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Vítor Serrão
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Santa Marta, Oicina de Diogo de Contreiras, c. 1550-1560, Igreja de São Pedro
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Prefácio
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Esta ligação afectiva explica, a meu ver, a grande sensibilidade dos
crentes ao património religioso das suas Igrejas. Nelas está gravada
a memória de uma comunidade de fé com cuja matriz nos sentimos
identiicados. Fazem parte da nossa história colectiva, ilustram os
ideais dos nossos antepassados. Por outro lado, os edifícios religiosos
são lugares onde se celebram as grandes etapas da vida humana,
como o baptismo a solenizar o nascimento, a eucaristia e o crisma a
assinalar o crescimento, o matrimónio ou o funeral que congregam
as famílias em momentos intensos de alegria ou de dor. Os lugares
de culto testemunham acontecimentos marcantes que permanecem
na memória das famílias, comunidades domésticas. Deste modo, o
património artístico das Igrejas não é uma realidade exterior. É, antes,
como uma pátria espiritual onde encontramos recordações familiares.
Concluímos, portanto, que a arte sacra registada nos templos
e objectos religiosos não é apenas uma lembrança do passado. É
sim uma memória viva. Fala ainda hoje, eleva os contemporâneos
à comunicação com o mistério do Deus vivo. As Igrejas, enquanto
edifícios de culto, são a morada de Deus que encontram em Cristo o
pleno signiicado pois Ele é verdadeiro templo espiritual que torna Deus
presente no meio de nós. As obras de arte sacra prolongam, de algum
modo, o mistério da Encarnação de Jesus Cristo ao tornar visível nas
realidades humanas, a beleza do mistério de Deus. Por isso, fazemos
votos para que as visitas às Igrejas sejam momentos de meditação,
elevação espiritual e evangelização. Esta obra é uma ajuda preciosa
nesse sentido.
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A nossa gratidão
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autor dos projetos de arquitetura, Fernando Araújo Cerqueira e enge-
nheiro João Henrique Bracons Carneiro; e ainda pela engenheira Berta
Azevedo, que se ocupa dos projetos de instalação elétrica e iluminação,
telecomunicações e segurança contra incêndio e intrusão.
Através de Berta Azevedo, ocupa-se dos projetos das instalações
térmicas, acústicas, águas, gás e esgotos a engenheira Alda Neto.
Face à complexidade das candidaturas aos programas QREN,
aquando do primeiro pedido para as obras do Bloco 1 do Edifício São
Pedro, é chamada a engenheira Noémia Faria para apoiar o Conse-
lho na instrução e documentação dos respetivos processos. Antes, a
ligação com a Câmara Municipal de Torres Novas era desenvolvida
por José Carlos Carreira, membro do Conselho.
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às Juntas de Freguesia da Cidade que, generosamente, quiseram
contribuir com algo de si mesmas para as obras realizadas nos edifí-
cios da Igreja;
O Conselho Interparoquial
para os Assuntos Económicos e Patrimoniais
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ao Senhor Joaquim Rodrigues Bicho,
historiador de Torres Novas,
a meu Pai,
Prof. Joaquim Veríssimo Serrrão,
ao Diogo e à Leonor,
à Inês e à Rita,
e à Maria Adelina
Índice
INTRODUçãO
PANORAMA DA HISTóRIA E DAS ARTES TORREJANAS
I. A Igreja do Salvador......................................................... ??
1. Notícia histórica .................................................................. ??
2. Obras recentes (2009/2010)............................................... ??
3. Arquitetura .......................................................................... ??
4. Interior ................................................................................ ??
5. Capela-mor ......................................................................... ??
6. Altares colaterais ................................................................ ??
7. Altares laterais da nave ...................................................... ??
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V. Os artistas envolvidos nas obras
das três igrejas paroquiais .............................................. ??
• Arquitetos, pedreiros e construtores .......................... ??
• Imaginários e escultores. ........................................... ??
• Pintores e douradores ................................................ ??
• Entalhadores e carpinteiros de marcenaria ............... ??
• Ourives de prata ........................................................ ??
• Pintores de azulejo .................................................... ??
• Outros artistas e artíices ........................................... ??
Conclusão ................................................................................. ??
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INTRODUÇÃO
PANORAMA DA HISTÓRIA E DAS ARTES TORREJANAS
A metodologia seguida
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estudo estilístico e comparativo das obras de arte de per si. No âmbito
de uma disciplina cientíica como a História crítica da Arte, que visa, à luz
dos seus próprios conceitos e modos de fazer, dar a conhecer melhor
as obras de arte, estimular o ato da suas leitura na sua componente de
integralidade, saber avaliá-las como produtos especíicos de conjunturas,
épocas e situações do tempo histórico (e além do tempo histórico), foi
tarefa minha, também, saber situá-las em contexto, entendê-las como
objetos vivos dotados de fascínio duradoiro e como testemunhos esté-
ticos dotados de carga trans-memorial, a im de poder justamente unir,
tanto quanto foi possível, as componentes do gestor das artes com a
do historiador-crítico e com a do connoisseur de obras artísticas, sem
esquecer que muitas destas peças são, também, objetos de culto e, por
isso, mantêm incólume as suas dimensões de intermediários de fé, não
deixando por isso de ser também e sempre obras de arte.
O património artístico das três igrejas torrejanas foi visto, assim,
como uma espécie de laboratório em aberto, reunindo valências
estéticas consideradas suicientemente atrativas e esclarecedoras,
possibilitando que fossem analisadas em moldes integrais, em devida
concatenação com outras áreas do saber, como a Conservação e Res-
tauro, a Iconograia e a Iconologia e, naturalmente, a História Religiosa,
política, económica e social. Em suma, fala-se de (e com) obras de arte
no quadro de uma espécie de peritagem de âmbito pluri-disciplinar em
que nelas possam ser identiicadas as potencialidades estilísticas e as
legitimações de estatuto artístico e determinado o grau de importância
relativa que lhes cabe tributar.
Este livro visa cumprir, assim, um estudo sistemático da arquitetu-
ra, do urbanismo e dos acervos artísticos das três igrejas torrejanas
recém-intervencionadas segundo o programa especíico, chamado Na
Rota da Arte e na Promoção Social, no âmbito de uma parceria com
a Câmara Municipal de Torres Novas para a Regeneração Urbana do
Centro Histórico, integrada no mais vasto Programa Operacional da
Região Centro do QREN (Quadro de Referência Estratégico Nacional).
Foi objetivo fundamental impor e divulgar uma revisão atualizada de
conhecimentos sobre essa matéria, unindo o alargamento da pesquisa
arquivística ao da análise comparativa, valorizando conjuntos e obras
de arte que jazem no limbo do esquecimento (ou são apenas admira-
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das enquanto peças ligadas ao culto) sob o ponto de vista da História
da Arte, sensibilizando as pessoas para a sua fruição, e contribuindo
assim – numa palavra – para ixar uma adequada dinamização do
turismo patrimonial nesta cidade ribatejana.
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documentam na vila desde os séculos XIII e XIV, estudadas por Iria
Gonçalves, testemunho de um desenvolvimento comunitário de uma
vila considerada por excelência «terra do pão, do vinho e do azeite».
Aos poucos, Torres Novas vai-se impor como «pólo signiicativo nas
relações interconcelhias», com sua feira franca, a agricultura próspera,
as manufaturas em crescimento e um dinamismo económico que, como
destacou Joaquim Romero Magalhães, tornava esta vila um verdadeiro
centro de progresso, com predominância da produção do vinho, do
azeite e da cevada. Era, por isso, uma das vilas mais povoadas do
Reino, com dados de numeramento precisos para os anos de 1527 e
de 1534, em que o concelho já contava 6500 habitantes e a vila cerca
de 1500 a 2000, existindo também indicações rigorosas de recensea-
mento para o século XVIII, estudadas por João Carlos Lopes, que
mostram que Torres Novas continuava a crescer em prosperidade e
número de habitantes ao longo dos séculos, atingindo cerca de 4.000
moradores, só na vila, ao tempo do reinado de D. João V.
Tanto o castelo como a vila foram destruídos e reconstruídos em
fases agudas da História portuguesa, como as invasões castelhanas
que ocuparam e incendiaram a vila, razão pela qual escasseiam ves-
tígios sobreviventes anteriores ao século XV. Tal se passou com os
exércitos de Henrique II em 1373, no tempo de D. Fernando I, e de
novo com as tropas de D. João I de Castela durante a crise de 1383-
-1385, e não há que esquecer a marca traumática das passagens das
tropas de Junot e Massena em 1807 e 1811, com destaque para a pas-
sagem sangrenta e iconoclástica do general Loison em 1808, e para
o inominável decreto desse ano pelo qual se mandou fundir o ouro e
prata das confrarias de Torres Novas para a contribuição extraordinária
cobrada pelos invasores franceses… Em termos de cripto-história da
arte, é de assinalar que muitas foram as perdas sofridas, então, pelo
património torrejano, uma sanha destruidora que prosseguiu no século
XIX com a demolição do mosteiro de freiras do Espírito Santo e das
capelas de Nossa Senhora da Luz e de Nossa Senhora da Nazaré e,
no último século, com o arrasamento inapelável da capela de Nossa
Senhora dos Anjos e da velha igreja de Santa Maria…
Apesar desses eventos trágicos, atesta-se a presença regular de
uma nobreza e de uma burguesia cultas. Algumas famílias idalgas,
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instaladas na vila ao sabor das passagens da Corte, interessadas
pelas antiqualhas e pela cultura italianizante, como sucedeu com os
Mogos, Carrilhos e Sigeus no século XVI, estimularam um assinalável
desenvolvimento mecenático. Torres Novas deve a sua importância,
em boa dose, ao facto de se integrar na rota de itinerância regular da
Corte portuguesa, obrigando à existência de estruturas paçãs condignas
para acolher os reis e a nobreza de fora que integrava os séquitos. Foi
nesta vila que se realizaram as polémicas Cortes de 1380 (no contex-
to da crise que levaria ao poder a nova dinastia de Avis), as de 1438
(reunidas em atmosfera de exceção a seguir à morte do rei D. Duarte)
e as de 1535 (com a assinatura do contrato de casamento da Infanta
Dona Isabel com Carlos V, Imperador do Sacro Império Romano).
A vila pertenceu até ao século XVI ao património da Casa Real, até
passar, no tempo de D. Manuel I, para a posse dos Lencastres, funda-
dores da poderosa Casa de Aveiro. O título de 1º Marquês de Torres
Novas será dado em 1520 a D. João de Lencastre, ilho do célebre
D. Jorge, Grão-Mestre da Ordem de Santiago de Espada e ilho bastar-
do de D. João II. O título de 2º Marquês coube a D. Jorge de Lencastre
que, antes de falecer com D. Sebastião em Alcácer Quibir, reivindicava
direitos de presença nas cortes (de 1562 e 1568) e entrou na posse
do ducado de Aveiro. O 3º Marquês de Torres Novas, D. Álvaro de
Lencastre, já acumulava esse título com o de 3º Duque de Aveiro. O
juro e herdade do título foi assegurado por Filipe I de Portugal aos
descendentes da casa, recebendo os marqueses o título de Excelên-
cia, até que o vínculo se interrompeu em 1756, devido à decapitação
das famílias envolvidas, como a dos Távoras, no atentado contra
D. José I, sendo estes títulos abolidos e os bens expropriados. O palácio
do Paço dos Duques de Aveiro, em Torres Novas, foi por via dessas
circunstâncias históricas mandado demolir. Os proventos e terras do
ducado-marquesado de Torres Novas voltaram para a posse da Coroa.
Até aí, o ambiente de eleição, em que as artes se podiam desenvol-
ver, estimulou a radicação de nobres vergônteas à sombra do mecenato
dos Lencastres, como foi o caso dos Prestes, de que era membro o
dramaturgo António Prestes, inquiridor do juízo cível de Santarém
e, também, autor de autos de gosto vicentino; de Jerónimo Ribeiro
Soares, autor do Auto do Físico (1587); e dos Melos Carrilhos Sigeus,
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família a que pertenceram o humanista Diogo Sigeu, sua ilha Luísa
Sigeia, famosa poetisa e música renascentista, e António Mogo de Melo
Carrilho, a quem se deve a encomenda de um notabilíssimo painel
do famoso Campelo para o altar do seu oratório particular. De Torres
Novas eram, também, Frei João Álvares, autor da Cronica do Sancto,
e virtuoso Ifante dom Fernando ilho del Rey dõ Johã primeyro deste
nome, editada em 1527; o comediante Simão Machado (1557?-1634);
Manuel de Figueiredo (1568-1630), discípulo do matemático Pedro
Nunes e cosmógrafo-mor a partir de 1608; o astrónomo António Pi-
menta (1620-1700); o poeta Jerónimo Ribeiro Soares; o genealogista
Francisco Arez e Vasconcelos; e outras personalidades que constam
do livro de Artur Gonçalves Torrejanos Ilustres (1933). Durante a época
de prestígio dos nobres Lencastres como senhores da vila, nos séculos
XVI e XVII, o priorado das três igrejas da vila (e bem assim da destruída
Santa Maria) pertenceu de direito aos padres desse ramo da nobreza.
Quanto às igrejas que aqui se estudam, sequenciando as interven-
ções no quadro do QREN, e também as suas freguesias e espaços
sufragâneos, elas constituíam uma Vigararia dependente do Arce-
bispado de Lisboa (de quem dependiam as visitações e as devassas
regularmente feitas a estas freguesias da ‘província do Ribatejo’), e
tinham os seus priores (ou reitores) que eram da apresentação dos
donatários, os senhores Lencastres. Tanto Santa Maria, como o Salva-
dor, São Tiago e São Pedro possuíam as suas Colegiadas, com seus
beneiciados (raçoeiros), tesoureiro, e vultoso rendimento anual. Enim,
as confrarias laicas asseguravam o culto, a decoração e o controlo dos
rendimentos de capelas adstritas a estes templos. Entre as mais anti-
gas, documentadas pela Prof. Iria Gonçalves, conhece-se a Confraria
de Fungalvaz, criada em 1176, e as de Alcorochel, Alqueidão, Lapas,
Ribeira Grande, Marruas e Jesus (que evoluiria para do Senhor Jesus
dos Lavradores), criadas em 1212, sendo a de Bugalhos de 1219, e
outras no termo da vila. Seguindo os dados dos historiadores Iria Gon-
çalves e João Carlos Lopes, as confrarias de São Bento, do Salvador e
de São Pedro, na vila, atualizaram os seus estatutos, respetivamente,
nos anos de 1473, 1465 e 1499.
Em épocas prestigiantes como foram (apesar de todas as vicissitu-
des históricas) os séculos XV e XVI, Torres Novas disputava com Santa-
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rém e com Tomar os privilégios de vila com forte presença aristocrática
e com profundos contatos com a corte de Lisboa, vivendo assim num
ambiente que não podia deixar de estimular o desenvolvimento das
artes e que ajuda a explicar a riqueza do património artístico aí gerado,
tanto por encomenda externa como por ixação de artistas.
A fortuna histórica
Um estudo como este não poderia ser realizado sem uma fase
de conhecimentos assente pelo esforço de pesquisadores que abri-
ram o caminho. No caso de Torres Novas, é certo que o seu acervo
monumental, artístico e museológico foi alvo já de alguns trabalhos
incontornáveis de investigação local, que não poderiam passar sem a
devida chamada de destaque.
Em primeiro lugar, encontram-se sempre, como peças incontor-
náveis de consulta, os estudos monográicos do historiógrafo Artur
Gonçalves (n. Soure, 1868 - f. Torres Novas, 1938), atento estudioso
do património de Torres Novas, que não só reuniu bases sólidas de
informação como recenseou dados e obras que já não sobreviveram
até aos nossos dias. Mas não há que esquecer, também, testemunhos
mais recentes de profícua investigação, na mesma linha de recolha
de informações precisas, como é o caso dos trabalhos de Joaquim
Rodrigues Bicho, os de João Carlos Lopes, e os de Paulo Renato Er-
mitão Gregório e de Margarida Teodora, entre outros autores que vêm
enriquecendo a historiograia torrejana, fornecendo contributos para
uma base segura de dados que, vistos no seu conjunto, reforçam uma
consciência de pertença, ajudam à visita de novos públicos e convidam
ao reconhecimento das valências.
Escreveu Paulo Renato Ermitão Gregório na sua valiosa monograia
da igreja da Misericórdia, saída em 2003, que está «ainda por fazer a
história do programa construtivo religioso da então vila de Torres Novas
nos séculos XVI e XVII», o que constitui observação certeira, já que as
páginas que Gustavo de Matos Sequeira, no tomo do Inventário Artístico
de Portugal da Academia Nacional de Belas Artes dedicado ao Distrito
de Santarém, de 1949, assentaram num recenseamento supericial
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de existências. É necessário, por isso, recuar sempre aos contributos
pontuais de autores como Vergílio Correia, Adriano de Gusmão e o
Engº Santos Simões, e aos dados sempre seguros que constam das
monograias de Artur Gonçalves, cruzando-as com as do Património
Artístico do Concelho de Torres Novas (1985), de Joaquim Rodrigues
Bicho, sem esquecer trabalhos de Teresa Desterro sobre os pintores
maneiristas do foco escalabitano, ou as ichas de inventariação das
igrejas da vila pela extinta Direção Geral dos Edifícios e Monumentos
Nacionais (D.G.E.M.N.), em 1980, da autoria da historiadora de arte
Isabel Mayer Godinho Mendonça, para nos depararmos com dados
sólidos para consolidar as bases de um necessário estudo exaustivo.
Por minha parte, entendo que para se aprofundar o estudo integral
e a caracterização das três igrejas - monumentos maiores desta cidade
– era imperioso assentar o inquérito, antes de tudo, nos abundantes
dados de recenseamento arquivístico. Muitos eram já conhecidos,
produto de pesquisas próprias iniciadas em Torres Novas em 1977,
quando publiquei, a convite de Joaquim Rodrigues Bicho, um estudo
sobre as telas da igreja da Misericórdia e o artista responsável, Miguel
Figueira, um pintor seiscentista até então desconhecido. Essa investi-
gação prosseguiu nos anos 80 e 90 do século passado com pesquisas
sobre o excelente pintor Campelo e outros mestres maneiristas ativos
para a vila do Almonda nos séculos XVI e XVII, de que nasceram al-
guns trabalhos publicados e o grande catálogo da exposição A Pintura
Maneirista em Portugal – arte no tempo de Camões (1995).
Na última fase de pesquisas, a que procedi mais recentemente, al-
guma documentação valiosa foi recenseada para os séculos da Idade
Moderna. Consciente de que os dados manuscritos devem ser sempre
a primeira e mais segura das nossas fontes de informação, localizei
novos dados nos cartórios notariais de Torres Novas (que se guardam
no Arquivo Distrital de Santarém), estendendo a investigação aos li-
vros tabeliónicos do século XVIII (já tinha cumprido, antes, pesquisa
exaustiva dos cerca de duzentos livros notariais até 1700), todos eles
virgens de aproveitamento e ricos de informação artística. Do mesmo
modo, encontrei no Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, instala-
do no Mosteiro de São Vicente de Fora, fontes preciosas inéditas para
as artes torrejanas, localizadas em livros de devassas de freguesias,
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livros de contabilidade e assentos das confrarias e irmandades, e livros
de visitações de igrejas do chamado «Distrito do Ribatejo» (em termos
de estruturação das regiões eclesiásticas controladas pelos Arcebis-
pados, Bispados, Vigararias e Arcediagos). Enim, quer o Arquivo da
Universidade de Coimbra, quer o Arquivo Nacional da Torre do Tombo,
quer o valioso núcleo histórico-arquivístico reunido no Arquivo Histórico
Municipal de Torres Novas pelas Dr.as Margarida Teodora e Margarida
Moleiro, forneceram dados inéditos que permitiram localizar outras
fontes de informação relevantes.
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o património histórico-artístico lhe confere. Esta é uma realidade crua
de um tempo que é o nosso, exacerbado de crise sócio-económica mas
também de valores, com acrescidas diiculdades devido à exploração e
ao egoísmo desenfreados, mas talvez por isso mesmo este tempo seja
também o do reforço desse sentimento de pertença que referimos, o qual
nos permite superar limitações estratégicas e combater a desmemória
que se agravou no seio das novas gerações, reforçando também as
possibilidades de dinamizar um turismo cultural qualiicado.
No caso dos espaços da antiga vila de Torres Novas e dos territórios
que constituem o atual Concelho, as existências artísticas são de tal ma-
neira signiicativas que impõem estudo cientíico e reconhecimento local,
acompanhados por um planeamento alargado que convide à sua visita e
coloque a região no mapa das rotas turístico-patrimoniais de obrigatória
passagem. Tal é não só um imperativo local, mas alguma coisa que se
impõe ao reforço da cidadania como caminho estrategicamente inadiável.
E não é demais lembrar a necessidade de nova geração de historiadores
de arte e patrimonialistas a prosseguir esta frente de estudos…
Estamos, é sempre bom lembrá-lo, numa região muito afortunada
pela sua implantação geográico-ambiental, com trechos idílicos no
campo histórico-urbanístico e com um acervo relevante de monumen-
tos religiosos, militares e civis, pontuada por um grande monumento
natural: a Serra d’Aire e Candeeiros, com as suas belezas imensas
de paisagem inóspita, os vestígios paleontológicos e arqueológicos,
a sublimidade das vistas desafogadas, que qualiicam duplamente a
região torrejana sob o ponto de vista patrimonial – tanto artístico como
ambiental —, convidando as pessoas que a desconhecem a uma visita
mais atenta e mais demorada.
As valências histórico-artísticas
26
tas delas existe ixação da sua ‘fortuna crítica’, sabemos de onde eram
oriundas, quem as encomendou e, em alguns casos, quem as conce-
beu, e tudo constitui matéria para se enriquecer o discurso expositivo.
Confessa o autor deste livro, responsável por pesquisas antigas (de
que nasceram vários estudos sobre a pintura em Torres Novas), ao ini-
ciar as investigações que conduziram aos resultados agora revelados,
que não esperava que pudessem ser muito alargados os conhecimentos
ixados nos trabalhos precedentes de Joaquim Rodrigues Bicho e de
Paulo Renato Ermitão Gregório, as fontes mais seguras de que dispo-
mos para o conhecimento das artes produzidas e consumidas nesta
cidade. Na verdade, o acervo aqui estudado e revelado constitui, de
certa forma, uma surpresa e vem colocar a região em apreço no rotei-
ro dos interesses turístico-patrimoniais do nosso país – e esperamos,
sinceramente, que este esforço resulte em medidas positivas nesse
sentido, com criação de pólos museológicos locais e sensibilizando tu-
telas, agentes culturais, rotas turísticas e esferas alargadas de públicos.
Este livro historia, assim, muitos acervos torrejanos mal conhecidos
dos públicos, desde peças importantes entre a Idade Moderna e o limiar
da Idade Contemporânea (sem esquecer as perdas originadas por ca-
tástrofes naturais ou pilhagens como as que sucederam aquando das
invasões francesas), que reclamam, sem dúvida, um estudo de conjunto
em termos de História de Arte. O que existe é importante e extravasa a
mera dimensão regional. Trata-se de um singular conjunto de arte dos
séculos XIV, XV, XVI, XVII e XVIII, dos períodos do Gótico inal, do chama-
do Manuelino, do Renascimento, do Maneirismo, do Barroco, do Rococó
e do Neoclássico, do Romantismo e dos revivalismos de Oitocentos ou
já do século XX que se estudaram nos três templos intervencionados e
nas suas antigas confrarias e irmandades, e nas desafetadas ermidas
sufragâneas, envolvendo a presença de arquitetos e pedreiros de grande
competência, muitas vezes chamados de fora, como sucedeu com os
mestres de pedraria João de Évora, que veio de Tomar, no século XVI,
reconstruir a igreja do Salvador, do experiente pedreiro lisboeta Luís da
Silva que reconstruiu em 1722 a igreja de São Pedro, ou um dos mes-
tres do estaleiro de Mafra, de origem italiana António Baptista Garvo,
que veio no século XVIII realizar traças e dirigir obras no aro torrejano.
Entre as boas obras de imaginária e lavor pétreo, aparecem nestas
27
três igrejas peças góticas vinculáveis às oicinas de Coimbra, como era
o caso do São Tiago Maior em pedra calcária, quatrocentista, da igreja
desse titular (cujo paradeiro atual é desconhecido), destacando-se
também a pia de água benta manuelina de São Tiago, profusamente
lavrada, o Cristo de características góticas da Capela do Senhor Jesus
dos Lavradores em São Tiago, e o Cristo cruciicado que o escultor la-
mengo Estácio Matias lavrou em 1573 para a igreja do Salvador, além
de uma série de peças barrocas em madeira estofada e policromada,
dos séculos XVII e XVIII.
No que diz respeito à pintura quinhentista, em que a cidade é rica,
destacamos a Descida da Cruz do Museu, saída da oicina de um mes-
tre de primeira ordem, o lisboeta Diogo de Contreiras (act. 1521--1563),
e a presença local de um mestre de certos recursos, Gaspar Soares,
responsável aliás por um tronco familiar de pintores que prossegue no
século XVII com Pedro Vieira, Estácio Soares e o brutescador Manuel
Soares. De Santarém veio em 1640 o modesto Miguel Figueira, mas já
ao mercado artístico de Lisboa se recorreu, por volta de 1685, quando
foi encomendada à oicina do famoso Bento Coelho da Silveira a pintura
de telas para o Salvador e para a Misericórdia. Deste admirado pintor
régio de D. Pedro II, tive a grata surpresa de identiicar mais uma desco-
nhecida tela, a Entrega do Rosário a São Domingos de Gusmão, pintada
cerca de 1700, que se encontra integrada no ático de um dos altares
colaterais da igreja do Salvador. Já não são de Bento Coelho, e sim do
seu discípulo António Machado Sapeiro, as quatro telas «coelhescas»
que se encontram na igreja de São Pedro e andaram desde 1991 atri-
buídas a esse pintor régio. Na mesma igreja, admira-se uma outra peça
lisboeta, o quadro de Pedro Alexandrino de Carvalho que preeenche a
tribuna do altar-mor, e que veio da Ermida de Nossa Senhora dos An-
jos. Enim, era desconhecida a passagem por Torres Novas, em 1743,
do pintor italiano Orazio de Ferri (autor da pintura da cúpula da capela
do Senhor Jesus dos Lavradores), como era também desconhecida a
existência do pintor Baltazar Cardoso, da Chamusca, que deixou em
São Tiago testemunho das suas apetências para o fresco e o brutesco,
ou o pintor Bernardo Delgado Valente, que realizou obras de dourado e
estofado nestas paróquias.
O inal de Seiscentos e o início do século XVIII abunda nas igre-
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jas de Torres Novas de bons exemplares de retabulística dourada do
chamado Estilo Nacional, envolvendo mestres entalhadores barrocos
instalados na vila, ocasionalmente como foi o caso do lisboeta Manuel
da Silva, ou em deinitivo, como foi o caso do seu discípulo Manuel da
Silva Monteiro e de Manuel Ferreira Pinto. O mestre Manuel da Silva,
oriundo da capital, foi responsável pelo lavor do sacrário da Misericórdia
e pelos belíssimos retábulos barrocos de Estilo Nacional das igrejas
de São Tiago e do Salvador (este último, feito em conformidade ao do
mosteiro de São Francisco de Lisboa). Os outros dois foram os autores
dos retábulos colaterais do Salvador; eram entalhadores regionais com
competência suiciente para serem chamados, a alto preço, a cumprir
empreitadas de fora (como foi exemplo a Colegiada de Ourém).
Enim, é de destacar a grande riqueza da azulejaria de padronagem
polícroma seiscentista que existe em Torres Novas, e de que o corpo do
Salvador, a capela-mor de São Pedro e uma desafetada dependência
em São Tiago são exemplos primorosos de adaptação cenográica.
No inal do século XVII a secular irmandade do Senhor Jesus dos
Lavradores da igreja de São Tiago (que foi recém-beneiciada, no de-
curso do processo de recuperação do QREN) recorreu aos serviços
do grande pintor de azulejo Gabriel del Barco (um mestre espanhol
radicado em Lisboa e com papel determinante na viragem do Azulejo
no sentido da iguração azul e branca em grande escala) para realizar
o revestimento de azulejos que enobrece as paredes desse espaço e
que, com a obra de talha dourada do altar e com a cúpula pintada de
perspetiva ilusionística, a torna uma das jóias do Barroco desta cidade.
Agradecimentos
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ao Dr. Paulo Renato Ermitão Gregório, historiador de arte a quem
devo não só muitas informações e o fruto de debates conjuntos, como
também uma parte substancial das fotograias que ilustram este livro;
30
mática em Estudos de Azulejaria e Cerâmica João Miguel dos Santos
Simões - RTEACJMSS da Faculdade de Letras de Lisboa), à Mestre
Rita Rodrigues, à Mestre Susana Cavaleiro Ferreira Nobre Gonçalves,
à Doutora Isabel Mayer Godinho Mendonça, e à Doutora Maria Adelina
Amorim, pelas informações prestadas e discussões frutuosas;
Vitor Serrão
31
Créditos Fotográicos:
As fotograias de três tábuas da matriz de Évora de Alcobaça e
de uma tela de Bento Coelho na igreja de São Nicolau em Santarém
pertencem ao arquivo do autor.
Salvo as imagens de algumas peças de escultura e pintura do
Museu Municipal de Torres Novas que se reproduzem e foram gentil-
mente cedidas pela direção dessa instituição; as imagens de pinturas
da matriz Camarate, da autoria da Dr.ª Rita Rodrigues; as imagens de
antigas fachadas das igrejas do Salvador e de São Tiago, cedidas por
Maria Helena Borralho; as imagens do Edifício S. Pedro, do Engenheiro
João Bracons; e as imagens do restauro da capela do Senhor Jesus
na igreja de São Tiago, cedidas pelo Senhor Rui Araújo, da Oicina de
Restauro e Conservação Capitellum; todas as restantes são créditos
do Dr. Paulo Renato Ermitão Gregório.
A todos o agradecimento do autor.
32
I. Igreja do Salvador
33
Notícia histórica
1
Padre António Carvalho da COSTA, Corograia Portuguesa, 2ª ed., Braga, 1869, vol. III, p. 199.
2
Artur GONçALVES, Mosaico Torrejano, Torres Novas, 1936, p. 302.
3
O Padre Manuel Veríssimo Margalho, que redigiu a descrição da igreja para o inquérito
nacional das Memórias Paroquiais (A.N.T.T.), em 1758, defende que neste lugar existia outro
templo, erguido em plena ocupação muçulmana, e que, mais tarde, a capela de São Jorge
chegou a funcionar provisoriamente como sede paroquial.
34
pregador régio, cabendo-lhe também o encargo de mestre dos ilhos
desse monarca 4.
Sabemos, entretanto, que a fábrica da igreja gótica era de três
naves, pois as visitações realizadas no último terço do século XVI
(a primeira das quais, pelo Padre Heitor Dias Guterres, pregador do
Cardeal Infante D. Henrique, data de 19 de junho de 1566), e os do-
cumentos que referenciam a grande campanha de reconstrução que
sofreu em 1570, o dizem cabalmente: o visitador Dr. Marcos Teixeira,
exige em agosto de 1568 o cumprimento das disposições de uma an-
terior visitação, dizendo que, como se impunha «icar capaz de gente
como quallquer das outras igrejas (da vila), e porque isto não pode ser
icando de tres naves, como he, por não ter lugar de se poder acres-
centar», era preciso fazer-se «de huma nave somente, com suas linhas
de ferro pª icar segura» 5. Foram as disposições arcebispais a impor,
assim, a modernização da velha igreja, ao recomendarem a ampliação
do templo e uma nova espacialidade intestina, com uma só nave, de
forma a servir melhor uma freguesia em crescimento. Foi a confraria
do Santíssimo Sacramento quem se encarregou da empresa, e quem
iniciou o processo de demolição e reconstrução, a cargo de um mestre
de Tomar, o pedreiro João de Évora.
Seja como for, encontram-se ainda alguns ténues vestígios do antigo
templo medieval, datáveis maioritariamente do século XIV, na igreja
do Salvador, desde as estruturas incólumes de uma capela que existia
no espaço que serve hoje de sacristia e que era da devoção de São
Jorge; a uma portada gótica integrada no muro da cerca, da banda do
nascente; a várias pedras tumulares com cruzes templárias e outras
decorações, reutilizadas no acervo dos frontais dos dois altares cola-
terais; e, enim, a um portal de discreto lavor, também de estilo gótico,
que se desentaipou na parede direita da capela-mor 6.
4
Artur GONçALVES, Mosaico Torrejano, Torres Novas, 1936, p. 305.
5
Arquivo da Biblioteca Municipal de Torres Novas, Livro das Visitações da Confraria do Santís-
simo Sacramento da Igreja do Salvador, 1566-1591, ls. 20 vº-21 (lição do autor); apud Paulo
Renato Ermitão GREGóRIO, A Igreja da Misericórdia de Torres Novas (1572-1700), Torres
Novas, 2003, p. 30. DOCUMENTO Nº 1.
6
Joaquim Rodrigues BICHO, Património Artístico do Concelho de Torres Novas, Torres Novas,
2ª ed. revista, 2001, p. 121.
35
É especialmente importante a referida capela gótica da invocação
de São Jorge, pois oferece ainda as remanescências de uma típica
espacialidade trecentista, na sua cuidada fábrica de depurado estilo
ogival, com robustas paredes em alvenaria, um botaréu na face exterior,
e uma bem lançada abóbada artesonada assente em quatro mísulas
e bocete no fecho.
36
montanhas e lagos a perder de vista. São obras eruditas e de origem
lisboeta, mostrando grandes ainidades de estilo com a obra do pintor
Diogo de Contreiras, que as terá executado, em regime oicinal, nos
7
anos centrais do século XVI .
A demolição das três naves e subsequente ampliação do templo
seguiu as determinações dos responsáveis da confraria do Santíssimo
Sacramento desta igreja e foi encomendada ao mestre pedreiro João
de Évora, morador em Tomar, por instrumento notarial de 25 de agosto
de 1570 em que se clausuraram as obras 8. Assim, impunha-se que
a nova igreja crescesse «huma vara de medir além do alpendre ao
comprimento, e a parede avia de ser de três palmos e meio de vanta-
gem», que se erguesse uma torre sineira, idêntica à da igreja de São
Pedro desta vila («sendo que a serventia da dita torre háde ir mais lar-
ga que a de Sam Pedro»), que o pórtico a lavrar para a nova fachada
fosse «de pedraria cham com o seu frontespiçio por cima», com um
7
Sobre estas tábuas, cf. Gustavo de Matos SEQUEIRA, Inventário Artístico de Portugal. Distrito
de Santarém, 1949, p. 131; Joaquim BICHO, op. cit., pp. 140-141, Joaquim Oliveira CAETANO,
«A pintura em Torres Novas nos séculos XVI e XVII. De Diogo de Contreiras a Bento Coelho
da Silveira», Nova Augusta, nº 6 (especial), 1992, pp. 46-47; e José Alberto Seabra CARVA-
LHO, «Que hacen los conservadores? A propósito do incomodativo problema da existência de
mestres desconhecidos nas tabelas dos Museus», Revista de História da Arte, Faculdade de
Ciências Sociais e Humanas, nº 8, 2011, pp. 139-151. Estas tábuas encontram-se na igreja
de São Pedro, oriundas do Museu Municipal, mas sendo inicialmente pertença da igreja do
Salvador. A estes quadros voltaremos adiante, ao tratarmos do pintor Diogo de Contreiras e
da actividade da sua oicina em Torres Novas.
8
Arquivo Distrital de Santarém, Livro 1 de Notas de André Freire, Tabelião de Torres Novas,
ls. 88 a 92. Transcrito pela primeira vez em Paulo Renato Ermitão GREGÓRIO, op. cit., 2003,
pp. 118-120. DOCUMENTO Nº 2.
37
espelho moldurado na cimalha «para dar claridade ao coro», e que
se reutilizasse da igreja velha, e que se rasgassem quatro frestas de
pedraria no corpo, tudo ao preço de 69.000 rs. O contrato é precioso,
sob todos os pontos de vista, não só pela referência absolutamente
invulgar ao termo «pedraria chã» que devia determinar o espírito novo
da reconstrução, como por conter uma série de pormenores de gran-
de riqueza técnica e de modus faciendi em empreitadas ains, como
seja a disposição para que houvesse o maior cuidado no desmanchar
das velhas estruturas, já que muitas das pedras se destinavam a ser
reutilizadas na igreja nova e se impunha que não houvesse dano na
sua desmontagem.
Tudo foi feito em conformidade com uma traça e «apontamentos»
que o mestre pedreiro João de Évora entregou para prévia avaliação
dos seus clientes, depois de ganhar o lance a concurso lançado por
pregoeiro 9. A obra de carpintaria da igreja corria em uníssono, sen-
do encarregado dela Pedro Ferreira, mestre carpinteiro morador em
Santarém, encarregado da desmontagem e refazimento do forro da
nova igreja, o qual devia ser similar ao da igreja de Santa Maria desta
vila, por preço de 124.000 rs 10. Os dados históricos de que dispo-
mos asseguram um conhecimento seguro sobre a reconstrução do
templo e sobre a estrutura que, em termos globais, se preservou até
aos nossos dias.
Trata-se de documentos preciosos, já que parte substancial da obra
realizada por João de Évora subsistiu, com pontuais transformações,
até hoje. A espacialidade do templo, tal como existe e pode ser admi-
rada, relete uma precoce adequação da arquitetura religiosa ao prag-
9
Ao contrário do que refere no seu excelente livro Paulo Renato Ermitão GREGóRIO (op.
cit., p. 31), a traça apresentada e aprovada no assento contratual era mesmo da autoria de
João de Évora e não de um mesário de nome António Fernandes (na realidade porteiro e não
pedreiro). Nada tem a ver com ele um homónimo mestre de pedraria activo no Norte de Por-
tugal pelos mesmos anos (Francisco Marques de SOUSA VITERBO, Diccionario Historico e
Documental dos Architectos, Pedreiros e Constructores Portuguezes ou a serviço de Portugal,
Lisboa, 3 séries, 1899-1911, cit. no vol. II, 1904). Tal se depreende da atenta lição paleográica
do contrato tabeliónico em causa.
10
Arquivo Distrital de Santarém, Livro 1 de Notas de André Freire, Tabelião de Torres Novas,
ls. 26 vº a 28 vº. Transcrito pela primeira vez em Paulo Renato Ermitão GREGÓRIO, op. cit.,
2003, pp. 118-120.
38
matismo do estilo chão 11, e atesta o arrojo da solução avançada por
este mestre certamente formado nos estaleiros de Tomar. A campanha
correu célere, em maio de 1572 já se ultimava a carpintaria do forro e
se pensava em erguer o coro, assente em duas colunas clássicas 12,
e a sua estrutura arquitetónica deixava de respirar marcas de medie-
validade (salvo a já referida capela gótica, reutilizada como sacristia).
Em março de 1573, estas obras intestinas estavam de todo acabadas
e o templo pronto a servir a comunidade 13.
Conhece-se documentação importante sobre a obra do retábulo da
capela-mor, de que se encarregou em 1577 uma parceria de imaginários
e carpinteiros de marcenaria de Lisboa, que incluíam Pedro de Frias,
cavaleiro da Casa Real, e o lamengo Estácio Matias. Um litígio entre
estes dois escultores, de que se sabem alguns dos meandros 14, levou
a que só o lamengo prosseguisse a obra e izesse as imagens do altar.
Uma dessas esculturas será o bem lançado Cristo cruciicado que se
conserva na igreja, exposto na parede esquerda da capela-mor, peça
de linhas ascéticas e de um veemente pathos dramático. Também o
sacrário esculpido por Estácio Matias era peça esplendorosa, a crer
11
Segundo George KUBLER, Portuguese Plain Architecture between spices and diamonds,
1521 to 1706, Harmondsworth, 1967, o termo estilo chão qualiica a mais ousada contribuição
da arquitetura portuguesa da Idade Moderna, espalhada pelos seus territórios de inluência no
mundo. Trata-se de uma linguagem que corresponde ao «modo vernáculo» nacional, marcada
profundamente pela prática da engenharia militar e pelo despojamento das estruturas, apos-
tando na singeleza e austeridade das construções, à margem das tradicionais morfologias do
Renascimento, do Maneirismo e do Barroco. O estilo chão impôs-se na paisagem portugue-
sa, metropolitana e imperial, até datas avançadas do século XVIII, retardando a entrada dos
modelos barrocos nos discursos da arquitetura nacional.
12
Arquivo Histórico Municipal de Torres Novas, Documentos do antigo Cartório da Igreja do
Salvador, nº 72, Livro de Visitações de 1567-1590, ls. 38. Leitura da Doutora Teresa DESTER-
RO, O Mestre de Romeira e o Maneirismo escalabitano, 1540-1620, ed. Minerva, Coimbra,
2000, p. 211.
13
Arquivo Histórico Municipal de Torres Novas, Documentos do antigo Cartório da Igreja do
Salvador, nº 72, Livro de Visitações de 1567-1590, ls. 41 e 42 vº. Leitura da Doutora Teresa
DESTERRO, op. cit., pp. 212-213.
14
Arquivo da Universidade de Coimbra, Lº 69 de Notas de António Martins, Tabelião de
Coimbra, 1578, ls. 123 vº a 125 vº, publicado por Vítor SERRÃO, O Maneirismo e o Es-
tatuto Social dos Pintores Portugueses, Lisboa, IN-CM, 1983, pp. 105-106; id., A Pintura
Proto-Barroca em Portugal, 1612-1657, tese doutoral, Univ. de Coimbra, 1992, vol. II, p.
602; id., 1998, p. 144 e n. 13; e, com leitura integral, Carla GONçALVES, Os Escultores e a
Escultura de Coimbra. Uma Viagem além do Renascimento, tese doutoral, Coimbra, 2005,
pp. 377-381. Cf. DOCUMENTO Nº 6.
39
nos elogios que lhe faz um visitador do Arcebispado de Lisboa que,
indo à igreja da Golegã em 1603, fez críticas acerbas ao lá existente e
exigiu aos responsáveis desse templo que novo sacrário se izesse tal
como era o da igreja do Salvador de Torres Novas15. Para este retábulo
quinhentista, mais se apura que foram encomendadas, em fevereiro
de 1583, sete pinturas a óleo sobre madeira, de cuja realização se
encarregou o pintor torrejano Gaspar Soares, por preço de 105.000
rs, cabendo-lhe dourar também a parte de entalhe16. Também foi
chamado José Mendes, dourador de Lisboa, a im de pintar e dourar
o Sacrário que dominava a parte central deste retábulo. O conjunto
foi apeado no im do século XVII, mas sobreviveu uma das tábuas, a
Ressurreição de Cristo, que estava no remate do conjunto, e que se
expõe hoje na igreja de São Tiago, depois de ter estado muitos anos
na sacristia da igreja.
O seu autor, Gaspar Soares, já em novembro de 1580 pintara e
dourara o retábulo colateral, dedicado a Nossa Senhora do Rosário,
com cinco tábuas, por preço de 35.000 rs 17. São de destacar os termos
deste último contrato, pois o pintor se obrigava a entregar as tábuas
com idêntica qualidade às da Ermida de Nossa Senhora do Vale e da
igreja da Misericórdia, sugerindo-se que Gaspar Soares teria trabalhado
nesses retábulos.
As obras do século XVII mantiveram o templo na feição a que as
obras de 1570 a tinham moldado. O revestimento de azulejos de padro-
nagem, colocado por volta de 1640-1650, constitui a principal novidade
15
Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Livro das Visitações do Arcediago do Ribatejo,
1567-1623, Lº nº 667, ls. 111 vº-112. Este preciso e muito desconhecido Iivro de visitações
é integralmente dedicado à igreja da Golegã e encerra dados histórico-artísticos do maior
interesse, que recomendam estudo e publicação integral. DOCUMENTO Nº 8.
16
Arquivo Distrital de Santarém, Livro 9 de Notas de André Freire, Tabelião de Torres Novas,
ls. 39 vº a 41 vº. Revelado em Vítor SERRÃO, referido em idem, A Pintura Proto-Barroca…,
1992, II, p. 601, transcrito pela primeira vez em Teresa DESTERRO, op. cit., 2000, pp. 222-
-224; também publicado, com variações de leitura paleográica, em Paulo Renato Ermitão
GREGóRIO, 2003, pp. 125-126.
17
Arquivo Distrital de Santarém, Livro 7 de Notas de André Freire, Tabelião de Torres Novas,
ls. 132 vº a 134 vº. Revelado em Vítor SERRÃO, op. cit., 1992, vol. II p. 601, transcrito pela
primeira vez em Teresa DESTERRO, op. cit., 2000, pp. 218-220, e também publicado, com
variações de leitura paleográica, em Paulo Renato Ermitão GREGÓRIO, 2003, pp. 122-124.
DOCUMENTO Nº 7.
40
das campanhas seiscentistas realizadas no Salvador e contou, mais
uma vez, com artistas de Lisboa para a empreitada de azulejamento
integral das paredes e arco triunfal, concebidos como vistosos tapetes
polícromos18. Também se realizaram nessa centúria as obras da nova
capela-mor, que se preservam na atualidade. Para o retábulo-mor,
depois de apeado o primitivo de 1577-1583, foi encomendado em
1685 o aparatoso conjunto de talha barroca de Estilo Nacional, que
procurou seguir o modelo do retábulo da igreja do mosteiro de São
Francisco de Lisboa, e para cuja feitura se chamou precisamente o
mestre entalhador que fora responsável dessa obra, de nome Manuel
da Silva 19. Trata-se de um exemplar de excelente qualidade dentro
dos cânones da talha barroca do chamado Estilo Nacional, assim de-
signado pelas características vernáculas que assumiu essa tipologia
retabulística, simulando a morfologia dos portais românicos, pejados
de túrgida decoração relevada e dourada de simbologia eucarística.
Era uma época em que um pároco do Salvador, o padre João Rebelo
Leitão, chegou a ser o Provedor da Misericórdia. Talvez devido a esse
encargo, e ao sucesso do retábulo do Salvador, este mestre lisboeta
voltou a ser chamado para vir a Torres Novas, em 1695, a im de lavrar
o belo Sacrário da igreja da Misericórdia, peça de grande qualidade e
que tem muitas similitudes formais com o do Salvador 20. O douramento
do retábulo e do sacrário coube ao pintor-dourador escalabitano António
Rodrigues, que aqui se deslocou para esse im, em 1688, cobrando
650.000 rs pelo trabalho de dourar, estofar e encarnar a talha e os seus
motivos escultóricos 21. Para a boca da tribuna encomendou-se em
Lisboa uma grande tela da Ascensão de Cristo, da autoria do famoso
Bento Coelho da Silveira, pintor régio de D. Pedro II, mas essa peça,
muito louvada por fontes antigas, foi destruída pelo uso constante (o
painel destinava-se a tapar e destapar a tribuna ao sabor do calendá-
18
João Miguel dos SANTOS SIMÕES, Azulejaria em Portugal no Século XVII, II – Elenco,
Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1971, p. 172.
19
Arquivo Distrital de Santarém, Lº 118 de Notas de Domingos de Matos, Tabelião de Torres
Novas, ls. 132 vº a 134. DOCUMENTO Nº 18.
20
Sobre os dois sacrários em apreço, cf. Paulo Renato Ermitão GREGóRIO, op. cit., pp. 94-95.
21
Arquivo Distrital de Santarém, Lº 122 de Notas de Domingos de Moura de Matos, Tabelião
de Torres Novas, ls. 190 vº a 192. DOCUMENTO Nº 19.
41
rio litúrgico, descendo por corrediças e, como melhor se verá adiante,
pereceu com o desmazelo e as intempéries) 22.
Estas são as obras essenciais que se documentam na igreja do Sal-
vador ao longo dos séculos XVI e XVII. Mais sabemos que também o
altar colateral da banda da Epístola, de invocação de Nossa Senhora do
Rosário, foi dado a fazer, em novembro de 1700, ao mestre entalhador
Manuel da Silva Monteiro, personalidade distinta do Manuel da Silva
que izera, vinte e cinco anos antes, o retábulo-mor 23. Trata-se de peça
cuidada no entalhe, de lavor competente, que orçou 110.000 rs e tem o
interesse maior de integrar no ático uma peça mais antiga, verdadeira jóia
de pintura penumbrista do século anterior, a tela da Entrega do Rosário
a São Domingos, obra de Bento Coelho! Também o retábulo do altar de
Santa Luzia, que a este corresponde no lado do Evangelho, está docu-
mentado: lavrou-o em Abril de 1722, em sintonia com o modelo do de
Nossa Senhora do Rosário, um mestre local de nome Manuel Ferreira24,
um atraso que parece revelar diiculdades desta confraria em ultimar a
decoração do seu altar, e que mostra, também, anacronismos de lavor
e maiores fragilidades no tratamento do entalhe, numa altura em que a
morfologia do Estilo Nacional já se esgotara. Também o dourado deste
retábulo se protelou, pois só em 1738 foi executado, não se sabendo,
porém, quem foi o artista envolvido nesse trabalho, que incluiu a fatura
de uma modesta tela, no ático, com o Martírio de Santa Luzia.
A história das obras da igreja do Salvador prossegue ao longo dos
tempos com algumas campanhas de melhoramento que a situação a
seguir ao terramoto de 1755 exigiu – ainda que essa catástrofe, todavia,
não tivesse daniicado o templo em moldes signiicativos, ao contrário
do que sucedeu em São Pedro. Sabemos de várias obras patrocinadas
pelas confrarias sedeadas no templo durante o século XIX, após a razia
provocada pelas invasões francesas (ao nível das pratas, por exemplo).
Foi nos anos de 1960-1970 que se realizaram obras mais profundas
na igreja, com alterações promovidas na fachada, com a mudança da
22
Artur GONçALVES, Mosaico Torrejano, 1936, p. 305.
23
Arquivo Distrital de Santarém, Livro nº 244 de Notas de Pedro de Sousa Seabra, Tabelião
de Torres Novas, ls. 141 e vº. Inédito. DOCUMENTO Nº 22.
24
Arquivo Distrital de Santarém, Lº 276 de Notas de Hilário Rodrigues Martins, Tabelião de
Torres Novas, ls. 129 vº a 130. Inédito. DOCUMENTO Nº 26.
42
fenestra pelo óculo de iluminação, de tipo revivalista, com pavimentação
da igreja por tacos, a substituição do velho teto de madeira de caixotões
do corpo com apainelado de pinho, a aplicação de azulejos oriundos
da destruída capela de Nossa Senhora de Monserrate da Meia Via nas
paredes acima dos altares colaterais, e com o rasgamento na parede
da Epístola dos confessionários que hoje existem (o que obrigou à mu-
dança do cadeirado que aí se encontrava para o coro alto) 25. Também
nessa campanha de obras, que se prolongou por dez anos, se refez
a pintura de brutescos, quase desaparecida, que cobria a maioria dos
cinquenta e seis caixotões da capela-mor e revestia o arco-mestre,
trabalho esse da responsabilidade do pintor torrejano José d’Abreu
Lopes 26, autor também das pinturas revivalistas do altar, do ambão e
da credência, de pedra bujardada, com histórias da Escritura inspiradas
em representações de autores clássicos.
25
Sobre as campanhas sofridas pela igreja após o terramoto, cf. o inventário on line da Direção
Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (a extinta DGEMN), com ichas da Prof. Doutora
Isabel Mendonça, realizado em 2000.
26
José Bénard GUEDES (póstumo) e Joaquim Rodrigues BICHO, Igreja Paroquial do Santís-
simo Salvador. Inventário Artístico, Torres Novas, 2011, pp. 7 e 35-40. Trata-se de edição do
inventário datilogrado que Bénard Guedes realizou em 1966 para o Patriarcado de Lisboa.
43
nas, como a reprodução de um antigo armário, colocado no lugar da
capela de Ana Simoa, com serventia para a sacristia, utilizando as
ferragens anteriores.
Arquitetura
44
Do desenho quinhentista do prospeto, de pano único enquadrado
por cunhal e pilastra, rematado por empena curva com uma cruz de
remate e pináculo sobre o cunhal, exclui-se apenas, entre outras in-
tromissões hodiernas, a modiicação operada na colocação do nicho
e óculo-janelão do coro, e no recorte superior da empena de duas
águas, que remetem para sucessivas intervenções, uma delas tardo-
-setecentista, outra já dos anos 60 do século passado. No lado direito
da frontaria, a cerca mostra ainda ao visitante desprevenido a presença
de um portal gótico do século XIV, raro resíduo da igreja anterior às
obras de 1570, com seu arco semi-apontado de cantaria, peça simples
mas que constitui um testemunho valioso da antiga igreja. Também no
pavimento junto à escadaria de acesso à igreja se observam vestígios
muito diluídos de uma antiga pedra sepulcral trecentista com caracteres
góticos (entre fragmentos de outras de datas ulteriores).
Acede-se ao templo por um escadório de lanços. O efeito geral de
leitura do prospeto é eicaz: o pároco de 1758 que descreveu a igreja
para as Memórias Paroquiais ordenadas a nível nacional a seguir
ao terramoto refere-se a esse prospeto dizendo que a igreja «esta
ediicada em hum alto que a faz ser alegre, della se sobe por alguns
degraus ate se dar em hum formoso taboleiro calçado de meudo seixo,
e delle se sobe para a igreja por hum degrao». O pórtico, de moldura
ascética, de ombreiras lisas e verba debruada, cumpre aquilo que no
contrato se pretendia fosse um «portal de pedraria cham», com as
suas linhas simples mas não singelas, de um estudado despojamento
já dentro dos cânones contra-reformistas. Este pórtico é sobrepujado
por uma janela rasgada, acima da qual se colocou um nicho lavra-
do, de tradição renascentista, com arco de volta perfeita e estrutura
gomeada na meia-laranja, abrigando a imagem pétrea do padroeiro,
Jesus Cristo Salvador, em calcáreo de boa fatura e de imaginário
desconhecido. Na molduragem, a legenda SALVATOR MVNDI. A
fachada foi remodelada com a substituição do janelão do coro pelo
óculo que é hoje visível 27. Apesar das intromissões, a presença do
óculo clássico que se rasga acima, documentado também no contrato
27
Informa Joaquim Rodrigues BICHO, op. cit., p. 121, que estas obras dos anos de 1960
alteraram o fácies da frontaria, substituindo o janelão do coro pelo óculo que hoje ostenta.
45
de 1570 com o mestre pedreiro tomarense João de Évora, reforça a
impressão de uma obra gizada dentro de um novo gosto estético que
se propunha desmedievalizar a igreja e, tal como sucedia nas grandes
campanhas tardo-renascentistas do Convento de Cristo em Tomar,
dirigidas (a seguir a João de Castilho) pelo mestre Pedro Fernandes
de Torres, adaptar o gosto depurado e pragmático que se denomina
Estilo Chão e que, como se veriica, ganhava foros de aceitação geral
na arquitetura sacra e civil torrejana.
Também a torre, que segundo o contrato referido devia ser como
a de São Pedro, e se ergue à direita, do lado do sul (o acrotério do
cunhal da banda esquerda, em correspondência, mostra apenas um
pináculo simples na decoração do remate), atesta o objetivo dos irmãos
da confraria do Santíssimo Sacramento, no im do século XVI, em se
furtarem a quaisquer resquícios de aparelho medieval, empreenden-
do obra nova, pragmática e eicaz. A torre, atarracada e deselegante
muito por força das modiicações operadas no entablamento do corpo
principal da igreja (com o qual melhor se deveria harmonizar antes
de a empena ser recortada), mostra um coruchéu baixo, alterado a
seguir ao terramoto de 1755, com altas fenestras de verga redonda,
rasgadas, para abrigar os sinos, e um remate de pináculos simples
nos acrotérios. Em 1936, Artur Gonçalves registou a existência de um
sino com a seguinte inscrição latina: EGO SVM VOX CLAMANTIS IN
DESERTO 28. Joaquim Rodrigues Bicho, por sua parte, assinala um
sino assinado por um mestre local, Joaquim Sorilha, e datado de 1806
(com a inscrição SANTISIMO SALUADOR SANTISSIMO CORAçAO
DE IEZUS JOAQUIM SORILHA ME FES) 29 e outro sino mais antigo, de
1760, com a inscrição IESVS MARIA IOSEPH ECE CRVCEM DOMINE
FVGITE PARTES ADVERSAE.
Fica a impressão viva, admirando-se o prospeto geral do templo,
que a campanha de reconstrução de 1570 no Salvador seguiu o mesmo
espírito das obras que então se faziam em São Tiago, onde também era
28
Artur GONçALVES, Mosaico Torrejano, Torres Novas, 1936, p. 302.
29
Joaquim Sorilha, ou Sorrilha, era um mestre sineiro de Torres Novas, com oicina montada
no lugar de Valverde e grande atividade na transição do século XVIII para o XIX (Artur GON-
çALVES, op. cit., p. 302).
46
intenção das autoridades religiosas retirar o fácies medievalizante, e
das que se iniciavam na igreja da Misericórdia, bem como outras obras
que decorriam na vila de Torres Novas no último terço do século XVI
e ainda não estão, infelizmente, documentadas. Todas estas emprei-
tadas da segunda metade do século quinhentista seguiram programa
de intenções pré-estabelecido e que seria decisivo para a imagem de
modernização da vila. Nesse sentido se expressou também Paulo Re-
nato Ermitão Gregório ao historiar as primícias da construção da igreja
da Misericórdia e as suas relações modulares com as outras igrejas
da vila, no contexto de um urbanismo que se estabelecia com as suas
linhas de crescimento e de inluência 30.
Nas almofadas da bandeira da portada, a data de 1669 corres-
ponde a uma das campanhas de decoração do templo, muito pro-
vavelmente a série de modiicações que barroquizaram o espaço,
preparando a capela-mor e demais altares para os novos equipamen-
tos de entalhe dourado, de estilo nacional e de estilo joanino, que
a breve trecho iriam substituir os velhos e já desusados retábulos
maneiristas. Apenas sobreviveram, do velho templo medieval (além
da capela de São Jorge): a capela batismal, da banda do Evangelho,
ainda com marcas da estrutura de pedraria artesonada que a cobria
e a sua pia de batismo, de formato octogonal, sem decoração; uma
pia de água benta simples à entrada (no sub-coro da igreja)31; alguns
esparsos azulejos de aresta, de fabrico hispano-mourisco (que se
misturam com azulejaria seiscentista na base do frontão do altar
colateral dedicado a Santa Luzia) 32; restos de estelas sepulcrais
com cruz templária e uma fruste representação de lavoura (canga
e charrua relevadas), que se aplicou no altar colateral da Epístola;
e uma pedra lavrada, de fatura quatrocentista, peça emoldurada de
valia excepcional, que se adaptou ao frontão do altar de Santa Luzia
e representa uma cruz relevada envolvida pelo que parecem ser os
30
Paulo Renato Ermitão GREGóRIO, A igreja da Misericórdia, cit., 2003, pp. 40 e segs.
31
Na parede da banda do Evangelho, junto ao púlpito, anota-se outra pia de água benta, esta de
brecha da Arrábida, gomeada, da fase barroca a que corresponde a obra dos retábulos axiais.
32
Lígia GONçALVES, «A respeito da difusão dos azulejos hispano-árabes: os exemplares da
igreja do Salvador e da ermida do Vale em Torres Novas», Nova Augusta – Revista de Cultura,
nº 23, 2011, pp. 139-147.
47
tetramorfos dos Evangelistas, segundo a coerente interpretação de
Joaquim Rodrigues Bicho.
Uma outra campanha de melhoramento documenta-se também,
no exterior do templo, pela presença da data de 1714 que se admira,
gravada, na verga da porta aberta num corpo de sobreverga arquitra-
vada que foi acrescentado no lanco lateral da banda do norte. Esta
data refere-se à construção do corpo utilizado por duas irmandades da
igreja, como se verá no momento próprio do nosso percurso descritivo.
Na fachada exterior do lanco sul, enim, destaca-se a existência
de um contraforte escalonado, trecentista, pertencente à antiga capela
gótica de São Jorge, utilizada depois como sacristia.
Uma última referência, no exterior, para dois tondi renascentistas
com cabeças relevadas all’antico, que decoravam a empena posterior
da igreja, mas desapareceram. É o padre Margalho, que descreveu
o templo a im de integrar as respetivas informações nas Memórias
Paroquiais de 1758, que referencia esses medalhões quinhentistas,
ao elogiar a boa qualidade dos acabamentos e reutilizações no in-
terior da capela principal: assim, refere a existência, no exterior da
mesma, daquilo que parecia ser um par de tondi de tipo clássico,
possivelmente anteriores à campanha de 1570 por mestre João de
Évora: «As paredes desta mesma Capella mor se observão feitas de
pedras lavradas com umbreiras e bazes que pella forma se veriica
terem servido em edifício antigo. Nascente das costas da mesma Ca-
pella mor em cada huma das partes junto ao telhado se ve um busto
ou cabeça de pedra coroada como por modo de coroa ou diadema a
maneira dos bustos que se punhao aos Imperadores Romanos…» 33.
A descrição remete para que se trate de tondi do Renascimento, a
exemplo dos que João de Castilho, Pedro de la Gorreta, e seus co-
laboradores, realizaram no claustro e em diversas outras partes do
Convento de Cristo em Tomar, ou o escultor João de Ruão nos vãos
do portal da igreja da Atalaia, ou o mestre Diego de çarça na igreja
do Santíssimo Milagre de Santarém, para referir só exemplares em
33
A.N.T.T., Dicionário Geográico de Portugal, vol. 37, pp. 749-751, DOCUMENTO N.º 34. As
duas imagens referidas, roubadas do altar-mor em ins do século passado, eram de madeira
e estão fotografadas e ichadas no inventário de Bénard Guedes de 1966, pelo que poderão
vir a ser, um dia, recuperadas e devolvidas à sua igreja. Acalentemos essa esperança.
48
igrejas quinhentistas do Ribatejo. Este par de pedras decorativas,
fossem medalhões com cabeças da Antiguidade ou mísulas de su-
porte, chegaram até ao século passado, pois Artur Gonçalves ainda
os refere num livro de 1936: «examinando-as atentamente, veriica-
-se não serem coroados romanos, mas simples mísulas com rostos
humanos, para suporte da cimalha da empena das águas» 34. Ignora-
-se o que se passou para que essas pedras relevadas tivessem sido
retiradas da decoração exterior do Salvador depois de 1936, mas a
verdade é que já não existem na cimalha dessa parede posterior da
capela-mor (um espaço, aliás, de difícil acesso por se integrar em
quintal particular que lança para o vale).
Interior
34
Artur GONçALVES, op. cit., pp. 308. 49-751.
49
término de uma das campanhas intestinas de decoração. Já se consi-
derou que essa data pode corresponder à da colocação dos azulejos
(era esse o parecer de Vergílio Correia, por exemplo), mas tanto João
Miguel dos Santos Simões como José Meco, grandes especialistas
no estudo desta arte, se inclinaram para uma cronologia ligeiramente
mais avançada, que se situa dentro do quinto decénio do século XVII.
É digno da maior referência, pela sua qualidade técnica, plástica e
de articulação com o espaço interior, este revestimento integral das
paredes da nave, forradas de azulejos de tapete polícromo azul e
amarelo. São de execução posterior à citada data de 1628, como se
disse, e também anteriores à data de 1669 que se lê na bandeira al-
mofadada da porta principal do templo (e datará uma campanha dos
forros) 35, tendo o Engº João Miguel dos Santos Simões sugerido para
a sua colocação parietal uma data de cerca de 1640 a 1650 36, hoje
unanimemente aceite.
Trata-se de uma notável decoração integral, recorrendo a jogos
geométricos de atapetamento parietal a partir do recurso ao desenho
de vários padrões, mas abrindo-se também a dois painéis igurativos
de 7 x 6 azulejos cada um, inscritos nas paredes que envolvem o
arco triunfal, onde se representa, em dupla cena de vistoso aparato
devocional e cenográico, a Adoração do Santíssimo Sacramento.
Ambos os painéis têm legendas, que são as seguintes: LOVVADO
/ SEIA.OSAN / TISSIMO S / ACRAMEN / TO, o da banda do Evan-
gelho, e LOUVADO SE / IA O SANTISI / MO SACRAMENTO, o da
banda da Epístola. Envolvem-nos nos vãos do arco azulejos que
são diversos dos padrões que encontramos na nave — estes são
de grutesco romano com candelabras e motivos all’antico, decerto
inspirados em gravuras maneiristas lamengas —, que foram aqui
adaptados aquando do arrasamento da capela da Meia Via, como
se disse.
35
Vergílio CORREIA, Azulejos, Coimbra, 1956, pp. 42-44, considerava ser 1669 a data da
decoração azulejar, cronologia temporã, que Santos Simões corrigiu devidamente.
36
João Miguel dos SANTOS SIMÕES, Azulejaria em Portugal no Século XVII, II – Elenco,
Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1971, p. 172.
50
Esta decoração azulejar, que anima verdadeiramente o espaço
arquitetónico intestino e lhe confere uma dimensão cenográica do-
tada de grande força estética, atestando as múltiplas possibilidades
do uso da padronagem azul e amarela 37, mereceu a João Miguel dos
Santos Simões palavras de encómio. No revestimento do arco, notou
ainidades com as composições de tapetes de jarras que se observam
no coro da igreja do mosteiro de Jesus em Setúbal (com uso do tipo
de padrão P-700).
Também observou Santos Simões que este notável revestimento
segue, com toda a certeza, uma disposição especíica das visitações
arcebispais, já que várias igrejas da vila e do seu termo receberam,
entre os anos de 1620 e de 1660, azulejos de padronagem polícroma
deste tipo, ou seja, tudo numa época relativamente curta e, como ano-
tou, «com uma grande unidade de modelos, parecendo encomendados
ao mesmo tempo» 38. Assim se passa, de facto, vendo-se o recheio
37
Cf. a este respeito os estudos fundamentais de José MECO, Azulejaria Portuguesa, Livraria
Bertrand, Lisboa, 1986, e O Azulejo em Portugal, Publicações Alfa, Lisboa, 1989.
38
Idem, Azulejaria em Portugal no Século XVII, tomo II, p. 170.
51
desta igreja e o das igrejas de Chancelaria, Lapas, Marruas, Parceiros
da Igreja, Ribeira Branca, Zibreira, e ainda o da igreja da Misericórdia,
na cidade, aliás o mais tardio (cerca de 1674-1675) e o único que está
documentado 39.
52
Na parede da banda do norte abre-se a Capela Batismal, espaço
com vestígios da coberura artesonada gótica, com serventia através
de um arco de pedra de volta perfeita, que preserva a sua pia batismal
de pedra, de secção octogonal e simples de decoração. O púlpito,
do mesmo lado do Evangelho, está adossado, com base de pedra
ainda com restos da pintura de brutesco original, e não tem dossel,
mostrando a caixa com boa talha dourada do im do século XVII, coe-
va do retábulo-mor e acaso do mesmo mestre Manuel da Silva, com
decoração de acantos envolvendo ao centro uma águia bifronte. O
revestimento de azulejos polícromos que envolve o púlpito oferece um
aspeto cenográico singular.
Na parede do sul rasgaram-se, em obras dos anos 70 do século pas-
sado, dois vãos retangulares onde se encaixaram os confessionários,
numa solução por certo justiicada por razões de serviço litúrgico mas
que prejudicou a unidade espacial da igreja. Desta banda assinala-se,
também, a porta quinhentista de acesso ao coro alto, que data ainda
da campanha de João de Évora e tem serventia para a torre sineira.
A pia de água benta, à entrada do templo, é de pedra lavrada,
quinhentista.
No andar do coro do templo, são de registar, ocupando as pa-
53
redes laterais, os corpos de um antigo cadeiral setecentista com
catorze lugares em espaldar contínuo, marmoreado em pintura de
ingimentos verdes e amarelos, rematado por fachos e ornamentos
dourados. Este cadeiral pertencia à Irmandade de Nossa Senhora
do Rosário e datará da segunda metade do século XVIII e foi aqui
colocado, depois de dividido, no decurso das obras dos anos 70 do
século XX, nas quais também foi retirado um altar lateral da banda
da Epístola, considerado de escasso merecimento artístico e já sem
utilidade para efeito de culto.
Capela-mor
54
Além da obra de entalhe barroco, Manuel da Silva lavrou também um
notável sacrário, que merece contemplação pelo lavor minucioso que
o reveste, com ino relevo da Ressurreição lavrado e policromado a
decorar a sua porta. São de assinalar o desenho e requinte de lavor
das colunas salomónicas, o recorte elegante da arquivolta larga, a
decoração luxuriante de acantos, meninos, pâmpanos e aves, e outros
pormenores que atestam as qualidades do entalhador. Duas imagens
em madeira abrigaram-se mais tarde nos espaços dos intercolúnios,
sobre mísulas: representavam as iguras de São Francisco de Paula,
à esquerda, e São Bento, à direita 42.
Também se destaca neste presbitério o teto em abóbada de berço
estribada em cimalha, decorado com caixotões pintados a ouro sobre
fundo vermelho, com enrolamentos de brutescos, enquadrando turíbu-
los no eixo central; a pintura de brutescos prolonga-se pelas faces do
arco triunfal e lintéis das portas de acesso aos anexos. Sabemos que
foi pintado em 1688 pelo santareno António Rodrigues, quando veio
dourar o retábulo-mor e o sacrário, mas a ruína sofrida por efeitos de
humidade levou a que fosse sucessivamente refeito. Cerca de 1970,
a fábrica da igreja entregou o restauro destas pinturas da abóbada da
capela-mor ao artista José d’Abreu Lopes, que aí imitou o que restava
da campanha de brutescos pintados em 1688 por António Rodrigues,
refazendo os brutescos doirados recortando-os sobre fundo pompeiano,
de bom efeito. Esse artista realizou também as pinturas decorativas
dos alçados laterais da capela-mor, no ambão de pedra bujardada
e decorada, e na mesa de altar de pedra, com passos eucarísticos
(Recolha do Maná, Abraão e Melquisedeque, Bodas de Caná, Última
Ceia, etc) inspirados em autores clássicos 43.
O retábulo-mor barroco da igreja do Salvador tem traços de rea-
irmação e consolidação da soberania nacional, como foi apanágio
da grande retabulística lavrada e dourada do im do século XVII, no
seu afã de criar uma linha artística vernacular e inovadora, que se
airma melhor nos anos da Restauração anti-castelhana e no tempo
42
Segundo Joaquim R. BICHO, op. cit., p. 123, estas imagens foram roubadas num assalto
à igreja em ins do século passado.
43
Deve-se a Joaquim R. BICHO, op. cit., pp. 124-125, uma pormenorizada descrição destas
pinturas de Abreu Lopes, elogiadas como «um vasto hino de louvor ao Santíssimo Sacramento».
55
de estabilidade de D. Pedro II. Sobre o ambiente em que se fortaleceu
o Estilo Nacional, marca indelével da Talha portuguesa, disse a histo-
riadora de arte Sílvia Ferreira que, «a par desta conjuntura política e
social, que será determinante na modelação da feição da nossa arte
de inal de Seiscentos e inícios de Setecentos, nunca é demais relem-
brar a da esfera de inluência das diretrizes tridentinas na produção
de obra sacra, nomeadamente na obra de talha e imaginária. A arte
da Talha, a par das suas congéneres pintura, azulejaria, arquitetura e
demais expressões artísticas encontrou nesta conjuntura favorável o
seu húmus de crescimento, que lhe permitirá desenvolver uma conigu-
ração estética irrepetível na história desta arte no nosso país. É assim
que, durante este período de tempo, iremos assistir à multiplicação
de encomendas de obra de talha retabular, e não só, destinadas a
rechear de forma exaustiva os interiores dos nossos espaços sacros.
Ordens religiosas, irmandades, clero secular, e mesmo particulares
foram encomendadores assíduos e, consequentemente, dinamizadores
desta arte. Esta forte demanda de obra obrigou à crescente formação
e à especialização de mestres entalhadores, que amiúde os guindou
ao estatuto de mestres escultores. Finalmente, abertas as portas às
inluências estrangeiras, nomeadamente francesas e italianas, não só
pela presença entre nós da rainha francesa do primeiro casamento
de D. Pedro II, mas igualmente pelos nossos contactos diplomáticos
e eclesiásticos promovidos fora do Reino, os nossos mestres entalha-
dores e escultores de madeira vêem-se perante um mundo de novas
e renovadas informações estéticas que sabiamente aproveitarão» 44.
Na boca da tribuna ainda em 1758 existia uma grande tela represen-
tando a Ascensão de Cristo, da autoria do pintor lisboeta Bento Coelho
da Silveira. Esta pintura, encomendada pelo beneiciado João Dias do
Avelar segundo nos informa o pároco que redigiu a memória para o
inquérito nacional do Padre Luís Cardoso, chamado Manuel Veríssimo
Margalho, as valências desta igreja, era obra de grande merecimento.
Infelizmente, disso nos informa Artur Gonçalves em 1935, «depois de
baldadamente procurar o paradeiro desta pintura, que parece revelava
44
Sílvia FERREIRA, A Talha Barroca de Lisboa (1670-1720). Os Artistas e as Obras, tese
de Doutoramento, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (Especialidade em Arte,
Património e Restauro), 2009, II, p. 172.
56
apreciável valor artístico, conseguimos saber que durante muito tempo
esteve a tela abandonada no quintal da igreja, exposta ao tempo, até
que desapareceu» 45.
Retábulo-mor,
da autoria de Manuel da Silva, 1685
45
Artur GONçALVES, Mosaico Torrejano, 1936, p. 305.
57
Do anterior retábulo da capela-mor executado em 1577-1583,
apenas nos chegaram até hoje uma vigorosa escultura do imaginário
lamengo Estácio Matias, conservada na parede esquerda da capela-
-mor e merecedora de maior destaque contemplativo, pois é peça de
qualidade acima da mediania, e uma tábua pintada pelo maneirista
torrejano Gaspar Soares, de 1583, que se encontra atualmente, como
se disse, na igreja de São Tiago.
Não chegou aos nossos dias uma formosa teia de madeira exótica
torneada que dividia o espaço do presbitério do da capela-mor.
Na parede norte da capela-mor rasga-se a porta de acesso ao átrio,
com serventia direta para a Sala do Despacho da Irmandade do San-
tíssimo Sacramento e, à esquerda, a Sala do Despacho da Irmandade
de Nossa Senhora do Rosário, ambas com os seus tetos de masseira
com pinturas do século XVIII.
A chamada Casa do Despacho da Irmandade do Santíssimo Sacra-
mento, que era na realidade a «Sacristia nova» dessa Confraria, formada
por irmãos laicos e que detinha a responsabilidade da decoração e ges-
tão litúrgica da capela-mor, mostra ainda o seu singular teto de masseira
58
com nove caixotões pintados de brutesco, preenchidos com símbolos
eucarísticos integrando cartelas de profusa decoração barroca e de in-
tenso cromatismo. No caixotão do centro, representa-se a Adoração da
Eucaristia por Anjos, painel que atesta, ao alto da moldura envolvente, o
ano de fatura – 1730 – e, na parte inferior, a assinatura do seu autor, M.EL
FERRª LXª. Sem ser uma obra de primeira plana enquanto pintura, já que
o desenho de igura revela as limitações do artista, a solução decorativa
das cartouches com gorda ornamerntação loral e simbólica (envolvendo
símbolos eucarísticos como sejam a Custódia, o Pelicano, a Fénix, as
Uvas e o Feixe de Trigo) é assaz eiciente em termos iconográicos e de
visualização plástica, e o sentido barroco da cenograia impõe-se, como
solução barroca de utilização do género brutescado compacto.
Foi felizmente localizado o contrato de fatura, que nos diz que o
pintor em causa – nome desconhecido da História da Arte, sobre o
qual nenhum outro rasto se conhece até à data – fez o trabalho por
preço de 24.000 rs, devendo pintar nessa «sancristia nova da ditta
confraria» a obra do «tecto pintado a óleo de alvahyde e no painel do
meio huma traja com huma Custodia de oiro e em roda huma gloria
de Sarains e dois Anjos vestidos (…) e nos quatro paneis pintará
quatro tarjas de folagem com seu oiro com as plumas do Sacramen-
to, e as molduras atartarugadas e os vivos dos painéis da parte de
dentro dourados e faxas asuis metidas de claro e amarelo, os quatro
lorõis vestidos de folhagem com cabecinhas de oiro, tudo na forma
dos apontamentos» 46.
O contrato é muito interessante pelos termos utilizados, que ajudam
a ver melhor a obra remanescente de Manuel Ferreira Lisboa, como é
o caso, por exemplo, da referência aos motivos atartarugados que são
expressamente nomeados na obrigação contratual, os quais revestem
efetivamente as molduras dos caixotões e conferem ao conjunto um
caráter entre o exótico e o insólito.
Na mesma sala da Irmandade, subsiste bancada de madeira pintada
de negro, com corpo central tripartido e decoração loral no espaldar,
boa peça de mobiliário litúrgico.
46
Arquivo Distrital de Santarém, Livro nº 297 de Notas de Hilário Rodrigues Martins, Tabelião
de Torres Novas, ls. 25 e vº. Inédito. DOCUMENTO Nº 31.
59
Teto de caixotões de brutesco, da autoria do pintor Manuel Ferreira Lisboa, 1730
60
e com o pintor. A qualidade pictórica é evidente, pelo naturalismo das
composições brutescas, que mostram um artista de recursos, superior
ao citado Manuel Ferreira Lisboa. Sabemos que trabalhava na vila, por
esses anos, o pintor Pedro Coelho Taborda, ativo em obras vultosas na
Misericórdia e em São Pedro, e que em 1708 era irmão da Confraria
do Santíssimo desta igreja 47, mas não é possível, por enquanto, pro-
por uma autoria credível, até porque a documentação torrejana refere
também outros nomes de artistas de pincel aqui ativos nestas datas,
como Baltazar Cardoso, da Chamusca, e Teodósio da Cruz Miranda,
da Golegã. A possibilidade de se tratar de obra do referido Pedro Coe-
lho Taborda parece ser a mais conjetural, dadas as ainidades que a
pintura deste teto mostra com a tela da Visitação da Virgem a Santa
Isabel (1701) da tribuna da igreja da Misericórdia, bem como com as
Bandeiras dos Passos da Paixão (1711), que sabemos terem sido
executadas por esse pintor torrejano 48. Seja como for, trata-se de um
espaço artístico digno de admiração e carecido de restauro.
47
Arquivo Histórico Municipal de Torres Novas, Livro de Receita e Despeza da Confraria do
Santissimo Sacramento (da igreja do Salvador de Torres Novas), 1685-1711, l. 169. Inédito.
48
Sabe-se que em 1710-11 Pedro Coelho Taborda pintou as telas com os Passos da Paixão, e
que por conta da obra recebeu em dois pagamentos, por ordem do Provedor João de Mesquita
de Sousa Avilez, as quantias de 7.200 rs e de 34.000 rs (Arquivo Histórico da Santa Casa
da Misericórdia de Torres Novas, Livro de Receita e Despeza da Mizª, 1710-1711 (nº 62), ls.
154 vº e 155. Inédito). As telas em causa, recém-beneiciadas, encontram-se depositadas no
Museu Municipal.
61
Na parede sul da capela-mor, abre-se serventia para a atual sacristia,
instalada na antiga capela de São Jorge, espaço coberto com a sua
abóbada de cruzaria de ogivas, do século XV, apoiada em mísulas e
porta de vão trilobado entaipada. As nervuras, de ino recorte, mostram
um bocete no fecho decorado com roseta e outros motivos naturalistas,
e mísulas parietais com motivos itomóricos, lorais e geométricos, bem
conservados. Para esta capela se fez em meado do século XVI um retábulo
com painéis de pintura, que é de supor integrasse as quatro excelentes
tabuínhas a óleo que representam São Jorge a combater o Dragão, Santa
Marta, Santa Apolónia e São Filipe, expostas na parede direita da igreja
de São Pedro, e que se devem à oicina do pintor Diogo de Contreiras 49.
49
Informação contida no inventário datilografado de José Bénard Guedes, de 1966, para o
Patriarcado.
62
Foi posta a descoberto nesta sacristia, nas obras dos anos 60 do
século XX, uma porta tardo-gótica, com verga golpeada, que outrora
dava acesso à capela-mor. Também se assinala um lavabo de pedra,
acaso ainda quinhentista, mas com remate de volutas ulterior. O arcaz
de madeira, com dois gavetões de duas almofadas cada, e quatro
portas, ainda do século XVII ou início do XVIII, conserva alguma para-
mentaria sacra, de que se destaca um véu de píxide de seda bordada
a io de ouro, setecentista, restaurado em 1964 na oicina de têxteis do
Instituto José de Figueiredo 50. Pela sua raridade, também se destaca
uma umbela do século XVIII, de damasco de seda vermelha, cujo galão
é de franja dourado, e vara de pau-santo com varetas em barba de
baleia. Registam-se, enim, uma píxide de prata (que era do sacrário)
e uma custódia de simples lavor, setecentistas.
Contígua à sacristia, ica outra antiga capela do im do século XVI,
fundada por Ana Simoa, mulher de Diogo Travassos, cavaleiro da or-
dem de Cristo e idalgo da Casa Real, que outrora abria para a nave na
parede ocupada muito depois, em 1700, pelo altar de Nossa Senhora
do Rosário. Resta a sua lápide:
Altares colaterais
50
Arquivo Distrital de Santarém, Livro nº 297 de Notas de Hilário Rodrigues Martins, Tabelião
de Torres Novas, ls. 25 e vº. Inédito.
51
Arquivo Distrital de Santarém, Livro nº 244 de Notas de Pedro de Sousa Seabra, Tabelião
de Torres Novas, ls. 141 e vº. Inédito. DOCUMENTO Nº 22.
63
obra de talha a qual havia de ser perfeita pelo molde e risco que está
feito em que eles ditos juiz, escrivão e mordomos e mestre entalhador
se contrataram».
Em termos morfológicos, divide-se em duas secções ou corpos
sobrepostos, o principal com nicho envolto por par de colunas salo-
mónicas, integrando ao meio a escultura da titular, e o superior com
estípides ladeando uma moldura central, de secção hexagonal, onde
se integra uma pintura sobre tela com a Entrega do Rosário a São
Domingos pela Virgem e o Menino, obra tenebrista de muito boa
modelação de panejamentos e poses de iguras, devida aos pincéis
de Bento Coelho da Silveira, que desenvolveu nesta pequena peça,
executada sem colaboração oicinal, o seu típico repertório pessoali-
zado de formas e modelos. Quanto à escultura, considerada em 1758
«perfeitissima imagem de Nossa Senhora com o titulo do Rosario»,
é uma das boas peças de madeira estofada e pintada, de início do
século XVIII, lastimando-se que (como já assinalava Bénard Guedes)
o revestimento pictural tenha sido alterado.
No remate do retábulo, numa cartela turgidamente emoldurada
de volutas e acantos, está a data de 1704 pintada; corresponde ao
término da obra de douramento do entalhe, para a qual não se co-
nhece o nome do artista envolvido. Trata-se, de um modo geral, de
um bom testemunho de talha barroca, inspirado na obra de entalhe
da capela-mor, o que deixa presumir conhecimento (senão discipu-
lado) de Manuel da Silva Monteiro face ao mestre lisboeta Manuel
da Silva. Mas este altar é especialmente valorizado pela presença
da imagem setecentista da titular, Nossa Senhora do Rosário, e da
magníica tela de Bento Coelho.
64
Imagem de Nossa Senhora do Rosário,
artista anónimo, início do século XVIII
65
Na parede correspondente do lado do Evangelho, o altar da Con-
fraria de Santa Luzia apresenta um retábulo que se diria gémeo do
anteriormente referido, ou seja, em tudo correspondente ao da Senhora
do Rosário. Na realidade, as ainidades são só aparentes e reduzem-
-se à morfologia seguida. O contrato, de 1722, envolve o entalhador
torrejano Manuel Ferreira e orçou o preço de 90.000 rs, tendo o artista
sido obrigado a cumprir essa espécie de duplicação morfológica, a
gosto da irmandade contraente 52. É visível, neste retábulo tardio de
Estilo Nacional, maior dureza e debilidade de entalhe, na modelação
das colunas torsas e no revestimento de decoração miúda, que é sin-
tomático do esgotamento de um modelo…
No nicho central, a imagem de Santa Luzia, em madeira mal pintada,
tem sido sempre apresentada nas fontes como peça antiga e de muito
merecimento, mas aparenta ser, ainal, trabalho seiscentista de bitola
secundária, duro de modelação, que as novas camadas de policromia
prejudicaram. Este retábulo colateral esquerdo manteve-se «a cru»
muitos anos: o seu douramento só em 1738 se realizou, a crer na data
na cartela inscrita na cimalha, o que revela diiculdades inanceiras da
confraria. Ignora-se quem realizou o trabalho e quem pintou a tela que
orna a edícula da cimalha, em correspondência com a de Bento Coelho
no altar gémeo da direita; este painel, que representa o Martírio de
Santa Luzia pelo fogo, é obra de artista muito secundário, simpliicado
de composição, seguindo com dureza de modelação e pobreza de cor
as convenções do hagiológio.
52
Arquivo Distrital de Santarém, Lº 276 de Notas de Hilário Rodrigues Martins, Tabelião de
Torres Novas, ls. 129 vº a 130. Inédito. DOCUMENTO Nº 26.
66
Conjunto do retábulo de Santa Luzia, de Manuel Ferreira (1722),
e tela de autor desconhecido, representando o Martírio de Santa Luzia, de 1738
53
Lígia GONçALVES, «A respeito da difusão dos azulejos hispano-árabes: os exemplares
da igreja do Salvador e da Ermida do Vale em Torres Novas», Nova Augusta – Revista de
Cultura, nº 23, 2011, pp. 139-147.
67
Pedra lavrada, medieval, com cruz envolta por símbolos
dos Tetramorfos (?), existente no altar de Santa Luzia,
onde se encontram as relíquias dos Mártires da Concórdia
68
Este nicho foi mandado fazer pelo prior António de Macedo e Silva,
um responsável da Ordem de São Tiago de Espada e freire do Convento
de Palmela, para acolher uma imagem milagrosa de São Francisco de
Paula, com o seu relicário circundado de resplendor aberto no peito,
peça que muito mais tarde passou para o retábulo-mor, sendo então
(corria o ano de 1910) colocada aqui a escultura setecentista da Piedade,
procedente do desafetado oratório dos Mogos Mello Carrilho. Trata-se,
esta última, de uma das melhores peças do acervo de imaginária se-
tecentista que existem em Torres Novas, de cuja autoria, infelizmente,
se desconhecem dados mais precisos, podendo presumir-se que se
trate de peça de fatura lisboeta 54.
54
Joaquim Rodrigues BICHO, op. cit., p. 122. A imagem da Senhora da Piedade veio para
o Salvador em 1910, data em que as freiras teresianas deixaram a casa Mogo Melo, onde
estavam instaIadas.
69
Sobre as referidas imagens de São Francisco de Paula e de São
Bento (já infelizmente sonegadas, como se disse), informa-nos o Padre
Margalho, em 1758, que «no mesmo altar esta huma imagem do príncipe
dos Patriarcas, São Bento que mandou fazer Jorge de Mesquita e no
peito em huma nomina duas relíquias huma, de Santa Ana e outra de
Santa Maria Magdalena, que forão da Sereníssima Infanta (D. Maria),
Duquesa a Senhora Dona Catherina como consta da autentica que esta
no Cartorio, e no mesmo altar outra imagem de São Benedicto» 55.
A presença de relíquias nos altares da igreja do Salvador não se
limitava a estes casos. No altar de Santa Luzia (em cujo frontal se
expõe, como se disse, uma pedra relevada medieval, reaproveitada
numa alusão a esse tesouro litúrgico) existia, dentro de um pequeno
armário adjacente sob uma das edículas, um cofre de ferrolho com duas
chaves que abrigava as relíquias dos chamados Mártires da Concórdia,
que foram dadas à paróquia do Salvador em 1659 pelo cónego Manuel
de Saldanha e a que se atribuía uma grande devoção, por terem sido
achadas no lugar de Beselga, nos arredores de Torres Novas 56.
Um dos papéis que foi encontrado a acompanhar essas relíquias
continha, segundo dizia em meados do século XVII o Agiológio Lusitano
do Padre Jorge Cardoso 57, os seguintes dizeres: um, «dos corpos que
se acharam com algemas», e o outro «do corpo que se achou junto dos
corpos com algemas». Reza a tradição, citada por exemplo no Agiológio
Lusitano de Cardoso, na História Ecclesiastica de D. Rodrigo da Cunha
e na Benedictina Lusitana de Frei Leão de S. Tomás, e em outros au-
tores do século XVIII, que se tratava das relíquias de São Secundino
e São Rómulo, companheiros de São Donato, martirizados na cidade
de Concórdia no ano de 145, reinando o Imperador Antonino, embora
outras fontes remetam para o tempo de Galiano e a data de 264 d.C.
55
A.N.T.T., Dicionário Geográico de Portugal, vol. 37, pp. 749-751. Cf. DOCUMENTO N.º 34.
As duas imagens referidas, roubadas do altar-mor em ins do século passado, estão fotogra-
fadas e ichadas no inventário de Bénard Guedes de 1966, pelo que poderão vir a ser, um dia,
recuperadas e devolvidas à sua igreja. Acalentemos essa esperança.
56
Cf. Artur GONçALVES, op. cit., 1936, pp. 118 e 312, Memórias de Torres Novas, cit., p. 118,
e Anais Torrejanos, p. 51.
57
Padre Jorge CARDOSO, Agiologio lusitano dos sanctos, e varoens illustres em virtude do
Reino de Portugal, e suas conquistas: consagrado aos gloriosos S. Vicente, e S. Antonio, in-
signes patronos desta inclyta cidade Lisboa e a seu illustre Cabido Sede Vacante / composto
pelo licenciado George Cardoso, natural da mesma cidade. Em Lisboa, Oficina Craesbeekiana,
1652, II, p. 453, e vol. III, p. 263.
70
O visitador do Arcebispado, Padre João Morais Bocarro, prior de
São Vicente do Paul, foi mandado investigar a veracidade dos acha-
dos, tendo mandado recolher, com resistências do povo, as relíquias.
Fizeram-se escavações no local, que permitiram descobrir uma se-
pultura com uma cruz gravada, e a própria Rainha Regente D. Luísa
de Gusmão, interveio na questão, para travar a dispersão de relíquias
pelas igrejas da região e tentar que elas viessem para a Sé Metropo-
litana de Lisboa. Nesta ocasião, também o Dr. João Lopes Raposo de
Castanheda, corregedor do Concelho de Torres Novas, foi incumbido
de investigar a origem dessas relíquias, tendo escrito a esse propósito
uma Relação do Descobrimento dos Santos Mártires da Cidade de
Concórdia, que dedicou ao Duque de Aveiro 58.
Não remanescem na igreja os cofres-relicário e as imagens-relicário
de que as fontes nos deixaram vaga memória, pois as perdas causadas
pelas invasões francesas foram muito gravosas. Muitas peças desapa-
receram, sobretudo as do tesouro de ourivesaria do templo 59. Essas
perdas foram signiicativas, quer por furto, quer por terem sido muitos
os objetos litúrgicos que foram mandados fundir por causa do imposto
de guerra a que os invasores napoleónicos obrigaram as populações.
Uma dessas peças, uma custódia de prata dourada, estava datada de
1595 e tinha gravado o nome do seu doador, Padre Teodósio de Oliveira.
São muitas as sepulturas existentes na igreja, mas na sua maioria
estão ocultas pelos pavimentos de madeira, e outras estão quase
diluídas pelo tempo e mal se lêem. As anotações de Artur Gonçalves
e de outros autores atestam que se tratava, na sua maioria, de sepul-
tamento dos notáveis da vila dos séculos XVI e XVII, como é o caso
dos cavaleiros idalgos António de Figueiroa e Mesquita, Manuel de
Vasconcelos e Domingos Rodrigues Picamilho, bem como do Padre
Salvador da Silveira e do capelão régio Padre Cristóvão Vaz (1544),
entre muitas outras 60. Mais antiga era a pedra epigrafada que se en-
controu, entaipada, na parede da capela de São Francisco de Paula,
datada da era de 1366 e relativa a um cavaleiro de nome Martim Gomes.
58
Jorge CARDOSO, op. cit., vol. III, p. 263.
59
Artur GONçALVES, Torrejanos Ilustres, p. 147 e seguintes (sobre as invasões francesas
em Torres Novas).
60
Idem, Mosaico Torrejano, cit., pp. 308-310.
71
II. Igreja de São Tiago
Notícia histórica
61
A.N.T.T., Dicionário Geográico de Portugal, vol. 37, pp. 835 e segs. DOCUMENTO N.º 34.
74
lugar altaneiro onde D. Afonso Henriques mandara erguer, à data da
tomada da vila aos mouros em 1148, uma ermida dedicada ao Apóstolo
São Tiago 62. Embora alguma infundada tradição aponte para que a
construção da igreja tenha decorrido logo após a tomada aos mouros,
a verdade é que tal facto só veio a ocorrer no início do século XIII, e
se deveu às necessidades cultuais de uma povoação que se expandia
com celeridade.
Em frente a esta igreja de São Tiago, reuniram as Cortes portu-
guesas de 1438 para se decidir o destino da Nação e os assuntos da
regência do Reino durante a menoridade de D. Afonso V. Foi no adro
do templo, de facto, e no paço adjacente, que em novembro se rea-
lizaram essas Cortes, impostas pelas circunstâncias da morte do rei
D. Duarte e pelos termos do seu testamento, em que se votou coniança
nacional na regência de D. Leonor, durante a menoridade do futuro rei,
D. Afonso V 63. Os procuradores dos três Estados chegaram a acordo
a im de assegurar a transição de poderes, como se pretendia.
62
Artur GONçALVES, Torres Novas. Subsídios para a sua História, 1ª ed., 1935, p. 59; idem,
Mosaico Torrejano, 1ª ed., 1936, p. 342.
63
Joaquim VERÍSSIMO SERRãO, História de Portugal, vol. II, 1415-1495, ed. Verbo, Lisboa,
1978, pp. 54-58.
75
À data, era a igreja de três naves e relativamente espaçosa, mas o
crescimento populacional da freguesia e as mudanças de gosto impu-
seram a sua articulação a um novo modelo chão, em data próxima à
das obras do Salvador. Salvo uma notabilíssima imagem em calcário,
gótica, de São Tiago Maior, que era certamente a do antigo altar, e
de duas pias de água benta quinhentistas (uma delas manuelina e de
excelente lavor), apenas a portada contígua à antiga capela de Santa
Isabel, fundada no século XVII pelo chantre da Sé de Miranda, Domingos
Gil Argulho, mostra vestígios góticos na portada quatrocentista de arco
ogival simples e em outros sinais de uma estrutura que as exigências
dos tempos inapelavelmente alteraram.
Já não se localizou na igreja a imagem gótica do padroeiro, que
existia ao tempo dos estudos de Artur Gonçalves e vem reproduzida
por esse historiador local 64. Poderia ser oferta da nobreza da vila e se
encontra numa dependência, mostra restos da antiga policromia e tem
características de estilo que a ligam à tradição naturalista das oicinas de
Coimbra e à sequência da arte do famoso Diogo Pires-o-Velho, grande
imaginário da cidade mondeguina. Também chegaram aos nossos dias,
reutilizadas, duas rosáceas molduradas góticas, de ina cinzeladura,
com sua decoração de vieiras, que se encontram, adaptadas a teias de
uma varanda de serventia, no pátio exterior que dá acesso à igreja pela
banda da Epístola.
76
Após as obras da reconstrução (que, apesar de indocumentada
quanto a pedreiros envolvidos, é percebível pela lição do espaço e pelo
que deixa inferir o contrato de 1570 da igreja do Salvador), a igreja de
São Tiago deixou de ser de três naves, foi certamente ampliada no corpo
e no presbitério, e passou a ter uma espacialidade chã. Pode ser que
essa alteração coincidisse com o priorado de D. Jaime de Lencastre, um
neto de D. João II que além de prior das freguesias da vila era também
bispo de Ceuta e primaz de África, nesse cargo designado em 1545.
Em ins do século XVI, sabemos que um mestre entalhador lisboeta
de nome Martim Rodrigues fazia um retábulo com o seu sacrário para o
altar das Almas, à mão esquerda da nave da igreja, mas o facto de ter
falecido no decurso da obra, que deixou por isso incompleta, levou a
que se gerasse um litígio entre a viúva e a irmandade das Almas, o qual
se sanou por acordo de 1598 com interesses das partes devidamente
assegurados pela negociação assente em contrato de quitação 65.
É possível que o templo tivesse sido também integralmente azule-
jado no século de Seiscentos, a exemplo do que sucedeu no Salvador,
com um programa de padronagem azul e amarela, de que resta o
conjunto da capela-mor. Infelizmente, esses azulejos (a terem existido
na nave…) desapareceram, e o restauro sofrido pelo templo em 1984
impôs a colocação de um lambrim de azulejos modernos, que não
vieram valorizar a espacialidade e coerência do conjunto.
Só no inal do século XVII se documentam novas e importantes
alterações no interior do templo, referenciadas pela data de 1689
aposta na portada de madeira do pórtico principal, que regista um dos
momentos dessa redecoração intestina. É dessa época a campanha
de decoração da capela do Senhor Jesus dos Lavradores, onde se
admiram duas pedras epigrafadas com data de 1692, ano em que se
concluíram as obras de renovação da capela, as quais foram custeadas
pelo Beneiciado João Rodrigues para aí se fazer sepultar, e com o
chamamento do grande pintor de azulejos Gabriel del Barco y Minus-
ca, por essa altura, para fazer a obra de azulejaria azul e branca que
reveste essa capela.
65
Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Tombo dos Bens que oje pesue esta confraria
das almas do fogo do purgatório da Igreja de S. Tiago desta villa de torres novas, oye o prº
de Abril de 1620, Lº nº 1782 (nº provisório de unidade de instalação), ls. 21-25. Inédito. DO-
CUMENTO Nº 10.
77
Pormenor da azulejaria barroca de Gabriel del Barco, c. 1692,
na capela do Senhor Jesus dos Lavradores
78
e membro do seu Conselho 66, a igreja estava muito carecida de or-
namentos de obras. A visita seguinte, realizada pelo Padre Manuel de
Jesus de Macedo, prior de Aldeia Galega da Merceana, em 2 de julho
de 1684, assinala também essas carências e manda adquirir novas
peças de prata que faltavam ao culto divino 67. As obras começaram
entretanto, e sabemos hoje que, em 1693, o mestre entalhador Manuel
da Silva executou a grande obra do retábulo-mor 68. Já a visitação
do padre João de Matos Henriques, prior de Vila Verde e Comissário
do Santo Ofício, com data de 6 de Dezembro de 1694, elogia a boa
gestão do pároco, Padre António Ribeiro de Figueiredo, na direção
dessas grandes obras, ordenando também que as relíquias de São
Cosme e São Damião, que estavam com pouco resguardo na ermida
desses titulares, passassem para esta matriz, mas avisando contra
certos costumes que eram razão de devassa, como a falta de limpeza
no adro, o facto de «certos esposados assistireem em casa de suas
esposas antes de se receberem, de que nascem muitos escândalos
e ofensas a Deus»69.
A visitação realizada em 24 de Dezembro de 1704 por D. Fernando
de Abreu Faria, desembargador da Relação do Arcediagado de San-
tarém, é muito interessante, pois se refere ao zelo com que o Prior
António Ribeiro de Figueiredo havia feito as obras da capela-mor:
«particularmente o affecto com que empreendeo a rehediicação da
sua igrª e conseguiu vêlla erigida e usada a decencia que se deu a
esta casa de Deus» 70.
Entretanto, em 1708, sabemos que a igreja foi alvo de uma
grande campanha de pintura decorativa, a cargo de Baltazar Car-
doso, mestre pintor e dourador da vila da Chamusca, que revestiu
de brutesco as coberturas da igreja, dourou o entalhe do retábulo e
66
Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Lº dos Capitulos da Vesita da igreja de São
Tiago da villa de Torres Novas, 1677-1756, nº 65, l. 2 vº. Inédito.
67
Idem, ib., l. 5.
68
Não remanesce já o contrato da obra retabular, de que todavia existe súmuIa respeitante
às notas do tabelião envolvido citando o livro de notas que se perdeu, datada de 18 de abril
de 1693.
69
Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Lº dos Capitulos da Vesita da igreja de São
Tiago da villa de Torres Novas, 1677-1756, l. 8.
70
Idem, ib., l. 9.
79
da tribuna e pintou, ainda, um grande fresco existente na sacristia
da igreja e que é alusivo a um invulgar milagre de São Tiago Maior
durante a Reconquista 71.
Entretanto, os termos da visitação feita a 15 de julho de 1715 pelo
Dr. Pedro de Brito da Costa, em tempo de sede vacante, não registaram
«nada que advertir» 72, estando a igreja em funções de poder servir
com toda a magniicência uma freguesia muito populosa. Também o Dr.
António do Espírito Santo Freire, que visitou o templo a 30 de setembro
de 1726, considerou a «igrª bem assistida assim no pertencente ao
templo como no espiritual», e apenas «recomenda muito que se con-
tinue na obra da tribuna para effeito de se doirar, e que o Reverendo
Parocho requeira a Sua Ilustrissima que pellas quotas e rendimentos
que se acham vencidas do Priorado se mande acabar a obra visto o
Rev.do Padre Prior defunto lhe ter dado principio»73.
Em 21 de maio de 1747, consta uma visita do Dr. Luís Gomes de
Loureiro, pároco da igreja da Atalaia, a mando do Cardeal Patriarca, que
diz «ser esta vila huma das mais populosas fora da Corte», recomen-
dando que, por isso, os eclesiásticos atuem «com toda a decência…
trazerem cazaca, cabeção, e volta», sob pena de castigo e multa74.
Também se criticaram então algumas festas «impróprias» realizadas
no adro da igreja, sob pena de excomunhão. Numa outra visitação,
realizada pelo Dr. Manuel Romão, mestre de Teologia da Universida-
de de Coimbra, em 18 de fevereiro de 1752, achou-se «a igreja com
perfeição e ricamente ornada», sendo «supérluo advertirlhe cousa
alguma pera o aseio e feição das sua igreja» 75.
Enim, conhecem-se os termos da visitação de 13 de setembro de
1756, em seguida ao terramoto, feita à igreja de São Tiago pelo padre
Dr. Henrique Henriques da Maia, protonotário arcebispal, que elogiou
o zelo da administração e da gestão do pároco, Padre António Vicente
71
Arquivo Distrital de Santarém, Livro nº 253 de Notas de Alberto da Silva, Tabelião de Torres
Novas, ls. 71 vº a 72 vº. Inédito. DOCUMENTO Nº 24.
72
Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Lº dos Capitulos da Vesita da igreja de São
Tiago da villa de Torres Novas, 1677-1756, l. 11.
73
Idem, ib., l. 14 vº.
74
Idem, ib., l. 18.
75
Idem, ib., l. 20.
80
Nunes (a quem critica apenas não ter passado os capítulos das duas
visitações precedentes), notando a propósito, e ao contrário do que
muitas vezes se airma, que o templo resistiu bem e sofreu poucos
danos com o megassismo do ano anterior 76.
Em 1758, segundo o relato já referido do pároco da igreja para as
Memórias Paroquiais, o templo possuía sete altares, sendo o cola-
teral da banda do Evangelho dedicado a São Brás, e o colateral da
Epístola dedicado a Santa Catarina, todos eles com imagens e, em
alguns casos, com relíquias. As obras que se seguiram ao terramoto,
que impuseram uma série de modiicações, conduziram, por exemplo,
ao apeamento desses altares colaterais, que foram substituídos por
portais.
Sobreviveu integralmente o notabilíssimo conjunto da capela do
Senhor Jesus dos Lavradores, que em 1758 tinha banquetas em prata
dignas de encómio por parte do autor da notícia enviada para Lisboa.
Assim a descreve mais o pároco que redigiu a memória de 1758: «Na
dita Igreja de Santiago se venera a Sagrada Imagem de vulto de Chris-
to Cruceicado, com o titulo do Senhor Jesus, imagem mui antiga e
venerada, e muito milagrosa à qual recorrem a villa, e povos vezinhos,
e ainda distantes em todas suas necessidades publicas e particulares
recebendo sempre despachos nas suas petiçoens principalmente nas
necessidades publicas, e a vezitão frequentemente os devotos todos
os dias principalmente nas sestas feiras de todo o anno» 77.
Em 1793, foram feitas novas obras de decoração na histórica capela
do Senhor Jesus dos Lavradores, sendo lavrado um novo e vistoso
portal de pedra dentro da tradição clássica, que seria mais tarde repe-
tido, com similitudes de tipologia e estilo, no portal da capela fronteira
de São Miguel (obra que tem a assinatura M. THOMAZ e a data de
1878, relativo a uma reforma sofrida). Apesar das datas tardias que
cronografam as portadas monumentais dessas duas capelas fronteiras
– a do Senhor Jesus dos Lavradores e a de São Miguel –, a verdade
é que seguem ainda esquemas morfológicos maneiristas, podendo
76
Idem, ib., l. 22.
77
A.N.T.T., Memórias Paroquiais, cit., vol. 37, p. 825.
81
tratar-se de portais mais antigos que foram refeitos no inal do século
XVIII, o primeiro, e já no XIX, o segundo, por alguma imposição dos
administradores.
Enim, em 1798, foi encomendado em Lisboa um órgão ao famoso
mestre organeiro António Peres Fontanes, recentemente beneiciado
e, de novo, apto a servir em concertos musicais. Está assinado «Fon-
tanes o fez em Lisboa Anno de 1798».
Alguns anos antes de 1935, como já foi referido e testemunhou
devidamente Artur Gonçalves, contemporâneo do acontecimento, o
alargamento da Calçada de Santiago, que passava a norte da igreja, e
que foi transformada na actual Rua Miguel de Arnide, obrigou ao corte
parcial das capelas da Rainha Santa Isabel e de São Miguel Arcanjo
e à destruição do corpo da escada de acesso ao púlpito, transferido
para a parede sul. Também se amputaram os dois altares colaterais,
retirando-se o seu equipamento litúrgico (que se perdeu) e depaupe-
rando o equilíbrio da espacialidade intestina: o da banda do Evangelho
era dedicado a São Brás e tinha, segundo as fontes, bom retábulo de
talha dourada, mas em seu lugar foi simulada uma porta, ingida, em
correspondência com a da parede direita; o altar da Epístola era de-
dicado a Santa Catarina de Alexandria e em seu lugar rasgou-se uma
porta para acesso à sacristia 78.
O templo teve teia de moldura gótica, a delimitar coxia mais elevada
de um e outro lado da nave, ao longo das suas paredes marmoreadas.
Mas em 1963 icou concluída a intervenção que removeu essa teia,
uniformizou e refez o pavimento, retirou as guardas de ferro fundido
da mesa da Comunhão e das capelas laterais, despiu de todos os
elementos decorativos de vidro o lustre suspenso a meio da nave e
pintou de branco as paredes, que em 1984 receberam um lambrim de
azulejos de 1,20 m.
78
Segundo Artur GONçALVES, em Moisaico Torrejano, pp. 334-335, ambos estes altares
tinham peças de valor: uma imagem de São Brás, e uma mão de prata, com anel, integrando
uma relíquia desse santo arménio, bem como uma mitra e báculo de prata, que escaparam às
invasões francesas e se preservam na sacristia; e uma tela de Santa Catarina de Alexandria,
do século XVIII.
82
Arquitetura
83
Fachada da igreja de São Tiago (meados século XX)
84
de pedra, a atestar a presença de um estatuário de mérito. São dignos
da maior atenção, não apenas pela raridade da fatura como pela sua
qualidade. Parece que foram utilizados, em certo tempo, como teias ou
grades de capela e foram, muito mais tarde, reutilizados numa espécie
de coxia ao longo das paredes da nave. Foram retirados, segundo as
informações disponíveis, com as obras concluídas em 1963.
Ao longo do lanco norte, enim, destacam-se os volumes salientes
dos anexos, ainda que truncados, como se disse, com o alargamento
viário que lhe decepou as extensões dos corpos adjacentes. Na pare-
de da nave da banda da Epístola rasga-se um portal com acesso por
simples escada.
Capela-mor
85
ao imaginário-entalhador lisboeta Manuel da Silva. Mostra qualidades
idênticas às do retábulo do Salvador, com um sentido de monumenta-
lidade que o impõe no contexto geral do espaço, digniicando-o com a
força da sua viçosa ornamentação naturalista, com motivos vegetalis-
tas, enrolamentos acânticos, aves e pâmpanos. É peça de nível muito
pronunciado, que a ina decoração pictórica, na camada de douramento
e policromia, vem reforçar. No fecho das arquivoltas, avulta a espada
da Ordem de Santiago, segura por dois anjos.
86
foi bem integrada e é de boa execução, ainda que se notem discre-
pâncias entre essa adjacência, feita de um Estilo Nacional tardio, e a
frescura de entalhe, de miúda iligrana de relevo nos acantos e nos
ornatos lorais, que caracteriza a estrutura retabular. De data posterior,
a mesa de altar é de talha, em forma de urna, com decoração rococó.
A capela-mor é coberta por abóbada de berço redondo, que era
pintada de brutesco. Só subsiste um renque de ornatos a ouro no friso
de entablamento e vestígios diluídos no arco-mestre. Sabemos que
estas pinturas foram encomendadas em 1708 a um pintor oriundo da
Chamusca chamado Baltazar Cardoso, nome até à data absolutamente
desconhecido, que por contrato de 10 de janeiro estabeleceu com o
prior Dr. António Ribeiro de Figueiredo e com os beneiciados da igreja
pintar os tetos da capela-mor e nave, subcoro e sacristia, entre outras
tarefas de pincel, tudo por preço de 180.000 rs 81.
O artista, designado como «Baltezar Cardoso, pintor e morador na
vila da Chamusqua», obrigou-se então a «pintar a capella mor e arco
da dita igreja de brutesco, e que no meio da dita capella lhe pintase
huma tarja com huma gloria de anjos e sua cimalha de embotidos, e
outrossim lhe haver de pintar o corpo da igreja também de brutesco
com seus anjos e festõis de lores e fructos e no meio huma targea
grande e dentro nella o Apostollo Santiago a cavallo como se custuma
pintar em simalha pintada que vão terminando em roda, e assim mais
se obriga a pintar o coro da dita igreja, grade e cadeira, e debaixo
de brutesco e outrossim a escada do púlpito, portas e ginellas…, e a
sacristia». De toda esta magna obra de pincel apenas nos chegaram
parcos vestígios no arco e cornija da capela-mor, e na sacristia, onde
é de Baltazar Cardoso o fresco com um milagre de São Tiago de que
adiante melhor se falará.
É muito possível que, sob a robusta camada de reboco de cal que
cobre a abóbada da capela-mor, exista ainda parte da pintura brutesca
de Baltazar Cardoso. O mesmo já não sucede no teto da nave, que foi
integralmente refeito, segundo os dados de informação disponíveis, a
seguir ao terramoto.
81
Arquivo Distrital de Santarém, Livro nº 253 de Notas de Alberto da Silva, Tabelião de Torres
Novas, ls. 71 vº a 72 vº. Inédito. DOCUMENTO N.º 24.
87
Milagre de São Tiago aparecendo em sonhos ao Bispo Estêvão,
fresco de Baltazar Cardoso, 1708, na sacristia
Capelas complementares
88
Pia de água benta manuelina
89
A abóbada de berço desta antiga capela é formada por dez cai-
xotões de pedra com pintura de brutesco de oiro nas molduras, en-
quanto que as edículas estão preenchidas – numa solução artística
muito inusual – por azulejos de padronagem azuis e amarelos, de
belíssimo efeito decorativo. Também a cornija tem vestígios de uma
decoração de pintura brutesca do meado do século XVII, associada à
obra de azulejaria; por outro lado, a molduragem dos caixotões inclui
um renque de padronagem azulejar da mesma época, criando um
efeito congregador, de sugestiva impressão estética. Trata-se de uma
solução plástica muito interessante de uso do azulejo de padronagem
como elemento catalizador de dinamização da arquitetura, em que é
o azulejo a ocupar o lugar tradicional da pintura para estruturar um
painelado edicular de cobertura.
Infelizmente, nada se conhece, em termos documentais, sobre os
artistas envolvidos nas obras desta capela, podendo presumir-se, po-
rém, que se trate de uma campanha de obras patrocinada pelo próprio
padre Domingos Gil Argulho, em data próxima ao meado do século XVII,
e envolvendo mão-de-obra torrejana no que toca à pintura e também
ao ladrilhamento dos azulejos de padrão oriundos da capital.
A capela foi desmantelada e o seu espaço, truncado tal como hoje
subsiste, com acesso pelo exterior, serve de apoio aos serviços da
paróquia.
90
Na mesma banda, destaca-se o púlpito de caixa em talha dourada,
sem dossel, assente em base de pedra moldurada de bom desenho, é
obra do primeiro terço do século XVIII decorada com ina obra de relevo
de madeira dourada, em que avulta, ao centro, a cruz dos espatários
envolta por entalhe de gordos motivos acânticos.
91
segurança a data em que a decoração barroca foi levada a cabo,
unindo talha, azulejo, imaginária e pintura num espaço restrito mas de
fortíssimo sentido devocional:
92
O culto do Senhor Jesus dos Lavradores de Torres Novas remonta a
eras imemoriais, sendo tradição que a imagem de Cristo cruciicado foi
achada numa escarpa na conluência do castelo83, inaugurando um culto
que desde cedo se estruturou em torno de uma irmandade do mesmo
nome. A confraria foi fundada por «alguns boõns homens morantes na
villa de Torres Novas… e é chamada Confraria dos Lavradores» 84. O
seu Compromisso foi aprovado «nas calendas do mês de Fevereiro da
Era de mil dozentos e cincoenta», que corresponde ao ano 1212 da
era cristã. Esta estrutura corporativista, dominada por lavradores e tra-
balhadores agrícolas da região, teve tombo de propriedades em 1502,
que vem atestar a sua riqueza em termos de bens imóveis reunidos.
A irmandade manteve a sua independência orgânica, organizando as
suas concorridas festas e preservando um culto próprio, de fervorosa
devoção popular, até que em 1578 foi anexada pela Santa Casa da
Misericórdia, com o título de Confraria do Senhor Jesus.
Apesar dessa alteração de tutela, que preservou a autonomia do
culto, a confraria mantém o altar em São Tiago, numa capela funda
da banda direita, privilegiada e isenta da jurisdição paroquial, e con-
tribuiu, com o beneplácito das mesas da Misericórdia, para o seu me-
lhoramento. Este vínculo criou, durante os séculos XVIII e XIX, muitos
conlitos entre os párocos de São Tiago e os provedores e irmãos da
Misericórdia, com demandas e processos judiciais, de que se conhecem
muitos pormenores 85.
Era essa anterior capela de origem quinhentista e tinha uma outra de-
voção. Sabemos que aí repousam o nobre Antão Mogo de Mello Carrilho
e sua mulher, a humanista Ângela Sigeia de Velasco, que foi dama da
corte da Infanta D. Maria, ainda que a lápide sepulcral desses persona-
gens já não sobreviva (ou não seja visível). Será de presumir, pelo que
se conhece do gosto desses cultíssimos mecenas quinhentistas, que a
83
Cf. João Carlos LOPES, Imagens do Homem, imagens de Deus, cat., Museu Municipal,
1996, p. 12. Outras tradições locais, contrariando aquela, defendem que a imagem foi achada
nos campos do Espargal. O que é certo é que a sua descoberta deu lugar a um culto intenso
em toda a região de Torres Novas, ligado à prosperidade agrícola e à proteção dos campos.
84
João Carlos LOPES, Imagens do Homem, imagens de Deus, cit.
85
Artur GONçALVES, Torres Novas, 3ª parte, cap. XIII («O Senhor Jesus dos Lavradores ou
de Sant’Iago»), pp. 325-330.
93
capela tivesse decoração a preceito, dentro dos modelos italianizantes
tão cultuados pelos Mogos Carrilho (que, por exemplo, tiveram no seu
património uma obra do grande pintor maneirista António Campelo a de-
corar o altar do seu oratório de Torres Novas e que está hoje no Museu).
Seja como for, já nada do século XVI subsiste nesta capela.
94
sões cíclicas em honra do Senhor Jesus dos Lavradores continuassem
a ser da responsabilidade da confraria 86. No Arquivo da Misericórdia
de Torres Novas, os livros de contabilidade dos séculos XVII-XVIII
pululam de referências a encargos anuais com a administração desta
capela, lembrando-se, por exemplo, que já em 1679 os padres de
São Tiago tinham reconhecido direitos administrativos à Santa Casa
da Misericórdia na gestão dessa capela, ligada a miraculosos eventos
por causa do culto da sua imagem 87. Os privilégios da Misericórdia
serviram de óbice a que os padres de São Tiago patrocinassem uma
irmandade da Vera Cruz que queria ter sede na capela. Em 1677, a
Misericórdia custeava, por exemplo, as grades da capela e em 1679
decorriam obras na cúpula. Infelizmente, na documentação nada se
diz sobre a obra de pedraria, que proveu a centralização do espaço
com bem lançada cúpula clássica, nem a obra do retábulo barroco ou
o revestimento de azulejos.
Conhecem-se, entretanto, pagamentos de outras «obras miú-
das» nas contas da Misericórdia de Torres Novas, como a que, em
1722, fez a mesa da Santa Casa ao pagar 2.940 rs «do feitio de duas
cabelleiras que se mandaram fazer, huma para o Senhor Jesus de
S. Thiago, e outra para o Senhor dos Passos»88. Também se regista,
em 1737, a obra das gavetas do altar do Senhor Jesus em São Tiago
pelo serralheiro António Francisco e pelo carpinteiro Manuel Antunes,
registada nas contas da Misericórdia89. Em 1741, o provedor da Santa
Casa despendeu «com a Capela do Senhor Jesus de S. Thiago» a
quantia de 24.000 rs «que deu pª ajuda do ouro para se dourar», em
parte de pagamento90. Tratava-se de verba destinada a dourar a obra
de marcenaria retabular (aliás, também prateada, além de dourada) 91,
86
João Carlos LOPES, op. cit., cap. «A Confraria dos Lavradores de Torres Novas», pp. 20-22.
87
Treslado citado em Arquivo Histórico da Misericórdia de Torres Novas, Livro de Receita e
Despesa da Misª de 1705-1706 (nº 57), l. 181. O contrato em causa data de 11 de Junho de
1679. Inédito.
88
Arquivo Histórico da Misericórdia de Torres Novas, Livro de Receita e Despesa da Misª de
1722-1723 (nº 73), l. 152. Inédito.
89
Idem, Livro de Receita e Despesa da Misª de 1736-1737 (nº 83), l. 182 vº e segs. Inédito.
90
Idem, Livro de Rec. e Despesa da Mizª, 1741-42 (nº 88), l. 223 vº. Inédito.
91
Informam-me os técnicos de conservação e restauro da irma Capitellum que a talha desta
capela foi sobretudo prateada, usando o subterfúgio da mistura da prata com goma arábica
para criar o mesmo efeito do douramento que, na realidade, não foi usado.
95
envolvendo a imagem do Senhor Jesus, pois o altar sofrera entretanto
novas modiicações, assim como o revestimento de talha da cúpula.
Em 1752, o pintor Bernardo Delgado Valente recebe da mesa da Mi-
sericórdia duas pagas de 9.600 rs cada, para pintar de ouro o altar e
capela do Senhor Jesus, em São Tiago, depreendendo-se que se trata
ainda desse trabalho de dourado da estrutura barroca do altar e teto 92.
Esta capela abre para a nave com monumental pórtico de pedraria
clássica, algo desproporcionado, com frontão triangular unido por pi-
lastras ao entablamento, e é vedada por um portão em ferro fundido.
O retábulo é obra de boa talha dourada de Estilo Nacional, com o seu
vão central envolto por par de colunas e arquivolta, onde se admira a
famosa imagem em madeira pintada do Senhor Jesus dos Lavradores.
Esta escultura tem caraterísticas de fatura quatrocentista, ainda que
desfavorecida pela cabeleira hodierna que lhe cobre a cabeça e deixa
invisível a modelação dos cabelos. O tratamento do torso acentua a
pose ascética da imagem. Era (e é) com essa cabeleira que a imagem
sai, com frequência, nas procissões. Talvez essa e outras excrescên-
cias, bem como os repintes, tenham levado alguns autores a julgar,
erradamente, que a imagem era já setecentista 93.… O vão do retábulo
inclui um raiado de entalhe dourado que envolve o torso desnudo da
imagem de Jesus Cristo e lhe acentua o carácter devocional.
96
No solo desta capela, jaz o Beneiciado João Rodrigues Rogeiro
(de seu nome completo) numa lápide sepulcral datada de 1692, data
que, para o Engº Santos Simões 94, bem deve ser a dos azulejos que
forram as paredes. A capela tem uma valiosa decoração de azulejos que
forram integralmente as paredes e o intradorso da serventia. Trata-se
de grandes painéis de pintura azul sobre esmalte branco, que Santos
Simões aproximou do estilo de Gabriel del Barco «ou de pintor coevo
e da mesma escola» 95, sendo a data de 1692, que é visível na lápide
colocada do lado esquerdo, a cronologia de fatura.
A composição é muito original e mereceu profunda análise e elo-
giosa referência a José Meco 96, que identiicou taxativamente a obra
como das mãos deste grande mestre pintor de azulejos do inal do
século XVII, autor de alguns dos melhores revestimentos da azulejaria
portuguesa da época de D. Pedro II, desde os da capela-mor da Igreja
de São Bartolomeu da Charneca do Lumiar (1696), aos da igreja de
Nossa Senhora dos Prazeres em Beja (1698), aos da nave da Igreja
de São Tiago de Évora (1699-1700), ao monumental conjunto da igreja
do convento dos Lóios de Arraiolos (1700), aos da Sala da Irmandade
do Santíssimo Sacramento na igreja de São Mamede em Évora, to-
dos estes assinados, e ainda os azulejos da antiga capela de Nossa
Senhora da Conceição no Convento da Serra d’Ossa e, entre outras
obras que serão já de Barco com apoio oicinal e em colaboração com
epígonos, os da capela-mor da igreja do Sardoal, perto de Abrantes (c.
1701-1703). Crê José Meco, enim, que a monumental Vista de Lisboa
em azulejos do Museu Nacional do Azulejo, de cerca de 1700, é uma
das últimas obras produzidas por Gabriel del Barco 97.
A obra azulejar de Gabriel del Barco impõe-se na segunda metade
do século XVII e acompanha, sempre com originalidade, três momen-
tos distintos da história da arte nacional: entre 1665 e 1675 intervém
no movimento da produção cerâmica dominada pelo uso intenso da
94
João Miguel dos SANTOS SIMÕES, Azulejaria em Portugal no Século XVIII, Lisboa, Fun-
dação Calouste Gulbenkian, 1979, pp. 357-358.
95
Idem, ibidem, pp. 358-359.
96
José MECO, O Azulejo, Publicações Alfa, Lisboa, 1989, p. 67.
97
Sobre este painel, está a decorrer um grande projeto de investigação interdisciplinar, com
inanciamento da F.C.T., coordenado pelo Prof. Doutor Pedro Flor.
97
policromia; entre 1675 e 1685, quando os painéis igurativos passam
a usar o azul e branco, com forte contorno a manganês, Barco realiza
obra marcante e original, na vanguarda do processo; enim, de 1685
a 1700, ele assume o azul e branco numa evolução que reforça o
domínio do claro-escuro com soluções eruditas ao nível do desenho,
da integração na arquitetura e da cenograia geral, mais ou menos
teatralizante. No último decénio do século XVII, o panorama azulejar
português foi marcado por dois cumes em uníssono: a atividade ma-
dura de Gabriel del Barco e o início da carreira cerâmica do grande
António de Oliveira Bernardes, o mais célebre pintor de azulejos do
século seguinte. Se o desenho de igura de Barco é solto e por vezes
algo fruste na modelação anatómica e nas proporções, é uma cons-
tante neste ceramista a busca de focos de dinamização e de eicácia
das cenas representadas, que o caracterizam de maneira facilmente
reconhecível. Barco seguiu, de modo incessante, os mesmos modelos
e fundos, numa pintura cheia de força comunicativa no uso pictórico do
azul cobalto de forma sempre «espontânea e livre», como considerou
a propósito José Meco, conseguindo criar «notáveis realizações de
tipo impressionista através das gradações expressivas do azul e das
marcas dramáticas das manchas mais intensas» 98.
A decoração cerâmica desta capela de Torres Novas é seguramente
obra dos pincéis de Barco, no essencial das composições igurativas
e envolvimentos das cercaduras ornamentais, e mostra as referidas
potencialidades do artista na visão cenográica, na pintura e na aplica-
ção integral de um espaço com recurso ao azulejo. Em cada uma das
paredes, admira-se uma igura de atlante, ao centro, suportando uma
cartela barroca ladeada por dois anjos tenentes. As cenas religiosas
representam a Flagelação de Cristo, à esquerda, e a Coroação de
Espinhos, do lado direito, ambas envoltas por molduras ingidas de
arquiteturas sinuosas e iguras de anjos. O artista segue modelos de
gravuras ítalo-francesas, como era usual ao tempo, mas com grandes
liberdades na explanação dos modelos, como foi corrente ao longo da
sua carreira.
Sobre a porta de serventia da capela, representa-se, também em
98
José MECO, O Azulejo, Publicações Alfa, Lisboa, 1989, p. 45.
98
azulejo, o Pano da Verónica e dois Anjos com emblemas da Paixão de
Cristo e nos intradorsos admiram-se atlantes, festões e fruteiros, típicos
da linguagem estilística de Gabriel del Barco. Na parede fundeira atrás
da estrutura acrescentada de talha que envolve o altar-mor, um reves-
timento de azulejos em manchas de roxo a manganés atesta, ainda, a
intervenção deste pintor no que constitui um adequado ‘ingimento’ de
marmoreado, colocado a seguir ao revestimento de azulejos historiados.
99
Gabriel del Barco, O Senhor da Cana Verde e O Senhor preso à coluna,
pinturas de azulejo, c. 1692
100
data posterior a 1755 um esforço de harmonização com a talha barroca
do altar na parte inferior da capela – tendo-se para isso coberto uma
notável pintura a têmpera, de perspectiva ilusionística, que havia sido
pintada alguns decénios antes...
Foi sob todos os pontos de vista surpreendente que no recente
processo de restauro da capela do Senhor Jesus dos Lavradores tenha
sido posta a descoberto essa pintura ilusionística, que envolve toda a
superfície da cúpula e onde se vêem arquiteturas ingidas, varandins,
balaústres, meninos assentes nos ângulos dos nichos que abrigam
iguras com símbolos da Paixão de Cristo, iguras estas trajando à
oriental, com turbantes, um deles segurando a lança, outro a escada,
outro o que parecem ser os cravos, ou outros atributos, e um quarto
já de leitura impercetível. Legendas latinas muito gastas parecem
identiicar duas destas iguras como José de Arimateia e Nicodemus.
Trata-se de obra de muito boa qualidade pictórica, e que, apesar de
algumas perdas irreparáveis, se encontra ainda – o que surpreende
mais – com grandes extensões em estado apreciável de conservação!
Estamos perante um exemplar derivado das novidades de ‘quadra-
tura’ introduzidas na arte portuguesa, por volta de 1700, com a chegada
do lorentino Vincenzo Baccarelli e o seu teto da portaria do Mosteiro de
São Vicente de Fora, que abriu uma solução alternativa à tradição do
brutesco nacional com artistas como António Pimenta Rolim, António
Simões Ribeiro e Vitorino Manuel da Serra 100. Face a esta pintura de
perspetiva arquitetónica datável dos anos 30 do século XVIII, onde o
desenho é seguro, a ciência de ‘quadraturismo’ bem assumida, e o sen-
timento cromático fresco e luminoso, ica a impressão que o programa
artístico desta capela – custeado pela Santa Casa da Misericórdia e
pelo benfeitor, o Beneiciado João Rodrigues Rogeiro – foi pensado ao
pormenor, em uníssono no que toca às obras de azulejaria, de talha e
100
Sobre o uso da quadratura ilusionística na pintura portuguesa cf., entre outros, Magno
Moraes MELLO, A Pintura de Tectos em Perspectiva no Portugal de D. João V, ed. Estampa,
Lisboa, 1998; Vítor SERRãO, O Barroco, ed. Presença, Lisboa, 2004; Giuseppina RAGGI,
Arquitecturas do Engano: a longa conjuntura da ilusão. A inluência emiliana na pintura de
quadratura luso-brasileira do século XVIII, tese de Doutoramento, Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa, 2005; e Victor dos REIS, O ‘Rapto do Observador’: invenção, repre-
sentação e percepção do espaço celestial na pintura de tectos em Portugal no século XVIII,
tese Doutoral, Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, 2007.
101
de pintura cupular. Mas não se percebe o que levou a administração
da capela a mandar cobrir a decoração pictural da cúpula, poucos anos
volvidos sobre a sua fatura…
É de lamentar a ausência de documentação esclarecedora sobre
os artistas envolvidos (salvo Gabriel del Barco, cuja presença está
estilisticamente documentada com toda a segurança), mas leva a pen-
sar na passagem do pintor italiano Orazio de Ferri pela vila de Torres
Novas, que – coincidência ou não – dera entrada na Irmandade de São
Lucas, em 1731, por mão de um discípulo de Baccarelli, João Nunes de
Abreu… Apesar de ter vingado o critério de recolocar o revestimento de
talha da cúpula, dadas as perdas sofridas na pintura (voltando a tapá-la
depois de tratada), é certo que o património de Torres Novas ica mais
enriquecido com este achado, e bem andaram os responsáveis em
deixar testemunho da descoberta através de diaporama esclarecedor.
Continua a ser misteriosa a razão que levou a que, em dado momento,
a pintura de perspetiva fosse coberta.
Pintura ilusionística da cúpula, segundo quartel do século XVIII, por Orazio de Ferri
102
Sacristia e outros espaços
101
Joaquim Rodrigues BICHO, op. cit., p. 134, remete para uma notícia no jornal O Almonda,
de 7 de Janeiro de 1956, onde se narra a descoberta dessa pintura, sob grossa camada de
cal, no dia 22 de Abril de 1927.
103
atributos jacobeus, e pela modelação naturalista dos panejamentos,
parece recordar, tanto quanto as imagens deixam perceber, as obras de
Diogo Pires-o-Velho 102. Este escultor coimbrão (pai e mestre de Diogo
Pires, o Moço, que se destacará na fase manuelina) esteve ativo entre
1473 e 1513, e deixou obra notabilíssima em Leça da Palmeira, onde
a Virgem com o Menino (1481) está bem documentada, o Cristo da
igreja Matriz de Vouzela, o túmulo do 1.º Marquês de Valença e Conde
de Ourém na Colegiada de Ourém (c. 1485) e o de Fernão Teles de
Meneses (c. 1471) na igreja do Mosteiro de São Marcos. Existem várias
imagens de São Tiago, como a da igreja de São Pedro de Palmela,
que se atribuem a Diogo Pires-o-Velho 103.
Também se expõe na sacristia outra escultura de São Tiago, esta
de madeira e de menor mérito, bem como um grupo escultórico em
madeira estofada e pintada com São José e o Menino em trabalhos de
carpinteiro, que alia o inusual da representação à excelente qualidade
do modelado; esta última é peça erudita, do meado do século XVIII,
acaso de imaginário lisboeta 104. Ainda nesta sacristia, expõem-se duas
boas telas setecentistas (São Brás e Santa Catarina de Alexandria),
diversos paramentos litúrgicos guardados nos paramenteiros dos ar-
cazes, dois belos potes de porcelana chinesa, um deles com fragmen-
tação da boca 105, um Cristo de marim de bom lavor, e um lampadário
de prata, estilo D. João V, procedente da capela-mor.
102
Sobre este grande escultor de calcário e de madeira, cf. Reynaldo dos SANTOS, A Escul-
tura em Portugal, vol. I, Lisboa, 1948; Pedro DIAS, Uma escultura de Diogo Pires-o-Velho em
Vouzela, Universidade de Coimbra, 1979, Lurdes CRAVEIRO, «Diogo Pires-o-Velho», cat. da
exp. Feitorias - L’art au Portugal au temps des Grandes Découvertes (in XIVe siècle jusqu’à
1548), Catálogo realizado no âmbito da Europália - 91, Bruxelles, 1991, pp. 158-161 e 167,
e Carla Varela FERNANDES, Imaginária Coimbrã dos anos do Gótico, tese de Mestrado,
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Lisboa, 1997, e Mário Jorge BARROCA,
«Escultura Gótica», in História da Arte em Portugal. O Gótico, direção de Carlos Alberto
Ferreira de Almeida e Mário Jorge Barroca, Lisboa: Editorial Presença, 2002, pág. 177-179.
103
Fernando António Baptista PEREIRA (coord.), A Ordem de Santiago – Arte e História, Câ-
mara Municipal de Palmela, 1990, e Vitor SERRãO e José MECO, Palmela Histórico-Artística.
Um inventário do Património concelhio, C.M. Palmela e Ed.Colibri, 2007.
104
Gustavo de Matos SEQUEIRA, Inventário Artístico de Portugal. Distrito de Santarém, cit.,
1949, p. 135, dá destaque a esta peça, cuja imagem reproduz, dizendo que estava no altar-mor.
105
Gustavo de Matos SEQUEIRA, Inventário Artístico de Portugal, cit., p. 135.
104
São José e o Menino em trabalhos de carpinteiro,
grupo escultórico estofado e policromado, anónimo,
de meado do século XVIII
105
limpos os elementos pétreos dos arcos, instalado sistema de segurança
contra incêndio e intrusão, construída nova porta principal conforme a
anterior, decapadas as portas interiores, guarda-vento e balaustrada
do coro alto, pintado o templo interior e exteriormente.
Tal como nas igrejas do Salvador e de S. Pedro, as obras são com-
participadas pelo QREN.
106
III. Igreja de São Pedro
Notícia histórica
106
Artur GONçALVES, Torrejanos Ilustres, 1ª ed., 1933, pp. 60-65; idem, Mosaico Torrejano,
1ª ed., 1936, p. 350; idem, Anais Torrejanos, 1939, p. 22.
107
Francisco de Arez e VASCONCELOS, Memorias da Vila de Torres Novas, manuscrito sete-
centista da Academia das Ciências de Lisboa (Gab. 5, gav. 18, maço 5), atesta esta fundação
da capela da Santíssima Trindade pelo senhor do morgado dos Pimentéis.
108
No início do século XX, o Conde de Nova Goa, na qualidade de herdeiro dos instituidores
da capela e morgado dos Pimentéis, ordenou que se colocasse sobre a porta que comunica
para a igreja uma lápide de mármore alusiva ao Frei João Rodrigues Pimentel.
108
1375
O MAGNIFICO E MUI NOBRE
JOÂO ROIZ PIMENTEL
QUE DEPOIS DE VIUVO
FOI MESTRE DE AVIZ
E A NOBRE SENHORA
ESTEVAINHA GONçALVES PEREIRA
SUA MULHER
PRIMEIROS INSTITUIDORES
DESTA CAPELA
JAZEM AQUI SEPULTADOS
109
em que Torres Novas assumiu papel preponderante 109. Este acordo
de aceitação do casamento foi concomitante com as cortes realizadas
em Sória pela nobreza e clero castelhanos 110.
Outra capela coetânea da fundação da igreja era a do padre Martim
Vaz, que se instituiu na igreja à data da morte de D. Fernando (1375), o
que mais uma vez atesta, com segurança, a época exata da fundação.
Apesar do seu laconismo, o pároco que redigiu, em 1758, a notícia da
igreja para as Memórias Paroquiais, atesta este facto 111.
Sabemos que a igreja foi a mais afetada, de todas as da vila, pelos
efeitos do megassismo de 1755. O bairro onde se ergue São Pedro
tem uma falha sísmica e diz-nos Artur Gonçalves que as duas torres
ruíram, tendo o templo icado de tal forma daniicado (tal como muitas
casas da freguesia) que esteve encerrado ao culto durante quase um
século 112. Manteve contudo, ao contrário das outras igrejas paroquiais
torrejanas, a sua estrutura gótica de três naves, com quatro tramos,
que chegaram até hoje, que lhe confere um peril medievalizante.
Também se documentam grandes obras na igreja patrocinadas por
volta de 1700 pelo padre D. António Pimenta, a que aludia uma lápide
aposta à antiga capela-mor. Das obras patrocinadas e dinamizadas por
esse benemérito pároco, que se fez enterrar na capela-mor em vistosa
sepultura (obra do mestre Domingos Alves), conhecem-se dados pre-
cisos sobre a fatura do retábulo barroco e da sua tribuna (cujo trono e
sacrário serviram de modelo ao de São Tiago, da autoria do entalhador
Manuel Ferreira). Também se documenta a grande decoração de dou-
ramento da talha e da pintura decorativa de brutescos da capela-mor e
corpo, da autoria de Pedro Coelho Taborda, que foi encarregado de a
fazer, em 1703, por excepcional preço de 950.000 rs 113 . A capela-mor
109
Joaquim VERÍSSIMO SERRãO, História de Portugal, vol. I, 1080-1415, ed. Verbo, Lis-
boa,1977, pp. 285 e segs.
110
Maria Emília Cordeiro FERREIRA, «Cortes de Torres Novas, 1380», Dicionário da História
de Portugal, dirigido por Joel Serrão, vol. IV, 1971, p. 177 e segs.
111
A.N.T.T., Dicionário Geográico de Portugal, vol. 37, p. 850. É de referir sempre, e lamentar,
que os párocos de São Pedro e de São Tiago tenham escrito tão pouco a respeito das suas
paróquias, ao contrário do que fez o Padre Margalho, prior do Salvador.
112
Artur GONçALVES, Mosaico Torrejano, cit., pp. 350-351.
113
Arquivo Distrital de Santarém, Livro nº 247 de Notas de Custódio Pimenta de Avelar, António
Ramos Preto e João Lopes Ferreira, Tabeliães de Torres Novas, ls. 25 a 26 (documento muito
arruinado). Inédito. DOCUMENTO Nº 23.
110
foi toda ela alterada (apenas mantendo o revestimento de azulejaria de
padronagem), quando o culto foi reposto, com seu retábulo neoclássico
e os marmoreados ingidos de revestimento, tendo os vestígios da cam-
panha barroca patrocinada pelo padre António Pimenta desaparecido
quase por completo, salvo alguns vestígios de pintura mural a ouro que
persistem nos iletes da arcatura gótica das naves.
Poucos anos depois, em 1722, o mestre pedreiro Luís da Silva vem
de Lisboa cumprir um vasto programa de obras de modernização na
fachada e nas torres, de que restam a fachada que lança para o largo
de São Pedro, com o seu pórtico datado de 1723 (que deveria ser,
como especiica o contrato, conforme o da Ermida de Nossa Senhora
da Luz da vila), e outros importantes vestígios estruturais que então
se ergueram 114.
A ruína causada pelo terramoto de 1755 foi, como se sabe, extensa,
interrompendo o serviço de culto e abrindo um longo período em que
o templo fechou para obras sempre adiadas…
Também as invasões francesas depauperaram a igreja, que foi
espoliada do seu tesouro de pratas e alfaias. Ainda em 1834 a Rainha
D. Maria II se referia, numa carta, ao estado de «grande indecência»
em que se encontrava o templo. As obras do século XIX recuperaram
o culto, mas a verdade é que São Pedro perdera muito da sua riqueza
quanto a equipamentos artísticos.
Em 1873, a igreja estava a ameaçar ruína e sofreu reparações de
vulto entre 26 de outubro desse ano e 11 de janeiro de 1874, mas a
fragilidade das estruturas manteve-se, e o abalo sísmico de 1909, que
muito afetou o bairro de São Pedro, fendeu de alto a baixo a torre da
igreja e aluíu várias pedras da capela-mor, obrigando a novas obras.
Em 1965, quando pároco o Padre Joaquim José Búzio, a igreja foi
sujeita a notável remodelação. Graças à aquisição de pequeno logra-
douro, o pórtico poente, de cantaria lavrada nas ombreiras e na verga,
foi desobstruído e criado um acolhedor átrio calcetado, protegido por
grade e portão de ferro fundido, feitos do gradeamento que dividia as
naves da igreja entre si e a meio as laterais. Foram também retirados o
114
Arquivo Distrital de Santarém, Lº 276 de Notas de Hilário Rodrigues Martins, Tabelião de
Torres Novas, ls. 192 vº a 194. Inédito. DOCUMENTO Nº 27.
111
guarda-vento, o portão que defendia o batistério, o púlpito e a escadaria
de acesso adossados à penúltima coluna esquerda, o altar maior e os
altares colaterais de Nossa Senhora de Fátima e de Nossa Senhora
da Soledade. Foi ainda aplanado e recoberto o pavimento de tacos de
bissilon, pintado o teto, construídos dois confessionários encastrados
nas paredes, instalado o altar da celebração e o ambão de madeira,
substituídos os quadros de Via-Sacra por cruzes de madeira, ixadas
duas mísulas de pedra na parede que envolve o arco, instalados ban-
cos de bissilon, e – enim – foi vedado o trono por cortinado franzido
de veludo azul a servir de fundo ao Cristo Cruciicado sobre lenho que
se encontrava no altar de Nossa Senhora da Soledade e pertencera à
capela do Colégio de Jesus, Maria e José.
Com a vinda do Padre Frutuoso Duarte Matias, em 1975, a igreja
sofre duas novas intervenções. A primeira, logo de início, dota-a de
lambrim de madeira e do painel da Coroação de Nossa Senhora, trazi-
do do internato do Colégio Diocesano de Andrade Corvo, mas oriundo
da capela dos Anjos e propriedade da Fábrica da Igreja Paroquial de
Santiago, e das quatro referidas telas barrocas de um seguidor de
Bento Coelho da Silveira, bem como das quatro tábuas quinhentistas
procedentes da igreja do Salvador. Estas oito peças encontravam-se
em depósito no Museu Municipal Carlos Reis. A segunda intervenção
visou, sobretudo, obras de conservação e pintura parietal.
112
Arquitetura
113
Também na frontaria, à direita, uma porta mais pequena de entrada
no templo é encimada por uma lápide que reza assim:
115
Arquivo Distrital de Santarém, Lº 276 de Notas de Hilário Rodrigues Martins, Tabelião de
Torres Novas, ls. 192 vº a 194. Inédito. DOCUMENTO Nº 27.
114
poente, mantendo incólume o aparelho medieval intestino, com «a pa-
rede da empena redeicada, donde não estiver segura», e embelezando
«a simalha da parte da rua de pedraria da terra», comprometendo-se
também a subempreitar e visionar a obra de carpintaria dos forros da
igreja, com pinho de Leiria, ripas de castanho da Flandres, seguindo
a esse propósito o forro da igreja de São Tiago.
Capela-mor
115
a coloração pálida deste conjunto azulejar, considerando esse facto
«mais uma prova da decadência do azulejo polícromo, visto que este
deve ser já muito dos ins do século XVII, cerca de 1690» 118.
Acima das portas da sacristia encontram-se pequenos azulejos
de pintura azul sobre esmalte branco, já do início do século XVIII e
da campanha custeada pelo prior D. António Pimenta, representando
a Tiara e as Chaves, símbolos do padroeiro desta igreja. Na parede
fronteira, a pedra de armas dos Pimentéis, assinalando a serventia
que outrora dava acesso à capela da Santíssima Trindade. Existiu,
como se disse, uma lápide alusiva à campanha de obras barroca da
era pedrina, devida à campanha do pedreiro Domingos Alves, a qual
ainda foi vista por Artur Gonçalves e que dizia o seguinte:
118
Idem, ibidem, p. 173.
116
de assinalar uma imagem estofada de Nossa Senhora da Conceição,
de mérito artístico, e um Cristo na Cruz que veio da capela dos Mogos
Carrilhos.
Corpo do templo
117
coro sobrepujava-se ao portal setecentista, com frontão em forma de
chaveta, que icou assim mais visível. Num dos pilares, integra-se uma
pia de água-benta, muito singela. A capela batismal, com sua pia de
pedra facetada, tem o seu arco redondo, de ressonâncias quinhentis-
tas, e uma grande pintura mural de fatura recente (de autoria do pintor
Vladimiro Onica, do atelier Capitellum), que representa o Batismo de
Jesus.
Nas paredes que ladeiam o arco triunfal, de forma semicircular,
assente em pilastras dóricas, rasgam-se nichos de vão em forma de
arco quebrado.
Antes do terramoto de 1755 existiam na igreja sete altares, que
foram depois desmantelados: além do altar-mor (substituído), havia
quatro altares escalonados do lado do Evangelho (com a titulação,
respectivamente, de Nossa Senhora da Conceição, de São José 119,
das Almas do Purgatório 120 e do Senhor Jesus 121), dois do lado da
Epístola (de Nossa Senhora da Soledade e de São Bento 122). Tudo
desapareceu com a desditosa sorte deste templo em fases largas do
seu historial, fruto de catástrofes, de iconoclastias, de abandono, de
geral desprezo e desinteresse…
As 3 janelas da nave voltadas a sul receberam, no início de 2009,
a oferta de vitrais, pintados por D. Maria Amélia, da Vitral d’Arte, sita
em Vilar dos Prazeres, com temas alusivos à vida de S. Pedro (com a
Pesca Milagrosa, a Entrega das Chaves, e o Martírio na Cruz invertida),
intensamente coloridos e com singela inspiração em modelos de Rafael
de Urbino, de Caravaggio e de outros autores clássicos.
A campanha de beneiciação da igreja em 2010 permitiu pôr a des-
coberto, no lugar outrora ocupado pelos altares colaterais, vestígios
119
Esta capela foi fundada pelo Beneiciado João Rodrigues Rogeiro em 1693.
120
Para este altar se fazia em 1597, como vimos, retábulo de madeira, da autoria de Martim
Rodrigues, entalhador de Lisboa.
121
Esta capela foi fundada pelo Beneiciado José Cardoso, vigário da vara em Torres Novas,
em 1671.
122
Nesta capela jazia o Beneiciado Francisco Pimenta do Avelar (fal. 1528), que foi um dos
seus beneiciadores. Em 1722, a Irmandade de Nossa Senhora da Piedade de Nossa Se-
nhora do Vale obrigou-se a fazer retábulo, visto a capela o não ter decente (Arquivo Distrital
de Santarém, Lº 283 de Notas de Martinho Pimenta do Avelar Castelo-Branco, Tabelião de
Torres Novas, ls. 156 vº a 157 vº. Inédito).
118
imponentes da antiga igreja: à esquerda, parte de um arco de tijolo,
de estilo mudéjar; e, da banda oposta, um arco gótico, do século XV,
semi-entaipado mas visível, de modo a testemunharem, ambos, a an-
cianidade desta igreja. É ainda desentaipada a escadaria de acesso
à torre poente com seu portal trecentista e insígnias dos Templários
na abóbada.
O interior do templo está decorado, aliás, com outras boas pinturas
antigas de diversa procedência, que tornam a igreja de São Pedro uma
espécie de museu de arte sacra.
Na nave direita, encontram-se, em lugar alto e de menos fácil obser-
vação, as quatro já muito referidas tabuínhas tardo-renascentistas da
«escola» lisboeta de Diogo de Contreiras (representando São Jorge a
combater o dragão, Santa Marta, Santa Apolónia e São Filipe, todas com
as dimensões aproximadas de 680 x 370 mm), pintadas cerca de 1550-
-1560 e oriundas da antiga capela de São Jorge, no Salvador.
Melhor colocação têm as quatro telas barrocas que se apuseram
na nave da esquerda, vindas da ermida de Nossa Senhora dos Anjos,
e que representam os Esponsais da Virgem, a Anunciação, a Adora-
ção dos Pastores e a Adoração dos Magos. Durante algum tempo,
estas telas (que medem 980 mm de alto e 1250 mm de largura) foram
consideradas do inal do século XVI e estiveram atribuídas ao pintor
tenebrista Bento Coelho da Silveira (cuja atividade para o Salvador
e para a Misericórdia é bem conhecida); atualmente, defende-se que
estas telas sejam já do início do século XVIII (cerca de 1710) e de
um seguidor de Coelho chamado António Machado Sapeiro. Este
Machado Sapeiro é hoje melhor conhecido depois do restauro das
duas telas que pintou em 1710 para as paredes laterais da capela-
-mor da igreja matriz de Camarate, e das que decoram o corpo da
igreja dos Anjos em Lisboa, que mostram o estilo de um artista muito
preso aos modelos igurativos de Bento Coelho, mas com um reper-
tório diversiicado, e mais duro de desenho, o que permite distinguir
a sua personalidade.
As telas de Torres Novas serão, a meu ver, obra deste artista, um
sequaz de Bento Coelho que deu entrada na Irmandade de São Lucas
em 1704, que em 1708 pintou um elogiado retrato de D. João V e que
119
faleceu por volta de 1740 123. Os quadros mostram qualidades de pincel
e repertórios formais próximos do estilo de Sapeiro. A sua valorização
estética é marcada menos no tipo das iguras, que são algo duras, e
mais nos pormenores acessórios, como sejam os loreiros, breviário,
peças de ourivesaria e lavoura, etc., que revelam maiores apetências
do artista pelo tratamento de detalhes naturalistas complementares.
São esses pormenores que mais valorizam estas telas barrocas, como
é o caso do vaso de lores, de excelente e solta execução, e do exótico
tapete oriental, que ornam a tela da Anunciação.
123
Sobre Machado Sapeiro, cf. Cyrillo Volkmar MACHADO, Collecção de Memorias…, Lisboa,
1823 (2ª ed., Coimbra, 1922); Nicolau BORGES, O Hospital Termal das Caldas da Rainha –
Arte e Património, dissertação de Mestrado, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,
1998; e Vítor SERRãO, in Cat. da exposição Bento Coelho e a cultura do seu tempo, IPPAR,
1998, refª p. 62 e nota 5.
120
Sacristia e outros espaços
124
Segundo observa Joaquim BICHO, op. cit., p. 141, este Menino Jesus não pertencia ori-
ginariamente à imagem de Santo António.
121
Sobre o estado em que se encontrava e os trabalhos realizados, diz
o arquiteto Francisco Varanda Gonçalves, autor do projeto de restauro,
do novo espaço celebrativo e da interessante peça de escultura de
Cristo em aço no átrio remodelado:
“Quando em Março de 2010, se arrancaram as primeiras peças do
forro, veriicou-se que a estrutura de suporte da cobertura estava em
risco devido ao mau estado e ao desvio das paredes mestras que a
suportava.
Feito o diagnóstico das situações de risco, elaborou-se um projeto
de estabilidade para a cobertura, e desmontaram-se telhas e asnas,
e demoliram-se alvenarias e cornijas, aim de evitar a derrocada de
elementos pesados na nave.
Com o arranque da obra de substituição de todo o telhado, foram
icando a descoberto outras feridas. E foram icando a descoberto
elementos arquitetónicos e pictóricos peculiares que há muito não
viam a luz do dia. Durante longos anos, as múltiplas capas de cal e
tinta não nos permitiam atestar toda a sua beleza. Em suma, acabou
por se revelar urgente e inadiável a profunda reabilitação do templo.
Toda esta operação, que teve conselho e acompanhamento técnico
do engenheiro Luís Silva, demorou cerca de oito meses.
Em traços largos, resumem-se os trabalhos realizados: vigas e
lintéis de travamento em betão armado, estrutura metálica do telhado,
painel de isolamento térmico e telhas; aplicação de forro em madeira
de casquinha; consolidação das paredes e cobertura da capela-mor, e
substituição das cantarias e cruz da cabeceira; remoção do coro alto,
mal apoiado em duas pilastras da nave, e eliminação do confessionário
encastrado na parede exterior; substituição integral dos rebocos interio-
res por argamassas de cal em pasta, com prévia remoção do lambrim
de madeira; decapagem do esmalte cinzento de todos os elementos
de pedra (pórtico da entrada, colunas da nave, arco triunfal e cornija
da capela-mor); construção de todo o conjunto sobreelevado do altar
em pedra, incluindo os elementos das liturgias – mesa da Eucaristia e
ambão; recuperação e pintura do retábulo e da abóbada da capela-mor,
enriquecida com uma pintura da imagem de S. Pedro; recuperação e
pintura do batistério com a cena do batismo de Jesus nas águas do
Jordão; instalação de novas infra-estruturas: rede eléctrica e iluminação,
122
equipamentos de som, e de segurança; adro de entrada, com novo
pavimento e parede em pedra, cruciixo em aço corten e, ao fundo,
uma nova instalação sanitária.
Esta intervenção veio revelar algumas surpresas de interesse
arquitetónico e arqueológico: entre outras, a descoberta de um arco
ogival pelo qual se acede a uma escadaria em túnel que ligava a uma
primitiva torre.
Foi ainda descoberta, e depois recuperada, a decoração pictórica
dos arcos da nave, formando frisos de requintada elegância”.
Antes de 1965, era de 541 m2 a superfície total coberta e de 157 m2
o logradouro. Mas as obras daquele ano acrescentaram-lhe o átrio de
entrada poente e as de 2010 quase eliminaram o logradouro.
123
124
IV. Edifício São Pedro
Obras recentes (2007/2010)
126
No essencial, toda a volumetria e material de cobertura preexistente
foram respeitados, isto é, o número de águas e os ângulos das pen-
dentes do telhado, os elementos emergentes (trapeiras e chaminé) e
os revestimentos, preservam a mesma leitura da construção original.
De facto, a estrutura de suporte da cobertura, que era constituída
por madres e varas de madeira, encontrava-se parcialmente destruí-
da e em muito mau estado. A solução encontrada exigia que a nova
estrutura fosse leve, resistente e de rápida execução.
Optou-se então por uma estrutura ligeira de peris de aço galvani-
zado perfurado que, assente num simples lintel de betão armado sobre
as paredes resistentes, recebe e acomoda as telhas cerâmicas”.
Antes da intervenção
127
V. OS ARTISTAS ENVOLVIDOS NAS
OBRAS DAS TRÊS IGREJAS PAROQUIAIS
125
Segundo uma denúncia à Inquisição em 1549, Pedro de Frias tinha oicina em Alfama e
vários discípulos a trabalhar com ele, um deles o borgonhês Pedro Delsey, que depôs contra
um seu compatriota por «não crer nas imagens sagradas» (Francisco Marques de SOUSA
VITERBO, Diccionario Histórico e Documental dos Architectos, Engenheiros e Constructores
Portuguezes ou a serviço de Portugal, 1ª série, Lisboa, 1899, p. 570.).
129
desse trabalho a outro colega imaginário, o mestre lamengo Estácio
Matias 126.
Também não se incluem nas páginas de biograias que se seguem,
nem o pintor Álvaro Mendes, que vivia no inal do século XV com oicina
instalada na vila 127, nem a ilustre mecenas das artes e pintora ama-
dora D. Maria Guadalupe de Lencastre e Cardenas, senhora da Casa
de Aveiro, que viveu em Torres Novas, foi «juíza» (isto é, presidente)
da Irmandade de São Lucas de Lisboa, em 1659, como tal votada
em homenagem dos pintores aos seus dotes e sensibilidade, e foi,
ainda, protetora de Félix da Costa Meesen, que em 1696 lhe dedicou
o tratado Antiguidade da Arte da Pintura (manuscrito da Biblioteca da
Universidade de Yale) 128.
Quanto ao grande pintor maneirista António Campelo, cuja atividade
para o oratório dos nobres Mogos Mello Carrilho está bem apurada 129,
não consta que passasse por Torres Novas, onde todavia existe um
famoso quadro seu. O mesmo se passa com o pintor Cristóvão Vaz,
artista ao serviço da Infanta D. Maria, que em data recente se apurou
ser autor da tábua da Fuga para o Egito existente no coro da igreja
do convento do Carmo, que veio do extinto Convento de Santo Antó-
126
Sabemos que Pedro de Frias, escultor e cavaleiro da Casa Real, realizou trabalhos para a
igreja de Beringel, em 1546, e para a Misericórdia de Alcobaça, em 1570. Cf. Vitor SERRãO,
«A arte da pintura entre o Gótico Final e o Barroco na região dos antigos Coutos de Alcobaça»,
Catálogo da Exposição Arte Sacra nos antigos Coutos de Alcobaça, coordenação de Maria
Augusta Trindade, ed. IPPAR, Alcobaça, 1995, pp. 82-113, refª pp. 87-88.
127
Segundo a documentação de F. M. de Sousa Viterbo, Notícia de alguns pintores portu-
guezes..., II, 1906, p. 115, Álvaro Mendes trabalhava em 1490 nas obras régias dos Paços
de Évora para as festas de receção de D. Isabel de Castela no casamento com o Príncipe
D. Afonso, ilho de D. João II. Denunciado por ter «arrenegado de Nosso Senhor», foi conde-
nado a prestar um ano de trabalhos forçados no couto de Mértola, vendo a pena comutada
para ir pintar, sem paga alguma, no Mosteiro de Santa Maria do Espinheiro.
128
Cf. George KUBLER, op. cit.
129
O famoso António Campelo estadeou em Roma no meado do século XVI, em círculos
miguelangelescos, o que lhe permitiu sucesso, de volta ao Reino, como campeão da Bella
Maniera italiana. Apesar da fama grangeada, só se conhecem, seguramente seus, uma
dezena de desenhos (Museu Nacional de Arte Antiga) e um número restrito de pinturas,
uma das quais é a belíssima Adoração dos Pastores do Museu de Torres Novas (cf. o cat.
da exp. A Pintura Maneirista em Portugal – arte no tempo de Camões, C.N.C.D.P., 1995,
pp. 212-221).
130
nio, fundado na Quinta do Egito 130, e com o pintor régio de Filipe III,
Domingos Vieira Serrão, cujas relações com Pedro Vieira são conhe-
cidas e cuja actividade para Torres Novas (uma tábua atribuível, na
igreja do Carmo) estão registadas.
Também não se biografou aqui, por ser muito conhecida, a vida e
obra do pintor Pedro Alexandrino de Carvalho (1729-1810) 131, a cuja oi-
cina se deverá a responsabilidade de uma tela na igreja de São Pedro.
Dos artistas contemporâneos de que se falou, como é o caso do
pintor José d’Abreu Lopes (1904-1991) 132, e do arquiteto Francisco
Pontes Varandas Gonçalves, izeram-se as devidas referências ao
tratar das suas obras nos templos.
Não deixamos, porém, de remeter os estudiosos para a atualizada
bibliograia a propósito desses artistas.
130
Esta interessante tábua, testemunho de inluência do Maneirismo italianizado, não era desse
convento carmelita mas sim do desafetado convento de Santo António, fundado na Quinta do
Egito, no termo da vila, em 1562, por iniciativa dos Lencastres. De Cristóvão Vaz conhecem-
-se tábuas nas Misericórdias de Sintra, Cascais e Colares, na ermida de Nossa Senhora da
Guia em Cascais e no altar de São Crispim e São Crispiniano da Sé de Portalegre (cf. cat.
da exp. A Pintura Maneirista em Portugal – arte no tempo de Camões, C.N.C.D.P., 1995, pp.
242-243 e 471).
131
A mais recente contribuição para o estudo deste pintor é de Anne-Louise G. FONSECA,
Pedro Alexandrino de Carvalho (1729-1810) et la peinture d’histoire à Lisbonne. Cycles religieux
et cycles profanes, tese de Doutoramento, Université de Montreal, 2009.
132
Na obra Toponímia da Cidade de Torres Novas, Joaquim Rodrigues Bicho diz o seguinte
a respeito deste pintor torrejano contemporâneo (que foi pai do também pintor, e Prof. da
FBAUL, Luís Filipe de Abreu): «José de Abreu Lopes nasceu em Torres Novas a 11 de Março
de 1904. Feita a instrução primária em Torres Novas, ingressou no Seminário de Santarém,
mas teve de interromper os seus estudos por falta de saúde. Trabalhou no escritório do
Dr. Augusto Moita de Deus, foi escriturário por conta do visconde de S. Gião e mudou-se de-
pois para a Tipograia S. Miguel. Chamado a prestar serviço militar em cavalaria, aqui passou
o melhor da sua vida, sempre estimado e sempre avesso a promoções pessoais. Esteve três
anos em Cavalaria 4 de Alcobaça, na Escola Prática de Cavalaria em Torres Novas de 1929/52,
no Depósito de Material de Subsistência no Entroncamento até 1959 e na Escola Prática de
Cavalaria em Santarém desde 1959 até 1969, ainda que aposentado em 1964. Artista por
natureza, pintou inúmeros pergaminhos, ricos de iluminuras, para homenagear pessoas ou
celebrar acontecimentos, paisagens da Nazaré, e de Torres Novas e seu Rio, cartazes dos
Centenários e do Congresso Eucarístico de Torres Novas, tríptico de Mousinho de Albuquerque,
Os Cavalos, A Bilha, Na Ausência do Monge. Repôs a pintura do teto da capela-mor da igreja
do Salvador, pintou o retábulo-mor da igreja do Carmo e os três quadros – Sant’Iago, S. Jorge
e Discípulos de Emaús – que ornam a igreja de Santiago. Era um sonhador e semeador de
beleza que sabia descobrir e recriar as coisas pequenas. Visionário de uma pátria imorredoira,
não parava de a exaltar e aos seus heróis. Faleceu em Torres Novas, a 6 de Maio de 1991».
131
Cristóvão Vaz, Fuga para o Egito (pormenor), c. 1575-80. Igreja do Carmo de Torres Novas
132
Arquitetos, pedreiros e construtores
1. JOÃO DE ÉVORA
Mestre pedreiro, act. 1570-1573
133
Francisco Marques de SOUSA VITERBO, Diccionario Histórico e Documental dos Archi-
tectos, Engenheiros e Constructores Portuguezes ou a serviço de Portugal, 1ª série, Lisboa,
1899, pp. 310-312 e 561.
134
Segundo Ernesto JANA, que investigou profundamente as campanhas artísticas do Con-
vento de Cristo para os anos ilipinos, nada consta nos estaleiros tomarenses a respeito de
João de Évora.
133
reconstrução da igreja 135. Desta empresa artística se falou já na notícia
histórica sobre a igreja do Salvador.
As referências, nesse contrato, a outras obras realizadas havia
pouco em outras igrejas torrejanas que também haviam sido desme-
dievalizadas, deixando de ter três naves e ganhando uma espaciali-
dade chã, leva a presumir que o mesmo mestre, pessoa conhecida
dos contratantes, tivesse estado já encarregado de tais empreitadas…
2. LUÍS DA SILVA
Mestre de pedraria, de Lisboa, act. 1685-1723
135
Arquivo Distrital de Santarém, Livro 1 de Notas de André Freire, Tabelião de Torres Novas,
ls. 26 vº a 28 vº, com transcrição integral em Paulo Renato Ermitão GREGÓRIO, op. cit.,
2003, pp. 118-120. DOCUMENTO Nº 2.
136
Artur GONçALVES, Torrejanos Ilustres, Torres Novas, 1936, p. 302.
137
A.N.T.T., A.G.H.C.L., Secção de S. José, L.º 1303, l. 23 v.º Informação inédita da Doutora
Maria João Pereira Coutinho, que muito agradeço.
134
gado da Casa da Suplicação, Dr. António de Vasconcelos e Silva, fazer
a obra de construção de uma morada de casas dentro do perímetro do
Castelo de São Jorge, e que icavam defronte da Ermida do Espírito
Santo, seguindo um ‘risco’ preciso 138. Nada mais se conhece, porém,
da sua atividade em Lisboa.
O mestre Luís da Silva pode ter sido um artista de empreitada liga-
do a estruturas dirigidas pelo arquiteto António Baptista Garvo, o que
explicaria a sua atividade para São Tiago de Torres Novas.
3. DOMINGOS ALVES
Mestre pedreiro, act. 1700
138
A.N.T.T., Cartório Notarial de Lisboa, Nº 12 B (atual n.º 1), Cx. 35, L.º 497, ls. 65-66 vº.
Informação inédita da Doutora Maria João Pereira Coutinho, que muito agradeço.
139
Arquivo Distrital de Santarém, Lº 244 de Notas de Pedro de Sousa Seabra,Tabelião de
Torres Novas, ls. 91 vº a 92 vº. Inédito. DOCUMENTO Nº 27.
135
da capela». Tudo desapareceu com o arrasamento de grande parte
do templo com o megassismo de 1755.
De Domingos Alves, competente chefe de empreitadas de pedraria,
ligam-se obras vultosas dentro do ‘estilo chão’, como foi a fábrica da
igreja do Cardal, na sua vila de Pombal, realizada segundo risco do
famoso arquiteto régio João Antunes. A obra da casa da tribuna de
São Pedro de Torres Novas devia ser imponente, bem como a nova
estrutura de ampliação do presbitério, que vinha ampliar a primitiva
estrutura gótica e impôr uma ordem espacial dentro do gosto ‘chão’
vigente à época de D. Pedro II. Imaginar-se-á essa fábrica, enriquecida
pelo retábulo e tribuna entalhadas, pelas pinturas de brutesco de Pe-
dro Coelho Taborda, pela azulejaria polícroma e pelo túmulo do padre
mecenas, para imaginar a imponência e modernidade desta campanha
de obras dos alvores do século XVIII…
4. MANUEL DA COSTA
Pedreiro, act. 1709
140
Arquivo Distrital de Santarém, Lº 256 de Notas de Alberto da Silva, Tabelião de Torres
Novas, ls. 65 a 67. Inédito. DOCUMENTO Nº 21.
136
trabalhou também, como se viu, na decoração da capela-mor de São
Pedro, pela mesma época).
137
1733, o mesmo «António Baptista Garvo, mestre das reais obras de
Mafra», trata de uma procuração sobre bens matrimoniais 144.
É de lamentar muito que a obra de pedraria da igreja matriz de
Alcanena por si dirigida 145, projetada e desenhada, com execução do
pedreiro Simão Gomes, e tão bem descrita pelas cláusulas do contrato
de obra aqui revelado, se tenha irremediavelmente perdido 146. É de
presumir que a intervenção laboral de António Batista Garvo possa
ter incidido no projeto de obras nas igrejas torrejanas, muito designa-
damente em São Pedro, que foi alvo de grandes campanhas a partir
de 1722.
Imaginários e escultores
6. ESTÁCIO MATIAS
Escultor, imaginário e carpinteiro de marcenaria, act. 1573-1582
144
A.N.T.T., Cartório Notarial nº 11, cx. 119, Lº 517 de Notas de António da Silva Freire, ls.
36 e vº. Inédito. No Lº 597, ls. 78 vº e 79, aparece um ajuste de 27 de julho de 1750, ainda
sobre a obra régia de Mafra, mas aí já não se refere António Baptista Garvo e sim seu ilho,
também Carlos, e Manuel António Feio, pedreiros.
145
Arquivo Distrital de Santarém, Lº 159 de Notas de Martinho Pimenta do Avelar Castelo-
-Branco, Tabelião de Torres Novas, ls. 42 a 44. Inédito.
146
A igreja foi incendiada em 1915 pelo fanatismo iconoclástico e, depois de demolida, foi
completamente modernizada, perdendo as características barrocas (cf. Gustavo de Matos
SEQUEIRA, op. cit., p. 14). Sabemos que em 1736 se izeram as portas e outras obras de
carpintaria deste templo, por António Ferreira, mestre carpinteiro de Torres Novas (Arquivo
Distrital de Santarém, Lº 176 de Notas de Martinho Pimenta do Avelar, Tabelião de Torres
Novas, ls. 202-203).
138
para o mosteiro de São Francisco da Cidade (um retábulo), para os
nobres Noronhas (também um retábulo na capela privativa), para a
igreja do mosteiro de Santa Ana (um retábulo de madeira de bordo,
que orçou 55.000 rs) 147, e para a igreja de São Julião, por vezes asso-
ciado a grandes artistas do tempo, como o pintor régio Fernão Gomes
e o pintor Gaspar Dias, o escultor Gonçalo Rodrigues e o entalhador
Jacques de Campos 148.
Era considerado «gran oicial de imaginaria»: as suas esculturas de
São Bento, Santa Escolástica, São Bernardo e Senhora de Monserrate,
da igreja do mosteiro dos beneditinos de Lisboa, foram admiradas na
época como «as mais perfeitas e fermozas que há neste Reyno de
vulto». Essas imagens, todavia, desapareceram ou estão inlocalizadas.
A sua atividade para Torres Novas permite esclarecer melhor a sua
biograia e produção artística. Em 1573, estabeleceu uma parceria com
o imaginário Pedro de Frias, cavaleiro da casa real e escultor de Sua
Majestade, mas essa associação laboral dissolveu-se poucos anos
depois, com a mudança de Frias para a cidade de Coimbra, onde se
tornara privilegiado do Colégio Universitário de São Tomás.
Foi no âmbito dessa parceria que ambos tinham recebido como
incumbência, em 1577, realizar a obra de imaginária do retábulo da
igreja do Salvador de Torres Novas, mas o incumprimento do primeiro
levou a que só Estácio Matias realizasse a empresa torrejana, como
se constata por um pleito judicial que correu nos tribunais e que se
decidiu por acordo entre os dois escultores 149.
Sabe-se com toda a certeza que, à data, já então Estácio Matias
havia concluído e feito entrega de cinco das imagens que se compro-
metera a lavrar para o retábulo do Salvador de Torres Novas. Quando
se assinou o acordo de Coimbra, Pedro de Frias, muito cioso dos seus
147
A.N.T.T., Notas de Belchior de Montalvo, 1582, ls. 99 vº a 101 vº. Inédito.
148
Cf., sobre o artista, Vítor SERRãO, «O escultor maneirista Gonçalo Coelho e a sua atividade
no Norte de Portugal», revista Museu, IV série, nº 7, 1998, pp. 137-173, refª p. 144 e nota 13.
149
Arquivo da Universidade de Coimbra, Lº 69 de Notas de António Martins, tabelião de Coimbra,
1578, ls. 123 vº a 125 vº, documento de quitação de 21 de julho de 1578, publicado por Vítor
SERRãO, O Maneirismo e o Estatuto Social dos Pintores Portugueses, 1983, pp. 105-106;
id., A Pintura Proto-Barroca…, 1992, vol. II, p. 602; idem, «O escultor Gonçalo Rodrigues…»,
revista Museu, 1998, p. 144 e n. 13; e, com leitura integral, por Carla GONçALVES, op. cit.,
2005, pp. 377-381. DOCUMENTO Nº 6.
139
direitos, apesar de reconhecer que nada izera de trabalho artístico na
associação com Matias, ainda reclamou uma quantia de 115.000 rs por
perdas e danos, que lhe foi paga pelo anterior ‘parceiro’ ao ser desfeita
a associação de trabalho que tinham entre si.
A imagem de Cristo na cruz de Estácio Matias chegou aos nossos
dias e está exposta na parede esquerda da capela-mor do Salvador.
140
Estácio Matias, Cristo Cruciicado do antigo retábulo, c.1577
Pintores e Douradores
7. DIOGO DE CONTREIRAS
Pintor, c. 1500-1563
150
Cfr. Vitor SERRãO, O Maneirismo e o Estatuto Social dos Pintores Portugueses, IN-CM,
Lisboa, 1983, pp. 36-37.
141
mas muito qualiicadas, como a Descida da Cruz para o antigo retábulo
da Misericórdia (que se inspira num modelo rafaelesco segundo Man-
tegna) e as quatro tabuinhas presumivelmente integradas na capela
de São Jorge da igreja do Salvador.
142
e de Santarém, Ourém era uma das mais importantes vilas integradas
no Padroado brigantino, pelo que o conjunto retabular da capela-mor da
Colegiada não podia deixar de ser muito importante. A obra protelou-
-se, houve diiculdades na oicina do pintor devido a uma inundação
que desgrudou parte dos painéis que estavam já feitos, tudo isso
gerou pleitos por incumprimento de prazos estipulados e teve atrasos
que suscitaram protestos, requerimentos do artista, novas cláusulas e
outras deliberações de membros da Colegiada 151.
Se a rafaelesca Descida da Cruz, hoje no Museu, desde há muito
se considera ser uma obra típica do círculo de Diogo de Contreiras
(já em 1957 o crítico de arte americano Martín Soria a atribuiu ao
Mestre de São Quintino, a designação pela qual Contreiras era en-
tão referido, antes da sua cabal identiicação documental 152), já as
quatro tábuas expostas na igreja de São Pedro têm merecido algu-
mas polémicas considerações sobre a sua iliação. Em data muito
recente, foi defendido por José Alberto Seabra Carvalho 153, sem
outra base de segurança que não fossem pretensas aproximações
formais (a partir de meros indícios e aparências não essenciais de
caracterização autoral, como sendo menos «próximas» da obra de
Diogo de Contreiras) ao grupo de obras de um anónimo discípulo
de Garcia Fernandes que pintou os Martírios de São Vicente do
Museu de óbidos, as tábuas oriundas da igreja de São Cristóvão
de Lisboa, as que eram do Convento do Carmo de Moura, e outras
peças incontestavelmente no mesmo estilo.
Ora, segundo penso, as tábuas de Torres Novas nada têm a ver,
estilisticamente, com este núcleo, para além de naturais «ainidades
de época». Penso a este propósito que o ‘modus faciendi’ desse anó-
151
A propósito da vida e obra de Contreiras, cf. Joaquim Oliveira CAETANO, «O pintor Diogo
de Contreiras e a sua atividade no Convento de São Bento de Cástris», A Cidade de Évora,
nºs 71-76, 1988-93, e O que Janus Via. Rumos e Cenários da Pintura Portuguesa (1535-1570),
tese de Mestrado, Universidade Nova de Lisboa, 1996.
152
Martín S. SORIA, «The S. Quintino Master», Boletim dos Museus Nacionais de Arte Antiga,
nº 10, 1957, pp. 22-27.
153
CARVALHO, José Alberto Seabra, «Que hacen los conservadores ? A propósito do incomo-
dativo problema da existência de mestres desconhecidos nas tabelas dos Museus», Revista
de História da Arte, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, nº 8, 2011, pp. 139-151.
143
Oicina de Diogo de Contreiras, Descida da Cruz, pormernor, c. 1550-60,
Museu Municipal de Torres Novas
144
antes tinham sido reunidas e lhe haviam sido tributadas 154); acontece,
porém, que esse anónimo seguidor de Garcia Fernandes nada tem
a ver, senão epidermicamente, com o estilo que domina a fatura das
quatro tábuas de Torres Novas – aliás bem superiores de execução
–, pois elas fogem a esse repertório estilístico e ligam-se, sim, aos
indicadores formais da oicina de Diogo de Contreiras. De facto, têm
tudo a ver com o «mundo» de Contreiras e seus epígonos (como o
santareno Ambrósio Dias) que com os «ferreirinescos» seguidores de
Garcia Fernandes (como o lisboeta Manuel André).
Aliás, o discurso artístico destas quatro tábuas liga-se iniludivelmen-
te com o da rafaelesca Descida da Cruz, hoje no Museu, onde a autoria
de Diogo de Contreiras (ainda que em inal de carreira, e em regime de
participação oicinal) não parece ser contestável. As quatro pinturas hoje
na igreja de São Pedro de Torres Novas mostram o repertório artístico
contreiresco ao seu qualiicado nível, tanto no desenho seguro, como
na inura dos tecidos, armas e acessórios, no modo peculiar de tratar
os dedos, inos e esguios, na poesia dos fundos à maneira das oicinas
de Antuérpia, e no sentido de esclarecimento comunicativo dos seus
discursos estéticos (e espirituais). São muito similares às tábuas de
igura única que existem nas igrejas de Unhos e de Atouguia da Baleia,
tanto na pose dos santos isolados e de pé, com seus atributos, como
no tipo de paisagem com verdes a perderem-se e detalhes hagiológi-
cos complementares, e correspondem a um arco cronológico tardio na
produção do artista, que faleceu em 1563 155.
Não estamos, naturalmente, no mesmo patamar de exigência de
uma encomenda como são as tábuas de São Quintino (Sobral de Monte
Agraço) ou a notabilíssima Pregação de São João Baptista do mosteiro
de São Bento de Cástris (hoje no M.N.A.A.), casos ímpares na obra de
Diogo de Contreiras – mas é justamente em encomendas consideradas
154
Vítor SERRãO, «O programa artístico da igreja de São Cristóvão de Lisboa. O retábulo
quinhentista e a campanha de obras protobarrocas (1666-1685)», Boletim Cultural da Junta
Distrital de Lisboa, série IV, nº 92, 1990/1998, 4ª série, nº 92, 1º tomo, 1990-98, pp. 51-82.
Estudam-se aí as tábuas do antigo retábulo da igreja de São Cristóvão em Lisboa, efetivamente
de um seguidor de Garcia Fernandes, c. 1550-1560, e uma série de peças que se revelam
muito próximas desse estilo e devem ser do mesmo artista.
155
João Miguel Antunes SIMÕES e Vítor SERRãO, «O testamento inédito do pintor Diogo de
Contreiras», Artis – revista de História da Arte, nº 9-10, 2011, pp. 207-212.
145
de nível ‘corrente’ (como é o caso destas quatro tábuas torrejanas) que
se percebe o sucesso do pintor, tanto junto de clientelas nobres (como os
duques de Bragança, o Cardeal-Infante D. Henrique e o Comendador de
Ega D. Afonso de Lencastre, embaixador de D. João III), como junto às
ordens religiosas (os cistercienses de Évora e de Almoster, as clarissas
de Santarém, etc) e na esfera da encomenda religiosa paroquial (como
em São Quintino, em São Martinho de Sintra e no Salvador de Torres
Novas), público esse sempre exigente quanto aos resultados pretendidos.
146
8. GASPAR SOARES
Pintor de óleo e dourado, act. 1580- fal. 1613
156
Vítor SERRãO, A Pintura Proto-Barroca em Portugal, 1612-1657. O triunfo do Naturalismo
e do Tenebrismo, tese de Coimbra, 1992, não publicado, vol. II, pp. 601-612.
157
Teresa DESTERRO, O Mestre de Romeira e o Maneirismo escalabitano, 1540-1620,
Coimbra, ed. Minerva, 2000.
158
Arquivo Distrital de Santarém, Lº 7 de Notas de André Freire, tabelião de Torres Novas, ls.
31-32, Lº 8, ls. 101-102, e Lº 13, ls. 182 vº a 184.
147
mais sedutora. Na sua vila e região, todavia, ele representava com
competência e proissionalismo aquele estilo pictórico que as cliente-
las religiosas reclamavam. Alheio embora às inovações trazidas pelos
romanistas, como o excelente Campelo, cuja atividade para os Mogos
Mello Carrilho o deixaria indiferente à novidade estética italianizante, as
suas obras para o Salvador, para São Tiago, e para as Lapas mostram
o peso de uma tradição que vinha dos modelos lamenguizantes do
Renascimento e do primeiro Maneirismo, a que sempre se mostrou iel.
Das obras conhecidas de Gaspar Soares, destaca-se a sua ati-
vidade para a igreja do Salvador de Torres Novas, tendo sido ele o
pintor mais apreciado e preferido pela fábrica do templo para decorar
os novos altares a seguir à reconstrução de 1570 que transformara
o velho templo gótico de três naves num espaço ‘chão’ mais amplo
e atrativo. Em novembro de 1580 recebeu a incumbência de pintar
os cinco painéis do retábulo de Nossa Senhora do Rosário, colateral
dessa igreja, recebendo pelo seu labor 35.000 rs 159. O altar foi des-
mantelado e substituído na época barroca (aquele que chegou aos
nossos dias data de 1700 e é da autoria do entalhador Manuel da
Silva Monteiro), e não é de crer que a Apresentação do Menino no
Templo, exposta no Museu Municipal, possa ser identiicada com este
conjunto, já que nele existiu uma Circuncisão e não uma Apresentação
no Templo; o estilo é, aliás, diverso, com ressonâncias contreirescas.
É interessante seguir os termos deste contrato, por se estipular que
as pinturas deviam ser de idêntica qualidade (senão superiores…) às
da Ermida de Nossa Senhora do Vale e da antiga igreja da Misericórdia,
o que sugere que Soares trabalhara, havia pouco, em retábulos para
esses templos... Mas a bitola de exigência deste pintor torrejano foi
oscilante, a crer na modéstia de outros trabalhos do seu mester, fran-
camente mais débeis, como as tábuas oicinais para antigos retábulos
nas igrejas matrizes de Lapas (Torres Novas), de Pedreira (Tomar) e
de Évora de Alcobaça.
159
Arquivo Distrital de Santarém, Livro 7 de Notas de André Freire, Tabelião de Torres Novas,
ls. 132 vº a 134 vº. Revelado em Vítor SERRÃO, op. cit., 1992, vol. II p. 601, transcrito pela
primeira vez em Teresa DESTERRO, op. cit., 2000, pp. 218-220, e também publicado, com
variações de leitura paleográica, em Paulo Renato Ermitão GREGÓRIO, 2003, pp. 122-124.
DOCUMENTO Nº 7.
148
Autor desconhecido, Apresentação do Menino no Templo; 1580,
Museu de Torres Novas
149
Três anos volvidos, em 1583, Soares pinta para a mesma igreja do
Salvador de Torres Novas as sete tábuas do retábulo-mor, por 105.000 rs,
dourando também a parte de entalhe 160. Deste retábulo, chegou aos
nossos dias a tábua da Ressurreição, que originariamente rematava
o conjunto.
Conhecem-se outros traços documentais da sua atividade. Em
1598, recebeu na sua oicina para ensino da arte da Pintura o moço
Tomé da Roma, oriundo da Golegã 161. Já era falecido em janeiro de
1614, pois vem citado numa procuração que o pintor Pedro Vieira, seu
genro, fez à viúva de Soares, Bárbara Gonçalves 162, que viria a fale-
cer, aliás, no dia 8 desse mesmo mês 163. A sua morte tem de situar-se
forçosamente nos últimos meses de 1613.
160
Arquivo Distrital de Santarém, Livro 9 de Notas de André Freire, Tabelião de Torres Novas,
ls. 39 vº a 41 vº. Revelado em Vítor SERRÃO, referido em idem, A Pintura Proto-Barroca…,
1992, II, p. 601, transcrito pela primeira vez em Teresa DESTERRO, op. cit., 2000, pp. 222-
-224; também publicado, com variações de leitura paleográica, em Paulo Renato Ermitão
GREGóRIO, 2003, pp. 125-126. DOCUMENTO Nº 8.
161
Arquivo Distrital de Santarém, Arquivo Distrital de Santarém, Livro 14 de Notas de André
Freire, Tabelião de Torres Novas, ls. 120 e vº. Publicado em Vítor SERRÃO, A Pintura Proto-
-Barroca…., 1992, vol. I, pp. 631-632. DOCUMENTO Nº 12.
162
Arquivo Distrital de Santarém, Lº 31 de Notas de Filipe Sanches, ls. 31 vº a 32. DOCU-
MENTO Nº 11.
163
Biblioteca Municipal de Torres Novas, Livro de Óbitos da igreja do Salvador, 1588-1616, l.
121 vº. Publicado por Teresa DESTERRO, op. cit., p. 241.
150
O estilo de Gaspar Soares é certamente fruste de desenho e muito
convencional na escolha dos seus igurinos e poses, denunciando
uma cultura maneirista de segunda ila, mas mostra sempre idelidade
a bons modelos da geração de pintores que o precedeu, como os de
Diogo de Contreiras e do santareno Ambrósio Dias, trabalhando bem
as arquiteturas, os adereços, os ornatos lamengos, os grottesche, as
cartelas e os mascarões, e deformando deliberadamente as perspetivas
de modo a criar efeitos irrealistas, aspetos que valorizam a sua pintura
e lhe conferem um sabor caprichoso, bem dentro dos cânones manei-
ristas em que se educou. Pelo que se vê na Ressurreição (exposta em
São Tiago), tem um estilo muito pessoal e característico, o que permite
reunir um total de três dezenas de pinturas como saídas da sua mão,
todas do inal do século XVI ou das primícias da centúria seguinte. A
atribuição da Apresentação do Museu parece mais problemática, por
não existir certeza absoluta que fosse a do retábulo do Rosário na
igreja do Salvador.
De modo seguro, sabemos hoje que são da sua autoria (e da sua
estrita oicina) as cinco tabuínhas do retábulo de São Tomás de Aquino
na igreja matriz de Tancos (Vila Nova da Barquinha), as duas tábuas
com Degolação de São Tiago e São Tiago aos mouros na igreja matriz
da Pedreira (Tomar), muito repintadas, as seis tábuas de um antigo
retábulo na igreja matriz de Lapas (Torres Novas) que representam a
História da Santa Cruz (quatro delas) e o Hagiológio de São Sebastião
(duas delas), e as doze tábuas, infelizmente muito retocadas e care-
cidas de restauro, da igreja matriz de Évora de Alcobaça, nos Coutos
alcobacenses 164.
164
Vitor SERRÃO, «A arte da pintura entre o Gótico inal e o Barroco na região dos antigos
Coutos de Alcobaça», cit., 1995, pp. 94-96 e 262-267.
151
9. JOSÉ MENDES
Pintor-dourador, act. 1582-1638
165
Arquivo Distrital de Santarém, Livro 9 de Notas de André Freire, Tabelião de Torres Novas,
ls. 39 vº a 41 vº.
166
Edgar Prestage e Pedro d’Azevedo, Registos Paroquiais da Freguesia da Sé, Lisboa, pp.
124, 169, 174, 195, 297, 303, 315, 343 e 365.
167
F. A. Garcez Teixeira, A Irmandade de S. Lucas corporação de artistas. Estudo do seu
arquivo, Lisboa, 1931, p. 121.
168
A.N.T.T., Dicionário Geographico…, do Padre Luiz Cardoso, vol. XXXVII, p. 685. Documento
n.º 34.
152
mostra, aliás, um gradual declínio da escrita, atestado pelas últimas
assinaturas, que conirmam a cegueira avançada, sendo aliás referi-
do em 1626, numa venda de olival, como «não podendo assinar por
não ver dos olhos e ser seguo» 169 e numa procuração de 1638 como
«pintor, homem caresido de vista» 170… Um pagamento da Misericórdia
ao seu ilho Estácio Soares de 26 de junho de 1641 (ainda devido a
atrasos pelo trabalho do dourado dos retábulos colaterais e brutesco
da pedraria da igreja da Misericórdia, cuja paga se arrastou) refere
uma esmola de seis alqueires de trigo dados ao dourador, descontados
de 3.000 rs que seu pai devia à Santa Casa da sua vila por trabalhos
não realizados, prova inequívoca de que a falta de vista o impediu,
nos últimos anos, de dar seguimento a muitas das encomendas que
recebera 171.
Mais sabemos que, antes de cegar, Pedro Vieira foi privilegiado
como artista praticante da Pintura, ocupando por esse facto cargos
nobilitantes como o de Meirinho do Eclesiástico em Torres Novas e
chegando a trabalhar, segundo é tradição, em obras na corte de Madrid,
junto ao pintor régio Domingos Vieira Serrão (Tomar, c. 1570-Elvas,
1632) 172. Em defesa da liberalidade da sua arte, consta que terá recu-
sado servir um «ofício baixo» no município, apelando por isso para as
instâncias do Tribunal da Relação em defesa da Pintura que praticava
e vencendo a causa: é Félix da Costa Meesen, no seu tratado manus-
crito de 1696, que nos destaca esse sucesso judicial de «Pedro Vieira,
pintor da villa de Torres Novas», obtido em nome do «previllegio da arte
169
Arquivo Distrital de Santarém, Lº 51 de Notas de Domingos Freire Leal, ls. 19 vº a 22 vº.
170
Os livros notariais de Torres Novas entre 1603 e 1638 atestam a existência torrejana do
pintor, em assentos de obra, compra e venda, testemunha de contratos, procurações, etc.
(Arquivo Distrital de Santarém, Lº 17 de Aleixo Fernandes Monteiro. Tabelião de Torres No-
vas, ls. 1 a 4; 8 a 10, 10 vº a 11 vº, 55 vº a 58 e 133 a 138 vº, Lº 20, ls. 44 vº a 47 vº, Lº 31
de Notas de Filipe Sanches, ls. 31 vº a 32, Lº 32 de Notas de Aleixo Fernandes Monteiro,
ls. 112 vº a 113, 196 e vº, e 219 a 220 vº, Lº 36 de Notas de Domingos Ferreira Leal, ls. 88
vº a 89 vº, e Lº 38 de Notas de Aleixo Fernandes Monteiro, ls. 194 a 198, Lº 47 de Notas de
Domingos Freire Leal, ls. 43 a 44 e 148 a 150 vº, Lº 49 de Notas de Domingos Freire Leal,
ls. 5 vº a 7, Lº 51 de Notas de Domingos Freire Leal, ls.19 vº a 22 vº, e Lº 62 de Notas de
Francisco de Almeida, ls. 268 a 269.
171
Cf. Paulo Renato Ermitão GREGóRIO, op. cit., p. 129.
172
Sobre Domingos Vieira Serrão, cf. o catálogo da exposição A Pintura Maneirista em Por-
tugal – arte no tempo de Camões, CNCDP, 1995, p. 485.
153
da Pintura» 173. Não podia, por isso, deixar de ser um artista de certo
merecimento. Infelizmente, não subsiste obra identiicada de modo
incontestável, supondo-se apenas que algumas pinturas torrejanas,
pelo grau de inluência que devem à obra de Domingos Vieira Serrão,
possam ser devidas aos pincéis de Vieira.
173
Cf. George KUBLER, The Antiquity of the Art of Painting by Félix da Costa, Harmondsworth,
1967, pp. 230-231 e ls. 88 vº-89 do mss. De Yale.
174
Arquivo da Universidade de Coimbra, Lº 15 de Notas de Agostinho Maldonado, Tabelião
de Coimbra, ls. 61 vº a 62. Publicado em Vítor SERRÃO, A Pintura Proto-Barroca…,1992,
I, pp. 797-798.
154
última, muito próxima ao estilo das pinturas murais do arco grande da
Charola do Convento de Cristo em Tomar, de Domingos Vieira Serrão,
c. 1597, parecem reclamar para este a autoria da tábua torrejana.
Também no caso das pinturas da Ermida de Nossa Senhora do Vale
se desconhece o autor das cinco tábuas do retábulo do altar de Nossa
Senhora da Piedade (hoje no Museu), cujo culto italianismo permitiria a
presunção de uma autoria de Pedro Vieira (como já se chegou a aven-
tar), mas essa hipótese de trabalho não pode ser ainda conirmada,
até porque a cronologia daquelas tábuas ‘campelescas’, ainda bem
quinhentistas, aponta para cronologia temporã, que não coincide com
os anos de atividade conhecida de Vieira no primeiro terço do século
XVII. Já quanto às quatro tábuas do altar de São Mateus, da Ermida
do Vale (hoje no Museu), mais limitadas de nível, e bem mais tardias, é
perfeitamente admissível a autoria de Vieira, mas tal carece, também,
de prova deinitiva.
Infelizmente, pouco se sabe da produção documentada deste
infeliz artista talvez com exagero epitetado de «Apeles Torrejano»,
numa tradição laudatória que assentava muito nos méritos de um
perdido painel que existiu na igreja de Santa Maria. Apura-se que
Vieira, em 1612, recebeu da Santa Casa da Misericórdia torrejana
quatro alqueires de trigo por «pintar huma imagem de Nosso Senhor
Jesus Christo nos passos dos domingos da Coresma» 175, a qual bem
poderia ser uma escultura de vulto, ou quiçá um quadro do Caminho
do Calvário que remanesce em dependência da Misericórdia, pois é
lacónica a referência do escrivão... Mas o que se apura da sua ativi-
dade de estofador-policromador, arte que exerceu com eiciência, a
par da pintura a óleo, poderá ajudar a localizar elementos remanes-
centes da sua produção.
175
Arquivo da Misericórdia de Torres Novas, Lº de Receita e Despesa da Misª, 1612-13, l. 117 vº.
155
Pedro Vieira (?), Cristo a caminho do Calvário, conjunto e pormenor,
c. 1610, Misericórdia de Torres Novas
Pedro Vieira (atr.), estofo e decoração a pincel da imagem de São José, 1621,
no Museu de Torres Novas. Conjunto e pormenor
156
11. ESTÁCIO SOARES
Pintor dourador, act. 1640-1670
176
Arquivo da Misericórdia de Torres Novas, Livro de Receita e Despesa da Misª de 1640-
-1641, l. 230.
177
Arquivo Distrital de Santarém, Lº 101 de Notas de Martim Pimenta de Avelar, ls. 174 vº-177.
178
Arquivo da Misericórdia de Torres Novas, Livro de Receita e Despesa, 1639-1640, ls. 183 e vº.
157
Inspiradas em gravuras maneiristas lamengas de António e Jeróni-
mo Wierix, estas grandes pinturas mostram um artista de segunda
plana, algo duro de desenho e convencional de composição, dentro
do gosto que imperava.
Encontramo-lo de seguida a trabalhar em Santarém. Em 1641,
recebeu do Hospital de Jesus Cristo 1.500 rs de «consertar os dous
paneis dos altares colatrais» da igreja, que haviam sido pintados sete
anos antes pelo lisboeta Gregório Antunes 179. Em 1659, auferia dos
proventos do cargo de pintor da Câmara Municipal de Santarém 180,
pintando nesse ano e nos seguintes, regularmente, até 1690, as varas
destinadas aos vereadores e outras tarefas decorativas para as procis-
sões e festas municipais, bem como as varas para os vários mesteres
e os almotacés. Em 1661 trabalha para o Hospital de Jesus Cristo de
Santarém dourando grades e frisos do templo 181; de novo em 1674
pinta varas de um pálio para essa instituição 182. Entretanto, em 1662
deslocara-se aos Coutos de Alcobaça para pintar, por 56.000 rs, uma
série de quadros, incluindo uma grande tela da Última Ceia ainda exis-
tente, com destino à Ermida de Nossa Senhora da Graça da Póvoa de
Cós 183. De novo no mercado escalabitano, em 1674 pinta quatro varas
de pálio para o Hospital de Jesus Cristo, e em 1675 pinta por 5.750 rs um
painel para a Sala do Despacho da Misericórdia, que desapareceu 184.
Aquando da visita à vila ribatejana da Rainha D. Maria Francisca Isabel
de Sabóia, em 1675, a Câmara de Santarém pagou a Miguel Figueira
179
Arquivo da Misericórdia de Santarém, Livro de Receita e Despesa do Hospital de Jesus
Cristo, 1641-42 (nº 462), l. 137.
180
Publicado em Vítor SERRãO, A Pintura Proto-Barroca…, 1992, I, pp. 767-768.
181
Arquivo da Misericórdia de Santarém, Livro de Receita e Despesa do Hospital de Jesus
Cristo, 1661-62 (nº 480), l. 119 vº.
182
Arquivo da Misericórdia de Santarém, Livro de Receita e Despesa do Hospital de Jesus
Cristo, 1673-74 (nº 491), l. 121 vº.
183
Arquivo da Misericórdia de Alcobaça, Lº de Receita e Despesa da Capela de Nossa Senhora
da Graça da Póvoa de Cós, 1662, nº 623, ls. 40 vº, 43, 53 vº e 54.
184
Arquivo da Misericórdia de Santarém, Livro de Receita e Despesa da Misericórdia, 1674-75
(nº 1053), l. 113 vº; idem, Lº de Rec. e Desp. da Misª, 1675-76 (nº 1054), ls. 205 vº e 206.
158
10.000 rs por decorar as barcas encarregadas do transporte luvial da
comitiva régia.
159
mesmo artista, como tudo leva a crer, não é possível defender-se mais
a hipótese de ter colaborado com Manuel Soares no teto de brutesco
da Misericórdia.
188
Arquivo Histórico da Misericórdia de Torres Novas, Lº de Receita e Despesa de 1674-1675,
ls. 154-157 vº; cf. Paulo Renato Ermitão GREGÓRIO, A Igreja da Misericórdia – um estudo
monográico (1572-1700), Município de Torres Novas, 2003, pp. 89-92.
189
Arquivo Distrital de Santarém, Lº 89 de Notas de Martim Pimenta de Avelar, Tabelião de
Torres Novas, ls. 117-118. Leitura de Vítor SERRÃO, A Pintura Proto-Barroca…, 1992, vol.
I, pp. 801-803.
160
junto às contas dos «mestres azulejadores», um pagamento «a Manuel
Soares, pimtor, de seis mil rs do feitio das linhas» 190, que deve ser inter-
pretado como o serviço prestado com o «debuxo» fornecido aos artíices
que colocaram o azulejo nas paredes, através de um risco («linhas»?)
apresentado em mesa e devidamente aprovado pelos responsáveis da
Santa Casa, o que justiica o pagamento avultado para o que se poderia
pensar fosse um mero debuxo. Trata-se de uma referência singular,
que obriga a ver a outra luz, mais uma vez, o ambiente laboral dos ar-
tistas do século XVII, mostrando os laços de cumplicidade laboral entre
pintores de óleo e de azulejo, pois se trata de um projeto de aplicação
de padronagem, aliás complexo, pois envolveu na parede direita, com
molduras ingidas desenhadas com recurso a cercaduras de azulejo,
as duas grandes telas de Miguel Figueira, pintadas em 1640 para os
altares colaterais e, em 1674, substituídas nessa função e colocadas
entre o azulejo parietal, numa sábia conjugação de valências artísticas.
Terá sido essa a responsabilidade do «desenho das linhas» de Manuel
Soares: organizar o espaço da igreja tomando partido das múltiplas
possibilidades que o azulejo de padronagem oferecia.
Sabemos que vários pintores de cavalete e brutesco tiveram essa
função, como Marcos da Cruz (fal. 1683) ao desenhar padrões para
azulejo na igreja do Loreto em Lisboa 191, ou Gabriel del Barco ao de-
senhar um programa de azulejos que ele mesmo iria pintar no mosteiro
dos Jerónimos (desaparecidos) e, mais tarde, André Gonçalves, ao
conceber «modelos» para obra de azulejo, Vitorino Manuel da Serra,
ao fornecer ‘debuxos’ de brutesco e de «ornato francês» para uso de
pintores de azulejos, e ainda Manuel Vaz, um pintor de Serpa que
era cunhado de António de Oliveira Bernardes, na amostragem de
«azulejos de países» que fez em 1706 para a igreja de Baleizão 192.
O caso registado leva a que o torrejano Manuel Soares deva também
190
Arquivo Histórico da Misericórdia de Torres Novas, Lº de Receita e Despesa de 1674-1675,
ls. 154-157 vº; cf. Paulo Renato Ermitão GREGÓRIO, A Igreja da Misericórdia – um estudo
monográico (1572-1700), Município de Torres Novas, 2003, pp. 130-131.
191
Sobre este caso de Manuel Vaz, cf. Vitor SERRãO, O Barroco, cit,., 2004.
192
F. A. Garcez TEIXEIRA, A Irmandade de São Lucas, corporação de artistas…, cit., pp. 72
e 121; e Vítor SERRãO, O Barroco, Ed. Presença, 2004, p. 74.
161
ser incluído nesse rol de pintores de óleo que desenhavam modelos
para azulejo de ornato, face ao dado de arquivo agora recenseado.
Manuel Soares também trabalhou em Lisboa, em obras desconhe-
cidas, estando registado como membro da Irmandade de São Lucas,
sedeada no Mosteiro da Anunciada, na qual serviu como mordomo em
1637 e fazendo parte da mesa de 1686-1687, mas com nota de nesta
última data já ser falecido 193.
193
F. A. Garcez TEIXEIRA, A Irmandade de São Lucas, corporação de artistas…, cit.,pp. 72
e 121.
194
Luís de Moura SOBRAL (coord.), catálogo da exposição Bento Coelho e a cultura do seu
tempo (1620-1708), IPPAR, Lisboa, 1998.
162
muito tempo quatro telas que eram da Ermida de Nossa Senhora dos
Anjos e se encontram na igreja de São Pedro, mas estas devem-se ao
labor, não de Bento Coelho, mas de um seu seguidor chamado António
Machado Sapeiro. Dos pincéis de Bento são, sim, as duas telas da Ban-
deira da Misericórdia, idênticas à de Pernes, e à de Castelo Branco 195.
Discípulo de Marcos da Cruz, o pintor Bento Coelho recebeu inluên-
cia de pintores da primeira geração proto-barroca (José do Avelar Re-
belo e André Reinoso) e a partir de 1678, quando foi nomeado pintor
régio, terá crescente sucesso. Membro da Irmandade de São Lucas,
foi alvo de parangonas dos literati do tempo, que não lhe regatearam
elogios, e ele próprio escreveu poesia na Academia dos Singulares –
caso raro, embora não único, tendo em conta que já Avelar merecera
idêntico louvor dos poetas do tempo 196. Dirigiu uma oicina de quem
se conhecem os nomes dos adjuntos, que produziu em série para o
espaço metropolitano e a Índia, ininterruptamente de 1656 até 1708
– mais de meio século de obras assinadas e datadas, num total de
três centenas de telas!197 Continuam a ser identiicadas obras do ar-
tista (na Ilha da Madeira e nos Açores) 198, e os fundos dos arquivos
revelam encomendas de painéis que, por efeitos de calamidades, não
chegaram até hoje, como o ciclo de telas para a igreja do Socorro, em
Lisboa, pintadas em 1690 por preço de 80.000 rs 199, mas destruídas
com o terramoto.
Restam obras suas (e da direta oicina que o artista controlava em
195
Idem, catálogo da exposição Bento Coelho e a cultura do seu tempo (1620-1708), nºs 35
a 42 e pp. 290-304.
196
Idem, Do Sentido das Imagens, Ed. Estampa, Lisboa, 1996.
197
Cf. Vitor SERRãO, A Cripto-História da Arte. Análise de Obras de Arte Inexistentes, Livros
Horizonte, Lisboa, 2001, e O Barroco, in História da Arte em Portugal da ed. Presença, coord.
de Carlos Alberto Ferreira de Almeida e de José-Augusto França Lisboa, 2003.
198
No caso da Ilha da Madeira, a Dr.ª Rita Rodrigues revelou uma série de peças desconhecidas
de Bento Coelho, oriundas do mercado lisboeta. O artista pintou também várias telas para os
Colégios jesuíticos de Angra do Heroísmo (em 1686), de Ponta Delgada e do Funchal, que
foram recentemente beneiciadas e, por essa via, bem identiicadas.
199
«Despendeo mais sesenta e dous mil rs que deu a Bento Coelho por conta dos 80 V em que
se consertou com a meza pª os painéis e lhe ica devendo 18 V»; «pello que pagou ao pintor
Bento Coelho do resto dos Painéis que fes pera a igreja dezoito mill rs» (Arquivo Histórico do
Patriarcado de Lisboa, Livro de Receita e Despesa o drº da Irmandade do Santíssimo Sacram.
to sita na fregª de N. Sª do Socorro (desde 1670), ls. 62 vº e 64, inédito). Agradece-se à Dr.ª
Teresa Ponces as facilidades de pesquisa nesses fundos.
163
jeitos de quase monopólio de empreitadas) em numerosas igrejas e
conventos de Lisboa: o Bom Sucesso de Pedrouços (c. 1668-70), as
Comendadeiras da Encarnação, São Pedro de Alcântara, as Flamengas
do Calvário (sala da Irmandade de Nossa Senhora da Quietação, a
que pertencia desde 1686 o próprio D. Pedro II), os Cardais, a Madre
de Deus, os Agostinhos do Grilo, São Cristóvão (c. 1699-1700), São
Miguel de Alfama, São Tiago de Alfama, o Colégio de Santo Antão,
Santa Cruz do Castelo, a irmandade do Senhor Jesus dos Passos da
Graça, a Charneca do Lumiar, Loures, Ameixoeira, e Alhandra. Tam-
bém há obras suas em igrejas, museus ou coleções de Alcácer do Sal,
Alfândega da Fé, Angra do Heroísmo, Arouca, Braga, Castelo Bran-
co, Cernache do Bonjardim, Coimbra, Elvas, Estremoz, Évora, Faro,
Funchal, Mogadouro, Penairme, Pernes, Ponta Delgada, Salvaterra
de Magos, Santarém, Sesimbra, Torres Novas, Turcifal, Vila Viçosa,
etc. Destaco, além destes, os ciclos de telas nos antigos mosteiros
cistercienses de Santa Maria de Alcobaça, de Santa Maria de Cós e
de Santa Maria de Salzedas (Lamego), entre outras casas religiosas
para onde trabalhou. Também fez obras para o Brasil, como se diz no
prefácio de Leitão de Faria ao elogio de literati (1706), embora sem
discriminação; mas sabe-se que em 1701 o esclavagista Cristóvão de
Burgos lhe encomendou vinte e quatro telas para o teto de caixotões da
capela de Nossa Senhora do Rosário no engenho de Paripe (Salvador
da Bahia), que se perderam. Existem, ao todo, cerca de três centenas
de pinturas de Bento Coelho e do seu atelier.
Da primeira fase, alguns cobres com passos do Cântico dos Cân-
ticos no Sacrário do convento do Bom Sucesso mostram um artista
sequaz de gravados nórdicos e da lição de Avelar e Cruz e que não se
liberta das convenções maneiristas. As obras da fase madura são mais
importantes e atestam crescente soltura de pincéis em detrimento do
desenho, que se torna displicente. As melhores obras de Bento Coelho
são algumas das posteriores à nomeação para pintor régio, como as da
sacristia de Salzedas, de São Cristóvão de Lisboa (1699) 200 e do altar
200
Vitor SERRãO, «O Programa Artístico da Igreja de São Cristóvão de Lisboa. O Retábulo
Quinhentista e a Campanha de Obras Proto-Barrocas (1666-1685)», Boletim Cultural da As-
sembleia Distrital de Lisboa, 4ª série, nº 92, 1º tomo, 1990-98, pp. 51-88.
164
Santa Rosa de Lima, de Bento Coelho,
na igreja de São Nicolau de Santarém
201
Idem, «De José do Avelar Rebelo a Bento Coelho e aos focos regionais. Tendências da
pintura portuguesa da segunda metade do século XVII», Catálogo da Exposição Bento Coelho
(1620-1708) e a cultura do seu tempo, ed. I.P.P.A.R., Lisboa, 1998, pp. 38-63.
165
tuguesa: Bento criou um modus faciendi com receitas inconfundíveis,
que explicam o sucesso fácil e generalizado. Na sacristia do mosteiro
de Salzedas, deixou um ciclo da vida de S. Bernardo e S. Bento, eiva-
do de referências nacionalistas, das melhores do seu pincel. Em São
Pedro de Alcântara pintou um Arrebatamento de S. Pedro de Alcântara
segundo estampa de Jean-Jacques Thurneissein, e nos espaldares da
sacristia deixou um ciclo de devoção à Vera Cruz inspirado na Regia Via
Crucis de Haeften (Antuérpia, 1635), encomenda do desembargador
João Van Vessen. Sabe-se que também pintou cenas mitológicas (o
Rapto de Europa e Vénus e Mercúrio, coleções privadas) e retratos,
loreros e bodegones de que não nos restam, porém, testemunhos.
No vazio pictórico da sua época – o tratadista Félix da Costa
Meesen chega a falar em 1696, na Antiguidade da Arte da Pintura, de
um tempo de «mingoante da pintura», crise política e instabilidade de-
vido às guerras da Restauração –, a personalidade do artista impõe-se.
Airma Moura Sobral que «a sua pintura, sempre de carácter monumen-
tal como o exigia a época, foi muitas vezes apressada e irregular, com
frequentes defeitos de desenho, de anatomia e de proporções. Estas
características decorrem em boa verdade não só da sua situação de
fa presto mas talvez ainda mais de uma opção estética pessoal própria
do Barroco: a procura da expressão, a manifestação da individualidade
pela liberdade e rapidez do gesto criador, a airmação da cor liberta do
império do desenho, nisso se comparando o pintor lisboeta a Valdès
Leal, seu exato contemporâneo sevilhano, ao mexicano Cristóbal de
Villalpando e, até, ao napolitano Luca Giordano» 202. Bento Coelho
assume um gosto tradicionalista marcado pelo tenebrismo castelhano
e por modelos de inspiração lamengos (como sucedera com Marcos
da Cruz), atento às inluências francesas e italianas do Barroco Interna-
cional, timidamente adoptadas por míngua de referências consistentes.
Com a vinda a Lisboa de Roger de Piles em 1685, nota-se nas suas
obras uma viragem no sentido dos modelos do Barroco Internacional; o
romanismo de Giordano, ativo na corte de Madrid, imiscui-se também
no estilo do artista, acentua o cariz cenográico e abre outro calor cro-
mático, ao contrário do excessivo penumbrismo da primeira fase (quase
202
Luís de Moura SOBRAL, Do Sentido das Imagens, Ed. Estampa, Lisboa, 1996.
166
sempre inspirado em gravuras de tradição maneirista). A facilidade de
compôr alia-se a maior sensibilidade em obras de fase tardia, com
perícias de desenho e «toques resolutos e virgens» (que mereceram
elogio a Cyrillo): citem-se duas telas do Palácio do Calhariz (Sesimbra)
com passos do Antigo Testamento e preciosismos a la candela de sinal
napolitano; o Nascimento da Virgem da Pousada de Santa Isabel (Es-
tremoz) vinda da igreja de S. Filipe Nery, encomenda do Arcebispo Frei
Luís da Silva Teles; O Menino Jesus com os instrumentos do martírio
da sacristia da Sé de Castelo Branco, a mando desse prelado; as telas
da igreja de São Cristóvão em Lisboa (c. 1699-1700), que se preserva
íntegro; e as telas Última Ceia e Matança dos Inocentes na igreja de
Santo Antão de Évora, custeadas pelo mesmo Silva Teles, que prote-
geu o artista, a quem se refere em cartas ao seu «dente de Coelho».
Essa sensibilidade de «grande maneira» assumidamente barroca que
grangeará louvores a Guarienti, Cyrillo, Taborda e outros – excluindo
do número destes o coevo Félix da Costa, estranhamente silencioso,
talvez porque o seu gorado projeto de fundação de uma Academia de
Pintura colidisse, por rivalidades pessoais, com o sucesso proissional
de Bento Coelho...
Este fa presto de obra incontável e irregular, que se pode equi-
parar em produção a Diogo Teixeira no im do século XVI, a Rei-
noso na geração precedente, e a Pedro Alexandrino na segunda
metade do século XVIII, foi artista de idelidades a receitas sempre
repetidas, mas com recursos suicientes.«Denota uma constante
procura da expressão e, na liberdade do gesto, na preponderância
da cor em detrimento do desenho, manifesta a sua individualida-
de criadora em termos perfeitamente contemporâneos» 203. A sua
obra levou ao esgotamento da longa tradição tenebrista que vinha
desde André Reinoso, Baltazar Gomes Figueira e a primeira gera-
ção proto-barroca, inluenciada pelo naturalismo de Sevilha, pelo
sentido da mancha e da cor fria, e pela escolha de modelos ‘ao
natural’, simpliicando-se gradualmente e chegando mesmo, com
Bento Coelho, a uma certa dissolução do desenho, aceite pelo
conformismo da clientela, agradada com o bom gosto dos modelos
203
Luís de Moura SOBRAL, Do Sentido das Imagens, Ed. Estampa, Lisboa, 1996.
167
constantemente repetidos, desde as Virgens graciosas aos velhos de
panejamentos soltos e cabeças expressivas e aos fundos mancha-
dos em matizes contrastadas. A arte de Coelho repetiu-se sempre,
de modo crescentemente industrial, glosando receitas e versões
dos mesmos assuntos, mas eram as circunstâncias do mercado a
exigi-lo. Os seguidores tomaram epigonalmente o seu gosto (mas
ignorando as virtudes do pincel solto) e adequaram as receitas às
novas inquietudes do Barroco de im de século, derivando por novas
estradas, com o caso mais conseguido de André Gonçalves na era
quinto-joanina que se iria seguir.
168
importância artística numa situação que era de isolamento inter-
nacional, devido ao rescaldo das guerras da Restauração, e em
que a modéstia imperava no panorama pictórico existente. A sua
atividade via-se recompensada através dos inlamados poemas que
a Academia dos Singulares, presidida por José de Faria Manuel,
lhe dedicou na referida homenagem de 1670, com odes latinas
do presidente (a Carmina Amicorum), sonetos de André Leitão de
Faria, António Serrão de Castro e outros poetas – uma homena-
gem que integrou poesia de outros admiradores de Bento Coelho
acrescentados ao manuscrito, caso dos epigramas de Frei José
da Assunção; o manuscrito foi traduzido do latim por Ana Paula
Quintela e divulgado, com comentário crítico, por Moura Sobral 204.
A homenagem dos poetas dos Singulares a Bento Coelho, visionado
como deus artifex e doctus pictor, ilustra o alcance da doutrina da
ut pictura poesis no Portugal de Seiscentos, atestada pela presença
de literatos inscritos ao lado dos pintores na Irmandade de S. Lucas:
caso de Serrão de Castro (autor de Os Ratos da Inquisição), Brás de
Pina Cavide, D. Maria de Guadalupe de Lencastre (que será juíz em
1659), André Leitão de Faria, Frei Francisco da Trindade (mordomo
em 1690), e D. Tomás de Noronha e Nápoles.
204
Idem, Pintura e Poesia na Época Barroca. A homenagem da Academia dos Singulares a
Bento Coelho da Silveira, Lisboa, Estampa, 1994.
205
A.N.T.T., Cartório Notarial de Lisboa nº 7-A, Lº 111 de Notas de Domingos da Silva, ls.
80 a 84.vº.
169
16. ANTÓNIO MACHADO SAPEIRO
Pintor, act. 1704-1740
206
Sobre a igura e obra de Machado Sapeiro, cf. o cat. da exposição Bento Coelho e a cultura
do seu tempo, IPPAR, 1998, refª p. 62 e nota 5.
207
Cyrillo Volkmar MACHADO, Collecção de Memorias…, Lisboa, 12823 (2ª ed., Imprensa da
Universidade de Coimbra, 1922), p. 69.
170
a Magestade / Do quinto João perfeito Soberano / Que deixou seu
pincel mais nobre e ufano» 208.
Os quatro quadros marianos da igreja de São Pedro de Torres
Novas são obra da autoria de António Machado Sapeiro, e não são
em absoluto de Bento Coelho, devendo ser corrigida, por isso, a
atribuição tradicional. Eles retomam modelos ‘coelhescos’, é certo,
mas a modelação de tais receitas é totalmente diversa, revelando
outro gosto, outra atmosfera de cor, outra personalidade, outra
época mais avançada e, em suma, um outro estilo. De certa forma,
também, existe um retrocesso de «invenção», como se o pintor
seguisse mais as convenções de protótipos sem chama e menos
o ardor de uma touche mais solta, como sucede tantas vezes em
Bento Coelho (e basta ver a tela do altar da Senhora do Rosário,
no Salvador, para o constatar).
Seja como for, estas telas da igreja de São Pedro estimam-se pela
graça dos adereços e pelo pitoresco dos acessórios, e têm muitas
ainidades de modelos, desenho, sentimento cromático, pormenores
acessórios, etc, com as telas identiicadas da matriz de Camarate,
sendo especialmente bem pintadas nas composições de Torres
Novas uma série de objetos executados de visu como as lores, o
tapete e as peças de joalharia 209. A cronologia destas quatro telas
andará, também, próxima da data em que o Sapeiro pintou as de
Camarate. Ao mesmo pintor Sapeiro se devem algumas das telas
da sacristia do Colégio Jesuítico do Funchal, uma delas (a Adoração
dos Magos) absolutamente idêntica em composição e estilo à de
Torres Novas.
208
Esta referência de Xavier Lobo, na Sylva Laudatória, Ievou Nicolau BORGES (O Hospital
Termal das Caldas da Rainha - Arte e Património, dissertação de Mestrado, Lisboa, Faculdade
de Letras da Universidade de Lisboa, 1998), a pensar que o retrato em causa é o da Gale-
ria dos Reis de Portugal no Hospital das Caldas da Rainha (Inv. n.º 31). Nuno SALDANHA
(coord.), exp. Joanni V Magniico, IPPAR, 1995, pensa que se trata de um retrato do monarca
em coleção particular, patente nessa exposição como da autoria de Sapeiro.
209
Sobre as lores deste quadro da Anunciação em São Pedro de Torres Novas e o seu sig-
niicado simbólico, cf. Sónia Talhe AZAMBUJA, A Linguagem Simbólica da Natureza. A Flora
e a Fauna na Pintura Seiscentista Portuguesa, ed. Vega, Lisboa, 2009.
171
António Machado Sapeiro, Adoração dos Magos
na igreja de São Pedro, c. 1710
172
17. ANTÓNIO RODRIGUES
Pintor e dourador, act. 1700
210
Francisco Marques de SOUSA VITERBO, Notícia de alguns pintores portuguezes e de
outros que, sendo estrangeiros, exerceram o seu ofício em Portugal, 2ª série, Lisboa, 1907,
pp. 66-69, e Túlio ESPANCA, «Notas sobre pintores em Évora nos séculos XVI e XVII», A
Cidade de Évora, nºs 13-14, 1947.
211
Arquivo da Misericórdia de Santarém, Lºs de Receita e Despesa da Misª de 1679-80, ls.
116-117, 1695-96, l. 214, e 1696-97, l. 237vº.
173
por contrato estabelecido em 15 de agosto desse ano, por preço de
650.000 rs 212. Trata-se de obra subsistente, lavrada três anos antes
pelo entalhador Manuel da Silva Monteiro. Em 1699, Rodrigues era
mesário de 2ª condição da Santa Casa da Misericórdia de Santarém 213.
Ainda surge em 23 de julho de 1704, num contrato notarial de venda
de casas.
212
A.D.S., Lº nº 122 de Notas de Domingos de Moura de Matos, ls. 190 vº a 192. DOCU-
MENTO Nº 19.
213
Arquivo Distrital de Santarém, 3º Ofº, Lº nº 16 de Notas de Miguel Andrade Ferreira, ls. 32 vº
a 34 vº. Inédito.
214
Paulo Renato Ermitão GREGóRIO, op. cit., pp. 83-84.
215
Arquivo Histórico da Misericórdia de Torres Novas, Lº de Rec. e Despesa da Misª de 1700-
-1701, l. 168 e segs.
216
Arquivo da Misericórdia de Torres Novas, Lº de Rec. e Despesa da Misª de 1715-1716
(nº 66), l. 156 e vº.
174
a paga não reira exatamente o nome do pintor de óleo envolvido. A
tela, tenebrista, segue a tradição algo dura e convencional com que
esta composição era geralmente pintada no im do século XVII.
Também pintou as cinco telas para as capelas dos Passos da Pai-
xão, que lhe foram encomendadas em 1710 217, e que existem. Estas
telas mostram que o pintor era de bitola média, seguindo inspiração em
gravuras correntes para as várias composições da Paixão de Cristo, em
alguns casos as tradicionais estampas maneiristas da obra Evangelicae
Historiae Imagines do Padre Jerónimo Nadal (Antuérpia, 1593), tão
reproduzidas nos meios católicos europeus e extra-europeus durante
os séculos XVII e XVIII.
Em maio de 1715, aparece envolvido no legado testamentário de
Luís Rodrigues da Costa, um notável da vila 218. Sabemos que este
pintor torrejano era irmão da confraria do Santíssimo Sacramento da
igreja do Salvador 219, e que era estimado como pintor da modalida-
de de brutesco, tendo realizado (como vimos atrás) uma imponente
decoração na igreja de São Pedro, corria o ano de 1703, mas que se
perdeu de todo, restando apenas alguns vestígios no intradorso dos
arcos góticos (maioritariamente refeitos nos restauros recentes).
Já se sugeriu que pudesse ser seu, também, o teto brutescado
da sala do despacho da Confraria de Nossa Senhora do Rosário na
igreja do Salvador, sobre cuja qualidade artística se teceram atrás os
devidos encómios.
217
Arquivo Histórico da Misericórdia de Torres Novas, Lº de Rec. e Despesa da Misª de 1710-
-1711 (nº 62), l. 154 vº.
218
Arquivo Distrital de Santarém, Lº 149 de Notas de Custódio Pimenta do Avelar, Tabelião
de Torres Novas, ls. 183 e vº.
219
Arquivo Histórico Municipal de Torres Novas, Livro de Receita e Despeza da Confraria do
Santissimo Sacramento (da igreja do Salvador de Torres Novas), 1685-1711.
175
Caixotão de brutescos da Irmandade
de Nª Sª do Rosário da igreja do Salvador
220
Arquivo Distrital de Santarém, Livro nº 253 de notas de Alberto da Silva, Tabelião de Torres
Novas, ls. 71 vº a 72 vº. Inédito. DOCUMENTO Nº 24.
176
uma dinâmica cenograia nos trechos de batalha entre mouros e
cristãos, assim respondendo aos objetivos catequéticos pretendidos
na encomenda.
221
Arquivo Distrital de Santarém, Lº 290 de Notas de Hilário Roiz Martins, ls. 41-42. Inédito.
177
21. ANTÓNIO JOÃO
Pintor e dourador, act. 1711-1731
222
Arquivo Distrital de Santarém, Lº 260 de Notas de Alberto da Silva, Tabelião de Torres Novas,
ls. 16 vº a 17. Inédito. DOCUMENTO Nº 25.
223
Arquivo Histórico da Misericórdia de Torres Novas, Lº de Rec. e Despesa da Misª de 1723-
-1724, nº 74, l. 153 vº, e Lº de Rec. e Despesa de 1730-31 (nº 79), l. 75 vº.
224
Arquivo Distrital de Santarém, Lº 297 de Notas de Hilário Roiz Martins, ls. 25 e vº. DOCU-
MENTO Nº 31.
178
Teto de caixotões da sala da Irmandade do Santíssimo Sacramento
na igreja do Salvador
225
Arquivo Histórico da Misericórdia de Torres Novas, Lº de Rec. e Despesa da Misª de 1742-
-1743, nº 89, l. 213. Inédito.
179
se regista a sua presença dentro da estrutura dos pintores da capital
e se diz que «o Senhor Orasio de Ferri deu de esmola 480 rs», sendo
escrivão da mesa o pintor João Nunes de Abreu (um pintor do género
de arquiteturas de perspetiva, note-se), e onde o italiano assina com a
erudita fórmula latina «Ego Horatius de Ferri nomine dictor» 226. Parece
que acabava de chegar a terras portuguesas.
Não havendo comprovação suficiente, pode sugerir-se que a
avantajada pintura que cobre a cúpula da capela do Senhor Jesus
dos Lavradores, na igreja de São Tiago, se deva à responsabilidade
de Orazio de Ferri. A obra é de artista forasteiro, revela uma erudição
para a qual os pintores da vila não estavam preparados, e mostra uma
ciência perspética, segundo modelos de Bolonha e de Roma, que só se
compaginam com a atividade de um artista com estas características.
Avulta o facto de a entrada na Irmandade de São Lucas ter sido apadri-
nhada por João Nunes de Abreu, então a exercer o cargo de escrivão
da mesa e que era um dos pintores de perspetiva da Lisboa joanina.
Manda a prudência, porém, que por falta de prova cabal a atribuição
sugerida seja apenas uma proposta de trabalho...
O facto de essa erudita composição pictural a têmpera, com elegan-
tes iguras anichadas em edículas ingidas, entre balaústres, varandins
e arquiteturas, com anjinhos em dinâmicos escorços sobrepujando os
trechos de pedraria simulada, ter sido descoberta e de novo recoberta
pelo revestimento de entalhe que lhe fora aposto 227, leva a publicar
aqui alguns pormenores desse teto setecentista de primeira qualidade,
na esperança que eles abram caminho a novas indagações sobre o
artista envolvido e comparações com outras obras do mesmo período.
Embora o seu percurso seja ainda mal conhecido, Orazio Ferri terá
226
Cf. F. A. Garcez TEIXEIRA, A Irmandade de São Lucas, corporação de artistas…, cit., p. 95.
227
É sempre discutível uma solução como a adoptada pela irma Capitellum, dada a qualidade
da pintura posta a descoberto, e a sua perfeita inserção num contexto de que fazem parte a
talha Estilo Nacional do altar e os azulejos de Del Barco, num testemunho barroco de obra
de arte total que é raro no património de Torres Novas e devia, por isso, ser preservado. As
perdas irremediáveis de parte da pintura impuseram, porém, essa solução. Persiste o mistério
de a pintura ter sido mandada tapar pouco tempo depois da sua fatura: a ruína causada pelo
terremoto de 1755? Ou imposições causadas por mudança de gosto estético? O que é uma
realidade é que a talha que cobre a cúpula pintada e as trompas é da mais modesta qualidade
e de fase tardia. Foram ouvidos a este propósito a Prof. Isabel Mendonça, o Dr. José Meco e
outros especialistas e bons conhecedores das valências da capela.
180
sido um daqueles pintores italianos que demandaram o Portugal quinto-
-joanino à cata do sucesso e de um mercado de trabalho mais favorá-
vel, ou seja, condições que não podiam ter nas terras de origem dada
a inlação de artistas aí laborantes, e que acabaram por privilegiar os
centros fora de Lisboa onde poderiam reinar como pequenas estrelas,
como foi o caso de Giovan Battista Pachini na cidade do Porto ou de
Carlo António Leoni nos anos em que esteve em Braga 228.
Nota inal:
Recentes pesquisas da senhora Prof. Isabel Mendonça nos róis
de confessados do fundo arquivístico da Irmandade Italiana de Nossa
Senhora do Loreto, em Lisboa, a quem muito agradecemos a comu-
nicação dos resultados, acrescentam dados preciosos à biograia de
Horácio Ferri (ou De Ferri). Ficamos a saber, assim, que o pintor era
natural de Livorno – cidade portuária da Toscana, onde se destacava
então o pintor dos tetos de perspetiva Alessandro Gherardini (1655-
-1723), que foi um dos mestres de Vincenzo Baccarelli, como se sabe,
e terá sido, acaso inluente também na formação artística de Horácio
Ferri. Veio para Portugal nos anos 20 do século XVIII, em busca de
sucesso que um mercado em ascenso lhe poderia proporcionar, apa-
recendo registado a partir de 1728, com sua mulher portuguesa, Maria
Antónia Ferri, como moradores à Cotovia, na freguesia da Encarnação.
Em 1729, o casal morava na Cordoaria, freguesia de São Paulo, junto
ao hospício dos padres carmelitas alemães; não existindo registo, em
1730, no rol dos confessados, ambos são de novo registados, em 1731,
na mesma morada.
Desse ano de 1731, conserva-se o registo da sua entrada na Ir-
mandade de São Lucas de Lisboa. Em 1733 e em 1735, o casal vai-se
confessar ao Loreto, para recenseamento no rol de confessados, mas
em 1737 o pintor ausenta-se por razões de trabalho para Torres Novas
e por isso não compareceu à desobriga pascal, sendo de destacar o
facto de que as anotações do pároco do Loreto, sempre tão parcas
228
Sobre a igura e obra de Pachini, cf. Flávio GONÇALVES, João Baptista Pachini e os pai-
néis da Casa do Cabido da Sé do Porto, sep. de Arquivos do Centro Cultural Português da
Fundação Calouste Gulbenkian, Paris, 1974.
181
para além do recenseamento dos nomes, registam estas valiosas
observações, a 14 de Maio desse ano, a respeito do artista livornês:
182
A presunção de que Orazio de Ferri será o autor das pinturas do
teto da capela do Senhor Jesus dos Lavradores na igreja de São Tiago
foi plenamente conirmada – estando este livro em provas inais – com
a localização de uma grande tábua assinada pelo pintor de Livorno,
proveniente da demolida igreja do Salvador de Santarém e conservada
no acervo museológico da Diocese. O estilo de iguras, as caraterísticas
de desenho e demais estilemas são, com toda a evidência, similares
ao que se mostra na pintura da cúpula torrejana, atestando de modo
inequívoco a autoria do italiano!
183
Pormenor da cúpula pintada da capela do Senhor Jesus dos Lavradores, c. 1730-40
184
24. MANUEL DELGADO VALENTE
Pintor e dourador, c. 1737-1750
Arquivo Distrital de Santarém, Lº 312 de Notas de Miguel da Silva, ls. 258 vº a 260. Inédito.
229
230
Arquivo Histórico da Misericórdia de Torres Novas, Lº de Rec. e Despesa da Misª de 1748-
49, nº 94, ls. 167 vº, 168, 174 e 175 vº. DOCUMENTO Nº 32.
185
25. BERNARDO DELGADO VALENTE
Pintor e dourador, act. 1749-1753
231
Arquivo Histórico da Misericórdia de Torres Novas, Lºs de Rec. e Despesa da Misª de 1748-
-49 (nº 94), ls. 175 vº, e de 1752-53 (nº 98), l. 146.
186
Entalhadores e carpinteiros de marcenaria
232
Paulo Renato Ermitão GREGóRIO, op. cit., pp. 117-118.
233
Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Tombo dos Bens que oje pesue esta confraria
das almas do fogo do purgatório da Igreja de S. Tiago desta villa de torres novas, oye o prº
de Abril de 1620, Lº nº 1782 (nº provisório de unidade de instalação), ls. 21-25. Inédito. DO-
CUMENTO Nº 10.
187
28. MANUEL DA SILVA
Entalhador, act. 1682-1700
234
ANTT, Cartório Notarial de Lisboa, n.º 9A (atual n.º 3), Cx. 85, L.º 327, ls. 14 v.º-16. Referido
por Sílvia FERREIRA, A Talha Barroca de Lisboa (1670-1720). Os Artistas e as Obras, tese
de Doutoramento, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (Especialidade em Arte,
Património e Restauro), 2009.
235
Arquivo Distrital de Setúbal, L.º 55 de Notas de Julião de Arouche Vidal, Tabelião de Se-
túbal, ls 37-39 v.º, publ. por Vítor SERRÃO, «Uma Obra Prima (...)», cit., p. 642 e nota 19.
236
Cf. Ernesto SALES, O Senhor Jesus dos Passos da Graça, Lisboa, 1922, p. 217. Informa-
ção recolhida no arquivo do Senhor Jesus dos Passos da Graça, Livro 2.º (1653-1687) de
admissão de irmãos, l. 258.
237
Paulo Renato Ermitão GREGóRIO, «A obra do mestre entalhador Manuel da Silva, na vila
do Almonda (1685-1695)», revista Nova Augusta, nº 14 (2002), pp. 47-66.
188
tenha devido ao sucesso que o seu primeiro trabalho para a igreja do
Salvador grangeou, abrindo-lhe de imediato outras aliciantes possibi-
lidades de labor. Em 1694, o mestre entalhador realiza o retábulo e
entalha o Sacrário da capela-mor da igreja da Misericórdia, obras ainda
existentes e bem estudadas por Paulo Renato Ermitão Gregório 238,
tendo entretanto cumprido, em 1693, a fatura do retábulo-mor da igreja
de São Tiago. Este último, que é obra muito avantajada, sofreu adições
em 1722 com a inclusão de uma nova tribuna.
De todos estes trabalhos de Manuel da Silva já se deu conta, atrás,
na descrição das igrejas do Salvador e de São Tiago, e se destacaram
justamente as qualidades de modelação do artista, muito hábil no
labor do cinzel de entalhe e também na modelação de igura (sendo
de notar a ingenuidade dos anjinhos e as proporções caprichosa-
mente deformadas dos elementos caracterizadores), como se pode
comprovar face às portas com relevos historiados que valorizam os
sacrários dos retábulos do Salvador, de São Tiago e da Misericórdia.
Trata-se quiçá do melhor testemunho da talha barroca do Estilo Na-
cional em todo o Ribatejo.
L.º de Receita e Despesa da Misericórdia de 1694-95, n.º 22, l. 166, publ. por Vítor SER-
238
189
Manuel da Silva — Sacrários das igrejas do Salvador (1685), de São Tiago (1693)
e da Misericórdia de Torres Novas (c. 1700)
190
29. MANUEL DA SILVA MONTEIRO
Entalhador, act. 1700-1730
239
Arquivo Distrital de Santarém, Livro nº 244 de Notas de Pedro de Sousa Seabra, Tabelião
de Torres Novas, ls. 141 e vº. Inédito. DOCUMENTO Nº 22.
240
Arquivo Distrital de Santarém, Lº 247 de Notas de João Lopes Ferreira, Tabelião de Torres
Novas, ls. 21 vº a 22. Inédito.
191
Existem referências a intervenção sua em outras igrejas de Torres
Novas e seu termo.
241
Arquivo da Misericórdia de Torres Novas, Lº de Rec. e Despesa da Misª de 1715-1716 (nº
66), l. 156. A pintura do quadro coube a Pedro Coelho Taborda.
242
Arquivo Distrital de Santarém, Lº 276 de Notas de Hilário Rodrigues Martins, Tabelião de
Torres Novas, ls. 129 vº a 130. Inédito. DOCUMENTO Nº 26.
192
Torres Novas para este vir «fazer a tribuna da Senhora» por preço de
115.600 rs 243, obra que foi de seguida dourada por Baltazar dos Reis
Franco, pintor que também brutescou, em 1726, o arco triunfal dessa
igreja, por 50.400 rs, que recebeu além dos 350.000 rs do dourado do
retábulo 244.
Não se sabe se este artista torrejano pode ser identiicado com um
entalhador chamado Manuel Ferreira Pinto que, por contrato de Abril
de 1738, realizou a obra de entalhe da tribuna da igreja de Nossa Se-
nhora da Piedade em Brogueira, no termo de Torres Novas, por preço
de 330.000 rs 245. O manuscrito contratual está muito deteriorado e
a assinatura desapareceu, razão pela qual não sabemos se se trata
do mesmo personagem. A obra intestina dessa igreja rural também
desapareceu.
243
Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Livro da Irmandade de Nossa Senhora do
Rosário da Matriz de Santa Catarina (nº 1604), anos 1722-1850. Inédito.
244
Idem, Livro da Fábrica da Igreja Paroquial de Santa Catarina, 1712 e segs., (nº provisório
de unidade de instalação, 1605), l. 81. Inédito.
245
Arquivo Distrital de Santarém, Lº 313 de Notas de Miguel da Silva, Tabelião de Torres Novas,
s/nº de ls. Documento inédito, muito daniicado.
246
Arquivo Distrital de Santarém, Lº 188 de Notas de Martinho Pimenta do Avelar Castelo
Branco, Tabelião de Torres Novas, ls. 47 vº a 48. Inédito.
193
32. FRUTUOSO PEREIRA DE ALMEIDA
Entalhador, act. 1745
Ourives de prata
247
Arquivo Distrital de Santarém, Lº 188 de Notas de Martinho Pimenta do Avelar Castelo
Branco, Tabelião de Torres Novas, ls. 47 vº a 48. Inédito.
248
Arquivo Distrital de Santarém, Arquivo Distrital de Santarém, Lº 187 de Notas de Martinho
Pimenta do Avelar Castelo Branco, Tabelião de Torres Novas, ls. 126 a 127 vº. Inédito.
249
Citados, por exemplo, em referência a uma dívida a juro, em 1733 (Arquivo Distrital de
Santarém, Lº 308 de Notas de António de Gouveia, Tabelião de Torres Novas, ls. 59 vº- 60).
194
É exceção o «ourives das Lapas Manoel Couceiro», que em 1705
trabalhava para a Irmandade do Santíssimo Sacramento do Salvador,
na fatura de uma lanterna e de uma galheta de prata 250, obras todavia
desaparecidas ou destruídas quando as pratas das igrejas da vila foram
fundidas por imposição dos invasores franceses.
Pintores de azulejo
250
Arquivo Histórico Municipal de Torres Novas, Livro de Receita e Despeza da Confraria do
Santissimo Sacramento (da igreja do Salvador de Torres Novas), 1685-1711, l. 130 vº.
251
Cf., entre outros, João Miguel dos Santos SIMÕES, Azulejaria em Portugal no Século XVII,
F.C.G., Lisboa, 1971; idem, «Gabriel del Barco», Dicionário da Pintura Universal, Lisboa, Es-
tudos Cor, 1974, p. 51; Robert SMITH, «Três estudos bracarenses», Belas-Artes – Revista e
Boletim da Academia Nacional de Belas Artes, 2ª série, n.º 24-26, 1970, pp. 49-58; José MECO,
«Azulejos de Gabriel del Barco na região de Lisboa: período inicial, até cerca de 1691», in
Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa, nº 85, 1979, pp. 69-124; idem, «O pintor de
azulejos Gabriel del Barco», História e Sociedade, n.º 6, Dezembro de 1979, pp. 58-67 e n.º
7, Maio de 1981, pp. 41-50; e Maria do Rosário Salema de CARVALHO, «Gabriel del Barco:
la inluencia de un pintor español en la azulejería portuguesa (1669-1701)», Archivo Español
de Arte, n.º 84 (335), 2011, pp. 227-244.
252
Cf. José MECO, «Azulejos de Gabriel del Barco na região de Lisboa: período inicial, até
cerca de 1691», in Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa, nº 85, 1979, pp. 69-124,
e idem, O Azulejo, Publicações Alfa, Lisboa, 1989.
195
estabelecendo-se na freguesia do Loreto e airmando-se desde logo
como pintor de azulejo e de tetos de brutesco 253. O facto de integrar
a comitiva do embaixador atesta a sua importância social. Mas só em
1683 Gabriel del Barco entra na Irmandade de São Lucas, sediada no
mosteiro da Anunciada 254, o que pode ser razão de alguma estranheza.
Depois de se radicar em Lisboa em 1669, oriundo de Siguënza,
de onde era natural, este artista castelhano morou na freguesia de
Santos-o-Velho, mudando de casa em 1696 para a freguesia de Santa
Catarina para Santos, mantendo oicinas abertas. Em 1701, o pintor
enviuvou da sua terceira mulher, ignorando-se por quanto tempo con-
tinuou em atividade. Embora já se tenha aventado a possibilidade de
ter regressado a Siguënza, depois de 1701 255, a verdade é que em
1703 ainda estaria a pintar, como supôs José Meco, pois a sua ‘mão’
se encontra (entre a de colaboradores e quiçá a de Teotónio dos San-
tos) no revestimento azulejar da igreja matriz do Sardoal (Abrantes)256.
Em 1707, é esclarecedora a referência de Frei Agostinho de Santa
Maria, no seu Santuário Mariano, ao artista espanhol, dando-o como
falecido, a respeito da Irmandade de Nossa Senhora da Atocha a que
ele pertencia e que, com o seu desaparecimento, deixara de dinamizar
como até então sucedera 257.
A obra de pintor de azulejos é imensa, tem vários conjuntos assina-
dos e envolve lugares como a Capela de São João Baptista e a Quinta
de Nossa Senhora da Conceição de Barcarena, a capela-mor da Igreja
de São Bartolomeu da Charneca do Lumiar (1696 ?), a igreja de Nossa
Senhora dos Prazeres em Beja (1698), a Igreja de São Tiago de Évora
(1699-1700), a igreja do convento dos Lóios de Arraiolos (1700), a igreja
de São Mamede em Évora, e também a capela de Nossa Senhora da
Conceição no Convento da Serra d’Ossa, e (de oicina) a capela-mor
da igreja do Sardoal, perto de Abrantes (1701), sem esquecer a Vista
de Lisboa do Museu Nacional do Azulejo.
253
Maria do Rosário Salema de CARVALHO, «Gabriel del Barco: la inluencia de un pintor
español en la azulejería portuguesa (1669-1701)», Archivo Español de Arte, n.º 84 (335),
2011, pp. 227-244.
254
F. A. Garcez TEIXEIRA, op. cit., p. 125.
255
Vergílio CORREIA, «Azulejadores e pintores de azulejos…», p.169.
256
José MECO, «Azulejos de Gabriel del Barco na região de Lisboa», cit., p. 75.
257
Frei Agostinho de SANTA MARIA, Santuário Mariano, I, 1707, pp. 345-347.
196
A obra de pintor de azulejo de Del Barco foi destacada pelo Engº
Santos Simões, que observou em Barco o «desenho livre, quase sinté-
tico, mas pouco correto na perspectiva, com muito contorno e zonas do
258
corpo desenhadas de forma grosseira» ; mas foi José Meco quem pri-
meiro e melhor revalorizou o artista, em vários estudos a partir de 1979,
neles defendendo o seu papel vanguardista na evolução do Azulejo e
destacando as suas fortes características pessoalizadas, numa obra
que ora é espontânea e densa, ora de crescente expressão plástica e
com um poder sedutor que decorre do uso das manchas diretas, e que,
mesmo quando a obra é de desenho sumário e tem erros de perspe-
tiva, não deixa de a valorizar em termos de concepção e aplicação do
azulejo 259. Este elenco de tópicos estilísticos de Barco aplica-se bem
à obra da capela do Senhor Jesus dos Lavradores, pintada em 1692,
isto é, no momento áureo da produção cerâmica do artista.
258
João Miguel dos Santos SIMÕES, Azulejaria em Portugal no século XVIII, p. 22.
259
Cf. José MECO, «Azulejos de Gabriel del Barco na região de Lisboa …», p. 82; idem, «O
pintor de azulejos Gabriel …», pp. 58-67 e 1980, pp. 41-50; idem, «Azulejo», Arte Portuguesa
da Pré-História ao século XX, vol. 13, Lisboa, Fubu Editores, 2009, pp. 111-142.
197
Outros artistas e artíices
260
José Nelson Leonardo CORDENIZ, Os Órgãos de Tubos de António Xavier Machado e
Cerveira nos Açores, Mestrado em Ciências Musicais – Musicologia Histórica, Faculdade de
Ciências Sociais e Humanas, Lisboa, 2010.
198
tanes fecham os registos médios e agudos, tornando os instrumentos
mais válidos para a música moderna do que para a música antiga do
seu tempo, os de Machado e Cerveira apenas fecham os registos agu-
dos, tornando os instrumentos igualmente aptos para responderem às
necessidades das obras antigas e modernas».
O órgão do cruzeiro direito da Basílica está assinado «Joaquim Anto-
nio Peres Fontanes O fes em 13 de junho d’ 1807» e possui dezasseis
registos, dois pedais para notas fá e dó dadas em separado e outros
dois para lautado e cheio, com extensão do teclado de quatro oitavas
e três notas (dó a mi) 261. Considerando a carência de órgãos que se
fazia sentir nas igrejas de Lisboa numa altura de crise como esta, em
que o Reino vivia as invasões francesas e a reconstrução ainda não
estava concluída, torna a igura de Peres Fontanes um intérprete es-
sencial, por ser o único organeiro instalado na capital. Assim, chovem
encomendas no seu atelier: É seu, por exemplo, o grande órgão do
Mosteiro dos Jerónimos, composto por «4.010 tubos, 74 registos e
12 pedais de combinações; os foles são em número de sete», sendo
«uma fábrica magestosa, ocupando lateralmente todo o comprimento
do coro» 262.
Também são de Peres Fontanes os órgãos da Sé de Lisboa, da
igreja da Madalena e da do Loreto, similares na sua fábrica aos
da Basílica de Mafra, embora sem a mesma magniicência. Nesse
âmbito se insere o de Torres Novas, datado de 1798. O artista teve
um ilho, chamado António Joaquim Fontanes, que foi também
organeiro, e a quem se deve, entre outros, o órgão da matriz de
Oeiras, assinado «Antonio Joaquim Fontanes, o fez em Lisboa no
anno de 1829.»
261
Ernesto VIEIRA, Dicionário Biographico de Músicos Portuguezes, Lisboa, 1900; sobre este
organista, cf. também a tese de José Nelson Leonardo CORDENIZ, op. cit., 2010.
262
Ernesto VIEIRA, op. cit., Lisboa, 1900, p. 53.
199
órgão de Peres Fontanes na igreja de São Tiago, 1798
200
CONCLUSÃO
201
A pesquisa histórica e documental (que nos pode fornecer os dados e
conexões das peças, como ao longo deste livro se tentou fazer para
muitos casos) já não é suiciente, quando é precisa também a análise
iconográica e estilística (que deine o contexto primeiro de produção)
e o subsequente olhar da iconologia, com alargados comparatismos
pluri-disciplinares (que nos revelam outros sentidos profundos da obra
de arte sacra como, antes de mais, uma obra de arte).
Há uma sabedoria arcana, ponto de encontro com o desejo, desen-
lace de memórias identitárias, que se cruzam nesse ato de descobertas
em que a arte sacra é um campo maior de fascínios estéticos – certa-
mente porque foi criada com funções de (e para) prática religiosa, para
o mundo interior ou, como diria Ernst Gombrich, para os olhos da alma...
É preciso por isso, como enfatizava outro grande historiador de arte,
Giulio Carlo Argan, saber olhar e saber ver, crer no que se vê, mesmo
que não implicitamente numa dimensão metafísica ou crença religiosa.
História e crítica da arte são duas faces da mesma moeda, tratando-se
de obras que, no im de contas, são sempre contemporâneas, isto é,
aptas para a fruição integral do e no nosso tempo.
Na verdade, todos nós somos fruidores comprometidos de obras de
arte, e dedicamos-lhes um olhar que anseia pela integralidade. Todas as
obras possuem essa extraordinária capacidade de assumir dimensão
trans-contemporânea, pelas ininitas possibilidades de ascenderem
ao sublime e suscitarem olhares críticos ao longo dos tempos (ontem,
hoje, amanhã), mesmo que a cadência de modas, gostos, e critérios
de aferição estética imponha bitolas valorativas que são, tantas vezes,
radicalmente distintas...
Vendo-se as pedras relevadas medievais do Salvador, a imaginária
dos séculos XVI, XVII e XVIII nestas igrejas, a azulejaria de Gabriel
del Barco em São Tiago, a coleção de pinturas renascentistas, ma-
neiristas e barrocas de São Pedro, a esplendorosa talha barroca de
mestre Manuel da Silva em São Tiago e no Salvador, as decorações de
brutesco de várias coberturas de capelas e irmandades, entre tantas
outras valências artísticas de Torres Novas, concluímos que elas são
exemplos taxativos destas linhas de relexão que valorizam a cidade
ribatejana e, de uma vez por todas, a colocam no mapa dos percursos
turístico-culturais portugueses.
202
ELENCO DOCUMENTAL
Nota Prévia
205
DOCUMENTO Nº 1. 1568, 3 de agosto, Torres Novas. Termos da
visitação à igreja do Salvador de Torres Novas em que ordena
que sejam abolidas as três naves da igreja e que se faça um bom
Sacrário para o altar-mor.
(…) e porque esta igreja hé muito pequena e fora milhor assi se alar-
gar a perder o foro, me pareceu que era melhor acrescentarse primeiro
o que for necessário para icar tão capaz como qualquer das outras
igrejas, e por que isto não pode ser icando de três naves como hé,
por não ter lugar para se poder acrescentar tanto, mando que se faça
de uma nave somente, com umas linhas de fora para icar segura e os
oiciais da confraria do Santíssimo Sacramento devem dar toda a ajuda
possível para esta obra porque por causa da confraria se manda fazer
principalmente, e nisto empregarão melhor o que gastarem que não na
capela que determinam fazer, porque com hum bom sacrário e de boa
obra, feito no altar mor, ica o Santíssimo Sacramento mais venerado
que não noutra parte, e feita esta obra, que se fará o mais em breve que
for possível, porque se manda depositar o dinheiro principalmente para
isto, se proverá no mais que for pedido pelos fregueses e visitações…
206
e setenta anos, aos vinte e cinco dias do mês de Agosto do dito ano,
na vila de Torres Novas, no alpendre da igreja do Salvador da dita
vila, estando ahi presentes de huma parte Gonçalo Lopes e Pedro
Alvares e Simão Leitão, todos clérigos e beneiciados e residentes
na dita igreja, e da outra João de Évora, mestre pedreiro, morador na
vila de Thomar, logo pelos ditos beneiciados, em seus nomes e dos
mais ausentes, e do prior da dita igreja, foi dito perante mim, tabelião,
e das testemunhas ao diante nomeadas, que pela visitação deste ano
presente lhes era mandado fazerem certa obra de pedraria na dita
igreja, pelo que eles ditos beneiciados mandaram meter em pregão a
dita obra nesta dita villa e em outras partes, e por ora se achar quem
quisesse aceitar fazer a dita obra (se contratou) o dito João de Évora,
conforme os apontamentos que o dito pedreiro traçou, os quais são
os seguintes, a saber: que a dita igreja se havia de acrecentar uma
vara de medida além do alpemdre ao comprido, e a parede que havia
de ser de três palmos e meio de vantagem, e se havia de tirar ambas
as naves, e toda a parede do portal de alto abaixo, e despejar toda a
igreja de telhado e madeira e pedra, a qual madeira hé do carpinteiro,
e alpendre, de maneira que tudo se desmanche com todo o resguardo
que for possível, para se não quebrarem as lajes. E assim mais se
havia de começar uma torre para os sinos juntamente com a dita obra
liada (?) do tamanho da de Sam Pedro da dita vila e do feitio dela, de
que icam os degraus da dita torre, que háde ir até altura do coro e não
mais, com os degraus de pedrarias, somente a serventia da dita torre
háde ser mais larga que a de Sam Pedro conforme anotação (?) dos
ditos beneiciados. E as paredes das ilhargas hãode se acrescentar
em altura de huma vara de medir e todas outras de redor hãode se
erguer na altura que for necesário para se emadeirar a dita igreja com-
petentemente de huma só nave, como está a igreja de Santa Maria e
a de Sam Tiaguo, desta vila. E a parede que se háde fazer onde está
o portal principal se fará hum portal de pedraria cham (sic), com seu
frontispiçio por cima, e será o portal da largura do portal velho, para
poderem servir as portas que nele estão, o qual portal será quadrado
e terá de altura competente a largura do portal velho, e será de peças
todas inteiriças com seu sobrearco de pedraria, e com seu sobrearco
de tijolo por riba. E na mesma parede, no lugar competente para dar
207
claridade ao coro, se porá hum espelho que estava na parede velha
do coro, o qual será limpo à escova ou como milhor puder ser e se
háde por na serventia que háde ir da igreja para a torre e coro. O por-
tal velho que hora está no coro, limpo a escova, e o portal que agora
está no púlpito de pedra, se limpe à escova e se porá na parede da
serventia do coro, e nas paredes das ilhargas da dita igreja se porão
quatro frestas de pedraria da igreja ou as que forem necessárias na
dita igreja, e os ditos beneiciados terão de dar toda a pedra que for
necessarea de alvenaria assim para a dita torre como para a dita
igreja (…) (linhas ilegíveis). Salvo alguns dos arcos que servirem
para os arcos dos sinos que icará. E o portal principal da dita igreja
háde ser todo de pedraria nova inteiriça à custa dos pedreiros, asi
a feitura como o carreto, e o mais que o dito portal tiver, e as peças
dele serão de largura que soma toda a parede, e os pedreiros e
oiciais serão obrigados à sua custa acabar a dita igreja, convém a
saber, telhar e embraceirar conforme a de Santa Maria, e depois de
gastarem toda a telha da igreja e alpendre porão à sua custa toda
a que falecer, a qual será da melhor da terra, e guarnecerão e pin-
celarão toda a igreja, as paredes novas e as velhas, tirando a torre,
que não háde icar acabada, tudo de dentro e de fora com boa cal e
bem temperada, asi a de guarnecer como a das paredes, de maneira
que a igreja e os beneiciados não serão obrigados a dar mais que
a pedra da alvenaria, como dito he, e degraus para as ditas torre e
coro. E os pedreiros farão a dita obra sem os ditos beneiciados não
intervirem em lhes buscar e darem para os andaimes coisa alguma
somente de madeira (…). E o acrecentamento que na dita igreja além
do alpendre se háde fazer de uma vara de medir háde ser feita a pa-
rede de fora da vara de medir como dito he. E a torre háde ser feita
à entrada da dita igreja à mão direita e a parede que está sobre o
cruzeiro que saia fora do telhado farão os pedreiros conforme a parede
das ilharguas e que tudo ique igual. E por a dita obra andar muitos
dias em pregão, se arrematou ao dito João de Évora, pedreiro, com
todas as solenidades necessárias por António Fernandes, porteiro,
por preço e quantia de setenta e nove mil rs, pelo que o dito João de
Évora, pedreiro, logo disse que se obrigava a fazer a dita obra pelos
ditos setenta e nove mil rs conforme às condições atrás declaradas,
208
com que aceitou a dita obra, e assim e da maneira nelas contidas, e
melhor se puder ser e da maneira que dito he, para o que se obrigou
a si e todos os seus bens moveis e demais presentes e futuros, a
qual obra será vista e examinada por outros oiciais que seja boa e de
receber conforme ao atrás dito, etc. E a tudo sendo presente o padre
Theodosio de Oliveira, prioste da dita igreja, que disse que porquanto
lhe era mandado com os ditos beneiciados a fazer as ditas pagas ao
dito pedreiro ou a seu iador (Manuel Martins, clérigo nesta vila), os
ditos beneiciados e prioste aceitaram a dita iança como atrás icou
dito (...). Em fé e testemunho de verdade e por irmeza dela a aceitei
e estipulei, sendo por testemunhas prezentes António Freire Figueira
e Manuel Maio e Paulo da Mota, beneiciado na dita igreja nesta vila,
todos moradores, e eu, André Freire, tabelião, que o escrevi.
(aa) João de Évora – Gonçalo Lopes – Pedro allvrz – Simão leitão – Antº
freire Figrª – Manoel Maio – Paulo da Mota – mell Martins – André Freire.
(…) O prioste tomará este ano dos frutos e rendas em que juntos
com o mais que está socrestado do ano atrás entenderá logo mandar
forrar a igreja, visto primeiro o madeiramento por oiciais, e sendo
necessário intrometer-lhe alguma madeira se é pouca, e assim fará
vir duas colunas boas e altas para se fundar logo o coro e acabar de
guarnecer a igreja até onde chegar o socresto…
209
DOCUMENTO Nº 4. 1573, 6 de março, Torres Novas. Termos da
visitação à igreja do Salvador de Torres Novas em que refere a
prossecução das obras.
210
o retábulo e dourá-lo perfeitamente como é necessário a tal casa, e o
sacrário se pintará e dourará d’ouro…
211
Thomas, çituado na dita cidade e encorporado na Universidade della,
per vertude do qual gozava, como hoje em dia goza, dos privilégios
e liberdades que têm os escolares, como consta dos Estatutos de
que em minha fée, e fazendo o dito Estacio Mathias alguma obra ou
obras, que ele, Pedro de Frias, o quis obrigar ao fazer meeiro (sic)
pagando-lhe sua parte e a pena do dito contrato, de o não chamar e
de não partir com ele, tirar precatório diante do conservador da dita
Universidade pera ho citar, e de feito citou, per ho sobredito e pêra a
dita citação fora acusado, e havida contra ele sentença de condena-
ção à pena de duzentos cruzados de pena do dito contrato e custas,
por bem da qual fora com ela pera a dar execução à dita cidade de
Lisboa, onde o dito Estacio Mathias estava, e por ela fora requerido
e penhorado e fora escrivão dos autos Jeronimo Affonso, diante do
Corregedor do Cível da Casa da Suplicação…, e que fora juiz que a
mandara cumprir, o doutor Manuel Francisco do Torneo, e correndo
os pregões sobre os bens em que fora feita pen hora, o dito Estacio
Mathias pedira ho treslado dos ditos autos e se viera a esta cidade,
e o juiz conservador de que a sentença emanou veio com embargos
de medeidados (sic) a ela por seu procurador, de que a parte hou-
ve (sentença), e tanto se alegou de huma e outra banda que o dito
conservador saiu com despacho que não recebia os embarguos de
que ao presente foi escrivão Francisco Mendes, por Amaro Figueira,
e tendo o dito Estacio Mathias agravado do dito despacho pera os
superiores, e tresladando-se nos autos do dito agravo pera o seguir,
se vieram eles partes a concertar, estando o caso nos ditos termos da
maneira seguinte, a saber, disse ele Pedro de Frias que per escusar
o dinheiro e demandas cujos bens eram devidos em inquietação de
sua pessoa, lhe aprazia, e de feito aprouve, por este publico estro-
mento, de quebrar, haver por quebrado e acabado o dito contrato da
dita parçaria, de hoje pêra sempre, como se antre eles nunqua fora
feito, e em direito que o dito contrato dava na forma em que estava
feito, ele o renuncia e demitia de si em favor do dito Estacio Mathias,
pera que livremente e sem obrigação alguma da dita parceria poder
tomar e fazer todas e quaisquer obras que lhe aprouver e bem pare-
cer, de qualquer parte que for, e posto que tomadas as tenha depois
212
do dito contrato a esta parte e as izesse, ou as tem por fazer, com
quaisquer ganhos que forem, per maiores que sejam, per que tudo
renuncia pêra liberdade e proveito do dito Estacio Mathias, e há por
bem de lhe dar quitação de todo ho direito que lhe a dita sentença e
outra qualquer dêem e possam dar, e de todos os autos dela, e por
este distrato, liberdade e quitação geral disse ele, Estacio Mathias,
que dava e de feito deu ao dito Pedro de Frias dous assinados que
tinha de Affonso de Abreu, morador na villa de Torres Novas, per que
constava dever-lhe per hum (rol?) oito mil rs de empréstimo e per ou-
tro seis de resto de cinquo imagens que elle fez pêra ho retabollo da
igreja do Salvador da dita villa, como deles consta, e pêra os poder
cobrar e arrecadar do dito Affonso de Abreu o fez procurador de causa
própria com libera e geral administração, e lhos deu em pagamento
pera as custas e despesas que fez na dita demanda, e por todos os
interesses que contra ele tivesse julgados pela dita sentença e por
outra qualquer, e para lhe prefazer quinze per os ditos asinados não
compreenderem mais de quatorze, ao fazer deste lhe deu mais ele,
Estacio Mathias, mil rs em dinheiro de boa moeda de prata que ele
contou e recebeu, e de tudo ho deu per quite e livre para sempre e
a seus bens e de seus herdeiros, etc. Foram testemunhas presentes
Christovão Fernandes, cavaleiro da casa d’el Rei Nosso Senhor,
morador na sua quinta do Couto de Penedos, termo desta cidade, e
Manuel Martins Maldonado, estudante, ilho familiar de mim, tabelião,
e Affonso Roiz, sapateiro, na dita cidade moradores, e eu, António
Martins, tabelião, o escrevi.
213
DOCUMENTO Nº 7. 1580, 15 de novembro, Torres Novas – Contra-
to dos mordomos da Confraria de Nossa Senhora do Rosário da
igreja do Salvador de Torres Novas com Gaspar Soares, pintor,
para pintar os painéis e dourar o retábulo dessa capela.
214
centes ao dito passo, e no painel desse que está em todo acima se
pintará a igura de Nossa Senhora com os Patriarchas necessareos
correspondendo e arrematando a historia da verga de Jessé, e com o
rosário à roda e no frontispiçio de cima pintará o Espirito Santo numa
nuvem com seu resplandor congruentemente, e no painel de cima
da banda da capela a par da verga de Jessé pintará a Saudação do
Anjo com Nossa Senhora e da outra banda no outro painel pintará o
Nascimento de Cristo, e em baixo no outro painel da banda da capela
pintará a estoria dos Reis Magos, e da outra banda da parede no
painel de baixo pintará a Circuncisão de Nosso Senhor, as quais pin-
turas serão todas como as iguras e tintas e toques dos retábulos de
Nossa Senhora do Vale, que tem os proprios passos e serão também
tocados e pintados e com as mesmas iguras que o mesmo retábulo
de Nossa Senhora do Vale e melhor se puder ser, e de vantagem
e à vontade e contentamento dos oiciais da dita confraria, e todo o
mais retábulo não terá outra obra senão dourado, salvo os rostos de
algumas igurinhas que forem necessareas fazerem-se para baixo
ao pé do dito retábulo ao modo do retábulo de Nossa Senhora do
Vale e da Misericordia desta dita vila em que entram quatro profe-
tas entre os painéis. Tudo o mais do dito retábulo será dourado em
todo o vão da parede ao redor do dito retábulo quanto diz, o remate
pintará de azul com algumas rosas de ouro, como parecer ao dito
pintor, e o rosário do retábulo que tem as rosas de pau serão pra-
teadas e os centurões dourados com cor que pareçam rosas. E os
ditos mordomos darão ao pintor hum carpinteiro oicial a suas custas
para o ajudar para armar e desarmar o dito retábulo, ao que tudo o
dito pintor se obrigou muito inteira e perfeitamente fazer como aqui
vai declarado e como for mais decente e convenientemente que for
possível, com declaração de que sendo caso que o pintar e dourar
do dito retábulo valha muito mais que o dito preço dos trinta e cinco
mil rs, ele Gaspar Soares disse que o que mais valesse ele desde
então para agora e de agora para então que dele fazia esmola à dita
confraria e renunciava a lesão da quarta e sexta parte e que não
quer usar de mais avaliação nem compensação que mais valha o
dito retábulo de pintar e dourar, etc. Testemunhas que a tudo foram
presentes, os ditos senhor Fernão Varela e Francisco, seu criado, e
215
Diogo Luís de Bivar, todos moradores na dita vila, e eu, André Freire,
tabelião, que o escrevi.
216
e por razões e causas justas concluíram que se devia de dar ao dito
Gaspar Soares para ele o fazer e para o dourar do retábulo a hum José
Mendes, dourador, de que se izera auto no livro da dita confraria pelo
escrivão dela e por todos assinado, e por isso disseram eles, oiciais que
assinam, concertados com o dito pintor para o que dito é pela pintura
e obra do retábulo, concluíram com ele de lhe haverem de dar cento
e cinco mil rs, pelos quais disse o dito pintor que se obrigava a pintar
o dito retábulo e o dito José Mendes dourar o sacrário onde cumprir, e
como ao diante será declarado, primeiramente, ele pintor se obrigou
a fazer e pintar no painel grande de cima da banda do Evangelho a
Ceia de Cristo, e no outro painel da outra banda a Oração no Horto,
da banda da Epístola e no outro painel abaixo deste Cristo à coluna
e no outro de baixo da banda do Evangelho o Ecce Homo, e nos três
remates de todo acima, no do meio a Ressurreição de Cristo e no re-
mate da banda do Evangelho o Aparecimento à Senhora, e no outro
remate da banda da Epístola o Aparecimento à Madalena, e todo o
sacrário há-de ser dourado de dentro e de fora, de dentro onde está o
Santíssimo Sacramento e assim o tesouro todo do dito Sacrário, e pela
mesma maneira háde ser dourada toda a mercenária do dito retabolo
e os rostos e mãos e pés dos serains, anjos, apóstolos e mais iguras
onde for de encarnar, e as roupas de Christo e das mais iguras hãode
ser muito bem estofadas se achadas por cima do sacrário, e asi mais as
asas dos serains e anjos e os campos de toda a obra do dito retábulo
hãode ser muito bem encrespados e rachados onde melhor convém,
para aperfeiçoar e enriquecer a obra conforme merece o bom feitio do
dito retábulo e marcenaria dele, e os pedestais que assentam no chão
serão ambos com todas as colunas dourados e encrespados e rachados
por cima do pau, e nos cantos e frisos com toda a marcenaria, e a dita
pintura háde ser a óleo e as tintas as mais inas que se puderem usar
e devem ter-se as do retábulo de Nossa Senhora do Rosário da dita
igreja, e o ouro será muito velho e brunido, de modo que ique toda a
dita obra muito perfeita e acabada de tal maneira como lhe requer o
dito retábulo e como ica declarado e vantagem do que ica dito, por
sua maneira que a dita obra será vista e examinada por pessoas que o
entendam e disserem que está a dita obra perfeita, vistosa e acabada
como é necessário, e a tendo eles oiciais pintada, com isto assim lhe
217
acabariam de fazer o pagamento do que com ele se concertaram e ao
diante se dirá para o que a conta dos ditos cento e cinco mil rs, eles
oiciais lhe darão logo em começo de pago coremta mil rs ao fazer
desta escritura, que o dito Gaspar Soares recebeu à conta da dita obra,
e os sessenta e cinco mil rs que icam para o cumprimento de toda a
quantia, lhe pagariam em duas pagas, a saber, trinta mil no meio da
obra e os trinta e cinco mil no im do dito retábulo acabado e assentado
de todo no altar, à sua conta dele, pintor, e a dita pintura e dourado se
fará nesta dita vila à vista deles, oiciais, e pelo dito Gaspar Soares foi
dito que ele se obrigava a o pintar e fazer dourar pelo dito José Mendes
o dito retábulo pelo modo que dito é, e o dar acabado e assentado no
dito altar por todo o mês de Julho que embora virá, pago por todo o
mês de Junho deste ano presente, porquanto eles, oiciais, querem
dilatar a festa do dia do Sacramento até o dito tempo por respeito da
pintura do dito retábulo ser a primeira festa que desta maneira farão,
e não no dando dourado e pintado até o dito tempo, como dito é, sem
ter caso por pena, ele Gaspar Soares quer perder do dito dinheiro do
dito feitio vinte mil rs que lhe não pagam da conta em condição que
se faça até o dito tempo, e eles oiciais em tal caso poderão mandar
tomar o dito retábulo no estado em que está e à custa dele, pintor, o
mandarão acabar na brevidade que for possível, e sendo que ele, pin-
tor, não dê a dita obra pronta, eles oiciais entendem assim acabada
e aprefeiçoada como ica dito que ele se acabaria de aperfeiçoar à
sua custa dele pintor, e sendo caso que a dita obra custe mais que o
dito preço de cento e cinco mil rs, que ele, pintor, faz de esmola à dita
confraria tudo aquilo que mais valer, e se contenta com os ditos cento
e cinco mil rs somente, e que renuncia nessa parte a lesão de sexta e
quarta parte, e é contente de não ser ouvido contra este instrumento
com nenhum género de embargos, suspeições nem remédio, de feito
nem de direito, nem contra outra coisa alguma, e lhe será denegada
toda a audição e aução enquanto não pagar à dita confraria tudo o que
tiver recebido do dito preço dos cento e cinco mil rs, e o depositar na
mão do tesoureiro dela sem se dar iança e que não usando provimento
de Sua Magestade para que sem embargo desta cláusula depositar,
ele seria ouvido, porquanto desde agora para então, e de então para
agora, renuncia a tal provimento e provisões que perpetrar de Sua
218
Magestade, e não cumprindo ele, pintor, tudo por ele, eles oiciais o
poderão mandar citar e demandar perante o juiz da vila de Tomar ou
Santarém e perante quem eles quiserem, desaforando-se de juízes
de seu foro e domicílio, renunciando todas as férias, leis e o que diz
que a geral renunciação delas não valha liberdades, privilégios e
suspeições que em seu favor forem, e todo o remédio de feito e de
direito que por si ele alegar possa, de nada usará nem lhe valerá,
somente tudo cumprirá. E dise ele, pintor, que era contente de tomar
em pagamento dez mil rs que por um escrito o prioste, beneiciados
desta igreja dão de esmola para a pintura do dito retábulo, ao que
os ditos oiciais se obrigaram a cumprir sob obrigação dos bens da
dita confraria, e ele, pintor, obrigou os seus e também tudo cumprir
como ica dito. Em fé e testemunho de verdade e por irmeza de tudo
assim o outorgaram e mandaram ser feito este instrumento de que se
deram todos os treslados que se pedissem, testemunhas que foram
presentes Diogo Vaz, beneiciado na dita igreja, e Manuel Tomás,
tesoureiro, e em verdade de que iz auto das testemunhas assinaram,
e eu, André Freire, tabelião, que o escrevi.
219
que Sua Santidade lhes concedeu huma Bulla de Indulgências approva-
da por V. S. Ilustrissima em a qual outorga muitas graças e perdões aos
que visitarem o altar da dita Confraeria e porque até agora não tiveram
posse para fazer Capella e querem hora fazer obra nella, Pedem a V. S.
Ilustrissima lhes mande dar licença para levantar Altar da dita Confraria
das Almas do Purgatorio dentro na dita lgreja de Sanctiago. E. R.M.
Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Tombo dos Bens que oje pesue
esta confraria das almas do fogo do purgatorio da Igreja de S. Tiago desta
villa de torres novas, oye o prº de Abril de 1620, Lº nº 1782 (nº provisório de
unidade de instalação), ls. 19-20. Inédito.
220
DOCUMENTO Nº 10. 1586, 19 de julho, Lisboa – Procuração feita a
respeito da obra do retábulo do altar das Almas na igreja de São
Tiago de Torres Novas, deixado incompleto por morte de Martim
Rodrigues, mestre marceneiro.
221
madeira que o dito Martim Rodriguez llá tinha dentro na dita igreja
de Sam tiaguo que levou o dito retabollo que são cionquoenta ripas e
bordos e da mão do padre prior da dita igreja quatro mill e tantos reis
que iquaram devendo ao dito Martim Rodriguez do resto do Sacrario
que o dito Martim Rodriguez fez na dita igreja, e se for mais contia,
mais arrecadarão. E outrosi arrecadarão mais de Pedro Dias três mill
e tantos reis que lhe iquaram na mão per fallecimento do dito Martim
Rodriguez, e assi mais receberão toda a ferramenta que se achar
que está na dita igreja que fosse do dito defunto Martim Rodriguez,
entre eles hos mais aparelhos de bancos e outras cousas que elle
tinha para fazer a dita obra, ho que tudo hos ditos irmãos poderam
cobrar e aver a sua mão, e do que arrecadarem e receberem daram
conhecimentos e quitações e assinaram honde comprir e arrecadado
todo, e o sobredito ho tomarão eles, oiciais, pera a dita comfraria
porquanto todo lhe dá em paguamento dos ditos vinte e hum mill e
tantos reis que o defunto resebeo pellos quais elles tinham sitada
a dita sua molher e houverão semtença contra ella na dita vylla de
que foi escrivão Felipe da Fonsequa, e sendo caso que as cousas
atrás declaradas se ache que mais valem que os ditos vinte e hum
mil e tantos reis, ele por este estromento faz da tal demasia esmo-
la à dita confraria por modo que dela não quer mais cousa alguma
nem a dita confraria sob pena dando as ditas cousas háde ter mais
dereito contra ele nem sua molher nem seus bens como ao diante
será declarado, e pera milhor os ditos oiciais todo haverem a seu
poder hos faz e constitue procuradores em causa sua propria e lhes
cedeu e trespassou pera isso todas suas auções reais, pessoais e
autivas e passivas, e direitas, e tudo em remédio de demandar que
lhe nam pesem e poderão pesar e apelar em seu próprio lugar e suas
auções e tudo por eles feito, arrecadado e recebido se obriguou a
haver por bom, e estando a isto presente Diogo Luis, morador na dita
villa, e oicial que disse ser na dita confraria, disse que em nome dela
aceitava esta procuração e a pena dando-se o sobredito de agora
por este estromento dava e de feito deu pleníssima e geral quitação
ao dito Manoel Pinheiro e a sua molher e bens e herdeiros dos ditos
vinte mill reis, e sendo caso que se estas cousas atrás se não ache
amostradores ditos vinte e hum mil e tabtos reis, tal não valha, Item
222
outrosi se obrigua que, posto que não valham os ditos vinte e hum
mill e tantos reis, a confraria se haverá por satisfeita e não pedirá
mais cousa alguma aos sobreditos, e pera mais segurança se obrigua
elle dito Diogo Luís por todo o mês de aguosto que ora vem neste
presenta ano mandar quitação dos ditos ofeciais a eles ditos Manoel
Pinheiro e sua molher, etc. (…) e em testemunho de verdade asi o
outorguou e mandou fazer este estromento e os que comprirem e que
pediram e aceitaram, e eu o aceito por quem tocar como pessoa pu-
blica estepulante e aceitante, (sendo) testemunhas presentes, Inácio
de Faria e Simão de Oliveira, moradores nesta cidade, que disseram
que conhesiam ao dito Manoel Pinheiro ser o próprio aqui conteúdo,
e eu, Guomçalo Abreu Carvalho, tabelião público de notas por ell rei
nosso senhor nesta cidade de Lisboa, o escrevi.
223
servir, de idade de dez até onze anos, e que por ele Gaspar Soares
e sua mulher terem amor e afeição a esta moça, ele seu pai queria
dar per casamento, e disse que era contente que a dita sua ilha os
servisse de tudo o costumado, como servem as moças de soldada,
por espaço de dez anos primeiros seguintes, e que servindo-o ela
como deve, ele Gaspar Soares disse que se obrigava, como de feito
obrigou, ao cabo dos ditos dez anos de dar a dita moça pêra seu
casamento e pêra outra cousa vã doze mil rs em bens móveis, quais
ele quiser que bem valham a dita quantia, e em caso que ela moça
faleça neste meo tempo, ou tenha outro legitimo empedimento ou
ilícito, que então lhe pagará ele, seu senhor, a soldo e lhe dará pro-
vata o tempo que os tiver servido, e em caso que ela, Maria, se veja
fora da casa dos ditos seus senhores sem eles nisso terem culpa,
senão per culpa dela, então eles não serão obrigados a lhe satis-
fazer, e desta maneira e doutra não, e disseram eles partes que se
haviam por concordes e concertados e avereiguados (sic) no serviço
e dote da dita moça, e nisto icaram contentes e se obriguaram cada
hum por eles partes que lhe cabe assim trudo cumprirem, terem e
manterem, com declaração de que se a dita moça se for da casa dos
ditos seus senhores, que ele, António Coelho, se obriga a tornála a
levar a sua casa e ela tornará ao serviço outro tanto tempo que faltar
e se absentar de sua casa, ao que tudo eles partes se obrigaram
sob obrigação de suas pessoas e todos seus bens, e em fé deste
instrumento por verdade e per irmeza de tudo assim o outorgaram
e mandaram ser feito este estromento de obrigação e dote, de que
se tirarão os treslados que se pedissem, testemunhas que foram
presentes Francisco Gomes Canteiro, alfaiate, e Diogo Pinheiro, sa-
pateiro, moradores nesta dita vila, que aqui assinaram com as ditas
partes por saberem escrever, e eu André Freire, tabelião, o escrevi.
224
DOCUMENTO Nº 12. 1598, 5 de outubro, Torres Novas. Contrato de
servidão de discípulo entre um moço da Golegã e o pintor Gaspar
Soares para este lhe ensinar a arte da Pintura durante seis anos.
225
como hé costume dar-se aos que aprendem os ditos ofiçios e arte, e ele
mestre o poderá ensinar e prender e castigar como for de rezam, e ele
aprenderá com amor, lealdade e idelidade de parte a parte, e todas as
vezes que acontecer que o dito moço não cumpra este estromento ou
faltar no serviço dos ditos oiçios, ele mestre ho poderá reprimir e fazer
prender se izer o que não deve ou for revel, e assim desta maneira se
houveram eles partes obrigados, concertados e concordes no ensino dos
ditos oiçios e obrigação deles, e se obrigaram cada hum pela parte que
lhe cabe assim o cumprir sob obrigação das suas pessoas e bens, e ele,
Thomé da Rama, por estar presente ho aceitou, e em fé este estromento
de verdade e per irmeza de tudo assim o outorgaram e mandaram ser
feito este estromento de obrigação de ensino, de que se dessem os
treslados que se pedissem. Testemunhas que foram presentes, Diogo
Álvares, ilho de Gaspar Álvares, carreteiro que foi de Santa Maria desta
villa, e André Freire, tabelião, o escrevi.
226
(…) Entrando nesta Igrª e pondo os olhos no sacrairo achei que
nenhuma correspondençia lhe fazia nem a grandeza e prefeição do
retabolo que parese ter muita se não fora esta desformidade do Sacra-
rio, porquanto he muito piqueno, velho e desconcertado, e logo pareçe
que foi posto pera entretanto que se fazia o próprio que respondeçe
à obra do dito retabolo, pello que mando aos mordomos do Santissi-
mo Sacramento (a quem per rezão e costume pertense a fabrica do
dito sacrairo e he particular esta obra delles) como achei em todas as
igrejas deste arcediaguado, fasão o ditto sacrairo da trasa e feitio do
da igrª do Salvador de Torres Novas, e o farão em preto este ano athe
a primª vizitação que vem sob pena de dous mil rs para obras pias e
misericórdia, e o farão a saber ao Comendador ainda que não seja
obrigado como diz dar a sua esmolla para isso, ou se tome do que está
depozitado na mão do prioste.
227
DOCUMENTO Nº 14. 1615, 8 de janeiro, Torres Novas. Óbito de
Bárbara Antunes, viúva do pintor Gaspar Soares, enterrada na
igreja do Salvador.
228
requeiram e defendam todo seu direito de justiça em todas suas causas,
negócios, demandas movidas e por mover que lhe toquem por qualquer
via, etc, sendo testemunhas presentes Francisco Caldeira, sapateiro e
morador na dita cidade, que disse conhecer bem o constituinte ser o
próprio aqui nomeado, e o Padre Antonio Pacheco, capelão da casa da
Misericordia da dita cidade, e eu, Manuel Dias da Cruz, que o escrevi.
229
saber, ela Maria de Souza disse por este público estromento dotava,
e de feito logo dotou, a dita sua ilha pera cazar com o dito Manoel
Soares uma terra de pão que está onde chamam o Campo da Venda,
e chega ao Montal, termo desta dita vila, que parte do nascente com
vala do Campo da Golegã e do poente com o carril e volta da serventia
e outras verdadeiras confrontações com quem mais de direito deva e
haja de partir, e assim mais lhe dava hum cinco alqueires de azeito
de foro a retro aberto em cada dous anos, etc, e pela dita Caterina de
Morais foi dito que outrossim dava à dita Izabel de Sousa pera casar
com o dito Manuel Soares humas casas de posse e benfeitorias de
casas que tem nesta dita vila na Rua da Porta de Santarém, foreiras
ao Conde de Atalaia, de que se lhe pagava em cada hum ano mil e
duzentos rs em dinheiro e duas galinhas, etc. Estava presente o dito
Manoel Soares, pessoa também conhecida de mim, tabelião, que tam-
bém aqui assinou de como aceitava este dote em seu nome e da dita
sua futura mulher Isabel de Sousa com o dito encargo de foro como dito
hé, e tinha muito em mercê as ditas dotadoras, e como se obrigava a
aceitar e receber por sua legitima mulher a dita Isabel de Sousa, tudo
adiante das sobreditas e ditas testemunhas (…). Testemunhas que
foram presentes, Manuel de Sousa, aprendiz de barbeiro, ilho do dito
António André e Maria de Sousa, que assinou per si e pelas ditas sua
mãe Maria de Sousa e pela dita sua tia Caterina de Morais, que lho
rogaram e dizerem que não sabiam assinar, e o licenciado João Lopes
Raposo, e Manoel Jorge, espingardeiro, e Tomé Fernandes, moradores
nesta dita vila, e o padre António André de Moraes, clérigo de missa,
cura no lugar da Ribeira Branca, termo desta dita vila, que assinaram
nesta nota…, e eu Martim Pimenta do Avelar, tabelião, o escrevi.
(aa) por mim e por ass sobreditas que mo rogaram Manoel de Sou-
sa – o Lic.dº Antº André de Moraes – João Lopes Raposo – Tome
+ frz – Manoel Jorge – Manoel Soares – Antº frcº
230
DOCUMENTO Nº 17. 1663, 7 de agosto, Torres Novas. Instrumen-
to de perdão por acusação de bigamia, em que assina Pedro de
Sousa, pintor, morador em Lisboa.
(aa) frcº roiz – de dºs + Lopes perdoante – Antº frz – de m.el + roiz
– de clemente + Lopes tª – Pedro de Sousa.
231
DOCUMENTO Nº 18. 1685, 30 de janeiro, Torres Novas. Contrato
da irmandade do Santíssimo Sacramento da igreja do Salvador
de Torres Novas com Manuel da Silva, entalhador, para fazer o
retábulo-mor e o sacrário dessa igreja, por 400.000 rs.
232
para melhor icar assentada a obra pelas ilhargas, e que em lugar do
banco se fará um sanco na altura que pedirem os pedestais das co-
lunas do sacrário, em o qual se assentarem as colunas grandes, para
icarem mais aparatosas, e para icar a obra do meio mais rematada
(?), e no Sacrário em lugar de quartão fará mais huma coluna e outra,
junto ao pilar da boca da tribuna, e que as represas entre as colunas
serão nativas e da mesma talha, e que as collunas pequenas serão
(rasgado…), como se fez na tribuna de São Francisco de Lisboa, e
que ao redor do Arco da tribuna até baixo se fará uma rendinha de
guarnição, e que o trono acomodará (?) de alguma maneira que me-
lhor icar, devendo ser a Obra tomando alguma forma da tribuna acima
declarada de São Francisco, cujo risco apresentará e mostrará quando
for assentada, para se aceitar se está conforme as declarações aqui
declaradas, a qual obra se obriga ele, dito Manuel da Silva, a indá-la
e assentá-la por todo o mês de Setembro deste presente ano, e que
inda ella e não sendo a contento dos mordomos dela, que se no tal
tempo ele outorgante faltar com alguma das coisas conteúdas nesta
escritura queria pagar para a confraria de lhe dar trinta mil rs e que os
mesmos faria paga não dando a obra inda por todo o mês de Setembro
como acima ica dito, e (receberá) por tudo a quantia de quatro centos
mil reis em dinheiro de contado, os quais se lhe pagarão e entregarão
nos pagamentos seguintes, que dentro em vinte dias se lhe darão na
cidade de Lisboa um mil (sic) por Mão do Doutor Manoel de Azevedo
Pais, procurador da Confraria, e que ele, outorgante, dará as ianças
necessárias a esta escritura, etc, testemunhas presentes Manuel Jorge
da Cruz e Antonio Gomes, e que a tribuna do retabulo será de madeira
de bordo, e eu Domingos de Mora de Matos, tabelião, o escrevi.
233
DOCUMENTO Nº 19. 1688, 15 de agosto, Torres Novas. Obrigação
da Irmandade do Santíssimo Sacramento da igreja do Salvador de
Torres Novas com António Rodrigues, pintor e dourador, morador
na vila de Santarém, para pintar e dourar a tribuna da capela-mor
dessa igreja.
234
António Rodrigues a emendá-la e repairá-la à sua própria custa, e que
a dita Confraria ique obrigada a dar-lhe mais depois de feita e dourada
toda a dita obra…, etc, e eu, Domingos de Moura de Matos, tabelião,
que o escrevi.
235
Despendeo mais que deu ao mestre da Tribuna Manuel da Sylva alem
do que a Confraria contratou com ele, vinte mil rs e huma moeda de
ouro aos seus aprendizes de 4400 rs que ao todo soma tudo
24 V 400
(l. 67, 1691-1692):
Despendeo com a vara de prata que se mandou fazer .... 15 V 860
(l. 73, 1696-97):
Despendeo com o Pintor das Arcas tres mil rs .................. 3 V 000
Despendeo com o conserto da arca de carpinteiros, taboado e serra-
lheiro seis mil cento e sessenta rs...................................... 6 V 160
Despendeo com o concerto da vara de prata (para a sacristia), dezas-
seis mil trezentos e sessenta rs ......................................... 16 V 360
Despendeo com um espelho que se pôs na mesma sacristia quatro mil
e seis sentos rs................................................................... 4 V 600
(l. 84 vº, 1698-1699):
Ao ourives das Lapas Manoel Couceiro por concerto de huma lanterna
e huma galheta de prata desta confraria dous mil e duzentos rs
2 V 200
(l. 130 vº, 1704-1705):
Despendeo com dous pedreiros que izeram a obra da Via Sacra por-
detrás do Altar mór sinco mil setecentos e trinta rs ............ 5 V 730
Despendeo com quatro peças de Bretanha para as tres Alvas e amitos
nove mil cento e vinte rs ..................................................... 9 V 120
(l. 146, 1705-1706):
Despendeo com duas varas de prata que se compraram quarenta e
hum mil duzentos e quarenta e seis rs .............................. 41 V 246
(f. 169, 1707-1708):
Recibo do Irmão (da Confrartia do SS. Sacramento) Pedro Coelho
Taborda, pintor quinze mil rs .............................................. 15 V 000
(l. 178, 1709-1710):
Despendeo com hum Veo que veio de Lixboa para a Confraria a que
se aplicou a esmola do Reverendo Prior de S. Pedro que he de tella
branca guarnesida com passamane de ouro que custou vinte e tres
mil e duzentos e quarenta rs. 23 V 240
Despendeo com o feitio da alanpada de prata e com a que se acres-
236
centou sincoenta e dous mil e quinhentos e sessenta s .... 52 V 560
(l. 187, apenso de 22 de Agosto de 1701):
Termo de Promessa de huma Alampada de prata que dá para esta
Confraria do Santissimo Sacramento o irmão o Capitão Francisco Car-
dozo da Rocha (…) a qual já estava feita e acabada e a mandara pôr
na igrª de São Tiago desta villa, sua freguezia, onde estava pera em a
dita igreja alumiar o Santissimo Sacramento, porem que a dava a dita
alampara para esta Confraria, com condição de estar actualmente na
dita igreja de são Tiago, mas que sendo necessaria virá em qualquer
hora ou ocazião pera os dias festivos desta Confraria…
237
pêra haver nela de se fazer tribuna, e porque na dita obra de alvenaria,
pedraria e cantaria lhe faltavam ainda algumas coisas para haver de
icar perfeita e acabada para nela se principiar a obra da tribuna, disse
que por este publico instrumento estava havido e contratado com o
dito Domingos Alves, mestre pedreiro, para haver de lhe acabar de
aperfeiçoar a dita obra de alvenaria, pedraria e cantaria com adições
e cláusulas seguintes, a saber, que ele dito Domingos Alves se obriga
a fazer uma abobada de alvenaria para se assentar o camarim da dita
tribuna em cima dela, icando-lhe baixo da dita abobada uma casa com
serventia para a dita capela mór, a qual casa será guarnecida de colher,
e assim mais a dita abobada ladrilhada por cima de tijolo a encher, e
outrossim fará o altar-mor apainelado por cima com seus pilares de
pedraria repetindo os painéis da frente da dita capela, e o chão que
ica dos degraus da capela-mor para cima e do altar para baixo será
ladrilhado de tijolo com suas faxas de pedraria divi(din)do-se em painéis
e dos pespiterios (?) para baixo levará uma sepultura no meio com
suas sanefas de pedraria à roda, com seu ornato de betumes pretos, e
litreiro em sima da dita sepultura com as armas do dito reverendo prior,
e logo junto às sanefas da dita sepultura se seguirão outras sanefas a
igualar as que icam ao redor da capela, todos na igualdade, dividindo
oito paineis ao redor da sepultura, os quais será cheios de tijolo de
begunia rosado com seus fechos de pedraria no meio dos mesmos
paineis, e outrosi os corredores que eram, um da capela-mor para a
sacristia, e outro que vai da sacristia para a tribuna, serão ladrilhados
de tijolo rosado na forma que se costuma, com os seus degraus que
forem necessárias no corredor que vai da sacristia para a tribuna, feitos
também de tijolo, e assim mais o portal de pedras que estão no dito
corredor da tribuna se tirará para se por na casa que ica por baixo da
tribuna, e em seu lugar se assentará outro para se pôr no mesmo lugar,
e juntamente será obrigado o dito mestre de ajustar o lagedo que está
no corpo da igreja junto à boca do carneiro da dita capela-mor com o
degrau do arco cruzeiro, e assim mais será obrigado a fazer os dois
altares colaterais de Nossa Senhora e de São Bento, de pedra e cal
com suas lagens (sic) lavradas por cima e em cada um deles dois de-
graus da mesma pedra lavrada que correspondam com os dos outros
altares, e deixará dois vasos nas paredes dos ditos altares a modo de
238
arcos conforme for necessário, etc. Testemunhas que foram presentes
Manuel Nunes, barbeiro, e José de Abreu Leitão, ambos desta vila,
que aqui assinaram nesta nota com eles partes e eu, Pedro de Sousa
Seabra, tabelião, que o escrevi.
239
sito na dita igreja huma tribuna de obra de talha, a qual havia de
ser perfeita pelo molde e risco que está feito em que eles ditos juiz,
escrivão e mordomos e o dito Manoel da Silva Monteiro estavam
asignados, pela qual disseram lhe davam sento e des mil rs pagos
em a maneira e forma seguinte, a saber, ao fazer desta escreptura
trinta mil rs que o dito Manoel da Silva Monteiro recebeu perante
mim, tabelião, e as mesmas testemunhas, em dinheiro de contado,
das moedas de ouro e prata correntes neste Reino, e outros trinta
mil rs se obrigavam a dar-lhe e satisfazer no im do mês de Maio
do anno que vem, e vinte e sinco mil rs no im do mês de Aguosto
seguinte, e os outros vinte e cinco mil rs que icam faltando pera a
dita quantia dos cento e des mil rs tanto que a dita obra esteja feita e
acabada, o qual disse o dito Manoel da Silva Monteiro se obrigava a
fazer e obrar pelo dito risco e molde e dá-la feita e acabada por todo
o mês de Setembro do ano que vem, pelo dito preço de cento e des
mil rs, pagos e satisfeitos os pagamentos atrás declarados fazendo
obra e pondo nella a (…) toda pera a dita obra de talha de madeira,
etc. testemunhas presentes Joseph Antunes, alfaiate desta villa, e
Antonio Lopes, moleiro, do Moínho do Pego, que asignaram nesta
nota com as partes em os sete dias do dito mês e ano atras em a
dita igreja em cabido da confraria, e eu, Pedro de Sousa Seabra,
tabelião de notas, que o escrevi.
240
DOCUMENTO Nº 23. 1703, 12 de julho, Torres Novas. Contrato e
obrigação do prior e beneiciados da igreja de São Pedro da vila
de Torres Novas com Pedro Coelho Taborda, pintor e dourador,
estante nesta vila, para pintar e dourar a tribuna dessa igreja, por
950.000 rs.
241
Raposo, e eu, Custódio Pimenta de Avelar, tabelião de notas nesta
vila, que o escrevi.
242
e fructos e no meio huma targea (sic) grande e dentro nella o Apostollo
Santiago a cavallo como se custuma pintar em simalha pintada que vão
terminando (?) em roda, e assim mais se obriga a pintar o coro da dita
igreja, grade e cadeira, e debaixo de brutesco e outrossim a escada do
púlpito, portas e ginellas (sic), a qual obra toda estava contratado com
o dito reverendo prior e beneiciados em lha haver de fazer em presso e
quantia de sento e oitenta mil rs, dos quais se lhe darão logo oitenta mil
rs para comprar os aviamentos pera a dita obra, e pelo tempo adiante
se lhe irá dando o dinheiro necessário para e se obriga a dar acabada
a obra de pintura da Capela e arco athe a somana Santa que embora
virá deste presente anno de mil e setecentos e oito, e a do Corpo da
igreja até dia de Santiago deste prezente anno, e se icar por acabar
alguma coisa de pintura do coro e portas da dita igreja, aqui se obriga a
acabar de a acabar de pintar com toda a brevidade, e a tudo se obriga
a pintar a olio com a perfeisão dada, e asi mais os dous presbitérios, e
o portal da sancristia, e a porta (?) defronte della, dentro no tempo que
hade dar a obra da pintura da dita capela, e em tempo algum não irá
contra este contrato, e sendo cazo que a ele falte, poderão o reverendo
prior e beneiciados meter oicial ou ofeciais à custa dele dito Baltazar
Cardozo, a todo o preço escolhido para o efeito pelos pintores e ofeciais
mais peritos que pareser, e o mesmo seja no caso, o que Deos não
permita, que ele faleça ou adoessa, e se obrigua per si e seus erdeiros
a este contrato, e não virá a elle com género algum de embargos e feito
nem de direito, nem com alguma outra aução sem primeiro depozitar
nas mãos do dito prior e beneiciados os ditos oitenta mil rs e o mais
dinheiro que tiver recebido (…). Testemunhas que foram presentes, o
padre Manoel da Costa Pinto, e o padre Andre Lopes, e o padre Manoel
Ribeiro, todos desta villa, que todos aqui asignaram nesta nota com o
dito prior e beneiciados e o iador e com o dito Baltazar Cardoso, e eu,
Alberto da Silva, tabelião, que o escrevi.
243
DOCUMENTO Nº 25. 1711, 4 de junho. Contrato da Confraria de
Nossa Senhora de Monserrate da Meia Via com António João,
pintor e morador, morador em Torres Novas, para pintar a tribuna
dessa igreja.
244
DOCUMENTO Nº 26. 1722, 17 de abril, Torres Novas. Contrato do juiz
da Confraria de Santa Luzia da igreja do Salvador de Torres Novas
com Manuel Ferreira, entalhador, sobre o retábulo desse altar.
245
tudo se obriga a fazer da mesma forma, etc. Testemunhas presentes o
Padre Antonio Martins, irmão de mim, tabelião, e Francisco da Rocha,
da dita vila, ilho de João da Rocha, que aqui asignaram com os ditos
outorgantes, e eu, Hylario Roiz Martins, tabelião, o escrevi e asignei.
(aa) Hylario Roiz Martins – O Bem.dº Luis Antº Lima – o padre João
Lopes de Oliveira – Manoel ferreira – Francisco + da Rocha – Padre
Antonio Martins.
246
forma seguinte, a saber: Primeiramente, um portal na porta principal de
pedra de Alcanede, com seus alizares da maior altura que se puder
meter, e a largura conforme a arte pede, com ombreiras e verga de
muxeta sanquiltiadas (sic), e o frizo refendido, simalha costumada,
frontespiçio como o pórtico da Ermida de Nossa Senhora da Luz,
desta villa, com sua pedra que torneje com as armas de Sam Pedro
e cruz, e as ombreiras na aresta principal, com hum redondo e de
ilhete (sic), e a largura das ombreiras será conforme a altura, e as-
sim mais oito frestas lizas com seus alizares e grades de ferro, tudo
isto de pedra de Alcanede. Item, mais a torre do sino levantada e a
parede da empena redeicada, donde não estiver segura. Item, mais
a simalha da parte da rua será de pedraria da terra e cada quintal
de tijolo, com mais obrigação de fazer toda a obra forlecita (sic) de
paredes de faltam por acabar reboucos de guarnições por dentro e
por fora, e tilhados de todo o corpo da igreja. Item, mais subarrematou
toda a obra pertencente ao oicio de carpinteiro, na forma seguiinte:
acabará de emadeirar a dita igreja forrada de guarda pó de pinho de
Leiria e furtados emadeiramentos de ripa, tudo de castanho. Item,
mais fará o forro da dita igreja de cambotes com volta redonda liza
e juntas de grates (?), tudo com sua cimalha real resoltiada, andan-
do toda em madeira de pinho de Flandres, e costuras (?) de Leiria.
Item, mais o coro da dita igreja será ligado de carvalho e forrado de
pinho de Flandres e do mesmo pinho forrado por baixo, apainelado,
e as grades do coro por três (…) e caleiras na forma em que está a
de Santiago, que será por caleiras de pinho de Flandres. Item mais
a porta principal e a travessa serão feitas de pão de angelim refen-
didas, digo, de angelim (…) muito bem feitas, etc, testemunhas que
foram presentes João Ferreira e Filipe Ignacio, ambos criados do dito
Reverendo Vigário, que aqui asignaram com os ditos outorgantes, e
eu, Hylario Roiz Martins, tabelião de notas, que o escrevi e asignei.
247
DOCUMENTO Nº 28. 1724, 24 ou 27 de maio, Torres Novas. Contrato
para a reconstrução da igreja matriz de Alcanena com Simão
Coelho, mestre pedreiro, segundo traças de António Baptista Garvo.
248
a das almas, e assim mais huma bacia do púlpito com seu cachorro
de quartão, e seu portal, e toda esta obra háde ter de portaria, digo,
háde ser de pedraria, com todas as proporçõis necesárias, e assim
mais huma sancristia que terá vinte e sinco palmos em quadro cujo
altura da parede será de cinco palmos e meio, e o pée direito da dita
sancrestia assentará a imposta dois palmos porticada e seu lavatório e
hum portal pera o corredor da serventia da torre, e o corredor será de
todo o comprimento que for necessário, e todos os tilhados e rebocos
que forem necesários à dita igreja na obra nova que se izer na dita
igreja, serão eles ditos impreiteiros obrigados a fazer assim tambem as
janellas de pedraria lavrada e escada de oito palmos de alto e quatro
de vam, com seus alizares, e por de dentro com o rasgamento que se
costuma usar a qualquer porta, e assim mais duas colunas com seus
pedestais e seram da ordem dóriqua, e o pé direito dela será o que
pedir o coro e encostado às paredes para correspondência aos capi-
téis das colunas, e será na mesma forma, e assim mais serão eles,
impreiteiros, obrigados a mudar o arco da pia baptismal e a mesma
pia com o almario (sic) dos santos olios a qual icará debaixo da torre
e os rebocos que forem necessários fazer na forma acima dita seram
de pardo e branco (sic), como juntamente farão eles ditos impreiteiros
as serventias para tais taboleiros que para a dita torre for necessário
do que tocar a seu oicio, cujas obras assim ditas tomaram e se obri-
garam, a fazer por preço e quantia de trezentos e noventa e sinco mil
rs pelo que for de suas mãos somente, e o mais necessário tanto de
materiais como de serventes será tudo por conta da dita igreja, etc.
Testemunhas presentes o Padre João Jorge Frade, e o padre Bernardo
Monteiro, ambos do dito lugar, que asignaram nesta nota com os ditos
juiz e eleitos, e eu, Francisco Pimenta do Avelar, tabelião, que o escrevi.
(aa) Simão Coelho – Mel dos Santos – Mel gomes – Mel + ferrª – o
Padre Bernardo Montrº - o Padre João Jorge Frade – do eleito + Antº
Jorge – João luís.
249
DOCUMENTO Nº 29. 1724, 30 de junho. Referência às obras do
retábulo e imagens do altar de São Bento na igreja de São Pedro
de Torres Novas.
250
Casa, que aqui assinaram nesta nota…, e eu, Francisco da Rocha,
Tabelião, o escrevi.
251
ao dito tempo perderá o dito mestre da dita obra dés moedas de ouro,
a saber, tudo por preço a dita obra da dita Trebuna de trezentos mil rs
em que está ajustado para o que serão ele, dito Prior e beneiciados
obrigados a darem e entregarem a metade da dita quantia que são
cento e cinquenta mil rs por dia de Natal que vem deste presente ano
de mil setecentos e vinte e quatro, com tal condição que será do dito
mestre, e os outros cento e cinquenta mil rs serão pagos em dois
pagamentos, hum no meio da dita obra e outro no im dela, tudo sem
falta alguma, etc, sendo testemunhas presentes Manuel Bautista e o
reverendo Padre Manuel da Costa Pinto…, e eu, Francisco da Rocha,
tabelião, que o escrevi.
252
outra parte Manoel Ferreyra Lisboa, ora assistente nesta ditta vila,
pessoas conhecidas de mim, tabelião, e das ditas testemunhas, e pelo
dito Julião Pedro de Figueiredo foi dito que ele, com os mais eleitos da
dita confraria, estava ajustado e contratado com o dito Manoel Ferreira
Lisboa para que o dito Manoel Ferreira Lisboa pintasse a sancristia
nova da ditta confraria, a saber, o tecto pintado a óleo de alvahyde e
no painel do meio huma traja (sic) com huma Custodia de oiro e em
roda huma gloria de Sarains e dois Anjos vestidos de roupas (…) e
sinco meninos, e nos quatro paineis (pintará) quatro tarjas de folagem
(sic) com seu oiro com as plumas do Sacramento, e as molduras atar-
tarugadas (sic) e os vivos dos paineis da parte de dentro dourados e
faxas asuis metidas de claro e amarelo, os quatro lorõis vestidos de
folhagem com cabecinhas de oiro, tudo na forma dos apontamentos,
tudo feito por todo o mês de Abril que vem deste prezente anno, o que
tudo se obriga elle dito outrogante a fazer na forma asima declarada
aqui, e se obriga a dar cumprimento, e faltando o poderão obrigar, tudo
pelo preço de vinte e quatro mil rs, e ao fazer desta notta recebeo o
dito outorgante doze mil rs e os restantes doze mil rs se lhe darão no
im da dita obra… Testemunhas presentes Carlos Mendes de Castro,
surgião, e Francisco Lopes Pereira, e eu, Hilário Rodrigues Martins,
tabelião, que o escrevi e asignei.
253
DOCUMENTO Nº 32. 1749, Torres Novas. Despesas feitas com
Bernardo Delgado Valente, pintor de Torres Novas, por obras na
sala do despacho e igreja da Misericórdia.
254
Dispendeo o irmãm thesoureiro do dinheiro João de Barros da Sil-
va nove mil e seiscentos rs com Bernardo Delgado, Pintor desta vila,
pela conta e mais outros três milheiros de Ouro, e de como recebeu
asignou aqui e o dito thesoureiro de que icava por seu iador e geral
pagador a tudo.
255
vido nesta. As paredes desta mesma Capella mor se observão feitas
de pedras lavradas com umbreiras e bazes que pella forma se veriica
terem servido em edifício antigo Nascente das costas da mesma Ca-
pella mor em cada huma das partes junto ao telhado se ve um busto
ou cabeça de pedra coroada como por modo de coroa ou diadema a
maneira dos bustos que se punhao aos Imperadores Romanos. Tem a
capella mor sua tribuna de talha dourada e no arco da mesma tribuna
hum painel e nelle pintado com o primorozo pincel do grande Bento
Coelho o admirável Mistério da Ascenção que mandou a sua custa
fazer o Beneiciado João Dias do Avellar. Da parte da Epistolla lhe ica
a sancrestia que foy como já se disse a ermida de São Jorge cuja alem
de sua casa própria teve altar nesta igreja. Da parte do Evangelho (…)
a Sanchrestia e a Casa do Despacho da Confraria do Santissimo Sa-
cramento e da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e a cerventia
para o púlpito. Na capella Mor festejão todos os domingos do anno,
digo, todos os terceiros Domingos do anno ao Santíssimo Sacramento,
e fazem com muita grandeza e dispendio e (…) das quarenta horas e
festejão ao mesmo Senhor na Dominica Octana infra Corpus Christi com
sua Procissão geral Esta Irmandade he muito antiga nesta igreja (…).
Tem esta capella mor no arco suas grades de pao preto torneadas que
servem de cummungatorio. De fora das grades da banda da epistolla
tem hum altar e nelle huma trebuna dourada; e em hum nicho dentro
de huma cristalina vidraça huma prefeitissima Imagem de Nossa Se-
nhora com o titulo do Rosario que tem sua confraria que se compõem
de Juiz Escrivão outo Mordomos e com grande numero de confrades,
e com poucas rendas que ainda e muito os annuaes dos confrades
esta Sagrada Imagem festejam os irmãos em o Primeiro Domingo de
Mayo e o Juiz da Confraria em o Primeiro Domingo de Outubro. Da
mesma esta huma capella muito pobre que algum tempo estava funda
que instituio com missa cotidiana Anna Simoa mulher de Diogo (…)
Cavaleiro da Ordem de Cristo e idalgo da Casa de Sua Magestade e
no pedestal do arco tinha o letreiro seguinte Capella de Anna Simoa
com Missa Cotidiana por sua alma faleceo em Mayo de 1604. De fora
das grades da parte do Evangelho tem hum altar com sua tribuna de
talha dourada e neste huma antiga imagem de Santa Luzia que no seu
dia se festeja por devotos. Da mesma parte em huma primoroza tribuna
256
de talha dourada esta huma imagem de São Francisco de Paula que
mandou fazer o Reverendo Prior António de Macedo e Silva, Freyre
Conventual do Real Convento de Santiago de Palmella, Apostolico de
sua Santidade, e com esmollas dos ieis se fez esta primuroza tribu-
na. O santo Resplandece com muitos milagres E no mesmo altar esta
huma imagem do príncipe dos Patriarcas São Bento que mandou fazer
Jorge de Mesquita e no peito em huma nomina duas relíquias huma
de Santa Ana e outra de Santa Maria Magdalena que forão da Sere-
níssima Infanta que deu a Senhora Dona Catherina como consta da
autentica que esta no Cartorio e no mesmo altar outra imagem de São
Benedicto. Também nesta Igreja ha a Imagem do Salvador que exta
junto ao sacrário. E huma do Santíssimo Patriarca o Sagrado Espozo
da Santíssima Virgem Maria o Senhor São Joze. Tem esta Igreja seu
coro, pia bautismal, torre com sinos. He só de huma nave forrada e
apaynellada sem ser pintada (…).
257
sestas feiras de todo o anno. A Imagem e relíquia de Sam Brás que há
na mesma Igreja faz e obra repetidos milagres, e um grande concurso
na Vespora e dia em que se celebra a sua festa.
258
FONTES E BIBLIOGRAFIA
FONTES DOCUMENTAIS
263
Os livros com o nº de ordem 3 e 6 são de notas dos Tabeliães André Freire e Baltazar
Correia; o nº 17 é de notas de André Freire e Filipe da Fonseca, e o nº 17-A de André Freire
e António Freire de Sousa.
261
– Notas de Aleixo Fernandes Monteiro, livros 18 (1603) a 31 (1610).
– Notas de Filipe Sanches, livros 32 (1611) a 35 (1617).
264
– Notas de Domingos Freire Leal, livro 36 (1618) a 51 (1626) .
– Notas de Francisco de Almeida, livros 52 (1627) a 69 (1646) 265.
– Notas de Martim Pimenta de Avelar, livros 70 (1648) a 110 (1678).
– Notas de Domingos de Moura de Matos, livros 111 (1678) a 122 (1689).
– Notas de Custódio Pimenta do Avelar, livros 123 (1690), 129 (1694),
132 (1695), 133 A (1697), e do nº 134 a 150 (1718).
– Notas de Bernardo Veloso do Bivar, livro 124 (1690).
– Notas de Manuel de Figueiredo de Oliveira, livro 125 (1690) a 128 (1692).
– Notas de Martinho Pimenta do Avelar Castelo Branco, livros 151
(1719) a 190 (1746) 266.
– Notas de Francisco Pimenta do Avelar Castelo Branco, livros 159
(1725) a 184 (1742).
– Notas de Pedro e Sousa Seabra, nº de ordem 244 (1700) a 245 (1702).
– Notas de António Ramos Preto, nº ordem 246 (1703).
– Notas de João Lopes Ferreira, nº ordem 247 (1703) a 248 (1704).
– Notas de Manuel da Costa Oliveira Lobo, nº ordem 249 (1705).
– Notas de Manuel Mendes Ferreira, nº ordem 250 (1706) a 253 (1708).
– Notas de Alberto da Silva, nº ordem 254 (1708) a 262 (1714).
– Notas de Pedro Nunes Ferreira, nº ordem 263 (1714) a 263 A (1715).
– Notas de Hilário Rodrigues Martins, nº ordem 263 B (1716) a 283
(1724), 284 (1725) a 297 (1730), 300 (1731) a 305 (1732) 267.
– Notas de Luís Teixeira de Figueiredo, nº ordem 298 (1730) a 299 (1731).
– Notas de Martim Pimenta do Avelar, nº ordem 308 (1733) e 309 (1734).
– Notas de Miguel da Silva, nº ordem 310 (1736) a 331 (1747).
264
O livro de ordem nº 38 é de notas dos Tabeliães Aleixo Fernandes Monteiro e Domingos
Freire Leal.
265
Os livros 57 (com James de Gouveia, 1631), 60 (com Manuel Fraião, 1635) e 64 (com
Manuel Lopes, 1639) incluem cadernos de outros notários integrados na série do Tabelião
Francisco de Almeida.
266
A série deste notário tem intromissões de cadernos dos Tabeliães Francisco Pimenta do
Avelar e António José da Fonseca.
267
Os livros 283 (1724) e 284 (1725) são entremeados com notas de Francisco da Rocha.
262
Arquivo da Universidade de Coimbra (A.U.C.):
– Lº 69 de Notas de António Martins, Tabelião de Coimbra, 1578.
– Lº 15 de Notas de Agostinho Maldonado, Tabelião de Coimbra, 1620.
268
Com várias falhas de cadernos.
263
BIBLIOGRAFIA
265
Idem, Toponímia da Cidade de Torres Novas, ed. Câmara Municipal
de Torres Novas, s/d.
266
Arte Barroca», Artis – Revista do Instituto de História da Arte da Fa-
culdade de Letras, n.º 2, 2003, pp. 145-180.
267
-1680), Europália-1991, Bruxelles, Musées Royaux des Beaux-Arts de
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