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Transgêneros nos esportes

Sociedade precisará encontrar formas de inclusão sem prejuízo de atletas

Duas decisões antagônicas anunciadas no final de junho evidenciaram que o mundo


esportivo está longe do consenso sobre a participação de atletas transgênero em
competições de ponta. A primeira, tomada pela Federação Internacional de Natação (Fina),
é mais restritiva para mulheres trans, enquanto a outra iniciativa, da Federação de Futebol
da Alemanha (DFB), busca tornar a modalidade mais inclusiva.

As novas regras aprovadas pela DFB estavam sendo testadas desde 2019 em Berlim e
permitem que os atletas intersexo e transgênero (incluindo não binários) decidam em qual
equipe atuar, desde que estejam registrados no estado civil “diverso” ou “não identificado”.
Para a federação alemã, conforme mostrou a experiência, todas as pessoas têm diferentes
forças e habilidades físicas, que, independentemente do gênero, levam ao sucesso por
estarem reunidas em equipe e não apenas por habilidades individuais. A decisão será
válida na próxima temporada para categorias de base, futsal e para o futebol amador das
ligas regionais e estaduais

Para o professor Rafael Marques Garcia, da Escola de Educação Física e Desportos


(EEFD), embora a iniciativa alemã tenha sido adotada apenas nas esferas semiprofissional
e amadora, ela é considerada um avanço. “É um ponto positivo da Alemanha, que está
sendo pioneira nesse movimento. Trata-se de uma inovação frente às outras medidas que
estão sendo tomadas, porque a maioria delas tende ao retrocesso, ao estabelecer
parâmetros que, de certa forma, por mais que não excluam diretamente as pessoas
transgênero, veladamente acabam por fazê-lo”, afirmou.

Do ponto de vista do professor Erik Giuseppe Barbosa Pereira, também da EEFD, a DFB
proporciona um avanço na discussão sobre a participação, inserção e manutenção das
pessoas transgênero nos esportes, ainda mais no futebol. “Isso vai ao encontro do
pensamento do Consenso de Estocolmo, que fomenta a participação de pessoas
transgênero no esporte”, afirmou ele. Em 2003, o Comitê Olímpico Internacional (COI)
formou uma comissão para decidir como seria a participação em competições esportivas de
pessoas que tivessem passado pela redesignação sexual.

Embora buscassem ser inclusivas, as medidas do Consenso de Estocolmo estabeleciam


restrições rígidas, como o reconhecimento da transição de gênero por autoridades legais; a
realização de terapia hormonal para o sexo transacionado, sob constante avaliação para
aferir se o tratamento seria suficiente para reduzir as vantagens associadas a caracteres
sexuais secundários; e a existência de cirurgias alterando a anatomia corporal do atleta.
Nos 12 anos seguintes à implantação das normas decididas em Estocolmo, jamais um
competidor trans participou de um mundial ou dos Jogos Olímpicos.

Segundo Rafael Garcia, se a federação alemã de futebol liberasse a participação de atletas


trans no alto rendimento, ou seja, na principal liga do esporte, seria ótimo não só para
fomentar a inclusão, mas para desenvolver novos estudos. “Uma coisa é fazer o teste com
pessoas amadoras, com pessoas que tomam hormônio, mas não estão no meio esportivo
de alto rendimento. Só que aí, quando vai para o alto rendimento, há uma série de
empecilhos com base nas questões hormonais, de saúde, e até legais, pois às vezes a
legislação do país não permite. A gente acaba ficando cada vez menos inclusivo”, afirmou.

Mudanças com o tempo


Em 2015, o COI mudou as normas e permitiu que homens trans pudessem competir sem
nenhuma restrição. As mulheres trans, todavia, ainda que não precisassem mais realizar
cirurgia de reconstrução genital, tinham que cumprir outros requisitos. Como forma de
entender que a equivalência nos níveis de testosterona traria um equilíbrio com as atletas
cisgênero (que se identificam com o gênero designado biologicamente ao nascer), ficou
estabelecido que o nível de testosterona de mulheres trans deveria, por 12 meses antes da
primeira competição e durante a carreira esportiva, estar abaixo de 10 nanomol por litro de
sangue, sob risco de punição se a regra fosse quebrada. Apesar das mudanças, só em
2020, Laurel Hubbard, da Nova Zelândia, tornou-se a primeira mulher abertamente
transgênero a competir nas Olimpíadas de Tóquio.

Em novembro do ano passado, para liderar um compromisso de respeito aos direitos


humanos e promover a igualdade e inclusão de gênero, o COI permitiu a cada federação
esportiva acatar ou não as diretrizes propostas. A exigência de níveis hormonais para a
prática esportiva persiste, mas, para o Comitê, não é preciso que seja uma regra única,
cabendo a cada órgão que regulamenta a categoria esportiva estabelecer as próprias
exigências. Entretanto, a entidade apontou dez diretrizes a serem seguidas para o
estabelecimento de novas regras mais inclusivas, entre elas o direito à privacidade, a não
discriminação com base na identidade e variações de gênero, além da não presunção de
vantagem, devendo qualquer abordagem ser baseada em evidências científicas.

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