Efeito Zeno Quântico

Priscila Cavassin
Universidade de São Paulo
14 de junho de 2017

Resumo
O efeito Zeno quântico é a inibição das transições entre estados quânticos através de repetidas
medições de um estado. A origem dessa inibição são os colapsos causados pelas medições,
que quando feitas em intervalos curtos o suficiente, colapsam uma função de onda para seu
estado inicial. Este trabalho apresenta uma breve derivação matemática do efeito e descreve
sua primeira verificação experimental.

Introdução funções de onda bem comportadas que podem

O efeito Zeno quântico é a inibição das transi-
ções entre estados quânticos, causado por me-
dições sucessivas. Misra e Sudarshan foram os
primeiros a nomear e tratar esse efeito com ri-
gor matemático, em artigo publicado em 1976.
ser expandidas em série. [2]
Seja H o Hamiltoniano de um sistema
quântico e |Ψ0 i seu estado inicial em t = 0. A
evolução temporal desse sistema é dada por:
iHt

[1] A origem do nome, inspirada no filósofo |Ψ(t)i = e− ~ |Ψ0 i (1)

grego Zenão de Eleia, será esclarecida adiante.
Analogamente, consideramos que o sistema
O seguinte Gedankenexperiment é útil para evolui apenas por um curto período de tempo
compreender o efeito: considera-se uma par- δt. Escolhendo ~ = 1 por simplificação, sua
tícula instável cujo decaimento é muito pro- evolução temporal é dada por
vável. Se medirmos seu estado e observarmos
que ela ainda não decaiu, causamos um co- |Ψ(δt)i = e−iHδt |Ψ0 i (2)
lapso na função de onda, que retorna ao seu
estado inicial. Ou seja, a observação interfe- A probabilidade de que o sistema em um
riu diretamente no decaimento da partícula. tempo δt esteja no estado inicial, é P (t)
Se fizermos essas observações sucessivamente,
a partícula nunca decairá. Esse é o efeito Zeno
P (t) = | hΨ0 | e−iHδt |Ψ0 i |2 (3)
quântico.
Podemos expandir a Equação (3) em séries
de Taylor centradas em 0. Obtemos
Derivação Matemática
2
A transcrição matemática do efeito Zeno

∞
X (iδt)n n 
Quântico envolve classes de semigrupos forte- P (t) =  hH i

 n=1 n!
mente contínuos, e foi feita originalmente por

Misra e Sudarshan.[1] Neste trabalho ela será (δt)2 2
= |1 − i(δt)hHi − hH i + O((δt)3 )|2
demonstrada de maneira simplificada, consi- 2
derando apenas Hamiltonianos hermitianos e = 1 − δt2 (hHi2 − hH 2 i) + O((δt)3 )

1
 Ignorando os termos de ordem 3 e superio-
res, temos:
P (t) ≈ 1 − (δt)2 ∆H 2
Ou seja, para tempos pequenos a probabi-
lidade de encontrar a partícula em seu estado
inicial varia com t2 . Se fizermos medidas com
intervalos regulares de tempo τ = Nt a proba-
bilidade em (4) é
!N
t2
∆H 2
P (t) = (1 − τ 2 ∆H 2 )N = 1− N
N provado. O gato está numa caixa com um ve-
 2  neno, que está associado a um átomo instável.
t 2
P (t) ≈ exp − ∆H
N
Assim, para medidas feitas com um inter-
valo menor que o tempo de decaimento, a pro-
babilidade varia exponencialmente com (−t2 ).
Para um número muito grande de medidas
tem-se que N → ∞, e a probabilidade (5) é
simplesmente
lim P (t) = 1
N →∞
Isso significa que para um número muito
grande de medidas, feitas em um intervalo de
tempo muito pequeno, a probabilidade de que
o sistema permaneça em seu estado inicial é 1.
As medidas consecutivas inibem a evolução do
sistema, que permanece em seu estado inicial.
Esta é uma prova matemática do efeito Zeno
Quântico.
Implicações Filosóficas
Quando proposto pela primeira vez, o efeito
foi considerado um paradoxo: como poderia
uma partícula instável nunca decair, apenas
por ser observada continuamente? Uma vez
que o questionamento remete ao famoso para-
doxo da flecha que voa, proposto por Zenão, o
efeito recebeu seu nome.
O paradoxo clássico consiste em uma flecha
que voa. Em qualquer instante de tempo ela
ocupa apenas um espaço igual ao seu tama-
nho. Ou seja, em momentos individuais ela
está parada, em um espaço que não se move.
Se ela está parada em cada e em todos os
instantes do seu voo, conclui-se que a flecha
não se move. Por um argumento similar Ze-
não concluiu que não existe movimento. Atu-
(4) almente, sabemos que esse paradoxo é falso
pois o tempo e o movimento não são discretos.
Mas, essa questão só pode ser resolvida após
o desenvolvimento do cálculo, que permitiu a
definição da velocidade instantânea. [3]
Quando proposto, o efeito quântico tam-
bém causou estranheza. Os autores propuse-
ram em seu artigo original o que aconteceria
com o gato de Schrödinger, caso o efeito fosse
(5) Se o átomo decair o veneno será aberto e o
gato morrerá. Como há uma superposição en-
tre o estado que decaiu e o que não decaiu, o
gato está numa superposição de vivo e morto.
Porém, o efeito Zeno nos mostra que se medir-
mos o estado do átomo de maneira contínua,
o átomo nunca irá decair. Poderíamos assim
salvar o gato do seu destino cruel?
Essa pergunta só pode ser respondida al-
guns anos mais tarde, quando o efeito foi ve-
(6)
rificado experimentalmente.
O experimento de IHBW
Em 1990 Itano, Heizein, Bollinger e Wine-
land reproduziram um experimento previa-
mente idealizado por Cook, com o objetivo de
verificar o efeito Zeno. [4] Os pesquisadores
obtiveram um resultado de acordo com o pre-
visto teoricamente, e seu trabalho é conside-
rada a primeira demonstração do efeito.
O experimento consiste na observação de
átomos de 3 níveis, como na Figura 1. Os
níveis 1 e 2 são estáveis, e o nível 3 decaí para
o nível 1 emitindo um fóton. Não há transições
entre os níveis 3 e 2. O experimento foi feito
com cerca de 5000 íons de Be+ , sob ação de
campo elétrico e magnético fraco. Os níveis 1
e 2 eram dois níveis da estrutura hiper fina do
estado 2 S1/2 (a degenerescência do estado foi
quebrada pelo campo magnético), e o nível 3
era um subnível do estado excitado 2 P3/2 . O
experimento foi executado na sequência: [4]
(i) Usando um feixe de laser, os íons foram
colocados no estado 1.
2
 é verdadeiro, e que é possível evitar a evolu-
3 ção de um estado quântico através de medidas
sucessivas.
2
313nm
RF
1

Figura 1: Representação esquemática do sis-

tema de três níveis. 313nm é o comprimento
de onda do pulso de laser e RF o campo de
radio frequência.

(ii) Um campo de rádio frequência (RF) foi

aplicado durante um intervalo suficiente
para levar os íons até o nível 2.

(iii) Enquanto o RF era aplicado, curtos pul-

sos de laser eram aplicados n vezes nos
íons. O número de vezes era variável, e o
intervalo entre eles constante. Esse pulso
leva os íons do nível 1 para o 3.
(iv) Durante toda a medida há detectores de
fótons para acompanhar o decaimento en-
tre os níveis 3 e 1.
Em resumo, as medidas feitas com o pulso
curto de laser, que levam um íon do estado
1 para o 3 causam um colapso na função de
onda dos íons que estão indo do nível 1 para
o 2. Ou seja, ela projeta a função no estado
1 ou 2. Assim, restam duas possibilidades: ou
o íon é projetado novamente ao estado 1, no
início do pulso de laser e então é excitado ao 3
e decaí emitindo fóton, ou é projetado no es-
tado 2, onde permanece. O decaimento entre
3 e 1 é detectado pelo fóton emitido. Assim
foi possível determinar quantos íons comple-
taram a transição entre 1 e 2, e quantos foram
impedidos pelo pulso laser. Variando-se o nú-
mero n de vezes que o pulso laser era aplicado,
observou-se o quanto as medidas influencia-
ram a transição para 2.
Os resultados obtidos estão no gráfico mos-
trado na Figura 2 retirada de [4]. Como é
possível observar, para um número maior de
pulsos laser, a probabilidade da transição en-
tre 1 e 2 diminui e é praticamente nula. Ou
seja, prova-se que o efeito Zeeman realmente
Figura 2: Gráfico dos dados experimentais e
calculados para as transições 1 → 2, como fun-
ção do número de medidas n. A queda na pro-
babilidade de transição com o aumento do n
prova o efeito Zeno quântico.
Esta foi a primeira verificação experimental
do efeito. Embora tenha sido feita com um
sistema de três níveis e transições induzidas,
foi aceita pela comunidade como demonstra-
ção do efeito. [5] Em 2001, Fischer, Gutierrez-
Medina e Raizen mostraram o efeito para um
átomo instável de Sódio. [6]
Referências
[1] B. Misra e E. C. G. Sudarshan. The
Zeno’s Paradox in Quantum Theory.
Journal of Mathematical Physics. 1976.
[2] S. Pascazio. All You Ever Wanted to
Know About the Quantum Zeno Effect in
70 Minutes. Open Systems and Informa-
tion Dynamics. 2013.
[3] B. H. Dowden. Zeno’s Paradoxes. Dispo-
nível em: iep.utm.edu.
[4] W. M. Itano et al. Quantum Zeno Effect.
Physical Review A. 1990.
[5] W. M. Itano. Perspectives on the Quan-
tum Zeno Paradox. Journal of Physics:
Conference Series. 2009.

3
[6] M. C. Fischer, B. Gutierrez-Medina e
M. G. Raizen. Observation of the Quan-
tum Zeno and Anti-Zeno Effects in an
Unstable System. Phys. Rev. Lett. 2001.