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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS SISTEMAS PUNITIVOS: PROCESSOS DE
CRIMINALIZAÇÃO FEMININA E SEUS DESDOBRAMENTOS
2.1 O ato de punir como precursor do surgimento das prisões no Brasil e
no mundo
2.2 A construção da imagem da mulher feiticeira na Europa
2.3 A mulher delinquente no contexto da criminologia positivista
2.4 Passagem do paradigma etiológico para o paradigma da reação social
2.4.1 Teoria do Labbeling Aproach e perspectiva de gênero
2.4.2 As funções ocultas e declaradas da pena
2.5 A criminologia feminista em oposição à criminologia crítica
3 ENCARCERAMENTO FEMININO NO BRASIL, O TRÁFICO DE DROGAS E
A SELETIVIDADE PENAL
3.1 Feminização da pobreza: mão de obra barata para o tráfico
3.2 A guerra às drogas como política de repressão
3.3 Mulheres no cárcere: o cenário brasileiro
3.3.1 A Lei de Execuções Penais e a prisão em teoria
3.3.2 Estigma e abandono
3.3.3 O dia da visita
3.3.4 Perspectiva maranhense: o que dizem os dados
4 A UPR DAVINÓPOLIS E AS MULHERES ENCARCERADAS DA
COMARCA DE IMPERATRIZ-MA
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
APÊNDICES
ANEXOS
2.3 A mulher delinquente no contexto da criminologia positivista

Superado o período Humanístico que pôs fim à ostentação dos suplícios


sob influencia das obras de Beccaria e Jeremy Bentham, conforme explanado
anteriormente, iniciou-se no século XVIII o movimento de Escolas Penais que,
conforme Shecaira (2012), deram início ao estudo científico da criminologia.
Assim, para que se compreenda a criminologia enquanto ciência, é mister
explanar em linhas gerais o pensamento das duas principais escolas
precursoras desse movimento, quais sejam: a Escola Clássica e a Escola
Positivista.
Nos dizeres de Shecaira (2012, p. 94), a Escola Clássica baseou sua
teoria da obra de Beccaria, e para os autores dessa escola, “a pena é uma
retribuição jurídica que tem como objetivo o restabelecimento da ordem externa
violada”, com fundamento no contratualismo de Rosseau, e continua
explicando que ao se pressupor a racionalidade do homem, “haveria de se
indagar, apenas, quanto a racionalidade da lei”.
Nesse sentido, Baratta (2002, p. 31) afirma que “a escola clássica não
considerava o delinquente como um ser diferente dos outros [...] e se detinha
principalmente sobre o delito”, desse modo, o delito “surgia da livre vontade do
individuo, não de causas patológicas”. Em razão dessa visão sobre o crime,
Ramos (2012, p. 26), ensina que a criminologia observada na Escola Cássica é
“acrítica e submissa”, de modo que tomava por verdade absoluta o Código
Penal.
Assim, por não atender às expectativas da ideologia burguesa e ao não
explicar a crescente onda de criminalidade decorrente da Revolução Industrial,
a Escola Clássica passou a receber duras criticas, surgindo assim a crítica
positivista, que se baseava no paradigma etiológico e na tese do criminoso
nato, conforme explica Shecaira (2012) e também Ramos (2012).
Baratta (2002, p. 29) afirma que a Escola Positivista inovou ao tratar da
criminalidade com a possibilidade de “individualizar sinais antropológicos da
criminalidade e de observar os indivíduos assim assinalados em zonas
rigidamente circunscritas dentro do âmbito do universo social”, no que se refere
à analise de indivíduos inseridos em instituições totais. Assim, a criminologia
positivista tinha como função, nos dizeres do autor, identificar certos
comportamentos e “combate-los com uma séria de práticas que tendem,
sobretudo, a modificar o delinquente”.
Entre outros autores como Romagnosi e Carrara, um dos principais
nomes da criminologia positivista foi Cesare Lombroso, quem em sua obra
L’uomo delinquente de 1876, considerava que o delito possuía marcadores
biológicos e de natureza hereditária. Na contramão da escola que antecedeu à
sua própria, a obra de Lombroso era marcada pelo determinismo biológico, e
conforme explica Shecaira (2012), o livre arbítrio do ser humano não passava
de ficção.
Nesse sentido, Andrade (2003, p. 36) ensina que Lombroso procurava
encontrar em hospitais psiquiátricos e prisões, apenados que portassem
anomalias anatômicas, fisiológicas e atávicas, que explicariam a criminalidade
nata. Para Lombroso, esses indivíduos estariam predestinados a cometer
crimes. Assim, a autora explica que a partir de seus estudos, iniciou-se uma
divisão maniqueísta na sociedade entre os indivíduos considerados “maus” e
perigosos, e os indivíduos normais e “de bem”.
Andrade (2003, p. 37) continua ensinando que o pontecial periculoso
que os positivistas atribuíam aos delinquentes justificava a pena “como meio de
defesa social e seus fins socialmente úteis”, e como forma de ressocializar, ou
de neutralizar os “perigosos”, iniciando assim o “discurso do combate contra a
criminalidade (o ‘mal’) em defesa da sociedade (o ‘bem’) respaldado pela
ciência”.
Dessa forma, nos dizeres de Andrade (2003, p. 38), o determinismo
biológico e as formas de neutralizar o criminoso consolidaram “uma visão
profundamente estereotipada do criminoso - associada à clientela da prisão e,
portanto, aos baixos estratos sociais”, criando então “muito mais do que um
conceito, um verdadeiro (pre)conceito sobre a criminalidade”.
É nesse contexto que surgem os primeiros estudos criminológicos sobre
a mulher, quando Lombroso publica em 1892 o livro La donna delinquente. De
acordo com Chernicharo (2014, p. 35), Lombroso utilizou os mesmos métodos
com os homens e as mulheres, valendo-se ainda de preceitos morais e
religiosos na caracterização da mulher criminosa. A autora continua a ensinar
que para Lombroso, a mulher delinquia menos que o homem em decorrência
da sua docilidade e de suas características biopsicológicas, que “favorecia uma
maior adaptação e obediência às leis”. No entanto, para o autor, “a mulher se
mostrava potencialmente amoral, [...] sedutora e malévola, características que,
apesar de não impulsionarem ao crime, a fariam cair na prostituição”.
O discurso lombrosiano sempre esteve muito ligado à questão da
sexualidade feminina. A esse respeito, Lombroso (2017) afirmava que a mulher
possuía uma promiscuidade primitiva, de modo que a ela seria natural recorrer
à prostituição. Do mesmo modo, para o autor a prática da prostituição estaria
intimamente ligada à loucura moral da qual a mulher seria predisposta,
enquanto a mulher considerada normal pelo autor se mantinha no ambiente
doméstico, com práticas sexuais conjugais para fins de procriação.
Para Chernicharo (2014, p. 35), a maternidade era utilizada à época
“como medidor de normalidade” feminina, de modo que as mulheres só
estariam em conformidade com seu gênero se fossem mães. Assim, a autora
afirma que “a prostituta torna-se o maior exemplo de transgressão e
delinquência feminina”, demonstrando o machismo enraizado nas teorias
positivistas. Nesse mesmo sentido, Mendes (2012) apud Chernicharo (2014, p.
36), afirma que
A utilização de estereótipos de beleza para a medição de tendências
criminosas foram muito presentes nos estudos lombrosianos que
associavam à beleza ao perigo e à maior capacidade de ludibriar e
enganar pessoas. A beleza e a prostituição estavam intimamente
ligadas neste discurso, pois a periculosidade de uma mulher se dava
na medida de sua beleza.

Dessa forma, assim como o discurso da inquisição, o principal


argumento estava centrado em características femininas, de modo que, como
afirma Batista (2005) apud Chernicharo (2014, p. 36), o discurso positivista
“abandona a fé em Deus e se agarra ao cientificismo, espraiando-se na
sociologia, na psicologia, na antropologia, nas disciplinas em geral”.
Com isso, Zaffaroni (1991) tece crítica ao pensamento de Lombroso,
uma vez que o autor não levou em consideração a seletividade penal da época,
uma vez que as poucas mulheres que se encontravam nos cárceres de sua
época não fugiam do estereótipo de mulher que desviava daquela feita para o
ambiente doméstico.
Assim como Lombroso, Freud também desenvolveu estudos que se
baseavam no paradigma etiológico, que afirmava que as mulheres eram mais
passivas que os homens, sendo menos propensas à pratica de delitos.
Conforme explica Chernicharo (2014, p. 37), para Freud,
o crime cometido por mulheres representaria uma revolta ou rebelião
contra o papel biológico, social e culturalmente atribuído à mulher,
como o de mãe e esposa, o que faria com que ela desempenhasse
um suposto “complexo de masculinidade”.

A autora continua afirmando, em conformidade com o explicado por


Andrade (2003), que o Direito Penal agia contra esses indivíduos
biologicamente identificados em nome da defesa social, baseando-se na ideia
de ressocialização do delinquente por meio da execução penal. Desse modo,
Chernicharo (2014, p. 41) afirma que o paradigma etiológico da criminologia
positivista não foi problematizado, de modo que o papel social da mulher
inserida na sociedade patriarcal não foi considerado, uma vez que os
indivíduos delinquentes deveriam ser apenas neutralizados.
Assim, o discurso criminológico positivista perdurou por muito tempo,
sendo que, conforme afirma Chernicharo (2014, p. 41) a resistência a esse
pensamento iniciou-se na década de 70 do século XX, tecendo criticas ao
sistema penal perverso que se coloca sobre os mais vulneráveis e que se
caracteriza pela seletividade. Nesse sentido, a autora afirma que os principais
movimentos contrários foram os movimentos da Criminologia Crítica e da
Criminologia Feminista.

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