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REVISTA DA

I
I
ASSOCIAÇAO B

Do REQUISITO DE ORIGINALIDADE
NOS DESENHOS INDUSTRIAIS
DENIS BORGES BARBOSA

PATENtES DE INVENÇÃO -
NOTÍCIA SOBRE O CASO BILSKI
ELLEN GRACIE NORTHFLEET

LICENÇA COMPULSÓRIA DE MEDICAMENTOS:


0 DIREITO DE PATENTE E O
DIREITO SOCIAL FUNDAMENTAL À SAÚDE
]EFERSON FERREIRA BARBOSA

b DIREITO AUTORAL
SOBRE O CRISTO REDENTOR
GABRIEL F. LEONARDOS E
ALINE FERREIRA DE C. DA SILVA

PARECER
A PROTEÇÃO ÀS MARCAS DE ALTO RENOME:
0 CASO COCA-COLA VERSUS COCA-COLLA
PATRÍCIA LUCIANE DE CARVALHO

PATRÍCIA LUCIANE DE CARVALHO


Advogada de Tinoco Soar~ & Filho Ltda. Autora da obra Patentes farmacêuticas e acesso a medicamentos (Atlas).

Sumário: I. O caso - 11. O refrigerante Coca-Cola - III. A marca Coca-Cola protegida pelo Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Prop1iedade Intelectual Relacionados ao Co-
mércio e pelo Pacto Andino sobre Pmpriedade Industrial- IV. A marca Coca-Cola como de alto renome no Brasil- V. A suposta justificativa cultural à marca Coca-Colla oferecida
pelb governo da Bolívia -VI. Conclusão :

O presente texto corresponde à opinião jurídica acerca da produ- Na hipótese desses fatos se concretizarem, nos termos divulgados
ção e comercialização do produto Coca-Colla pelo governo da pelo governo e pela imprensa da Bolívia, necessárias as considera-
Bolívia. Faz-se a análise jurídica em virtude do precedente produto ções que seguem.
de origem americana Coca-Cola, focando-se a opinião nos aspectos
do direito das marcas. 11. 0 REFRIGERANTE COCA-COLA2
O refrigerante (Inicialmente remédio para dor'de cabeça e comer-
cializado na ]acob's Pharmacy), vinculado à marca Coca-Cola,
Evo Morales, presidente da Bolívia, anunciou que o seu governo, sob a titularidade da The Coca-Cola Company, foi criado em
até o final do segundo semestre de 201 O, comercializará refrigeran- 1886 pelo farmacêutico john Pemberton em Atlanta, nos Estados
te denominado Coca-Colla. Esta atividade conta com o apoio do Unidos. Já a marca, que tão bem conhecida é, e o logotipo são
governo, através da Secretaria de Coca e Desenvolvimento Inte- criações de Frank Robinson.
gral, em razão da Bolívia possuir a terceira maior produção de De acordo com a realidade de mercado, distribuição e armazena-
folha de coca do mundo, ficando atrás de Colômbia e Peru. Além mento, o refrigerante foi comercializado até 1894 em copos abertos
do que, em que pese a pressão internacional, com destaque da de 23 7 milímetros, ou seja, não existia conservação apropriada.
Organização das Nações Unidas, os cocaleiros não abrem mão de Assim, logo ,que produzido, era comercializado e tinha que ser
cultivar um dos seus principais ativos econômicos. Essa Secretaria, consumido. A época, na ]acob' s Pharmacy, comercializava-se a
além do refrigerante, incentiva a produção, como já ocorre, de chá, · média de nove copos ao dia.
farinha, pasta de dente e bebidas alcoólicas que tenham como ex- Neste mesmo ano, o comerciante do Mississipi, ]oseph Biede-
trato a folha de coca. nharn, sugeriu a Asa Griggs Candler, empresário que adquiriu os
justifica o governo o nome Coca-Colla em razão do extrato utilizado direitos de comercialização do refrigerante, que o colocasse à venda
para ofabrico do refrigerante ser retirado da folha da coca plantada na em garrafas. Desde então, assume The Coca-Cola Company a
parte andina da Bolívia, local ocupado pelos colla; ao contrário das empreitada do engarrafamento, sobre o qual produziu, da mesma
terras mais baixas ocupadas pelos cambru. forma, a absoluta identificação.
De acordo com funcionários da Secretaria de Coca e Desenvolvi- É neste momento que a empresa passa a investir em marketing e
mento Integral, o refrigerante será de cor preta e conterá rótulo explorar novos mercados, não mais apenas o comércio local, eis que,
vermelho, ou seja, muito semelhante ao do comercializado pela através do engarrafamento, adquiriu-se maior vida útil ao produto.
The Coca-Cola Company. Mas é neste momento também que os concorrentes iniciam a produ-

I. Fonte: BBC Notícias. Acesso em 04 de janeiro de 201 O- www.bbc.uk. 2. Fonte: The Coca-Cola Company. Acesso em 18 de janeiro de 20 IO- www.coca-cola.com.

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ção de bebidas similares, inclusive na apresentação da mesma para zam ou imitem, sem permissão do legítimo titular, marca alheia;
o mercado consumidor. Neste contexto, The Coca-Cola Company bem como que seja contrária à lei, àmoral, à ordem pública e aos
inicia a produção da famosa garrafa contour e obtém a patente no bons costumes (135 e alíneas).
United States Patent Office em I6 de novembro de I9I5. Ora, a sugerida marca Coca-Colla assume todas as proibições,
Este dinamismo da marca Coca-Cola deve-se à presença do pro- uma vez que lhe falta distintividade, corresponde à reprodução da
duto nos mais diversos países, inclusive durante a 2• Guerra marca Coca-Cola sem permissão da The Coca-Cola Company e,
Mundial, em que teve como propaganda a notícia de que todo automaticamente, esta prática é contrária àlei e à ordem pública,
soldado americano poderia comprar uma Coca-Cola, aonde quer eis que afronta toda a construção da ordem internacional e a
que estivesse; concomitantemente, passou a promover a defesa dos ordem jurídica nacional.
direitos sobre a marca dentro das exigências de cada país. O artigo I36 é mais específico ao determinar que:
Art. 136. Não podem registrar-se como marcas aqueles sinais cujo
III. A MARCA CoCA-COLA PROTEGIDA PELO ACORDO SOBRE uso no comércio afetará indevidamente um direito de terceiro, em
ASPECTOS DOS DIREITOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL particular quando:
RELACIONADOS AO COMÉRCIO E PELO PACTO ANDINO SOBRE a) seja idêntico ou se assemelhe, a uma marca anteriormente solicitada
para registro ou registrada por um terceiro, para os mesmos produtos
PROPRIEDADE INDUSTRIAL
ou serviços, ou para produtos e serviços a respeito dos quais o uso da
O Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual marca pode causar um risco de confusão ou de associação;
Relacionados ao Comércio, em seu artigo 15.1, estabelece qu~ os h) constitua uma rebrodução, imitação, tradução, tr~nscrição, total ou
países signatários devem proteger qualquer sinal que distingua parcial, de um sinal distinto notoriamente conhecido cujo titular seja
produto ou serviço, desde que não correspondam àafronta a direi- um terceiro, quaisquer que sejam os produtos ou serviços que se apli-
quem a este sinal, quando seu uso for susceptível de causar um risco
tos de terceiros de boa-fé:
de confusão ou associação com este terceiro ou com seus produtos ou
Qualquer sinal, ou combinação de sinais, capaz de distinguir bens e serviços; um aproveitamento injusto do prestígio do sinal; ou a dilui-
serviços de um empreendimento daqueles de outro empreendimento,
ção de sua força distintiva ou de seu valor comercial ou publicitário.
poderá constituir uma marca. Estes sinais, em particular palavras, inclu-
sive nomes próprios, letras, numerais, elementos figurativos e combina- A Bolívia, como membro fundador do Pacto Andino (26 de maio
ção de cores, bem como qualquer combinação desses sinais, serão regis- de 1969), devidamente incorporado ao sistema jurídico nacional (ao
tráveis como marcas. Quando os sinais não forem intrinsecamente contrário do TRIPs), através do Acordo Cartagena, concordou que
capazes de distinguir os bens e serviços pertinentes, os Membros pode- as marcas de terceiros devem ser protegidas frente ao interesse de
rão condicionar a possibilidade do registro ao caráter distintivo que te- locupletamento ilícito, evitando-se, desta forma, a confusão ou
nham adquirido pelo seu uso. Os Membros poderão exigir, como con- mesmo a diluição de uma marca frente ao mercado, em razão de seu
dição para o registro, que os sinais sejam visualmente perceptíveis. uso indevido e indiscriminado. Tem maior destaque por ser um
Desta forma, a marca Coca-Cola, dentro desta orientação aos produto alimentício, como o é o refrigerante, o qual, conforme já
países signatários, encontra-se devidamente protegida em razão do mencionado, é demasiadamente consumido por crianças, adultos e
uso e dos registros de que dispõe, bem como sobre todos os seus idosos, correspondendo, na atualidade, a um hábito de consumo.
sinais distintivos, como forma, cores e elementos nominativos, as- Este fator de per si já corresponde a uma agravante, mas tem-se
sumindo ainda maior relevância e exclusividade pelas declarações também que este uso pode causar a diluição da marca, no sentido de
de marca de alto renome que lhe são concedidas pelos países. que todos, indiscriminadamente, façam uso da mesma.
Ainda que a Bolívia não seja signatária do TRIPs, caso planeje Com o Pacto Andino protege-se a marca que demonstre anteriori-
exportar o produto com a marca Coca-Colla, pode sofrer negativa de dade no uso. A marca Coca-Cola é, como o é em outros países,
comercialização junto aos países que incorporaram esse tratado, eis absolutamente comercializada na Bolívia, tendo neste país também
que a eles cumpre o dever de respeito, restando a Bolívia apenas o a legitimidade sobre o seu sinal identificador, seja para o produto,
mercado nacional, em que pesem as ressalvas que se fará adiante. seja para as identificações do mesmo.
Por sua vez, o Pacto Andino, de modo mais privilegiado, já que a José Carlos Tinoco Soares,3 citando Laura Michelsen Nino, enumera
Bolívia é signatária do mesmo, estabelece que qualquer sinal apto as vantagens do Sistema de Marca Comunitária Andina: "I . proteção
a distinguir produtos ou serviços junto ao mercado consumidor uniforme da marca, mediante o re~stro único, em qualquer órgão do
poderá constituir-se em marca (artigo I34). Porém, não podem País-Membro; 2. proteção ampla da marca, ou seja, otitular adquire um
constituir marca os sinais que careçam de distintividade; reprodu- direito único e exclusivo sobre sua marca em todos ou em cada um dos

3. SOARES, José Carlos Tinoco. Tratada da Propriedade Industrial- Marcas e Congê-


neres, vai. I. São Paulo: Editora)uridica Brasileira. 2003, p. 583/584.

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países da Comunidade; 3. procedimento único do registro; 4. redução ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior,
dos custos; 5. direito de prioridade andino; 6. incentivo à inversão estran- como marca de alto renome. 4 Este reconhecimento se dá de modo
geira, ou melhor, atraindo os mercados dos Países-Membros a muitos misto, ou seja, para o nome (Coca-Cola) e para a apresentação
empresários que não haviam registrado suas marcas na região, em virtu- deste, como o formato de letras e cores utilizadas (vermelho, bran-
de da necessidade de se proceder a cinco pedidos; e 7. diversidade das co, amarelo e prateado), conforme o Registro sob n° 825.258.383:
possibilidades, visto que a Marca Comunitária Andina pode permitir
aos titulares de sinais distintivos escolher entre o registro único por País-
Membro ou o registro andino, oqual outorga mais possibilidades que as
existentes na atualidade". Desta feita, a marca Coca-Cola encontra-se
devidamente protegida, de modo unitário, em razão do primeiro registro
de marca expedido em seu favor por um país andino.
Poder-se-ia argumentar que a marca Coca-Cola sofre dentro da
Bolívia oposições ou pedidos de cancelamento da marca, contudo,
isto não é verdade. O governo da Bolívia admite a comercialização
sem qualquer oposição de natureza legal. O que efetivamente exis-
te é a tentativa de locupletamento ilícito, através do desvio de Em razão dessa classificação e dos diversos registros que mantém,
mercado consumidor, e a diluição da marca de alto renome. desde ll de fevereiro de 1944, no Brasil, The Coca-Cola Company
Como complicador aihda maior à Bolívia, tem-se que, ao tentar é titular da direito exclusivo da marca Coca-Cola, sendo destinatária
usurpar a marca Coca-Cola estará usurpando também o nome em- da proteção que o sistema legal nacional coloca à disposição, desta-
presarial, eis que The Coca-Cola Company carrega consigo a marca cando-se a Lei da Propriedade Industrial- 9.279/1996:
de um dos produtos de seu portfólio como nome empresarial. Artigo 129 A propriedade da marca adquire-se pelo registro valida-
Percebe-se que, desde a ordem internacional, a marca é salvaguar- mente expedido, conforme as disposições desta lei, sendo assegurado
dada, seja em razão de seu valor econômico, seja em razão de seu ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional.
valor social, eis que a proteção conferida serve também de motiva-
ção ao titular para que inove, produza e comercialize produtos e Artigo 125 Àmarca registrada no Brasil considerada de alto renome
serviços nos mais divers~s países, gerando, com esta atitude, desen- será' assegurada proteção especial, em todos os ramos de atividade. '
volvimento sustentável. E exatamente isto que justifica a respeitabi- A marca Coca-Cola, como mencionado, antes mesmo de declarada
lidade à marca de alto renome, ou seja, a valorização do "além como de alto renome, obteve vários registros, na forma nominativa
fronteira", consequência típica do processo de globalização. e mista, junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial,
Mas como fazer executar o Pacto Andino? Simples: como a Bolívia desde 1944, não apenas para a classe que envolve refrigerante, mas
é signatária do mesmo, poder-se-á exigir sua eficácia no território da também para, por exemplo, confecção. Nessa circunstância, ou
Bolívia, através do requerimento da tutela do Poder Judiciário desse seja, anteriormente ao alto renome, em razão de sua distintividade
país, o qual deve declarar a executariedade do Pacto Andino e anu- e reconhecimento abrangente pelo vasto mercado consumidor, já
lar qualquer uso indevido da marca Coca-Cola, seja pela anteriori- recebia a devida proteção em razão mesmo desses elementos, em
dade, seja pelo registro ou seja em razão do adjetivo de alto renome. conformidade ao artigo 129. Não deixando de lado a constatação
de que a marca Coca-Cola é mundialmente conhecida independen-
Ao magistrado da Bolívia: restará confirmar a adesão de seu país temente de prova neste sentido.
ao Pacto Andino, a devida incorporação e a determinação de que
o direito da The Coca-Cola Company é anterior e consolidado Esta distintividade corresponde àidentificação da marca dentro da
frente aos interesses do governo da Bolívia com os produtos aos categoria do produto (refrigerante: Coca-Cola, tênis: Nike, bicicle-
quais pretende vincular a marca Coca-Colla. ta: Calai, mercado: Pão de Açúcar, cosmético: Avon, brinquedo:
Estrela); em alguns casos, ainda que o produto seja concorrente, a
marca pode se tornar, em razão da distintividade, referência ao
IV. A MARCA CocA-COLA COMO DE ÀLTO RENOME NO BRASIL gênero (palha de aço: Bom Bril, caneta: BIC). Estes produtos são
Nessa busca de satisfação em cada país em que se fizesse presente distintos, destaques, sui gencris, frente aos demais da categoria.
o refrigerante, a marca Coca-Cola é reconhecida no Brasil, através Marcas existem que ultrapassam o território local (podendo chegar a
do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, órgão vinculado mundial), cultural e setor de atuação, como é o caso da Coca-Cola.

4. Fonte: INPI. Acesso em IS de janeiro de 2010. http}/www.inpi.gov.br/noticias/


Alto%20Renome.pdVview.

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Ela é comercializada no mundo, em países com os mais diyersos tipos produtos ou serviços, sem que haja necessidade de provar qualquer
de política e em culturas universais, regionais e locais. E uma das vantagem indevida ou denegrimento; 4) tais marcas, denominadas
marcas mais requisitadas para patrocinar produções artísticas de reper- "marcas que possuem alta reputação" (marques de haute renomme, na
cussão mundial (Copa do Mundo, Olimpíadas, turnês, shows), já França; beruhmte mark, na Alemanha) são aquelas conhecidas por uma
que, em qualquer lugar do mundo em que apareça a referida marca ou grande parte do público em geral e que possuem tal reputação que não
o produto, a população a identifica, sem que para tal seja necessária a permitem nenhuma justificativa para seu uso ou registro por terceiros.
(Revista dos Tribunais no 738, em abril de I997, p. 32/40)
, apresentação do produto e o consumo desnecessário de tempo.
Desta forma, tem o titular a prerrogativa de proteger a marca con-
Ao ocorrer este salto de marketing, de mercado e de atuação, a marca
tra qualquer espécie de afronta, seja na esfera administrativa, judi-
pode adquirir a posição de alto renome, com isto a exclusividade sobre
cial, cível e/ou criminal:
a mesma independe da classe de atuação, destinando-se a titularidade
a um único interessado. São exemplos no Brasil de alto renome: Artigo I30 Ao titular da marca ou ao depositante é ainda assegurado
o direito de:
Hollywood, Mac Donald's, Pirelli, 3M, Cica, Kibon, Natura, Áymo-
ré, Visa, Fiat, Perdigão, Toyota, Lacta, Rolex, Skol, Volkswagen, III -zelar pela sua integridade material ou reputação.
Intel, Azaleia, Olympikus, Jaguar, Elma Chips, Petrobras, Brahma, Em que pese esta tutela protetiva de âmbito nacional, sofre a marca
Motorola, Mercedes-Benz, Antarctica, Banco do Brasil, Hellmann's, Coca-Cola a prática de atos ilegais, tais como reprodução e imita-
Diamante Negro, Playboy, Veja, Tramontina, Havaiana e Bom Bril. ção, na realidade desde a sua origem; contudo, em território nacio-
Estas marcas adquiriram o direito de titularidade exclusiva indepen- nal, dentro da competência policial e jurisdicional do Brasil, este
qentemente da classe de registrq junto ao INPI, ou seja, não Rodem tem a obrigação de:exercer, de modo eficiente, a proteção da marca
ser usadas, nos termos que acima citadas foram, por terceiros não au- Coca-Cola. E, em virtude da relevância que há para o desenvolvi-
torizados. Nestas circunstâncias, encontra-se a marca Coca-Cola mento sustentável do Brasil no que se refere àrespeitabilidade aos
acompanhada de todos os demais elementos de identificação. direitos de propriedade intelectual conferidos, a Lei da Proprieda-
O Superior Tribunal de justiça, em recurso especial, emitiu pro- de Industrial estabelece que:
nunciamento sobre a marca de alto renome: Art. I89 Comete crime contra registro de marca quem:
Pois bem, quanto às marcas designadas de "alto renome" (art. 125 da I - reproduz, sem autorização do titular, no todo ou em parte, marca
Lei n° 9.279/1 996), reconhece-se que as mesmas possuem como ele- registrada, ou imita-a de modo que possa induzir confusão.
mento essencial à "reputaçã,o", é dizer, o elevado conhecimento do pú- Pena: Detenção de três meses a um ano ou milita.
blico em geral, ao qual se agrega a intensa transmissão de determinados
Reproduzir a marca Coca-Cola, total ou parcialmente, corresponde a
valores - prestígio, fama, renome -, transportados a quaisquer outros
produtos, serviços ou atividades assinalados pela mesma marca. (Supe- comercializar produto com a mesma identificação, ou seja, com a
rior Tribunal de justiça, Recurso Especial n° 758597, min. Jorge mesma fonte de letra, tamanho, cores e formato. Este ato faz com que
Scartezzini, julgado em I7/1 1/2005, Reg. n° 2005/0097460-7). o consumidor compre o refrigerante - reproduzido - achando que
Com o alto renome, a marca Coca-Cola, independentemente de compra uma Coca-Cola. Por sua vez, imitar a marca Coca-Cola é
utilizada para refrigerantes, pertence exclusivamente a The Coca- comercializar refrigerante com identificação semelhante, muito pareci-
Cola Company. José Carlos Tinoco Soares acerca da valoração da, causando confusão na capacidade de escolha/discernimento do
desta espécie de marca assevera: consumidor- que não é especialista. Este adquire o refrigerante- imi-
tado - também como se fosse uma Coca-Cola.
Para certas marcas que adquiriram alto renome (high reputation) em
determinado país, de modo que possuam um atrativo próprio, a prote- Comete também crime aquele que adentra ao conceito de comer-
ção poderá ser almejada em face do uso ou do registro para quaisquer cializar: .

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Patentes e Marcas - Patents And Trade Marks
Direito Autoral - Software

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Art. 190 Comete crime contra registro de marca quem importa, ex- Art. 195 Comete crime de concorrência desleal quem:
porta, vende, oferece ou expõe à venda, oculta ou tem em estoque: lii - emprega meio fraudulento para desviar, em proveito próprio ou
I - produto, assinalado com marca ilicitamente reproduzida ou imita- alheio, clientela de outrem.
da, de outrem, no todo ou em parte. Pena: Detenção de três meses a um ano ou multa.
Pena: Detenção de um a três meses ou multa. E mais, em complemento tem-se dispositivo do Código Penal sobre
O terceiro não autorizado não pode produzir, comercializar ou mesmo o Estelionato e outras fraudes:
colocar à comercialização, ou seja, é suficiente a possibilidade. Entenda- Art. 17 5 Enganar, no exercício de atividade comercial, o adquirente
se que oterceiro, portanto, compreende tanto oque produz, comercializa ou consumidor:
ou coloca à disposição para o consumo, tanto faz se entidade pública ou I - vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou
privada. Desta forma, a tipicidade envolve, inclusive, os menos atentos à deteriorada;
fonte de aquisição dos produtos que comercializa em seu estabelecimen- li - entregando uma mercadoria por outra.
to. O ônus da prova é de responsabilidade desse terceiro. Pena: Detenção de seis meses a dois anos ou multa.
Estas práticas de concorrência desleal são motivadas pelo desejo de Uma outra esfera que o Estado brasileiro protege em matéria de
se locupletar da pesquisa, conhecimento, investimento e excelente reprodução ou imitação de marca é o consumidor, eis que este,
fama de produto há décadas no mercado mundial, valendo-se de nestas circunstâncias, pode ser presumido como hipossuficiente, e
atos que proporcionem o enriquecimento ilícito. É o que pensa o qualquer dessas práticas, ainda que não lhe cause problemas de
Tribunal de justiça do Rio de Janeiro: saúde, causa,ndo-lhe "possibilidade" de co~fusão ou de bom estado
A marca re~strada não pode ser utilizada sem a anuêncii de seu titular, de saúde, merece também a acolhida do Código de Defesa do
mesmo quando inexiste a proteção da especialidade do alto renome ou Consumidor, eis que incorpora a relevância de ordem pública:
haja distinção na classificação internacional de produtos e serviços Art. 4o A Política Nacional das Relações de Consumo tem por obje-
(NICE). (fribunal de justiça do Rio de janeiro, 5• Câmara Cível,
tivo oatendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua
Apelação Cível n° 2007.001.54334, des. rei. Paulo Gustavo Horta).
dignidade, saúde esegurança, a proteção de seus interesses econômicos,
Estas tipificações criminais têm por fundamento a Lei da Proprie- a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e har-
dade Industrial, e correspondem, portanto, à tipificação especial, a monia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
qual exige prova diferenciada, a exemplo da comprovação de que VI - Coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no
se é titular da referi<la marca. Faz-se esta prova por meio do regis- merca~o de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização inde-
tro de marca emitido pelo INPI. Todavia, existem marcas que vida de inventos e criações industriais, das marcas e nomes comerciais e
merecem respeitabilidade, ainda que sem o registro concedido, signos distintivos, que possam causar prejuízo aos consumidores;
diante mesmo do princípio do uso efetivo e da anterioridade; para
estes casos, percebe-se a necessidade de maior flexibilidade por Art. 18 (...)
parte da autoridade policial e judicial. Quanto a esta problemática, §6°- São impróprios ao uso de consumo:
em que pese não compor o núcleo da discussão, tem-se a Resolu- li - os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsifi-
ção no 57 da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual: cados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos
1. No exame do direito à ação criminal por violação a registros de ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de
marca ou patente, sejam admitidos como prova não só ocertificado do fabricação, distribuição ou apresentação;
registro de marca ou carta-patente, mas também os volumes da Revis-
ta da Propriedade lndustrial9ue tiverem publicado a concessão de tais Em que pese tratar-se do Código de Defesa do Consumidor, protege
títulos, bem como a listagem obtida a partir do banco de dados do especificamente também o titular de marca, eis que este, com destaque
INPI, por se tratar de documentos que gozam de fé pública, a teor do quando se trata de produtos alimentícios, interfere diretamente na boa
art. 9 da Lei n° 5.648/1970; saúde do consumidor. E éesta relevância que justifica a responsabilidade
2. Nos crimes de concorrência desleal contemplados no art. 195, Ill, do tipo solidária entre os operadores da mercadoria. E, por outro lado,
da Lei n° 9.279/1996, o certificado de registro de marca ou a carta- o refrigerante da marca Coca-Cola é intensamente consumido pelas di-
patente não sejam exigidos para a demonstração do direito à ação, pois versas camadas da população brasileira. Desta forma, odever de zelo é
tais delitos se configuram mesmo na ausência de patente concedida ou ainda maior para com os interesses de crianças, adultos e idosos.
marca registrada; Toda esta construção para a proteção da marca de alto renome no
Superada a questão probatória, além da tipificação criminal, que Brasil decorre dos árduos trabalhos da esfera internacional, a exem-
envolve o interesse do Estado em proteger o titular do direito sobre plo da Convenção da União de Paris, do TR!Ps e dos trabalhos da
a marca, tem-se a tipificação específica de crime de concorrência Association lnternationale pour la Protection de la Propriété lndus-
desleal, a fim de proteger o princípio da economia e, automatica- trielle - AIPPI, a qual concluiu, após Reunião do Comitê Executi-
mente, o desenvolvimento econômico, seja setorial, seja nacional: vo, que:

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Marks which, even i/ they are not used in the country in which protec- vidamente por meio da confusão provocada no consumidor. Prote-
tion is claimed, are deemed to enjoy a high repute either in that country ção das manifestações culturais não se pode confundir com explo-
or at an internationallevel (AIPPI Annuaire 1990NII, p. 89). ração abusiva em detrimento dos direitos de terceiros.
Todavia, tem maior interesse para o caso em espécie o Pacto An-
dino (item anterior) que estabeleceu o Regime Comum Sobre
VI. CONCLUSÃO
Propriedade Industrial, em conformidade com a Decisão 486 da
Comissão da Comunidade Andina, do qual é parte signatária Em se confirmando a produção e comercialização; 'nos termos
também a Bolívia. anunciados, do refrigerante Coca-Colla, The Coca-Cola Company
poderá agir na Bolívia e no Brasil, no caso de comercialização
V. ASUPOSTA JUSTIFICATNA CULTURAL À MARCA CoCA-COLLA nesse país, nos termos que seguem:
OFERECIDA PELO GOVERNO DA BOLÍVIA 1. propor demanda judicial junto ao Poder judiciário da Bolívia
em virtude de desrespeito ao Pacto Andino sobre o Regime
O governo da Bolívia divulga como defesa à marca escolhida o fato
Comum sobre a Propriedade Industrial, especificamente ao
dela fazer referência a um cultivo nacional que lhes é milenar- "coca"
Sistema de Marca Andino;
-,e à indicação de uma determinada sociedade da Bolívia- "colla".
Ocorre que estes argumentos, em razão de uma realidade política 2. propor demanda judicial contra o responsável pela distribuição
da Bolívia, podem ser "válidos" apenas em território nacional ou e comercialização do produto no Brasil, na eventualidade da
no máxip10 para com países não signatários do Pacto Andino e da : ilegalidade ser praticada em território brasileiro, requerendo a
Convenção da União de Paris, em razão dos argumentos anterior- cessão de prática de ato incriminado, com aplicação de multa
mente expostos. diária, observadas as responsabilidades de cunho civil e crimi-
nal, em consonância com a Constituição Federal, a Lei da
Pode-se reconhecer a cultura milenar e a indicação de valorização
Propriedade Industrial, o Código de Processo Civil, o Código
de uma determinada sociedade indicada geograficamente, porém,
Civil, o Código Penal e o Código de Defesa do Consumidor;
sem que se afrontem direitos reconhecidos internacional e nacional-
mente, por meio de tratados, leis, anterioridades, registros e decla- 3. propor, via demanda judicial, a busca e apreensão de toda a
rações de marca de alto renome. mercadoria com a identificação da marca protegida no Brasil
como de alto renome e, ao final, a in utilização dà mesma, bem
A elnpresa The Coca-Cola Comp~ny alcançou, desde 1886, todas
estas esferas protetivas, possuindo anterioridade no uso, vários re- como de todo material em estoque para esta finalidade; e,
gistros e a declaração, seja de fato ou de direito, de marca de alto 4. na eventualidade do refrigerante Coca-Colla buscar registro
renome mundial. Nestes termos, não deve ser penalizada pela au- junto ao INPI, o esgotamento do processo administrativo (esta
sência de agir da Bolívia ou pelo agir de má-fé deste país. hipótese apenas como zelo argumentativo, mesmo porque o
Com isso não se impede a Bolívia de valorizar a tradição sobre a INPI declarou a marca Coca-Cola como de alto renome).
"coca" e nem a sociedade "colla", apenas não o pode fazê-lo utilizan- Feitas estas observações, espera-se, sinceramente, que o governo da
do-se do conjunto Coca-Colla, tendo por agravantes o setor de refrige- Bolívia, mantenha o Estado de direito, em conformidade com o
rantes e os mesmos caracteres, quais sejam, a cor preta para o refrige- Pacto Andino e o Tratado de Assunção (Mercosul) e com a expec-
rante e os caracteres em vermelho, como sinaliza o governo da Bolívia. tativa gerada nos diversos países no sentido de que respeita o direi-
A tentativa presente corresponde à aventura em locupletar-se inde- to marcário de terceiros.

LILIAN DE MELO SILVEIRA


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REVISTA DA ABPI- N2 I 06- MAI/]UN 20 I 0

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