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Gregório de Matos Guerra

“Boca do Inferno”

Rodrigo Dias
Gregório de Matos
Contexto (1633 – 1695)
histórico
Nascido na Bahia, em família abastada,
Gregório estuda Direito em Portugal.
Ao retornar para o Brasil, então com 46
anos, encontra uma situação muito
diferente: além do atraso cultural da
colônia em relação à metrópole,
percebe a decadência social de sua
família (e dos senhores de engenho em
geral), causada pela crise do açúcar.
Por dois anos exerce funções junto à
Igreja como sacerdote, sendo destituído
por levar uma vida “sem modo de
cristão”. Após um período de desterro
na África em 1694, retorna ao Brasil,
morrendo, em Recife, em 1695.
Forma
Forma
• Cultismo: jogo de palavras
– Excesso, rebuscamento, inversões sintáticas
• Sonetos
Temas
Temas
• Poesia religiosa
– Culpa e perdão
• Poesia amorosa e erótica/pornográfica
– Idealização da mulher branca x rebaixamento e
objetificação da mulher negra, mulata e/ou
prostituta
• Poesia satírica
– Postura moralista
– Conservadorismo
Poesia religiosa (jogo de palavras,
Poesia religiosa
culpa e perdão)
A Nosso Senhor Jesus Christo com actos de arrependimento e suspiros de amor

Ofendi-vos, Meu Deus, bem é verdade,


É verdade, meu Deus, que hei delinquido,
Delinquido vos tenho, e ofendido,
Ofendido vos tem minha maldade.

Maldade, que encaminha à vaidade,


Vaidade, que todo me há vencido;
Vencido quero ver-me, e arrependido,
Arrependido a tanta enormidade.

Arrependido estou de coração,


De coração vos busco, dai-me os braços,
Abraços, que me rendem vossa luz.

Luz, que claro me mostra a salvação,


A salvação pretendo em tais abraços,
Misericórdia, Amor, Jesus, Jesus.
Poesia religiosa (jogo de palavras,
Poesia religiosa
culpa e perdão)
A Nosso Senhor Jesus Christo com actos de arrependimento e suspiros de amor

Ofendi-vos, Meu Deus, bem é verdade,


É verdade, meu Deus, que hei delinquido,
Delinquido vos tenho, e ofendido,
Ofendido vos tem minha maldade.

Maldade, que encaminha à vaidade, O eu lírico utiliza um jogo de palavras,


Vaidade, que todo me há vencido; começando os versos com a palavra final
Vencido quero ver-me, e arrependido, do verso anterior.
Arrependido a tanta enormidade.

Arrependido estou de coração,


Prestem atenção para a sequência de
De coração vos busco, dai-me os braços, ações/estados de espírito: o eu lírico
Abraços, que me rendem vossa luz. parte do reconhecimento da ofensa a
Deus, passa pelo arrependimento e
Luz, que claro me mostra a salvação, chega ao pedido de misericórdia.
A salvação pretendo em tais abraços,
Misericórdia, Amor, Jesus, Jesus.
Podemos ver aqui a culpa e o perdão,
temas importantes para o Barroco.
Poesia
Poesia religiosa
religiosa (inconstância)
Inconstância dos bens do mundo (ou A instabilidade das cousas no mundo)

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,


Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.

Porém se acaba o Sol, por que nascia?


Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Percebemos neste poema as dualidades
Como o gosto da pena assim se fia? claro/escuro, vida/morte, que resulta na
contestação do caráter passageiro da
Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza, vida.
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.
Também há uma retomada da temática
Começa o mundo enfim pela ignorância, renascentista da inconstância (tanto dos
E tem qualquer dos bens por natureza sentimentos quanto do mundo).
A firmeza somente na inconstância.
Poesia
Poesia amorosa
amorosa
Retrato / Dona Ângela
Anjo no nome, Angélica na cara
Isso é ser flor, e Anjo juntamente
Ser Angélica flor, e Anjo florente
Em quem, se não em vós se uniformara?

Quem veria uma flor, que a não cortara O eu lírico joga com o nome de Dona
De verde pé, de rama florescente?
E quem um Anjo vira tão luzente Ângela, referindo se a “Anjo” e à flor
Que por seu Deus, o não idolatrara? conhecida como “Angélica”. Assim, Dona
Se como Anjo sois dos meus altares
Ângela “seria angélica flor e anjo
Fôreis o meu custódio, e minha guarda florente” ao mesmo tempo, ou seja:
Livrara eu de diabólicos azares beleza divina e mundana em uma
Mas vejo, que tão bela, e tão galharda mesma pessoa.
Posto que os Anjos nunca dão pesares
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.
No fim do poema, no entanto, há uma
desconstrução da figura angelical, divina,
Galharda: elegante. da amada, acusada de ser uma fonte de
tentação, um anjo que tenta ao invés de
guardar.
Poesia amorosa

Angélica (flor)
(polianthes tuberosa)
Poesia
Poesia amorosa
amorosa (carpe diem)
A Maria dos povos, sua futura esposa

Discreta, e formosíssima Maria,


Enquanto estamos vendo a qualquer hora
Em tuas faces a rosada Aurora,
Em teus olhos, e boca o Sol, e o dia:

Enquanto com gentil descortesia


O ar, que fresco Adônis te namora,
Te espalha a rica trança voadora,
Quando vem passear-te pela fria:
No poema ao lado percebemos a ideia
Goza, goza da flor da mocidade, de Carpe diem (aproveitar o dia,
Que o tempo trota a toda ligeireza, aproveitar a vida), principalmente nos
E imprime em toda a flor sua pisada.
dois tercetos.
Oh, não aguardes, que a madura idade
Te converta em flor, essa beleza
Em terra, em cinza, em pó, em sobra, em nada.
Poesia
Poesia amorosa
amorosa (erótica)
[...]

O Amor é finalmente
um embaraço de pernas,
uma união de barrigas,
um breve tremor de artérias.

Uma confusão de bocas, Atenção: único poema da seleta que


apresenta o amor carnal!
uma batalha de veias,
um reboliço de ancas,
quem diz outra coisa, é besta.
Poesia
Poesia satírica
satírica
À cidade da Bahia (soneto)

Triste Bahia! Oh quão dessemelhante O eu lírico lamenta as mudanças sofridas pela


Estás, e estou do nosso antigo estado!
Bahia e o empobrecimento que isso lhe
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
trouxe. Assim, o comércio é tratado como algo
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.
prejudicial, pois apresenta possibilidade de
A ti trocou-te a máquina mercante, ascensão social para os comerciantes em um
Que em tua larga barra tem entrado, contexto em que os senhores de engenho
A mim foi-me trocando, e tem trocado perdiam força por causa da concorrência com
Tanto negócio, e tanto negociante. o açúcar produzido nas Antilhas.

Deste em dar tanto açúcar excelente Nos últimos tercetos, o eu lírico acusa a Bahia
Pelas drogas inúteis, que abelhuda por receber, em troca de seu “açúcar
Simples aceitas do sagaz Brichote. excelente”, bens supérfluos. Por fim, ele
demonstra um desejo de que a Bahia
Oh se quisera Deus, que de repente descartasse o luxo que lhe custava caro e
Um dia amanheceras tão sisuda voltasse a usar capote de algodão, matéria
Que fora de algodão o teu capote! barata, modesta.
Empenhado: endividado.
Trocar: duplo sentido: mudar e trocar.
Abelhuda: intrometida, curiosa.
Brichote: estrangeiro.
Poesia
Poesia satírica
satírica
Se de dous ff composta
Define a sua cidade está a nossa Bahia,
errada a ortografia,
De dois ff se compõe a grande dano está posta:
esta cidade a meu ver: eu quero fazer aposta
um furtar, outro foder. e quero um tostão perder,
que isso a há de perverter,
se o furtar e o foder bem
Recopilou-se o direito, não são os ff que tem
e quem o recopilou esta cidade ao meu ver.
com dous ff o explicou
por estar feito, e bem feito: Provo a conjetura já,
prontamente como um brinco:
por bem digesto, e colheito
Bahia tem letras cinco
só com dous ff o expõe, que são B-A-H-I-A:
e assim quem os olhos põe logo ninguém me dirá
no trato, que aqui se encerra, que dous ff chega a ter,
há de dizer que esta terra pois nenhum contém sequer,
salvo se em boa verdade
de dous ff se compõe.
são os ff da cidade
um furtar, outro foder.

Recopilar: resumir.
Questões
Questões
(UFRGS/2009) Leia o seguinte soneto de
Gregório de Matos Guerra.

Neste mundo é mais rico, o que mais rapa:


Quem mais limpo se faz, tem mais carepa1;
Com sua língua ao nobre o vil decepa:
O velhaco maior sempre tem capa.
Mostra o patife da nobreza o mapa:
Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa;
Quem menos falar pode, mais increpa2:
Quem dinheiro tiver, pode ser Papa.
A flor baixa se inculca por tulipa;
Bengala hoje na mão, ontem garlopa3:
Mais isento se mostra, o que mais chupa.
Para a tropa do trapo vazo a tripa,
E mais não digo, porque a musa topa
Em apa, epa, ipa, opa, upa.

Vocabulário:
1. Carepa: caspa, sarna, pereba.
2. Increpa: censura, acusa.
3. Garlopa: instrumento de carpinteiro.
Questões
Considere as seguintes afirmações sobre o soneto lido.

I - De acordo com o primeiro quarteto, quem se pretende mais limpo tem


maior sujeira, mas quem é nobre trata de decepar as pretensões de quem é
vil.

II - No segundo quarteto, há uma receita de ascensão social, em que, por


exemplo, quem tem menos autoridade mais acusa e quem tem riqueza
obtém importância e prestígio.

III - No último terceto, o poeta refere as rimas usadas ao longo do soneto e,


do ponto de vista formal, abandona o decassílabo para lançar mão de versos
de oito sílabas.

Quais estão corretas?


Questões
I - De acordo com o primeiro quarteto, quem se pretende mais limpo tem
maior sujeira, mas quem é nobre trata de decepar as pretensões de quem é
vil.

A parte destacada em azul na afirmativa está correta, conforme o segundo


verso do poema (“quem mais limpo se faz, tem mais carepa” (caspa));
contudo, a parte destacada em vermelho está incorreta. Vejamos o verso ao
qual se refere:

“Com sua língua ao nobre o vil decepa”

Podemos parafrasear a frase da seguinte maneira: “O vil (canalha) decepa ao


nobre com sua língua”.
Questões
II - No segundo quarteto, há uma receita de
ascensão social, em que, por exemplo, quem tem
menos autoridade mais acusa e quem tem riqueza
obtém importância e prestígio.

Alternativa correta.

“Quem menos falar pode, mais increpa [censura]


Quem dinheiro tiver, pode ser Papa”.
Questões
III - No último terceto, o poeta refere as rimas
usadas ao longo do soneto e, do ponto de vista
formal, abandona o decassílabo para lançar mão
de versos de oito sílabas.

O eu lírico refere as rimas usadas ao longo do


soneto, mas não abandona o verso decassílabo.
Questões
(A) Apenas I.
(B) Apenas II.
(C) Apenas I e III.
(D) Apenas II e III.
(E) I, II e III.
Questões
Questões
(UFRGS/2014) Leia o trecho do Sermão pelo
bom sucesso das armas de Portugal contra as de
Holanda, do Padre Antônio Vieira, e o soneto de
Gregório de Matos Guerra a seguir.
Sermão pelo bom sucesso das armas de
Portugal contra as de Holanda
Pede razão Jó a Deus, e tem muita razão de a pedir (responde por ele o mesmo santo, que o

arguiu), porque, se é condição de Deus usar de misericórdia, e é grande e não vulgar a glória

que adquire em perdoar pecados, que razão tem, ou pode dar bastante, de os não perdoar?

O mesmo Jó tinha já declarado a força deste seu argumento nas palavras antecedentes com

energia para Deus muito forte: Peccavi, quid faciam tibi? Como se dissera: "Se eu fiz, Senhor,

como homem em pecar, que razão tendes vós para não fazer, como Deus, em me perdoar?"

Ainda disse e quis dizer mais: Peccavi, quid faciam tibi? "Pequei, que mais posso fazer?" E

que fizestes vós, Jó, a Deus, em pecar? – Não lhe fiz pouco; porque lhe dei ocasião a me

perdoar, e perdoando-me, ganhar muita glória. Eu dever-lhe-ei a ele, como a causa, a graça

que me fizer; e ele dever-me-á a mim, como ocasião, a glória que alcançar.
A Jesus Cristo Nosso Senhor

Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,


Da vossa piedade me despido,
Porque quanto mais tenho delinquido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto um pecado,


A abrandar-nos sobeja um só gemido,
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida, e já cobrada


Glória tal, e prazer tão repentino
vos deu, como afirmais na Sacra História:

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada


Cobrai-a, e não queirais, Pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.
Questões
I – Tanto Padre Vieira quanto Gregório de Matos dirigem-se a Deus
mediante a segunda pessoa do plural (vós, vos): Gregório
argumenta que o Senhor está empenhado em perdoá-lo, enquanto
Vieira dirige-se a Deus (E que fizestes vós...) para impedir que Jó
seja perdoado.
II – Padre Vieira vale-se das palavras e do exemplo de Jó, figura do
Velho Testamento, para argumentar que o homem abusa da
misericórdia divina ao pecar, e que Deus, de acordo com a ocasião e
os argumentos fornecidos por Jó, inclina-se para o castigo no lugar
do perdão.
III- Tanto Padre Vieira como Gregório de Matos argumentam sobre a
misericórdia e a glória divinas: assim como Jó, citado por Vieira,
declara que Deus lhe deverá a glória por tê-lo perdoado; Gregório
compara-se à ovelha desgarrada que, se não for recuperada, pode
pôr a perder a glória de Deus.
Questões
I – Tanto Padre Vieira quanto Gregório de Matos
dirigem-se a Deus mediante a segunda pessoa do
plural (vós, vos): Gregório argumenta que o Senhor
está empenhado em perdoá-lo, enquanto Vieira
dirige-se a Deus (E que fizestes vós...) para impedir
que Jó seja perdoado.

Incorreta, pois Vieira não tenta impedir que Jó seja


perdoado. No trecho citado (“E que fizestes vós...”),
vós refere-se a Jó, e não a Deus.
Questões
II – Padre Vieira vale-se das palavras e do exemplo de Jó, figura do
Velho Testamento, para argumentar que o homem abusa da
misericórdia divina ao pecar, e que Deus, de acordo com a ocasião e os
argumentos fornecidos por Jó, inclina-se para o castigo no lugar do
perdão.

A segunda afirmação é incorreta, pois o argumento de Vieira vai na


direção oposta, como é exposto na terceira afirmação, a única correta:

III- Tanto Padre Vieira como Gregório de Matos argumentam sobre a


misericórdia e a glória divinas: assim como Jó, citado por Vieira,
declara que Deus lhe deverá a glória por tê-lo perdoado; Gregório
compara-se à ovelha desgarrada que, se não for recuperada, pode pôr
a perder a glória de Deus.
Questões
Quais estão corretas?
(A) Apenas I.
(B) Apenas III.
(C) Apenas I e II.
(D) Apenas II e III.
(E) I, II e III.

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