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DE INTERPRETATIONE RECTA
Mauri Furlan
maurizius@gmail.com
Universidade Federal de Santa Catarina
DE INTERPRETATIONE DA TRADUÇÃO
RECTA1 CORRETA
(1420) (2011)
1
O texto latino aqui utilizado foi estabelecido por Hans Baron, 1928, mas com alterações na di-
visão de parágrafos, realizadas pelo tradutor.
2
Protógenes, Apeles e Aglaofonte, célebres pintores gregos, sendo Apeles (séc. IV a.C.) o mais
conhecido por ter retratado Filipe II e Alexandre Magno. Nenhuma de suas pinturas chegou até
nós.
ergo uehementiores uisi sumus, tóteles, que são mais belos e elegan-
hanc nos causam nouerit permouis- tes que qualquer pintura. Se a al-
se, quae profecto talis est, ut, etsi guém parecemos um tanto veemen-
modum transgressi fuissemus, ta- tes, saiba que nos perturbou esta
men uenia foret nobis haud imme- causa, a qual por certo é de tal mon-
rito concedenda. ta que, ainda que tivéssemos extra-
polado o limite, contudo, deveria
ser-nos concedida vênia não imere-
cidamente.
Sed non sumus transgressi Mas não extrapolamos o limi-
modum iudicio nostro, sed quamuis te, a nosso ver, e, embora indigna-
indignantes modestiam tamen hu- dos, conservamos a moderação e a
manitatemque seruauimus. Sic humanidade. Reflita, pois, assim:
enim cogita! An ego quicquam in Acaso eu disse algo contra os cos-
mores illius dixi? An in uitam? An tumes dele? Acaso, contra sua vida?
ut perfidum, ut improbum, ut libi- Acaso o censurei por pérfido, ím-
dinosum illum reprehendi? Nihil probo, libidinoso? Nada disto, por
profecto horum. Quid igitur in illo certo. O que, portanto, censurei ne-
reprehendi? Imperitiam solummo- le? Apenas sua imperícia nas letras.
do litterarum. Haec autem, per Por Deus, que repreensão é esta,
deum immortalem, quae tandem ui- afinal? Acaso não pode alguém ser
tuperatio est? An non potest quis um bom homem, e contudo não co-
esse uir bonus, litteras tamen aut nhecer profundamente as letras ou
nescire penitus aut non magnam il- não possuir aquela grande perícia
lam, quam in isto requiro, peritiam que reclamo para isto? Eu não disse
habere? Ego hunc non malum ho- que ele era um mau homem, mas
minem, sed malum interpretem es- um mau tradutor. O que igualmente
se dixi. Quod idem fortasse de Pla- talvez eu dissesse de Platão, se qui-
tone dicerem, si gubernator nauis sesse ser timoneiro de um navio e
esse uellet, gubernandi uero periti- não tivesse perícia para timoneá-lo.
am non haberet. Nihil enim de phi- Eu não depreciaria nada de sua filo-
losophia ei detraherem, sed id so- sofia, mas apenas criticaria que fos-
lummodo carperem, quod imperi- se um timoneiro imperito e inepto.
tus et ineptus gubernator esset.
Atque ut tota res ista latius E para que tudo isso possa ser
intelligatur, explanabo tibi primo, mais amplamente entendido, expla-
quid de hac interpretandi ratione nar-te-ei em primeiro lugar o que eu
sentio. Deinde merito reprehensio- penso sobre o método de traduzir.
nes a me factas docebo. Tertio me Em seguida, mostrarei as repreen-
in reprehendendo illius errata doc- sões merecidamente feitas por mim.
tissimorum hominum morem obse- Em terceiro lugar, mostrarei que, ao
ruasse ostendam. repreender os erros dele, observei o
costume de homens doutíssimos.
I. I.
aliud est. Desiderati milites cen- deste tipo. O que seja gerere [gerar,
tum, si uerba attendas, aliud, si fazer] e mos [uso, costume] sabe até
consuetudinem, perierunt. Idem est mesmo o leitor inculto; o que, po-
de ceteris, quae supra posuimus, rém, significa o todo, é outra coisa.
cum aliud uerba, aliud sententia ue- Desiderati miles centum, se te aténs
rborum significet. Deprecor hoc às palavras, é uma coisa [cem sol-
negationem dicit. Rudis autem lec- dados desejados], se ao uso, “pere-
tor et inexercitatus perinde capiet, ceram”. O mesmo acontece às ou-
quasi illud uelit, quod deprecatur, tras que colocamos acima, quando
etsi interpretandum sit: contrarium as palavras significam uma coisa,
mihi dicet, quam littera habeat, de outra, a sentença das palavras. De-
qua transfert. precor hoc [afasto isso por meio de
rogos] quer dizer negação. Um lei-
tor inculto e inexperiente, porém,
entenderá exatamente como se se
desejasse aquilo que se rejeita, e se
tiver que traduzir me dirá o contrá-
rio do que contem a obra da qual
traduz.
Iuuentus et iuuenta duo sunt, Iuuentus e iuuenta são duas
quorum alterum multitudinem, alte- palavras, das quais uma significa
rum aetatem significat. “Si mihi fo- “multidão”, a outra, “idade”. “Si
ret illa iuuenta”, inquit Virgilius; et mihi foret illa iuuenta”3 [Se eu ti-
alibi: “primaeuo flore iuuentus vesse aquela juventude], disse Vir-
exercebat equos”; et Liuius: “arma- gílio; e em outra passagem: ‘pri-
ta iuuentute excursionem in agrum maeuo flore iuuentus exercebat
Romanum fecit.”– Deest et abest: equos”4 [na primeva flor a juventu-
Alterum uituperationem, alterum de se exercitava nos cavalos]; e Tito
laudem importat. Deesse namque Lívio: “armata iuuentute excursio-
dicimus, quae bona sunt, ut oratori nem in agrum Romanum fecit” 5
uocem, histrioni gestum; abesse [com a juventude armada fez uma
autem uitia, ut medico imperitiam, incursão em território romano]. –
causidico praeuaricationem. Poena Deest [falta] e abest [está ausente]:
et malum affinia uidentur; sunt au- um implica reprovação, o outro,
tem longe diuersa. Nam dare poe- elogio; dizemos deesse [faltar] às
nas: subire est ac perpeti; dare au- coisas que são boas, como a voz de
tem malum est: alteri inferre. Con- um orador, o gesto de um ator;
tra uero: Quid alienius uideri potest abesse [estar ausente], porém, aos
quam recipio et promitto. Sunt ta- defeitos, como a imperícia de um
men interdum eadem. Cum enim médico, a prevaricação de um ad-
dicimus recipio tibi hoc, nihil aliud vogado. Poena [pena, castigo] e ma-
significamus quam promitto. Pos- lum [desgraça, mal] parecem afins;
3
Virgílio, Eneida, V, 397-398: “si mihi quae quondam fuerat quaque improbus iste / exsultat
fidens, si nunc foret illa iuuentas”.
4
Virgílio, Eneida, VII, 162-163: “ante urbem pueri et primaeuo flore iuuentus / exercentur equis
domitantque in puluere currus”.
5
Tito Lívio, História de Roma, III, 8,7: “Fabius praeerat urbi; is armata iuuentute dispositisque
praesidiis tuta omnia ac tranquilla fecit.”
6
Juvenal, Sátiras, II, 100, a partir de Virgílio, Eneida, XII, 94.
7
Início do prólogo da Medéia de Ênio, citado pelo autor da Rhetorica ad Herennium, II, 22, 34.
8
Aristóteles, Ética a Nicômaco, VIII, 1, a partir de Homero, Ilíada, X, 224.
9
Aristóteles, Política, III, 1278a, 9. Homero, Ilíada, IX, 648.
10
Aristóteles, Ética a Nicômaco, II, 9, 1109b10. Homero, Ilíada, 3, 156-160.
tionisque effigie. Haec est enim op- priedade das palavras e a imitação
tima interpretandi ratio, si figura do discurso. Este é um excelente
primae orationis quam optime con- método de traduzir: preservar ao
seruetur, ut neque sensibus uerba máximo o estilo primeiro do texto,
neque uerbis ipsis nitor ornatusque de modo a não apartar dos sentidos
deficiat. as palavras, nem às próprias pala-
vras o brilho e o adorno.
Sed cum sit difficilis omnis Mas, uma vez que toda tradu-
interpretatio recta propter multa et ção correta é difícil por causa dos
uaria, quae in ea (ut supra diximus) muitos e vários requisitos que, co-
requiruntur, difficillimum tamen mo acima dissemos, são exigidos, é,
est illa recte transferre, quae a pri- contudo, dificílimo transladar corre-
mo auctore scripta sunt numerose tamente aquilo que foi escrito ritmi-
atque ornate. In oratione quippe camente e ornadamente pelo escri-
numerosa necesse est per cola et tor primeiro. Frente a um texto ob-
commata et periodos incedere ac, viamente rítmico, é necessário
ut apte quadrateque finiat com- avançar através dos membros, inci-
prehensio, diligentissime obserua- sos e períodos da oração, e prestar
re. muitíssima atenção de maneira a
que o conjunto resulte adequado e
esmerado.
In exornationibus quoque ce- Também em outros ornatos a
teris conseruandis summa diligen- serem conservados deverá ser em-
tia erit adhibenda. Haec enim om- pregada suma diligência. Se o tradu-
nia nisi seruet interpres, prima ora- tor, contudo, não preservar todas es-
tionis maiestas omnino deperit et tas coisas, a majestade primeira da
fatiscit. Seruari autem sine magno obra se perde e se pulveriza comple-
labore magnaque peritia litterarum tamente. Não podem, porém, ser
non possunt. Intelligendae sunt preservadas sem um grande labor e
enim ab interprete huiuscemodi, ut um grande conhecimento da litera-
ita dixerim, orationis uirtutes ac in tura. As qualidades da obra, por as-
ea lingua, ad quam traducit, pariter sim dizer, devem, pois, ser compre-
representandae. Cumque duo sint endidas desse modo pelo tradutor, e
exornationum genera – unum, quo ser igualmente reproduzidas na lín-
uerba, alterum, quo sententiae co- gua para a qual traduz. Uma vez que
lorantur –, utrumque certe difficul- são dois os tipos de ornamentos –
tatem traductori affert, maiorem um, pelo qual se dá brilho às pala-
tamen uerborum quam sententi- vras, outro, aos pensamentos –, am-
arum colores, propterea quod saepe bos, por certo, causam dificuldade
huiusmodi exornationes numeris ao tradutor, maior, contudo, a do
constant, ut cum paria paribus re- brilho das palavras que a dos pen-
dduntur aut contraria contrariis uel samentos; porque, muitas vezes os
opposita inter se, quae Graeci “an- ornamentos deste tipo consistem em
titheta” uocant. Frequenter enim estruturas rítmicas, como quando os
uerba Latina uel plus uel minus termos são restituídos por seus se-
syllabarum habent quam Graeca, melhantes, ou por seus contrários ou
neque par sonus auribus faciliter opostos entre si, que os gregos cha-
correspondet. Iacula quoque, quae mam antitheta. Com efeito, as pala-
interdum iacit orator, ita demum vras latinas têm frequentemente ou
amanti potius uel non amanti sit in amici- mim isso que condenamos nos outros. Mas,
tiam eundum, de amore ipso, quale quid como tu e eu levantamos uma discussão
sit et quam habeat uim, diffinitione ex sobre se se deve buscar amizade mais no
consensu posita, ad hoc respicientes refe- amante ou no não-amante, depois de ter
rentesque considerationem faciamus, emo- tomado uma definição em comum acordo
lumentumne an detrimentum afferat? sobre o próprio amor, o que é e que força
tem, atentando e reportando-nos a ela, con-
sideremos: causa-nos benefício ou detri-
mento?
Quod igitur cupiditas quaedam sit Com efeito, que o amor seja uma
amor, manifestum est. Quod uero etiam espécie de desejo, é evidente. Que, contu-
qui non amant cupiunt, scimus. Rursus au- do, também os que não amam desejam, sa-
tem, quo amantem a non amante discer- bemos. Por outro lado, porém, convém
namus, intelligere oportet, quia in uno compreender em que diferenciamos o
quoque nostrum duae sunt ideae dominan- amante do não-amante, porque também em
tes atque ducentes, quas sequimur, qua- cada um de nós há duas idéias dominantes
cumque ducunt: Una innata nobis uolupta- e condutoras, que seguimos onde quer que
tum cupiditas, altera acquisita opinio, af- nos guiem: uma é o desejo de prazeres ina-
fectatrix optimi. Hae autem in nobis quan- to em nós, a outra, uma idéia adquirida, que
doque consentiunt, quandoque in seditione busca ansiosamente o melhor. Por vezes,
atque discordia sunt; et modo haec, modo estas idéias em nós concordam, por vezes
altera peruincit. estão em desunião e discórdia; e ora pre-
domina uma, ora a outra.
Opinione igitur ad id, quod sit op- Com a idéia conduzindo-se para o
timum, ratione ducente ac suo robore pe- melhor por intermédio da razão e com o
ruincente temperantia exsistit; cupiditate predomínio de sua força surge a temperan-
uero absque ratione ad uoluptates trahente ça; com o desejo, porém, sem a razão arras-
nobisque imperante libido uocatur. Libido tando-nos para os prazeres e dominando-
autem, cum multiforme sit multarumque nos, chama-se paixão. A paixão, no entan-
partium, multas utique appellationes ha- to, sendo multiforme e de muitas aspectos,
bet. Et harum formarum quae maxime in possui muitos nomes. E dessas formas, a
aliquo exsuperat, sua illum nuncupatione que se sobressai sobremodo em alguém
nominatum reddit nec ulli ad decus uel ad confere-lhe um nome com designação pró-
dignitatem acquiritur. Circa cibus enim pria, mas a ninguém se lho atribui para sua
superatrix rationis et aliarum cupiditatum honra ou dignidade. Em relação aos ali-
cupiditas ingluuies appellatur et eum, qui mentos, porém, o desejo que se sobrepõe à
hanc habet, hac ipsa appellatione nuncupa- razão e a outros desejos é chamado de glu-
tum reddit. Rursus quae circa ebrietates toneria, e o que a possui recebe a designa-
tyrannidem exercet ac eum, quem possi- ção por este mesmo nome. Por outro lado,
det, hac ducens patet, quod habebit cog- o que exerce a tirania em relação à embria-
nomen? Et alias harum germanas et ger- guez, e é visto guiando aquele que o possui,
manarum cupiditatum nomina, semper que nome terá? É claro de que modo con-
quae maxime dominatur, quemadmodum vém chamar a outros desejos irmãos e os
appellare deceat, manifestum est. Cuius nomes destes desejos irmãos, sempre que
autem gratia superiora diximus, fere iam um predomine sobre os demais. O motivo
patet. Dictum tamen, quam non dictum, pelo qual dissemos as coisas acima é já al-
magis patebit. Quae enim sine ratione cu- go evidente. O dito, porém, será mais evi-
piditas superat opinionem ad recta tenden- dente que o não dito. O desejo que, sem a
tem rapitque ad uoluptatem formae et a razão, vence a idéia que tende à retidão, e
germanis, quae sub illa sunt circa corporis impele ao prazer da beleza, predomina e
formam, cupiditatibus roborata peruincit guia reforçado pelos desejos irmãos, que
et ducit, ab ipsa insolentia, quod absque lhe são submissos em relação à beleza do
more fiat, amor uocatur. corpo, chama-se, pelo próprio excesso,
porque se faz sem medida (absque more),
amor.
est a Platone. Insunt enim et uerbo- lhante. Encontram-se, pois, tanto re-
rum, ut ita dixerim, deliciae et sen- finamentos das palavras, por assim
tentiarum mirabilis splendor. Et est dizer, como um admirável esplendor
alioquin tota ad numerum facta dos pensamentos. E, ademais, toda a
oratio. Nam et “in seditione esse obra foi feita com vistas ao ritmo.
animum” et “circa ebrietates tyran- Pois “in seditione esse animum” [a
nidem exercere” as cetera huius- alma está em luta], e “circa ebrieta-
modi translata uerba quasi stellae tes tyrannidem exercere” [exercer a
quaedam interpositae orationem tirania em relação à embriaguez] e
illuminant. Et “innata nobis volup- outras figuras traduzidas deste mo-
tatum cupiditas”, “acquisita uero do iluminam o discurso como se es-
opinio, affectatrix optimi” per anti- pécies de estrelas nele interpostas. E
theta quaedam dicuntur; opposita “innata nobis voluptatum cupiditas”
siquidem quodammodo sunt inna- [o desejo de prazeres inato em nós],
tum et acquisitum, cupiditasque uo- “acquisita uero opinio, affectatrix
luptatum et opinio ad recta conten- optimi” [uma idéia adquirida, que
dens. Iam uero quod inquit “huius busca ansiosamente o melhor] são
germanae germanarumque cupidi- ditas mediante determinadas antíte-
tatum nomina” et “superatrix ratio- ses; uma vez que, de certo modo,
nis aliarumque cupiditatum cupidi- são termos opostos innatum e ac-
tas” et “utrum amanti potius uel quisitum [‘inato’ e ‘adquirido’], cu-
non amanti sit in amicitiam eun- piditasque uoluptatum [‘desejo de
dum?”, haec omnia uerba inter se prazeres’], opinio ad recta conten-
festiue coniuncta tamquam in dens [‘idéia que tende à retidão’].
pauimento ac emblemate uermicu- Além disso, diz: “huius germanae
lato summam habent uenustatem. germanarumque cupiditatum nomi-
Illud praeterea quod inquit “cuius na” [os nomes dos desejos irmãos
gratia diximus, fere iam patet; dic- deste irmão], “superatrix rationis
tum tamen, quam non dictum, ma- aliarumque cupiditatum cupiditas”
gis patebit”, membra sunt duo pa- [o desejo que vence a razão e os ou-
ribus interualis emissa, quae Graeci tros desejos], “utrum amanti potius
cola appellant. Post haec ambitus uel non amanti sit in amicitiam eun-
subicitur plenus et perfectus: “quae dum?” [deve-se buscar amizade
enim sine ratione cupiditas superat mais no amante ou no não-
opinionem ad recta tendentem rapi- amante?], todas estas palavras con-
tque ad uoluptatem formae et a catenadas engenhosamente entre si,
germanis, quae sub illa sunt circa como se num chão de mosaico ver-
corporis formam, cupiditatibus ro- miculado, possuem um encanto ex-
borata peruincit et ducit, ab ipsa in- traordinário. Ademais, também diz:
solentia, quod absque more fiat, “cuius gratia diximus, fere iam pa-
amor uocatur”. Videtis in his om- tet; dictum tamen, quam non dic-
nibus sententiarum splendorum ac tum, magis patebit” [o motivo pelo
uerborum delicias et orationis nu- qual dissemos as coisas acima, é já
merositatem; quae quidem omnia algo evidente. O dito, porém, será
nisi seruet interpres, negari non po- mais evidente que o não dito]: são
test quin detestabile flagitium ab eo dois membros de orações emitidos
commitatur. em intervalos iguais, que os gregos
chamam kola. Depois disso, o perí-
Hanc tibi, o dilecte amor, nostra A ti, ó dileto amor, cantamos essa
pro facultate, quam pulcherrime optime- palinódia, de um modo quase poético, o
que ualuimus, poetico quasi more palino- quanto pudemos na forma mais bela e ex-
diam cecinimus. Quare et antedictorum celente, segundo nossa capacidade. Por is-
ueniam praesta, et horum gratia mihi pro- so, concede o perdão pelos ditos anterior-
pitius assiste. Tum, si quid indignum tuo mente, e por causa deles assiste-me bene-
numine a Phaedro et me dictum sit, Lysi- volamente. Pois, se algo indigno à tua di-
am huius disputationis patrem accusans, vindade foi dito por Fedro e por mim, que
ab huiusmodi sermonibus desistere facias, possas, acusando Lisias, o pai desta dispu-
et ad philosophiam quemadmodum frater ta, fazê-lo desistir dos discursos deste gêne-
eius Polemarchus uersus est, ita illum co- ro, e, assim, volta-o à filosofia, como seu
nuerte. Haec ipsa et ego deum oro, o So- irmão Polemarco se voltou. Estas mesmas
crates. Tuum uero sermonem iam pridem coisas também eu rogo a Deus, ó Sócrates.
admiror. Quam ualde superiori antecellit; Na verdade, já admiro muito teu discurso.
ut iam uereri incipiam, ne Lysias mihi exi- Quanto supera ao anterior! A ponto de eu
lis exanguisque uideatur si pergat ad hunc começar a temer que Lisias venha a me pa-
tuum alium suum conferre. recer pobre e fraco se continuar a contrapor
a este teu um outro seu.
ris nescimus. Conati certe sumus il- meiro. Esforçamo-nos, por certo,
lam seruare. em conservá-la.
11
Endimião, em versões distintas na mitologia grega, por solicitação da Lua, teria sido agracia-
do por Júpiter com o sono eterno, preservando, contudo, sua juventude. Ou, por ter desrespeita-
do Juno, teria sido castigado por Júpiter com o sono perpétuo.
Non enim ex eo, quia saepe au- Não por termos muitas vezes ouvido
diuimus aut saepe uidimus, sensum acce- ou muitas vezes visto, adquirimos os senti-
pimus, sed contra habentes usi sumus, non dos, mas pelo contário, possuindo-os usa-
utentes habuimus. At uirtutes acquirimus mo-los, e os possuímos não os usando. Mas
operando prius, quemadmodum et in aliis as virtudes, adquirimo-las primeiramente
artibus. Quae enim oportet postquam didi- obrando, como acontece também entre as
cerimus facere, ea faciendo addiscimus, outras artes. Pois, aquilo que é necessário
ceu fabricando fabri et citharam pulsando fazer depois que tivermos aprendido,
citharedi; sic iusta agendo iusti et modesta aprendemos fazendo-o, como os construto-
modesti et fortia fortes efficiuntur. res ao construir, e os citaristas ao tocar a cí-
tara; assim, agindo com justiça se fazem os
justos, com moderação, os moderados, e
com bravura, os bravos.
atque ita uiros bonos fieri: aegrotos imita- se, portanto, com razão, que alguém, ao fa-
ti, qui uerba medicorum audiunt quidem zer coisas justas, se torna justo, e, coisas
diligenter, faciunt autem nihil ex his quae moderadas, moderado, porém, ao não fazer
sibi praecepta sunt. Vt ergo illorum corpo- nada, ninguém parece preocuparse com ser
ribus non bene erit qui ita curantur, sic ne bom. Mas a maioria não faz assim. Na ver-
illorum animis qui ita philosophantur. dade, voltando-se para as palavras e os de-
bates, pensam que filosofam e que, deste
modo, se tornam homens bons: imitando os
doentes que ouvem atentamente as palavras
dos médicos, mas que nada fazem daquilo
que lhes foi prescrito. Assim como não es-
tarão bem os corpos daqueles que assim se
tratam, do mesmo modo, as almas daqueles
que assim filosofam.
Videmus, inquit, homines acquirere Vemos, ele diz, que os homens não
et tueri non uirtutes externis bonis, sed ex- adquirem e conservam as virtudes mediante
terna uirtutibus, ipsaque beata uita - siue et os bens externos, mas os bens externos me-
gaudio posita est, siue in uirtute, siue in diante as virtudes, e a própria vida feliz –
ambobus - magis existit moribus et intel- encontre-se ela seja na alegria, seja na vir-
lectu in excessum ornatis, mediocria uero tude, seja em ambas as duas – está mais pa-
externa possidentibus, quam his qui exter- ra os adornados ao máximo com caráter e
norum plura possident quam opus sit, mo- inteligência, e que, contudo, possuem mo-
ribus uero intelligentiaque deficiant. destos bens externos, do que para os que
possuem mais bens externos do que seja
necessário, mas carecem de caráter e inteli-
gência.
Contingit uero, ut boni quidem uiri Acontece, pois, que homens certa-
maxime hunc magistratum deuitent, prauis mente bons evitam ao máximo essa magis-
autem nequaquam tutum sit illum commit- tratura, porém, de forma alguma é seguro
tere, cum ipsi potius indigeant custodia et confiá-la aos perversos, quando eles mes-
carcere, quam alios debeant custodire. mos precisam mais de custódia e cárcere do
II. II.
12
Bruni possivelmente se equivoca, pois uma das hipóteses contemporâneas de maior peso so-
bre as traduções de Aristóteles aponta o nome de Roberto Grosseteste (1168-1253) como tradu-
tor ao latim da Ética a Nicômaco (a tradução mais criticada por Bruni), e o de Guilherme de
Moerbeke (1215-1286) como o tradutor da Política, em 1260. Mas tal equívoco também pode
ser explicado pelo fato de que a tradução realizada por Roberto Grosseteste foi revisada por
Guilherme de Moerbeke.
aliud pro alio posuerit nec uim se- nifica em grego. Por isso não tradu-
ruauerit Graeci uerbi. – Sed hoc ziu corretamente quando transpos
ueniale peccatum est. uma coisa pela outra, nem conser-
vou a índole da palavra grega. Mas
esse é um pecado venial.
Ast illud nequaquam uenia Por outro lado, não é digno de
dignum, quod subicit circa “praeto- nenhuma desculpa aquilo que apre-
ria.” Quod enim “praetoria” inquit, senta como circa praetoria [sobre
“iudicia” debuit dicere. “Iudicium as pretorias]. Ao que chamou prae-
enim furti” dicimus, non “praeto- toria devia dizer iudicia [julgamen-
rium furti”, et “res iudicata”, non tos]. Pois dizemos iudicium furti
“praetoriata” et “probationes in iu- [julgamento por furto] e não praeto-
dicio factas” et “iudicium de dolo rium furti [pretoria por furto], e res
malo.” Denique “dicastis” Graece, iudicata [questão julgada], não
Latine “iudex”; “dicastirion” Grae- praetoriata [pretoriada], e proba-
ce, Latine “iudicium”: Hoc est uer- tiones in iudicio factas [provas adu-
bum e uerbo. Iste uero delirat et ea zidas em julgamento], e iudicium de
nescit, quae pueri etiam sciunt. dolo malo [julgamento por dolo
mau]. Enfim, em grego dicastes, iu-
dex [juiz] em latim; dicasterion, em
grego, em latim iudicium [julga-
mento]. Isto é palavra por palavra.
Este, na verdade, delira e ignora o
que até as crianças sabem.
Circa “principatus” inquit: Circa principatus [sobre os
Haec est alia absurditas. Debuit principados] diz ele. Este é outro
enim “magistratus” dicere. Nam absurdo, pois devia dizer magistra-
principatus est imperatoris uel re- tus [cargo público]. Principatus é
gis; praetores uero et consules et próprio do imperador ou do rei; e
tribunos plebis et aediles curules et nunca diríamos que pretores, cônsu-
praefectos annonae et alios huius- les, tribunos da plebe, edis curuis e
modi numquam diceremus “princi- administradores de provisões de ví-
patum habere”, “magistratum gere- veres e outros do gênero principa-
re”. Est enim magistratus potestas tum habere [têm um principado],
uni uel pluribus hominibus a popu- mas que magistratum gerere [exer-
lo uel a principe commissa, princi- cem cargo público]. É, pois, um
patus autem est maior quaedam su- magistratus um poder concedido
pereminentia, cui ceterae omnes pelo povo ou pelo governante a um
potestates parent. Sic Octauianum único homem ou a vários; um prin-
et Claudium et Uespasianum prin- cipatus é um tipo de supereminên-
cipes fuisse dicimus, Senecam ue- cia, à qual todos os demais poderes
ro, qui consul fuit temporibus Ne- obedecem. Assim, dizemos que
ronis, nemo principem appellasset. Otaviano, Cláudio, Vespasiano fo-
Erat enim tunc Nero “princeps”, ram principes; ninguém, porém,
non Seneca; neque consulatus Se- chamaria de princeps a Sêneca, que
necae “principatus” erat, sed “ma- foi cônsul nos tempos de Nero, pois,
gistratus”; neque imperium Neronis então, Nero era o princeps, não Sê-
“magistratus” diceretur, sed “prin- neca; nem o consulado de Sêneca
cipatus”. Haec sunt luce clariora. era um principatus, mas um magis-
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Salústio, A Conjuração de Catilina, XXV, 4: “Sed ea saepe antehac fidem prodiderat, credi-
tum abiurauerat, caedis conscia fuerat, luxuria atque inopia praeceps abierat.”
III. III.
Referências bibliográficas
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Em todos os manuscritos conservados, o texto é interrompido aqui. A julgar pelo que Bruni
propunha no prefácio, a obra ficou incompleta em sua terceira e última parte.