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Habitus
O habitus é um sistema de repertórios de modos de pensar, gostos,
comportamentos, estilos de vida, herdado da família e reforçado na escola.
É a articulação dos capitais econômico, cultural, social e simbólico que confere
a determinados grupos alta posição na hierarquia social.
O habitus é simultaneamente individual e social. Bourdieu considerou-o
como um mecanismo de mediação entre sociedade e indivíduo.
O habitus pertence ao domínio coletivo de um grupo ou classe, mas também é
internalizado subjetivamente pelos indivíduos que compõem essa classe e dá a
eles uma gama de ações entre as quais eles escolherão e exercerão as que
considerarem mais adequadas em suas relações sociais.
O habitus é um capital incorporado, um conhecimento adquirido que se alia
à capacidade criativa e volitiva do agente social. Aí vemos que Bourdieu não
mais se inclinava à rigidez do estruturalismo preponderante sobre a ação
individual, tampouco se inclinava a uma filosofia individualista que delegasse
exclusivamente ao indivíduo o monopólio da ação.
Há uma dinâmica entre a estrutura social objetiva e o agente social,
cujo percurso de ações individuais baseia-se nessas condições estruturadas,
mas é capaz de modificá-las. Bourdieu definiu o habitus como um “sistema de
disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionarem como
estruturas estruturantes”|1|.
Campo
O campo, por sua vez, é o espaço comum de concorrência entre os
agentes sociais que possuem interesses diferentes. Eles estão situados em
lugares pré-fixados em função da hierárquica e desigual distribuição dos
recursos, que gera diferentes posições na estrutura social. O conceito de
campo refere-se a todos os espaços onde se desenvolvem relações de
poder. É aplicável a todos os domínios da vida social:
político
econômico
literário
jurídico
científico etc.
Pierre Bourdieu tem uma vasta obra. Entre seus livros mais importantes,
estão:
A distinção
O poder simbólico
A dominação masculina
Razões práticas sobre a teoria da ação
A profissão de sociólogo
“Ethos de classe (para não dizer ‘ética de classe’), quer dizer um sistema de
valores implícitos que as pessoas interiorizaram desde a infância e a partir do
qual engendram respostas a problemas extremamente diferentes.”
“Toda ordem estabelecida tende a produzir (em graus muito diferentes, com
diferentes meios) a naturalização de sua própria arbitrariedade.”
“Nada é mais adequado que o exame para inspirar o reconhecimento dos
veredictos escolares e das hierarquias sociais que eles legitimam.”
ABC de Bourdieu
Capital cultural
Conjunto de qualificações intelectuais produzidas pelo sistema escolar
ou transmitidas pela família.
Esse capital pode existir sob três formas: em estado incorporado, como
disposição duradoura do corpo (por exemplo, a facilidade de expressão em
público, o domínio da linguagem); em estado objetivo, como bem cultural (a
posse de quadros, livros, dicionários, instrumentos, máquinas); em estado
institucionalizado, isto é, socialmente sancionado por instituições (como títulos
escolares).
“O capital cultural é um ter convertido em ser, uma propriedade que se
tornou corpo, parte integrante da ‘pessoa’, um habitus.”
Não se adquire nem se herda sem esforços pessoais, sem um longo trabalho
de aprendizagem e de aculturação; tende a ser estreitamente correlacionado
ao capital econômico do agente.
Capital econômico
Conjunto de recursos patrimoniais (terras, bens imobiliários, papéis de
crédito) e de rendas, sejam ligados ao capital (aluguéis, juros, dividendos) ou a
um exercício profissional assalariado ou não assalariado (honorários de
profissões liberais, benefícios industriais e comerciais para empresários,
operários e comerciantes).
Capital social
Conjunto de contatos, relações, amizades, obrigações, relações
socialmente úteis que podem ser mobilizadas pelos indivíduos ou grupos ao
longo de sua trajetória profissional e social.
Variável que confere ao agente maior ou menos “espessura” social,
poder de ação e reação mais ou menos significativo em função da qualidade e
quantidade de suas conexões.
A rede de relações é o produto de “estratégias de investimento social”
que o agente, conscientemente ou não, desenvolve a fim de criar, manter,
reforçar, reativar ligações das quais pode esperar a qualquer momento retirar
“lucros materiais ou simbólicos”.
Campo
Espaço social estruturado e conflitual no qual os agentes sociais
ocupam uma posição definida pelo volume e pela estrutura do capital eficiente
no campo, agindo segundo suas posições nesse campo.
Cada campo – um “campo de força” de agentes e instituições em luta –
é dotado de regras de funcionamento e de agentes investidos de hábitos
específicos (campo universitário, campo jornalístico, campo literário etc).
“O processo de diferenciação do mundo social que conduz à existência
de campos autônomos diz respeito tanto ao ser quanto ao conhecer: ao se
diferenciar, o mundo social produz a diferenciação de modos de conhecimento
do mundo; a cada campo correspondente de um ponto de vista fundamental
sobre o mundo que cria seu objeto próprio e que encontra em si mesmo o
princípio de compreensão e de explicação conveniente a este objeto.”
A lógica de um campo, a hierarquização dos interesses e a
discriminação dos objetos pertinentes instituídos funcionam como um pano de
fundo impensado das práticas dos agentes.
“Esquecemos que a luta pressupõe um acordo entre os antagonistas
sobre aquilo pelo que merece que se lute e que é recalcado no aparentemente
evidente, deixado em estado de doxa – ou seja, tudo o que faz o próprio
campo, o jogo, os riscos, todos os pressupostos que se aceitam tacitamente,
sem mesmo que os saiba, pelo mero fato de jogar, de entrar no jogo.”
A doxa (opinião) é uma “fé prática”, experiência primeira do mundo,
relação de crença imediata que nos faz aceitar o mundo como evidente, uma
experiência primeira do social. Faz parte dos pressupostos de inclusão num
determinado campo.
Distinção
Corresponde a uma estratégia de diferenciação que está no âmago da
vida social. É uma propriedade relacional que marca um desvio, uma diferença
com relação a outrem e que funda uma hierarquia entre indivíduos e grupos – é
o suporte de estratégias inscritas nas práticas sociais.
Assim, a burguesia possui uma maneira própria de se distinguir, por seu
“gosto”, da ostentação ou da vulgaridade (ou ao menos do que se julga como
tal) dos “parvenus” (arrivistas), da pequena burguesia. Sua relação com a arte,
pela qual se diferencia de outras camadas sociais, se opera sob o modo do
distanciamento, naturalidade, da cultura discreta. Quanto menos ostensiva a
intenção de parecer “distinto”, melhor.
Bourdieu foi prenunciado pelas análises do esnobismo social, intelectual
e artístico feitas por Marcel Proust em Em Busca do Tempo Perdido.
Capital simbólico
Conjunto de rituais (como a etiqueta e o protocolo) ligados à honra e ao
reconhecimento. É o crédito e a autoridade que conferem a um agente o
reconhecimento e a posse das três outras formas de capital (econômico,
cultural e social). Ele é o produto da “transfiguração de uma relação de força
em relação de sentido”, designando o efeito de violência imaterial das outras
formas de capital sobre a consciência.
Um exemplo típico das transmutações das outras espécies de capital em
efeitos simbólicos é o “grande nome” (de uma “grande família”), patronímico
que condensa simbolicamente todas as propriedades materiais
e imateriais acumuladas e herdadas.
A compreensão da lógica dos efeitos simbólicos de posições e de
recursos advém de uma “economia dos bens simbólicos” (da qual a economia
propriamente “econômica” não é senão uma das dimensões), que dá conta das
estratégias de acumulação, de reprodução e de reconversão das diferentes
espécies de capital por um indivíduo, com vista a manter ou melhorar sua
posição no espaço social.
Espaço social
Representação multidimensional e relacional da estrutura da sociedade
de acordo com o volume e a estrutura do capital (econômico, cultural) em
posse das diferentes classes sociais em conflito.
O conceito de espaço social permite ultrapassar as concepções
naturalizantes do mundo social, que tendem a coisificar entidades ou oposições
conceituais – que, para Bourdieu, são apenas projeções dos valores e
categorias dominantes no momento (classes, possuidores/despossuídos,
povo…). Essa coisificação favorece a ignorância da verdadeira lógica da
dinâmica social.
Já o modo de representação espacial permite considerar a sociedade
não como um mecanismo natural, mas como um “universo de propensões”
(Popper) ou de tendências. Trata-se de um espaço de distribuição, ou seja, um
vasto conjunto de posições hierarquizadas através de múltiplas dimensões (os
campos e as espécies de capital que eles privilegiam).
O espaço social, recortado por tensões e dominações, “é definido pela
exclusão mútua, ou distinção, das posições que o constituem, ou seja, como
estrutura de justaposição de posições sociais, elas mesmas definidas como
posições na estrutura de distribuição das diversas espécies de capital”.
Habitus
Noção que tem uma longa história, de Aristóteles a Norbert Elias,
passando pelos filósofos medievais, Leibniz, Husserl e Merleau-Ponty. Talvez
seja o conceito central do pensamento de Bourdieu, definido por ele como um
sistema de “disposições duráveis e transponíveis”, isto é, que podem gerar
práticas em esferas alheias àquela de origem, adquiridas pelo indivíduo no
curso do processo de socialização que engendra e organiza as práticas e as
representações de indivíduos e grupos. São potencialidades objetivas que têm
a tendência a se atualizar e a operar nas práticas e representações que elas
moldam de forma duradoura.
O habitus é produtor de ações e produto do condicionamento histórico e
social – embora Bourdieu recuse a pecha de um determinismo social rígido, ao
admitir uma margem de manobra para o “jogo” e a improvisação.
O habitus não pode ser revertido por uma mera tomada de consciência
devido à profundidade com que se inscreve nos corpos, gestos e posturas.
O habitus configura um universo de classificações e de possibilidades
que o agente que o internalizou assume como apriorismos mentais e práticos
que se fazem perceber mas não são necessariamente percebidos, muito
menos explicitados num cálculo racional.
Violência simbólica
Violência não percebida, fundada sobre o reconhecimento, obtida por
um trabalho de inculcação da legitimidade dos dominantes sobre os dominados
e que assegura a permanência da dominação e a reprodução social. Por
exemplo, a transmissão da cultura escolar, que veicula as normas das classes
dominantes, é uma violência simbólica exercida sobre as classes populares.