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Breve biografia de Pierre Bourdieu

- Nasce em Béarn, sudoeste da França, nos Pirineus, divisa com


Espanha, em 1930. Família camponesa – pai ascendeu e se tornou
carteiro.

- 1951-1954 estudou na ENS, Paris – anteriormente, período de


internato (comentado no artigo de Afrânio Catani)

- Trajetória “miraculosa”: indivíduos de origem popular que


conquistam mobilidade social ascendente graças ao sucesso
educacional.

- Bourdieu mobilizaria suas experiências de socialização dividida ou


“clivada” entre dois meios sociais para tecer uma
sociologia crítica do sistema educacional. 1
Breve biografia de Pierre Bourdieu
- Período na ENS: disputas epistemológicas com filósofos
existencialistas da geração anterior, especialmente Sartre, e busca
de por uma ciência menos especulativa e mais racionalmente
baseada em preceitos empíricos.

- Inicia tese de doutorado, mas desiste dela.

- 1955: Enviado à Argélia para cumprir o serviço militar e faz trabalho


de campo com os Cabila, habitantes autóctones do norte do país
(Sociologia da Argélia, 1958; Celibato e condição camponesa, 1962;
O desenraizamento, 1964).

- Período na Argélia teria marcado sua “conversão” às Ciências


Sociais. Termina o serviço militar em 1957 para permanece no país. 2
Breve biografia de Pierre Bourdieu

- 1958: professor da Faculdade de Letras de Argel.

- Período argelino se encerra quando é colocado em uma lista de


pessoas indesejadas devido às críticas ao regime colonial francês
naquele país.

- Retorna à França por intermédio de Raymond Aron.

- 1961: professor da Faculdade de Letras de Lille.

- 1961: secretário do Centro de Sociologia Europeia (Paris).

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- Publica, em parceria com J. C. Passeron, Les héritiers : les étudiants et la
culture, (1964) e La reproduction : Éléments d’une théorie du système
d’enseignement (1970).

- Nas obras, Bourdieu e Passeron elaboram uma crítica sistemática e


devastadora ao sistema de ensino e seu caráter de legitimação das
desigualdades, especialmente centrada no conceito de capital cultural.

- Ao invés de fazer um elogio do mérito e de possibilidades abertas a todos,


Bourdieu e Passeron tecem crítica abrangente aos mecanismos de poder
simbólico (relações arbitrárias de dominação e desigualdade) que são tidos
como naturais, evidentes e legítimas) e que permitem a perpetuação das
estruturas de desigualdade.

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- Até meados dos anos 1990, publica estudos sobre o campo das artes,
acadêmico, alta burocracia de estado, moda, televisão, etc., além do seu
magnus opus: La distinction: critique sociale du jugement (1979).

- Livro representa uma vasta crítica empírico-teórica (pesquisa de opinião,


entrevistas, sondagens, dados públicos etc.) sobre o sistema de classes
francês em suas clivagens e distinções econômicas e simbólicas.

- A categoria de entendimento “gosto”, desde Kant, foi entendida como um


componente intrinsecamente individual, inato: “uns têm bom gosto, outros
não” (música, artes, esportes, gastronomia etc.). Bourdieu argumenta que o
gosto é constituído socialmente, como naturalização das preferências dos
gostos de classe, sempre em referência aos gostos das classes dominantes.

- Preocupações centrais de Bourdieu residem na reflexão sobre as formas de 5


justificação, legitimação e naturalização da dominação social.
- Como observa Gabriel Peters, “o núcleo dessa concepção (da condição humana) é
a ideia de que o ser humano é animado por um anseio de sentido e justificação para
sua própria existência, os quais só podem derivar dos certificados coletivos de valor
que Bourdieu reúne na categoria geral de “capital simbólico”.

- Em 1993 Bourdieu publica a obra coletiva La misère du munde, sobre as múltiplas


facetas do sofrimento social – em especial após as políticas neoliberais dos ano 80 e
90 que levaram a novas formas de sofrimento psíquico e social atreladas à perda do
emprego e da própria razão de ser das pessoas: “miseráveis simbólicos”.

- Último período da vida do autor marcado pela atuação política engajada: obras,
programas de televisão, entrevistas, intervenções em sindicatos, movimentos sociais
etc. que visavam a restauração das políticas sociais de proteção e equidade.
Documentário A sociologia é um esporte de combate (2022).

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- Em 1982 é eleito para o Collège de France – Aula inaugural Leçon su la leçon: ideia
de relexividade ou de sociologia da sociologia, isto é, da crítica sobre as próprias
condições nas quais a ciência é realizada.

- Falece em 23 de janeiro de 2002, aos 71 anos.

- Publicada postumamente sua autobiografia (que não é uma autobiografia...)


Esquisse pour une auto-analyse (2002).

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Questões colocadas por Afrânio Catani no artigo:

- Quando um autor se torna indispensável ao nosso regime de


leituras?
- Quando incorporamos esse autor à nossa vida e à nossa visão de
mundo?
- Quando passamos a usar “as lentes” de determinado autor para
decodificar as relações sociais que nos cercam?

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- Dificuldade que Catani teve ao encarar pela primeira vez os textos
do Bourdieu, em francês, via Sérgio Miceli, ou traduções para o
espanhol, de A reprodução.

- Descobriu no texto aquilo que Bourdieu chama de “fundamentos


ocultos da dominação”.

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- Catani recupera seu percurso escolar e sua trajetória de
“desenraizamento do universo particular”, para trazer à tona esse
processo no próprio Bourdieu:

“As grandes obras nascem sempre de uma experiência fundadora, de


um traumatismo, de uma tensão interior. O pensamento de Bourdieu
crava suas raízes em uma dolorosa experiência existencial. Ela remonta
à sua adolescência, à sua entrada no Liceu Louis-le-Grand, depois na
prestigiosa École Normale Supérieure, rua d’Ulm, na qual ingressa em
1951” (Jean-François Dortier).

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- “Num mundo de jovens burgueses, brilhantes, bem-falantes, cultos, tão à vontade no
manejo da fala quanto da escrita. Se o jovem Bourdieu foi bem-sucedido ao galgar
todos os escalões da hierarquia escolar, não o foi pela desenvoltura, nem pela escrita,
nem pelos arroubos oratórios. E nem o será jamais. Embora sua obra escrita seja
imponente, ele não irá possuir a escrita fácil e alerta; mesmo tendo feito centenas de
conferências, não será um orador. Como Flaubert, a quem consagra As regras da arte.
Gênese e estrutura do campo literário (Seuil, 1992), a expressão de seu pensamento
deve passar pelo esforço permanente de autocontrole, pela luta contra si mesmo.
Exatamente o contrário da aparente desenvoltura de seus estudantes oriundos da
burguesia culta que ele encontra na rua d’Ulm. Desde a infância eles foram banhados
no universo da cultura erudita. Bem precocemente, eles manipularam os livros,
frequentavam os museus, viajaram, assistiram às conversações nas quais se sabia
falar, argumentar, em que as palavras e as ideias voam, fundem-se, onde o espírito é
rei. Esses herdeiros adquirem essas disposições para falar e pensar, sem esforço
aparente. Em Ce que parler veut dire (Arthème-Fayard, 1982), Bourdieu se dedicará a 12
destrinçar a maneira pela qual o manejo da linguagem se revela um instrumento de
- Prossegue, falando sobre a importância do domínio da linguagem:

“posto em posição de inferioridade, pelo medo, pela algaravia, pelo sotaque, que fazem com
que ele seja notado quando comece a falar. Imersos num meio no qual se sabe manejar a
palavra, onde a língua culta é a língua natural, esses jovens integram desde a infância as regras
do saber-viver intelectual e do saber pensar. Essa elite estudantil será descrita por Bourdieu em
Lés Héritiers (Minuit, 1964) – Os Herdeiros. Esses estudantes privilegiados recebem como
herança um bem tão precioso quanto invisível ao olho nu: a cultura. No seio dessa elite
intelectual, os valores não são transmitidos pelo dinheiro (o ‘capital econômico’), mas pela
escola (o ‘capital cultural’). ( ) Os melhores elementos dessa casta social estão destinados a
seguir o percurso ideal das grandes escolas (Politécnica, Escolas normais superiores, Escola
Nacional de Administração) para integrar os grandes órgãos do Estado. Bourdieu lhes
consagrará um de seus outros grandes livros: La Noblesse d’État (Minuit, 1989). (Idem, 2002,
p. 4)”
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- Catani recupera, ainda, um pouco da trajetória escolar de Bourdeiu, ainda nos Pirineus
franceses.

- Do quanto o internato era enfadonho, das 300 punições que recebera, e do sentimento que
tinha de ser um “privilegiado” por poder “apenas estudar” dos 14 aos 16 anos – pai era um
funcionário do correio.

- Distinções se davam o tom em termos de vestuário, sotaque, posturas corporais etc.

- Depois, em Paris, no liceu Louis-le-Grand, as clivagens culturais entre os “internos” e


“externos” (Citação, pp. 65-66)

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- A ideia de uma escola libertadora que opera por meio de conteúdos
igualitários não equaliza ou supera as diferenciações, mas as reproduz e
as consagra.

- A posse ou não posse de capital cultural torna a escola algo como


“natural”, no qual as classes privilegiadas se desdobram com elegância,
desenvoltura, garbo, facilidade verbal, ao passo que para as classes
populares a escola aparece como universo de aculturação: laboriosa,
tensa, conflituosa... anti natural (processos repetidos de aculturação).

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