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10/01/2022 - 07h46

Concessionárias avaliam pedir reequilíbrio por alta de custos


Fonte: Valor Econômico
 
A disparada na inflação da construção durante a pandemia deverá gerar uma onda de pedidos de
reequilíbrio econômico-financeiro no setor de infraestrutura. Concessionárias de rodovias, ferrovias e
portos já preparam pedidos de compensação pelo aumento de despesas.
 
Em geral, a variação do preço de insumos, como aço e cimento, é considerada um risco das empresas
e não é passível de reequilíbrio nos contratos de concessão. Porém, as companhias afirmam que as
altas registradas nos últimos meses são extraordinárias, causadas pela pandemia, e, por isso, esse
ônus deveria ser compartilhado com o poder público.
 
Quando há desequilíbrio em uma concessão, a empresa tem direito a um ressarcimento, que em geral
é feito por reajuste de tarifas ou extensão contratual. Porém, as discussões sobre o mérito e o valor
dessas compensações tendem a gerar muita controvérsia entre companhias e agências reguladoras.
Frequentemente, os casos se arrastam por anos.
 
O argumento central das empresas neste caso é que a inflação foi excepcional. De 2020 para 2021, o
custo da construção saltou cerca de 25%, puxado por materiais, aço e mão de obra, segundo a ANTF
(Associação Nacional de Transportadores Ferroviários). O preço de itens fabricados com aço e ferro
subiu de 20% a 80%.
 
Em maio de 2021, o minério de ferro (principal matéria-prima do aço) bateu recorde de US$ 238 a
tonelada no porto de Quingdao, na China. O cimento asfático, insumo-chave para concessões
rodoviárias, também disparou: em novembro de 2021, foi registada alta anual de 53,17% no preço do
produto (na categoria 50/70), apontam dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP).
 
Os mais afetados são contratos menos maduros, em que as principais obras ainda estão em curso.
Entre os projetos afetados estão os leilões recentes, realizados até o início de 2021 – como a BR-153,
da Ecorodovias, e a Ferrovia de Integração Oeste Leste, da Bamin. São exemplos de contratos
licitados sob uma precificação que, nos meses seguintes, sofreu significativa alteração.
 
Para os projetos em fase preliminar há ainda o risco de impacto na negociação do financiamento, já
que a inflação afeta todo o fluxo de caixa projetado.
 
É o caso da concessão da Ponte Salvador-Itaparica, firmada no fim de 2020 pelas chinesas CCCC e
CR20. As companhias estão buscando uma renegociação dos termos do contrato junto ao governo
baiano, diante da disparada do preço do aço, afirma Eduardo Ramires, sócio-fundador do Manesco
Advogados.
 
Concessões mais maduras também têm sofrido, já que muitas têm custos pesados de manutenção. Há
ainda o caso das diversas renovações antecipadas de contratos, que geraram novos investimentos
bilionários.
 
Por ora, não há uma corrida para entrar com os pleitos de reequilíbrio, mas as companhias estão se
estruturando para isso.
 
“A ABCR [Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias] está conduzindo um estudo que
demonstre a disparada extraordinária dos preços. É importante que os reguladores estejam sensíveis a
esse fenômeno, que não está sob o controle das empresas, sob pena de se colocar em xeque a
sustentabilidade financeira dos projetos”, afirma Marco Aurélio Barcelos, presidente da entidade.
 
Para o diretor-executivo da ANTF, Fernando Paes, é provável que as concessionárias de ferrovias
façam pedidos de reequilíbrio. “É possível que, neste ano ou no próximo, empresas entrem com pleitos.
Estamos sendo fortemente impactados e entendemos que se trata de um fato absolutamente
extraordinário.”
 
Diversos terminais portuários também deverão acionar a agência reguladora. “Essa distorção começou
a ser percebida em meados de 2020 e tem afetado muito. Entendemos que não foi uma variação
normal”, afirma Jesualdo Silva, presidente da ABTP (Associação Brasileira dos Terminais Portuários).
Ele reconhece que as discussões são complexas. “O reequilíbrio nunca é líquido e certo. Cada caso
deve ser avaliado de forma particular”, diz.
 
Para Letícia Queiroz de Andrade, do Queiroz Maluf Advogados, além do reconhecimento do direito do
reequilíbrio, há um desafio em calcular o valor a ser compensado. “Alguns grupos já estão formulando
pleitos. Será uma discussão, porque os contratos não são preparados. Terá que se criar uma fórmula
para mensurar o que é passível de reequilíbrio.”
 
O fato de o Ministério de Infraestrutura já ter reconhecido a inflação como um problema é um sinal
positivo, avalia uma fonte do setor. No leilão da BR-381, marcado para fevereiro, o governo criou um
mecanismo de compartilhamento do risco de alta de preços, como forma de atenuar a insegurança das
empresas.
 
A pandemia já foi reconhecida como um evento de força maior – caso em que as empresas têm direito
a reequilíbrio – e isso abre caminho para os pleitos, diz Fernando Vernalha, do Vernalha Pereira
Advogados. “O fundamento jurídico é o mesmo.” Os governos já reconheceram que concessões devem
ser compensadas pela perda de receita com a queda de passageiros na pandemia. Para ele, esse
princípio se aplica à discussão do reequilíbrio pela inflação de insumos.
 
Questionada sobre o tema, a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) não respondeu até o
fechamento da edição. A Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) diz que os pleitos
“exigem análise de alta complexidade” e que, no caso dos arrendamentos portuários, as empresas
“podem fixar livremente o preço dos serviços, proibida abusividade na cobrança”.
 
A Artesp (Agência de Transporte do Estado de São Paulo) afirmou que “não estão previstos reajustes
extraordinários de tarifas em decorrência da pandemia”, porque “as novas obras, assim como as
intervenções em curso e as previstas em novos contratos, têm seus orçamentos baseados em tabela
de precificação atualizada trimestralmente”, e, portanto, já incorporam a inflação.

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