nova legislação obreira do homem do campo buscou distinguir o
“trabalhador rural” do “empregado rural”. O primeiro é aquele que exerce
atividade agroindustrial e que tanto pode trabalhar como autônomo como sob
subordinação, vale dizer, por conta própria ou por conta de uma certa
empresa. Já o empregado rural exerce as suas atividades em regime de
subordinação ou dependência. Cumpre distinguir, ainda, outras categorias de
trabalhadores rurais que não se enquadram como empregados rurais, tais
como os empreiteiros, os arrendatários, os parceiros autônomos. Mas o art.
17 da Lei no 5.889/73 é explícito quanto à sua aplicação aos trabalhadores
rurais não compreendidos na definição de emprega dos rurais, desde que
prestem serviços a empregador rural. Isso levou a doutrina a identificar, nessa
lei, o fim precípuo de regular “as relações de trabalho rural”, e não apenas o
“contrato de emprego”.

Existem, porém, controvérsias envolvendo os conceitos acima expostos, como se


depreende da leitura. Não se referem, contudo, às características básicas que formam
uma relação de emprego (pessoa física, não eventualidade, onerosidade, subordinação e
pessoalidade), que abrangem tanto o trabalhador urbano, quanto o rural. Os
questionamentos surgem em razão das diferenças presentes no conceito de empregado
rural pela CLT (Art. 7º, b) e a Lei nº 5.889/73.
Pela CLT, Maurício Godinho afirma que o critério de caracterização do rurícola
se baseia no método de trabalho observado pelo obreiro no desenrolar de prestação
laborativa ou na finalidade das atividades. É trabalhador rural, então, aquele que
emprega métodos e fins rurícolas, já que o Art. 7º, b, fala daqueles que exercem funções
diretamente ligadas à agricultura e à pecuária, não sendo empregados em atividades que,
pelos métodos de execução dos respectivos trabalhos ou pela finalidade de suas
operações, se classifiquem como industriais ou comerciais.
Para esse mesmo autor, critica-se porque a sistemática básica de determinação
das categorias profissionais o Brasil é dada pelo segmento de atividade do empregador,
7
PRADO, Roberto Barreto. Comentários à nova lei do trabalho rural. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1975. p. 23.
e não no método ou fins da atividade laborativa. Ademais, pela CLT empregados
urbanos e rurais poderiam ser regidos por um mesmo empregador rural, considerando a
diferenciação de métodos de trabalho e fins da atividade.
Por outro lado, pela Lei nº 5.889/73 (bem como no seu Regulamento Normativo,
Decreto n. 73.626/74, no Art. 3º), cujo critério de identificação do trabalhador rural é o
que hoje prevalece no Brasil, o trabalhador rural, mais espeficamente o empregado
rural, será aquele que é vinculado a um empregador rural, independentemente dos
métodos de trabalho e dos fins desenvolvidos na atividade. Desta feita, Godinho
sintetiza: sendo a empresa rural, os empregados que laborarem no campo (visto que a
atividade deve ser desenvolvida em propriedade rural ou prédio rústico) serão rurícolas,
mesmo que não exerçam atividades tipicamente rurais (atividades atípicas). Se a
empresa não for rural, os empregados também não serão.
Nesse raciocínio, logo, foi editada a Súmula 196 do Supremo Tribunal Federal, a
qual dispõe que “ainda que exerça atividade rural, o empregado de empresa industrial
ou comercial é classificado de acordo com a categoria do empregador”.
A exceção trazida pela jurisprudência é de empresas de florestamento e
reflorestamento, uma vez que mesmo que juridicamente e administrativamente sejam
enquadradas como empresas urbanas, os empregados que exercem atividades
efetivamente rurais serão empregados rurais. (OJ n. 38, SDI-I/TST). Essa exceção vem
para situações nas quais o trabalhador exerce funções nitidamente agrárias ou pastoris
exatamente em áreas rurais, mesmo que o empregador seja tido como urbano.
O empregador rural, por sua vez, vem disposto no Art. 3º da Lei 5.889/73, e é “a
pessoa física ou jurídica, proprietário ou não, que explore atividade agroeconômica, em
caráter permanente ou temporário, diretamente ou através de prepostos e com auxílio de
empregados”.
A Lei nº 13.171/2015 passou a dispor no § 1 o do Art. 3º que essa atividade
econômica inclui, além da exploração industrial em estabelecimento agrário não
compreendido na CLT, a exploração do turismo rural ancilar à exploração
agroeconômica. Por consequência, o fundamental é a exploração seja de atividade
agroeconômica, mesmo que o empreendimento detenha instalações e métodos
industriais e comerciais, consoante explana Godinho.
Cabe destacar a responsabilidade solidária dos empregadores rurais nas
obrigações decorrentes da relação de emprego, sempre que uma ou mais empresas,
mesmo tendo cada uma delas personalidade jurídica própria, estiverem sob direção,
controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua
autonomia, integrem grupo econômico ou financeiro rural, pela redação do §2º. Já o
Art. 4º equipara ao empregador rural a pessoa física ou jurídica que, habitualmente, em
caráter profissional, e por conta de terceiros, execute serviços de natureza agrária,
mediante utilização do trabalho de outrem.

2.1.3 Princípios que abrangem o trabalhador rural

Zenilda Paida8 elenca quatro principais princípios que regem os trabalhadores


rurais, de forma que constituem parâmetros basilares nas relações e demandas que os
envolvem. O primeiro é o princípio da proteção, o qual se divide no in dubio pro
operário (na dúvida, se favorece o trabalhador, dada sua hipossuficiência), na aplicação
da norma mais favorável ao trabalhador (seja na elaboração, isto é, as novas leis devem
ser editadas de forma mais benéfica ao trabalhador, seja relativo à hierarquia das normas
jurídicas, ou na interpretação da norma mais favorável) e na aplicação da condição mais
benéfica ao trabalhador (é o caso de que vantagens conquistadas, e que são mais
benéficas ao trabalhador, não podem ser modificadas para pior. Regra do direito
adquirido).
O segundo é o princípio da irrenunciabilidade do direito, pelo qual são
irrenunciáveis pelo trabalhador os seus direitos trabalhistas. É extraído do Art. 9º da
CLT e aplica-se aos trabalhadores rurais: serão nulos de pleno direito os atos praticados
com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos trabalhistas.
Se, porventura, o trabalhador desejar renunciar direitos, só poderá fazê-lo, em regra,
perante um juiz do trabalho.
O terceiro princípio é o da continuidade da relação de emprego, cuja noção geral
é a de que o contrato com a empresa deve ser preservado. Dele se depreende a Súmula
212 do Tribunal Superior do Trabalho (o ônus de provar o término do contrato de
trabalho, quando negados a prestação de serviço e o depoimento, é do empregador, pois
o principio da continuidade da relação de empregado constitui presunção favorável ao
empregado). E, por fim, há o princípio da primazia da realidade, decorrente do fato de
que os fatos são mais importantes que os documentos no direito do trabalho
8
PAIDA, Zenilda. Trabalhador Rural. 2012. Disponível em:
<http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,trabalhador-rural,36550.html>. Acesso em 20 de Abril de
2019.
2.1.4 Principais direitos trabalhistas

A Constituição Federal de 1988, e concepção da dignidade da pessoa humana


como fundamento da república, equiparou os direitos dos trabalhadores urbanos e
rurais, ao preceituar todos os direitos do Art. 7º para ambos. Nesse diapasão, são
direitos e garantias dos trabalhadores urbanos e rurais, segundo Saulo Emílio dos
Santos: (1) proteção contra a despedida arbitrária por parte do empregador; (2) seguro-
desemprego, regulamentado pela Lei no 7.998/90; (3) FGTS; (4) salário mínimo; (5)
piso salarial compatível com determinadas atividades; (6) irredutibilidade do salário; (7)
garantia do salário mínimo aos remunerados em valores variáveis; (8) 13o salário,
inclusive para aposentados; (9) adicional por trabalho noturno; (10) definição como
crime, em relação ao ato de reter salário; (11) participação nos lucros da empresa rural;
(12) salário-família para dependentes; (13) jornadas máximas de oito horas por dia e 44
por semana; (14) jornada de seis horas de trabalho ininterrupto em turno de
revezamento; (15) repouso semanal remunerado; (16) paga das horas extraordinárias de
labor com adicional de 50%; (17) férias anuais com acréscimo de 1/3; (18) licença de
120 dias à gestante; (19) licença-paternidade; (20) proteção ao mercado de trabalho da
mulher; (21) aviso prévio com prazo mínimo de 30 dias e proporcional ao tempo de
serviço em caso de dispensa; (22) redução dos riscos inerentes ao trabalho; (23)
adicional salarial no caso de trabalho penoso, insalubre ou perigoso; (24) aposentadoria;
(25) assistência gratuita aos filhos até os seis anos de idade, em creches e pré-escolas;
(26) reconhecimento da normatividade das convenções e acordos coletivos de trabalho;
(27) proteção em face da automação; (28) seguro de acidente de trabalho, sem prejuízo
da responsabilidade civil do empregador; (29) prescrição com prazo de dois anos,
contados somenteapós a extinção do contrato de trabalho; (30) proibição de
discriminação em razão do sexo, da idade, da cor ou do estado civil; (31) proibição de
discriminação do trabalhador deficiente físico; (32) proibição de discriminação entre
trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos; (33)
proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre ao menor de 18 anos, e de qualquer
trabalho a menores de 14 anos, salvo o aprendizado; (34) igualdade de direitos entre
trabalhadores comuns e avulsos; (35) especificação dos direitos trabalhistas dos
empregados domésticos aplicáveis ao servidor de residência de pessoa no meio rural;
(36) liberdade para criar e gerir sindicatos; (37) estabilidade do dirigente ou
representante sindical, desde a candidatura até um ano após o final do mandato; (38)
direito de greve; (39) representação classista dos trabalhadores nos órgãos de
deliberação coletiva, onde seus interesses profissionais ou previdenciários sejam
decididos; (40) representação dos empregados em número superior a 200, em cada
empresa, para manter entendimentos entre os trabalhadores e os empregadores.
No que diz respeito aos direitos específicos do trabalhador rural previstos na Lei
nº 5.889/73, podem ser destacados: a intervenção segundo os usos da região, em
qualquer trabalho contínuo de duração superior a seis horas, não computados na jornada
de trabalho; entre uma e outra parte da execução da tarefa diária, nos serviços
caracteristicamente intermitentes, intervalo não computado como de serviço efetivo (Art
5º); o trabalho noturno é aquele entre 21 horas de um dia e 5 horas do dia seguinte na
lavoura e entre 20 horas de um dia e 4 horas do dia seguinte na pecuária, acrescido de
25% sobre a remuneração normal (Art. 7º); desconto de até 20% pela ocupação da
moradia e de 25% pelo fornecimento de alimentação (Art. 9ª, a e b); a divisão
proporcional do desconto de moradia sempre que mais de um empregado residir na
mesma moradia (Art. 9º, § 2º); não integração no salário da moradia e sua estrutura
cedidas pelo empregador, bem como dos bens destinados à produção para subsistência
do empregado e de sua família (Art. 9º, §5º); contrato em separado nas regiões onde
adota a plantação intercalar ou subsidiária (cultura secundária) a cargo do trabalhador
rural, ou seja, como um contrato com objeto próprio não identificável com o de trabalho
(Art. 12).
Dessa forma, merece destaque que o trabalhador tem como tempo de intervalo
para descanso o que é estipulado em consonância com os usos e costumes da região,
inexistindo um período mínimo ou máximo; que o adicional noturno para o trabalhador
rural é de 25% no mínimo, enquanto do trabalhador urbano é de 20%; não há previsão
para vale-transporte; durante o prazo do aviso prévio de 30 dias, se a rescisão tiver sido
promovida pelo empregador, o empregado rural terá direito a um dia por semana, sem
prejuízo do salário integral, para procurar outro trabalho (Art. 15), enquanto o
trabalhador urbano terá duas horas a menos de serviço diário ou sete dias corridos sem
trabalhar (Art. 487 e 488 da CLT).

2.1.5 Impactos da Reforma Trabalhista nos trabalhadores rurais


Algumas das modificações trazidas pela Reforma Trabalhista de 2017 9 (Lei nº
13.467/2017), a qual alterou dispositivos da CLT, impactaram de alguma forma os
trabalhadores rurais, haja vista que a Consolidação só se aplica para eles em situações
expressas. No Brasil, existem aproximadamente 25 milhões de pessoas que trabalham
no campo, conforme dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos (DIEESE)10.
O que deve ser destacado da reforma no universo rural são as horas “in tinere”
ou horas de percurso, que se referem ao período de deslocamento realizado pelo
empregado de casa para o local de trabalho. A antiga redação do Art. 58, §2º, da CLT,
determinava que ao empregado era garantida a remuneração, como horas de efetivo
trabalho, do tempo despendido no percurso de ida e volta ao emprego e sua soma à
jornada de trabalho, desde que o local de trabalho fosse de difícil acesso e não
servido por transporte público regular, e que o empregador o fornecesse.
A reforma, no entanto, revogou essa previsão, de modo que não o tempo de
percurso não contabiliza mais como hora extra. Para as relações rurais o impacto é
grande, no sentido de que a maior parte do trabalho rural é no campo e longe da
residência dos empregados. As vantagens, desta feita, aparentam ser somente para o
empregador rural, que terá diminuído os custos.
Outra alteração que deve ser elencada diz respeito aos contratos de trabalhos
intermitentes, nos quais o trabalhador é contratado para trabalhar esporadicamente,
que no caso no trabalho rural são as produções agrícolas por safra. Em resumo, a
reforma não determinou um mínimo de horas para essa forma de contratação, mas a
jornada permanece sendo de 44 horas semanais e 220 horas mensais máximas. O
empregado tem direito às férias 13º salário proporcionais, pela disposição do Art.
452-A, §6º, da Lei 13.467/17.
É de livre acordo das partes o período trabalhado por um empregado
intermitente, em horas, dias ou meses. O mesmo artigo supramencionado determina,
ainda, que independentemente da fixação temporal, o contrato deve possuir um valor
específico, que deverá ser pago pela hora trabalhada, não podendo ser inferior ao valor

9
GONÇALVES, Adriana. A reforma trabalhista e os empregados e empregadores rurais:As
mudanças significativas para o homem do campo. 2018. Disponível em:
<https://adrianacccc.jusbrasil.com.br/artigos/581868344/a-reforma-trabalhista-e-os-empregados-e-
empregadores-rurais>. Acesso em 19 de Abril de 2019.
10
DIEESE. O mercado de trabalho assalariado rural brasileiro. 2014. Disponível em:
<https://www.dieese.org.br/estudosepesquisas/2014/estpesq74trabalhoRural.pdf >. Acesso em 21 de
Abril de 2019.
do salário mínimo ou inferior ao valor pago para os outros trabalhadores que
desempenham a mesma função.

2.2 Aposentadoria dos trabalhadores rurais

Aos trabalhadores que exercem atividade rural, o Regime Geral da Previdência


Social prevê, atualmente, uma “aposentadoria especial” por idade. A previsão está no
Art. 48, parágrafos 1º e 2º da Lei 8.213/91 11. Pelos dispositivos citados, a aposentadoria
por idade será devida ao segurado produtor que, cumprida a carência exigida na lei,
completar sessenta anos e cinquenta e cinco anos, para homens e mulheres,
respectivamente.
Para tanto, esse segurado precisa ser, segundo o parágrafo 1º do Art. 48:
empregado rural (aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural à empresa, em
caráter não eventual, sob sua subordinação e mediante remuneração, inclusive como
diretor empregado); contribuinte individual (quem presta serviço de natureza urbana ou
rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de
emprego); trabalhador avulso (quem presta, a diversas empresas, sem vínculo
empregatício, serviço de natureza urbana ou rural definidos no Regulamento); e
segurado especial (a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano
ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda
que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de: produtor, seja proprietário,
usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou
arrendatário rurais, que explore atividade agropecuária em área de até 4 (quatro)
módulos fiscais ou de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos
termos do inciso XII do caput do art. 2º da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça
dessas atividades o principal meio de vida; pescador artesanal ou a este assemelhado
que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e cônjuge ou
companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este
equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que,
comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo).
A Lei 8.213 prevê, também, que para a concessão da aposentadoria com a idade
mínima reduzida, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício da atividade

11
BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Disponível em:
<www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/leis/L8213cons.htm>. Acesso em 19 de Abril de 2019.
rural, mesmo que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao
requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição
correspondente à carência do benefício pretendido. Já o Art. 143 prevê que:
Art. 143. O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no
Regime Geral de Previdência Social, na forma da alínea "a" do inciso I, ou do
inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei, pode requerer aposentadoria por idade,
no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data
de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural,
ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento
do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício.

Assim, o benefício é devido ao cidadão que tiver a idade mínima de 60 anos para
o homem e 55 anos para a mulher, além de comprovar no mínimo 180 meses (15 anos)
trabalhados em atividade rural. O trabalhador poderá solicitar o benefício com a mesma
idade do trabalhador urbano, somando o tempo de trabalho como segurado especial
rural ao tempo de trabalho urbano, caso não consiga comprovar o tempo mínimo de
trabalho necessário12.
Como mencionado, essa é a previsão atual. Embora esteja em tramitação no
Congresso Nacional o projeto de Reforma da Previdência Social, o qual,
originariamente, trazia uma série de mudanças para a aposentadoria do trabalhador
rural, Rodrigo Maia13 (atual presidente da Câmara dos Deputados) afirmou
recentemente que o governo não seguirá com as mudanças para esses trabalhadores.
Sendo assim, os trabalhadores rurais estão, por hora, excluídos da reforma.

3 PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

A Constituição Federal de 1988 assegurou em seu Art. 5, XXII que é garantido a


todos o direito a propriedade. Mas como todos as garantias constitucionais, essa também
não é absoluta, podendo sofrer restrições por parte do estado, no caso de requisições,
desapropriação, confisco e usucapião. O presente artigo irá ater-se a outra restrição
desta garantia que é a função social da propriedade, que é declarado no Art. 5, inciso
XXIII.
Até o avanço da doutrina o proprietário poderia dar a destinação que quisesse
para sua propriedade, até mesmo, não fazer nada, apenas especulando, o que na prática
12
BRASIL. MINISTÉRIO DA ECONOMIA. INSS. Aposentadoria por Idade Rural. Disponível em:
<https://www.inss.gov.br/beneficios/aposentadoria-por-idade-rural/>. Acesso em 20 de Abril de 2019.
13
UOL. Câmara vai excluir trabalhadores rurais da reforma da previdência. 2019. Disponível em:
<https://canalrural.uol.com.br/politica/camara-vai-excluir-trabalhadores-rurais-da-reforma-da-
previdencia/>. Acesso em 19 de Abril de 2019.
deixava várias extensões de terras sem destinação alguma, ao mesmo tempo que, várias
pessoas procuravam por terras para poder trabalhar.
Esta grande acumulação de terras, nas mãos de poucos, deve-se ao período de
colonização do Brasil, que através das Sesmarias, o rei português concedia grandes
extensões de terras para determinadas pessoas, para que pudessem explorar.
A função social da propriedade foi primeiramente consagrada na legislação
brasileira pela Lei n 4.504/64, conhecida como o Estatuto da Terra, que determina no
seu Artigo 2, as condições para que a terra atenda a função social:
Art.2º. É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra,
condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta Lei.
§1º A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social
quando, simultaneamente:
a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela
labutam, assim como de suas famílias;
b) mantém níveis satisfatórios de produtividade;
c) assegura a conservação dos recursos naturais;
d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho
entre os que a possuem e a cultivam.

Com isso, podemos entender que para a propriedade ter função social, precisa
além de preservar a natureza, precisa ser produtiva, favorecendo os proprietários e os
trabalhadores. Impossibilitando assim, que o proprietário da terra a tenha apenas para
especulação.
Essa norma foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, e está no seu
texto no artigo 186:
Art.186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,
simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei,
aos seguintes requisitos:
I - Aproveitamento racional e adequado;
II - Utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do
meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - Exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores.

Para que a propriedade possa atingir a função social precisa atender a cada um
desses requisitos simultaneamente, e não apenas individualmente, pois esvaziaria a
intenção legislativa, de possibilitar a desconcentração de terras e permitir a reforma
agrária. Retirando assim, a antinomia que poderíamos concluir com o Art. 185 da
CRFB/88:

Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:


I -a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu
proprietário não possua outra
II – a propriedade produtiva
Para a proteção da propriedade familiar o Estatuto da Terra define no seu Art. 4:

Art. 4º Para os efeitos desta Lei, definem-se:


II- "Propriedade Familiar", o imóvel rural que, direta e pessoalmente
explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho,
garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área
máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente
trabalho com a ajuda de terceiros;

Nesse ponto, a lei a Lei da Reforma Agrária prioriza a entrega de terras


desapropriadas para as famílias a as classificando de acordo com suas características,
com isso o legislador reconhece a importância para agricultura familiar para o Brasil,
sendo tanto fonte de renda para as pessoas que trabalham, como também fonte de
alimentos para a população. Isso coaduna com o relatório anual da ONU 14, que no seu
relatório de 2014. Afirma que 80% da produção de alimentos do mundo vem da
agricultura familiar.

4 DA REFORMA AGRÁRIA COMO INSTRUMENTO DE MUDANÇA DA


ESTRUTURA FUNDIÁRIA E COMO TUTELA DO TRABALHADOR RURAL

Primeiramente, antes de se falar especificamente sobre a reforma agrária como


instrumento de mudança da estrutura fundiária e como tutela do trabalhador rural, é
importante falar sobre o direito de propriedade no ordenamento jurídico brasileiro.
O direito de propriedade é previsto e garantido pela Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988. Em seu artigo 5º, caput, a CRFB/1988 garante o direito de
propriedade no ordenamento jurídico interno ao afirmar que “todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade”. (Grifei)
E mais, o direito de propriedade está contido no rol dos direitos fundamentais
por força do artigo 5º, inciso XXII, da CRFB/1988 que preconiza: “é garantido o direito
de propriedade”.
Todavia, esse direito de propriedade no ordenamento jurídico pátrio não é
absoluto, o direito de propriedade está condicionado ao cumprimento da sua função

14
The State od Food and Agriculture – Innovation I family farming 20014. Food e and Agriculture
Organization of the United Nations disponível em http://www.fao.org/3/a-i4040e.pdf acessado em:
21/04/2018.
social, conforme estabelecido no próprio artigo 5º, inciso XXIII, da Constituição
Federal de 1988 ao estabelecer que: “a propriedade atenderá a sua função social”.
O que fora acima exposto encontra respaldo nas palavras de Marques (2015, p.
35) que afirma:
Na verdade, o nosso texto constitucional vigente não baniu o direito de
propriedade, que sempre foi consagrado em todas as Constituições, até aqui.
Apenas o contemplou, em inciso próprio, mas, em outro, o condicionou ao
cumprimento da função social.

Logo, o direito de propriedade tem respaldo constitucional, entretanto, ele está


condicionado a consecução de sua função social.
No que diz respeito a propriedade rural e a reforma agrária, é possível afirmar
que a necessidade da propriedade rural cumprir a sua função social é, justamente, o
elemento possibilitador do implemento de uma política de mudanças na estrutura
fundiária de determinado estado através da reforma agrária. Ou seja, a função social da
propriedade rural é o elemento central ensejador da reforma agrária.
Tal alegação encontra respaldo no que fora explicitado por Marques (2015, p.
34/35) ao expor que:
É bastante atual a afirmação de que a função social do imóvel rural é o
centro em torno do qual gravita toda a doutrina do Direito Agrário. Essa
afirmação não é de todo desarrazoada. Com efeito, tal noção tem sido
responsável pela disseminação das ideias de reforma agrária em todo o
mundo, notadamente na Europa, no início deste século que se finda. Dir-se-ia
mesmo que o que antes era uma ideia hoje já se consagra como verdadeiro
princípio. De fato, não se estuda Direito Agrário, aqui ou alhures, sem que se
compreenda o papel que deve desempenhar o imóvel rural, posto que é nele
que se desenvolvem as atividades agrárias, e estas, a seu tempo, constituem a
essência da especialidade do ramo jurídico que se examina.

Realizados esses primeiros apontamentos, parte-se, agora, para a construção


do conceito de reforma agrária. Segundo preceitua Marques (2015, p. 130):

o conceito de Reforma Agrária não se prende apenas ao aspecto da


distribuição, da melhor distribuição das terras. É mais abrangente, porque
envolve a adoção de outras medidas de amparo ao beneficiário da reforma,
que são chamadas de “Política Agrícola”.

Assim, destaca-se que a noção de reforma agrária não está adstrita, apenas, a
mudança na estrutura fundiária através da redistribuição de terras. A noção de reforma
agrária também abarca a necessidade de se terem políticas agrárias que garantam uma
estrutura material mínima adequada para que o trabalhador rural possa desenvolver as
suas atividades possibilitando, assim, uma redistribuição, também, da renda gerada
pelas atividades agrárias.
Não outro é o conceito legal de reforma agrária previsto no artigo 1º, §1º, da lei
nº 4.504/1964 (Estatuto da Terra) que assim disciplina, “considera-se Reforma Agrária
o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante
modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça
social e ao aumento de produtividade”.
Por fim, colaciona-se a definição de reforma agrária realizada por Veiga (1981,
p. 7), citado por Marques (2015, p. 131)

A modificação da estrutura agrária de um país, ou região, com vistas a uma


distribuição mais equitativa da terra e da renda agrícola é a definição mais
usual de reforma agrária. Tal enunciado consta em qualquer bom dicionário.
Como geralmente acontece com as conceituações sintéticas, nela está apenas
implícita uma ideia-chave para o seu entendimento: de que se trata de uma
intervenção deliberada do Estado nos alicerces do setor agrícola.
É isto que permite distinguir reforma agrária de transformação agrária.

Assim, uma vez realizada a definição de reforma agrária e expostos os seus


elementos caracterizadores, fica latente a sua função de tutela aos trabalhadores rurais
pois, tendo em vista que a estrutura fundiária brasileira se caracteriza pela grande
concentração de terras sob o domínio de poucos, ela busca, sob a bandeira da concreção
da função social da propriedade rural, materializar uma mudança na estrutura fundiária
brasileira promovendo uma redistribuição mais equitativa e justa das terras para o
trabalhador rural possibilitando, assim, uma melhor repartição da renda agrária a partir
de políticas agrícolas que permitam ao beneficiário da reforma poder cultivar e produzir
em sua terra e, por conseguinte, dá efetividade a função social de sua, agora,
propriedade rural.
Por fim, é válido o registro de que a usucapião rural é um dos instrumentos,
através do qual, a reforma agrária se realiza, juntamente, por exemplo, com a
desapropriação agrária. Nas palavras de Silva (2009), “a usucapião rural é um
instrumento de Reforma Agrária, que se move por iniciativa privada, atuando o Estado,
apenas como homologador”.
Nesse caso, a usucapião agrária é um claro exemplo da mitigação do direito de
propriedade, no ordenamento jurídico pátrio, pela necessidade de, tal propriedade rural,
cumprir a sua função social. E mais, é um importante exemplo de aplicação do princípio
do direito agrário, pelo qual, a utilização da terra se sobrepõe à titulação dominial.
Logo, é um significativo recurso para efetivação da reforma agrária porque
privilegia aquela que trabalha a terra e faz ela produtiva pela posse-trabalho, sendo,
assim, uma relevante ferramenta para a mudança da estrutura fundiária brasileira e em
busca de uma redistribuição mais justa das terras e das riquezas produzidas através das
atividades agrárias.

5 DESAPROPRIAÇÃO ENQUANTO INSTRUMENTO POSSIBILITADOR DA


REFORMA AGRÁRIA

É sabido que o regime constitucional brasileiro, em que pese sua posição acerca
do direito de propriedade, o garante, com a ressalva da garantia de sua função social,
como disposto pelo art. 5°, incisos XXII a XXVI.
O instituto da desapropriação existe, pois, para sanar circunstâncias diversas,
com o denominador comum sendo o descumprimento de sua função social. O processo
de desapropriação é eminentemente administrativo, constituindo forma incisiva de
intervenção do Estado na propriedade privada, sendo a transferência de domínio
compulsória e por meio de indenização, mediante quatro modalidades, quais sejam a
necessidade ou utilidade pública e por interesse social subdividindo-se por
desigualdades sociais, reforma agrária ou plano diretor.
No presente trabalho, será abordada a desapropriação rural com fins de reforma
agrária. Resta prevista no art. 184 da CF/88. Lê-se:

Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de
reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social,
mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com
cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos,
a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

O conceito de imóvel rural, propriamente definido e regulamentado, encontra-se


positivado no art. 4°, I, da Lei n° 4.504/64, também conhecida como Estatuto da Terra.
Deve-se destacar, ademais, que o art. 185 da CF/88 elenca como insuscetíveis de
desapropriação para fins de reforma agrária a pequena e média propriedade rural e a
propriedade produtiva.
O processo de desapropriação também não pode ser realizado caso cumprida a
função social, cumprimento este explanado e tutelado pelo art. 186 da CF/88:

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,


simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei,
aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do
meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores.

O procedimento de desapropriação de imóveis rurais para fins de reforma


agrária encontra-se regulamentado pela Lei Complementar n° 76/93. Impera destacar,
no entanto, em consonância com o entendimento e jurisprudência do STF, que situações
de força maior, como aquelas que venham a atingir a produtividade da propriedade ou
invasões da propriedade em si, não podem vir a caracterizar elementos ensejadores a
processo de desapropriação. Nesse sentido, corrobora ainda a Súmula n° 354 do STJ,
que dispõe que “a invasão do imóvel é causa de suspensão de processo expropriatório
para fins de reforma agrária”.
Percebe-se, pois, que há uma interpenetração e embate de valores e princípios,
nomeadamente o direito de propriedade e a reforma agrária e sua implementação,
devendo os legisladores e doutos julgadores balancear, em antecipação e durante o caso
concreto a aplicação devida da legislação agrária infraconstitucional e dispositivos
constitucionais, assim como os princípios basilares que as regem.

6 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS

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