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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS


Departamento de Literatura e Linguística
Curso de Graduação em Letras

Disciplina: HL907C – Fonética e fonologia


Professora: Claudia Mendes Campos

AULA 24 – 23/06/2023 (6ªf)

Tema: Fonologia do português


Bibliografia:
SILVA, Adelaide H. Pescatori (2019) Língua Portuguesa I: fonética e fonologia – 2ª ed.
Curitiba: Iesde Brasil, p. 125-133.

CONSOANTES

Os itens a seguir trazem no início o inventário de fones consonantais do português para


cada um dos modos de articulação, seguido de uma discussão sobre seus contextos de
ocorrência. Ao final de cada item encontra-se a lista de fonemas correspondentes.
• Oclusivas: [ p b t d k g]
• Africadas: [tʃ dʒ]
o As consoantes oclusivas e africadas estão dispostas em conjunto, porque
as africadas não constituem fonemas em português, mas apenas alofones
de fonemas oclusivos, como veremos.
o Elas ocorrem em começo de sílaba e começo de palavra.
▪ [ˈpej.tʊ] peito
▪ [ˈbaɹ.dʊ] bardo
▪ [ˈta.kʊ] taco
▪ [ˈdẽ.gʊ] dengo
▪ [ˈka. pɐ] capa
▪ [ˈglo. bʊ] globo
▪ [ˈtʃi. tʃɪ] Tite
▪ [ˈdʒi. dʒĩ.mʊ] dídimo
o Podem formar grupos consonantais com os fonemas /ɾ/ e /l/, no ataque da
sílaba (parte que antecede a vogal), em palavras como
▪ [a.bɾi.ˈko] abricô
▪ [ˈblɔ.kʊ]
▪ [ˈkõw̃.pɾɐ] compra
▪ [ˈplẽ.nʊ]
▪ [ˈtɾa.vɪ] trave
▪ [a.ˈtlɛ.tɐ] atleta
▪ [ˈdɾi.blɪ] drible
▪ [ˈkɾa.vʊ] cravo

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▪ [ˈkla.ɾʊ] claro
▪ [ˈgɾi.tʊ] grito
▪ [ˈglo.bʊ] globo
• A exceção é o encontro *[dl], que não ocorre em português.
o No nível fonológico, as consoantes oclusivas podem ainda aparecer em
final de sílaba, em palavras como
▪ [ˈka.ki.tʊ] /ˈkak.tʊ/ cacto
▪ [hu.pi.ˈtu.ɾɐ] /hup.ˈtu.ɾɐ/ ruptura
▪ [o.bi.seɹ.ˈvaɹ] /ob.seɹ.ˈvaɹ/ observar
▪ [a.dʒi.mi.ˈtʃiɹ] /ad.mi.ˈtʃiɹ/ admitir
• Trata-se aqui de um nível abstrato da palavra, a palavra
fonológica (que corresponde à representação que o falante
faz da palavra, conforme Silva, p. 136), uma vez que do
ponto de vista fonético ocorre a epêntese, ou seja, a
inserção de uma vogal após a consoante oclusiva, para
evitar que ela ocorra em final de sílaba.
o Nos pares mínimos a seguir, observamos que as oclusivas constituem
fonemas nessa língua:
▪ [ˈtɛ.lɐ] tela
▪ [ˈdɛ.lɐ] dela
▪ [ˈpɛ.lɐ] pela
▪ [ˈbɛ.lɐ] bela
▪ [ˈka.tʊ] cato
▪ [ˈga.tʊ] gato
o Porém, como já vimos, as africadas ocorrem em distribuição
complementar com as oclusivas alveolares, condicionadas pelo ambiente
– isto é, o fonema oclusivo assimila o traço palatal da vogal que o segue
([i]) e se realiza como um alofone africado.
▪ [ˈtʃi.pʊ] tipo [ˈdʒi.kɐ] dica
▪ [ˈtʃĩ.tɐ] tinta [ˈdʒĩ.dɐ] dinda
▪ [ˈpɔ.tʃɪ] pote [ˈse.dʒɪ] sede
o Seguem as regras:
▪ /t/ → [tʃ ] /__ i, ĩ, ɪ
[t] / nda
• Leitura da regra: O fonema /t/ se realiza como o alofone
[tʃ] quando ocorre diante de vogal anterior alta e como o
alofone [t] nos demais ambientes, em distribuiççao
complementar.
▪ /d/ → [dʒ] /__ i, ĩ, ɪ
[d] / nda
• Leitura da regra: O fonema /d/ se realiza como o alofone
[dʒ] quando ocorre diante de vogal anterior alta e como o
alofone [d] nos demais ambientes, em distribuição
complementar.

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➢ Portanto, são fonemas do português as seguintes
consonantes: / p b t d k g /

• Nasais: [m n ɲ]
o As consoantes nasais têm uma distribuição semelhante à das consoantes
oclusivas:
▪ Começo de palavra
• [ˈma.pɐ] mapa
• [ˈna.pɐ] napa
• [ɲẽ.ga.ˈtu] nheengatu
o A nasal palatal em começo de palavra ocorre
geralmente em palavras emprestadas de outras
línguas ou de origem indígena.
▪ Começo de sílaba, no meio da palavra
• [gɜ.̃ mɐ] gama
• [gɜ.̃ nɐ] gana
• [gɜ.̃ ɲɐ] ganha
o Nesses contextos elas distinguem significado.
o Elas não ocorrem em final de sílaba, ao contrário do que a ortografia da
língua pode fazer parecer. Como vimos ao estudar as vogais nasais, as
letras <m> e <n> são usadas na escrita apenas para marcar a nasalidade da
vogal.
➢ Portanto, são fonemas do português as seguintes
consonantes: / m n ɲ /

• Fricativas (exceto os róticos): [f v s z ʃ ʒ ]


o As consoantes fricativas também têm distribuição semelhantes à das
oclusivas, mas apenas parcialmente. Elas ocorrem nos seguintes
ambientes:
▪ Começo de palavra
• [ˈfa.lɐ] fala
• [ˈva.lɐ] vala
• [so.ˈaɹ] soar
• [zo.ˈaɹ] zoar
• [ˈʃa.tʊ] chato
• [ˈʒa.tʊ]jato
▪ Começo de sílaba, meio de palavra
• [ˈba.fʊ] bafo
• [la.vʊ] lavo
• [ˈa.sɐ] assa
• [ˈa.zɐ] asa
• [ˈa.ʃɐ] acha
• [ˈa.ʒɐ] haja
o Como vemos nos pares acima, nesses contextos
elas distinguem significado e constituem fonemas,
portanto.

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▪ As labiodentais /f/ e /v/ podem ocorrer em encontros consonantais,
no ataque da sílaba, seguidas de /ɾ/ e /l/.
• [ˈfɾa.zɪ] frase
• [ˈfloɹ] flor
• [ˈli.vɾʊ] livro
• [ˈvlɔ.gɪ] vlog

▪ Os fonemas labiodentais /f/ e /v/ não ocorrem em final de sílaba.

▪ Os fonemas alveolares /s/ e /z/ e os pós-alveolares /ʃ/ e /ʒ/ sofrem


neutralização em final de sílaba.
✓ A neutralização será aqui
representada pelo
arquifonema /S/.
• Em final de palavra, ocorrem apenas os alofones [s] e [ʃ].
• Em final de sílaba, no meio da palavra, os quatro alofones
[s] e [ʃ], [z] e [ʒ] ocorrem de modo complementar:
o Quando a consoante seguinte é sonora, o
arquifonema /S/ assimila sua sonoridade e se realiza
como os alofones sonoros [z] ou [ʒ].
▪ [iz.ˈgi.ʊ] ~ [iʒ.ˈgi.ʊ] esguio
o Quando a consoante seguinte é surda, o fonema /S/
permanece surdo e se realiza como o alofone [s] ou
[ʃ].
▪ [is.ˈko.pʊ] ~ [iʃ.ˈko.pʊ] escopo
o A regra fica assim:
o /S/ → [z] ou [ʒ] / __.Csonora
[s] ou [ʃ] / __.C
• Leitura da regra: O arquifonema /S/ se realiza como os
alofones [z] ou [ʒ] quando ocorre em final de sílaba diante
de consoante sonora e como os alofones [s] ou [ʃ] quando
ocorre em final de sílaba diante de consoante surda.

➢ Portanto, são fonemas do português as seguintes


consonantes: / f v s z ʃ ʒ /

• Róticos
o Vibrantes: [r]
o Tepe: [ɾ]
o Fricativas: [x ɣ h ɦ]
o Aproximantes: [ ɹ ɻ ]

▪ Esses fones correspondem aos sons de R na língua portuguesa.

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▪ Há apenas uma posição em que eles se opõem, distinguindo
significado:
• Começo de sílaba, meio de palavra
o [ˈɛ.hɐ] erra
o [ˈɛ.ɾɐ] era
o [ˈtɔ.hɐ] torra
o [ˈtɔ.ɾɐ] tora
• Esses pares mínimos mostram que temos dois fonemas R
em português, que vamos chamar de R forte (/h/) e R fraco
(/ɾ/).

▪ Nas demais posições, a distribuição dos róticos é a seguinte:


• Começo de palavra
o Ocorre apenas o R forte, com os seguintes alofones
em variação livre: [r ɾ x h].
o [ˈrɔ.dɐ] ~ [ˈɾɔ.dɐ] ~ [ˈ h ɔ.dɐ] ~ [ˈ xɔ.dɐ] roda

• Final de sílaba, final de palavra


o Ocorre apenas o R forte, com os seguintes alofones
em variação livre: [ɾ ɹ ɻ r x h]
o [ˈmaɾ] ~ [ˈmaɹ] ~ [ˈmaɻ] ~ [ˈmar] ~ [ˈmax] ~
[ˈmah] mar

• Final de sílaba, meio de palavra


o Ocorre apenas o R forte
▪ com os seguintes alofones em variação
livre: [ɾ ɹ ɻ r h x ]
• [ˈmaɾ.sʊ] ~ [ˈmaɹ.sʊ] ~ [ˈmaɻ.sʊ] ~
[ˈmar.sʊ] ~ [ˈmax.sʊ] ~ [ˈmah.sʊ]
março
▪ com os seguintes fones em variação
condicionada: [x ɣ h ɦ]
• As surdas [x h] ocorrem diante de
consoantes surdas:
o [ˈmax.sʊ] ~ [ˈmah.sʊ]
março
• As sonoras [ɣ ɦ] ocorrem diante de
consoantes sonoras:
o [ˈmaɣ.mʊ] ~ [ˈmaɦ.mʊ]
marmo
▪ Regras fonológicas:
/h/ → [ɾ ɹ ɻ r x h]/__. em variação livre
/h/ → [x h] /__.Csurda
[ɣ ɦ] /__.Csonora

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o Leitura das regras: O fonema /h/ se realiza como os
alofones [ɾ ɹ ɻ r x h], em variação livre, quando
ocorre em final de sílaba.
o Ele também se realiza como os alofones [ɣ ɦ] quando
ocorre em final de sílaba, diante de consoante sonora
e como os [x h] quando ocorre em final de sílaba
diante de consoante surda.

• Encontro consonantal, mesma sílaba


o Ocorre apenas o R fraco, com o alofone [ɾ].
o [ˈpɾa.tʊ] prato

➢ Portanto, são fonemas do português as seguintes


consonantes: / ɾ h /

• Laterais: [l ʎ ɫ ]
o As laterais ocorrem nos seguintes contextos:
▪ Começo de palavra
• [ˈlɜ.̃ mɐ] lama
• [ˈʎɜ.̃ mɐ] lhama
o A lateral palatal em começo de palavra ocorre
geralmente em palavras emprestadas de outras
línguas.
▪ Começo de sílaba, meio da palavra
• [ˈfa.lɐ] fala
• [ˈfa.ʎɐ] falha
• [ˈma.lɐ] mala
• [ˈma.ʎɐ] malha
o Nesses contextos, essas consoantes se opõem,
distinguindo significado, e portanto constituem
fonema.
▪ Encontros consonantais na mesma sílaba, ocupando a segunda
posição da sílaba
• Ocorre apenas a lateral alveolar
o [ˈpla.kɐ] placa
o [ˈɡlɔ.tʃɪ] glote
o [ˈf lu.oɹ] flúor
▪ Final de palavra
• Ocorre apenas a lateral velarizada [ɫ], e mesmo assim
apenas na fala de sujeitos mais velhos de certas regiões do
Rio Grande do Sul. Na maior parte das regiões do Brasil,
essa consoante foi substituída por uma aproximante
labiovelar, não sendo mais considerada um fonema. Esse
fone é considerado atualmente um alofone do fonema
aproximante labiovelar /w/, como veremos abaixo.

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➢ Portanto, são fonemas do português as seguintes
consonantes: / l ʎ /

• Aproximantes: [j w ]
o As aproximantes [j] e [w] ocorrem em ditongos, tanto à direita quanto à
esquerda do núcleo da sílaba (que em português é a vogal, como vimos na
aula passada). Vemos nos exemplos abaixo que essas consoantes formam
ditongo com todas as vogais do português.
▪ [hes.ˈpej.tʊ] respeito ▪ [ˈkwa.zɪ] quase
▪ [is.ˈpɛ.sjɪ] espécie ▪ [ĩ.ˈtuj.tʊ] intuito
▪ [ˈnew.tɾʊ] neutro ▪ [ˈkoj.zɐ] coisa
▪ [bi.ˈlĩ.gwɪ] bilíngue ▪ [e.ˈzi.mjʊ] exímio
▪ [i.ˈdɛj.ɐ] ideia ▪ [ow.za.ˈdʒi.ɐ]
▪ [ˈmɛw] mel ousadia
▪ [e.ˈkwɛs.tɾɪ] equestre ▪ [a.ˈkwo.zʊ] aquoso
▪ [ˈlaj.kʊ] laico ▪ [ˈdɔj] dói
▪ [e.ˈsẽ.sjɐ] essência ▪ [ɜ.̃ ˈzɔw] anzol
▪ [koɹ.dʒi.ˈaw] cordial

o Ele ocorrem também em ditongos nasais.


▪ [ˈmɜj̃ ]̃ mãe
▪ [ˈmɜw ̃ ̃ ] mão
▪ [ˈbẽj]̃ bem
▪ [ˈbõw̃] bom
▪ [a.ˈsõjs̃ ] ações

o Observamos pelo par mínimo abaixo que essas consoantes distinguem


significado.
▪ [ˈmajs] mais
▪ [ˈmaws] maus
o Como vimos acima, em algumas palavras o fonema /w/ tem dois alofones,
[w] e [ɫ].
▪ [pa.ˈpɛw] ~ [pa.ˈpɛɫ] papel
o Em outras palvras, essa alofonia não ocorre.
▪ [ʃa.ˈpɛw] chapéu

➢ Portanto, são fonemas do português as seguintes


consoantes: / j w /

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