FRIEDLANDER, Saul (Org.). En torno a los límites de la representación. Bernal:
Universidad Nacional de Quilmes Editorial, 2007.
9. La historia más allá del principio del placer: algunas ideas sobre la representación del truama Eric S. Santner
No capítulo intitulado “A história mais além do principio do prazer: algumas
ideias sobre a representação do trauma”, Eric S. Santner aponta a dificuldade de refletir sobre os limites teóricos e éticos das representações históricas e artísticas do nazismo e da solução final sem refletir sobre os recentes acontecimentos da Europa e a unificação das Alemanhas. Quem narra o passado, segundo o autor, está determinado por necessidades sociais, psicológicas e políticas. Logo, os processos radicais que vem ocorrendo na Europa nos últimos anos influenciam e tem forte influência no repertório de representações dos sucessos e fenômenos que serão tratados ao longo do texto. O autor coloca uma preocupação de Elie Wiesel acerca do episódio conhecido como “Noite dos Cristais Quebrados”. De acordo com Wiesel, a data da “Noite dos Cristais Quebrados” e da primeira brecha aberta no Muro de Berlim, 51 anos depois, teriam se tornado um ponto de disputa entre narrações possíveis. “E se os vidros quebrados fossem enterrados, e metamorfoseados, por assim dizer – sob o peso do concreto que desabou em novembro de 1989?” (SANTNER, 2007, p. 1989) Santner aponta também para o processo gradual que é o reajuste e o reordenamento da memória dos alemães nos anos 1970 e 1980. Tal reajuste é expresso através de rituais públicos, narrações e diversas formas de produção cultural. O exemplo de ritual público mais visível, a cerimonia de reconciliação montada em Bitburg, em maio de 1985, que equiparava todas as vítimas da guerra e realocava a SS na luta “ocidental” contra o Bolchevismo. O reajuste na memória, nos anos seguintes, torna-se o tema central do Histoirkerstreit para discutir como se deve pensar a história alemã e o papel ambíguo do historiador. Com esse reajuste, percebe-se um certo fetichismo no narrar. Esse fetichismo contrasta com o trabalho de luto discutido por Freud. Ambos são uma resposta para a perda, a um passado que se recusa a vir à tona devido seu caráter traumático. O trabalho de luto, como aponta Freud, é um processo que se elabora e integra a realidade da perda do objeto fazendo com que o enlutado recorde e repita o choque em doses mediadas simbólica e dialogicamente. O fetichismo narrativo, pelo contrário, é uma estratégia de recusa ao luto. Com ele, simula-se estar intacto, normalmente encenando a origem perdida em outro lugar. Com ele, o peso de ter que reconstituir a própria identidade em condições “pós-traumáticas” é aliviado. Em seguida, o autor conduz suas ideias para o papel do historiador. De acordo com ele, qualquer descrição histórica inclui a elaboração implícita ou explícita de um contexto de subsistência do historiador. Dentro dessa elaboração, há esforços para diferenciar e afastar as atitudes morais, políticas e psicológicas ligados ao sucesso traumático. A emoção, o estilo e a velocidade em que se executa essa tentativa de diferenciação são responsáveis por indicar a intensidade das relações transferenciais que estão ligadas ao trauma. A dinâmica transferencial varia de acordo com a posição particular do historiador. Por essa razão, as relações de transferência com o nazismo serão distintas entre os historiadores. Nesse sentido, o substrato nacional e cultural, a idade e a distância temporal com os eventos desempenharão um papel importante para marcar a posição do historiador como sujeito. E central também para o trabalho de luto. O que está no centro do texto é a preocupação do autor sobre o projeto e o dilema de elaborar uma identidade cultural e nacional alemã pós-holocausto. Cabe aos alemães enfrentarem a paradoxal tarefa de reconstituição. O autor retoma à imagem do menino brincando, observado por Freud, para mostrar o narcisismo fragmentado da criança e como ela administra, em doses controladas, uma ausência. Essa capacidade de dosificar e de representar mediante a figuras substitutivas a ausência permite ao menino não ter um colapso psicótico. No entanto, como aponta o autor, essa dosificação como estratégia para lidar com a perda, é um procedimento negativo, homeopático. O jogo do menino é, portanto, um veneno curativo que se dá pela manipulação de uma série de sinais, doses simbólicas que ajudam o menino a lidar com a ausência. De acordo com Freud, o trabalho de luto é a forma do indivíduo de reestabelecer o princípio do prazer após a perda. O menino tentando lidar com ausência da mãe e a vítima do trauma são encerrados numa compulsão repetitiva. Quanto ao fetichismo, trata-se de uma estratégia com que se procura reabilitar o princípio do prazer sem apelar ou elaborar as tarefas do luto. A partir de então, o texto se encaminha para a exemplificação de reconstituições da história. O primeiro exemplo é o de Andreas Hillgruber que retoma o episódio de enfrentamento com o Exército Vermelho utilizando certo prazer narrativo. Santner mostra que, durante a narração fetichista que Hillgruber faz da Wehrmacht e do sucedido em 1944 e 1945, ele coloca a própria Wehrmacht como defensora heroica das vítimas ameaçadas pelos soviéticos. Santner aponta que não há uma negação dos crimes da Wehrmacht e acaba descrevendo os acontecimentos com certo patetismo. Em outras tentativas de historicizar o nazismo, no entanto, ainda que se trate de uma narração “mais responsável”, segundo o autor pode-se descobrir a tendência de evocar prematuramente um estado de normalidade, isto é, um estado no qual o funcionamento normal do princípio do prazer não foi visto em grande parte desarticulado e exposto ao risco psicótico. Martin Broszat, defensor da primazia do princípio do prazer na narração histórica, lamenta que esse prazer esteja bloqueado ao enfocar esse período histórico. Por último, Santner discute a dinâmica do fetichismo narrativo no ambiente do cinema partindo do filme Heimat, de Edgar Reitz, transmitido pela televisão alemã em 1984. Um dos grandes efeitos do filme, observados pelo autor, foi fazer com que a palavra “Heimat” retornasse, mesmo como um símbolo elegíaco. Essa palavra se torna, durante o filme, objeto de narrativas possíveis e em conflito. O filme de Reitz fez uma espécie de contra filme da produção norte-americana intitulada Holocausto. A estratégia do filme alemão, como aponta o autor, é de evocar recordações com uma narração prazerosa, o que a indústria norte-americana forçou os alemães a renunciarem. O argumento de Reitz é que os alemães abandonaram suas experiências e suas lembranças únicas por espetáculos como o Holocausto. A representação americana é um exemplo de apropriação de outros da história. Em Heimat, há o regresso do prazer da narração histórica alemã do século XX, o que foi observado por vários críticos para que Reitz transite no caminho do fetiche, desautorizando o trauma gerado pela solução final. Além do mais, o filme acaba mostrando os fragmentos da destroçada existência de um judeu, que nunca aparece em pessoa, mas somente através de um relato de amor. De uma parte a experiência se constrói em torno de pontos cegos, de outro, Reitz se nega a interromper a economia do prazer narrativo de seu filme com momentos traumáticos. O luto, assim como fetichismo narrativo, acabam sendo estratégias de grupos e indivíduos para reconstruírem sua vitalidade e identidade após o trauma.