Você está na página 1de 10

POR QUE SER PROFESSOR(A) QUE ENSINA MATEMÁTICA?

Narrativas de licenciandos tecidas na disciplina de Estágio Curricular


Supervisionado

WHY BE A TEACHER WHO TEACHES MATHEMATICS? Narratives of


undergraduates woven in the discipline of Supervised Curricular Internship

RAYANE DE JESUS SANTOS MELO


Universidade Federal de São Carlos – UFSCar
rayanemelo.27@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-8080-3086

Eixo 18 - Formação inicial de professores que ensinam matemática


Resumo
Este artigo surge no contexto da disciplina Estágio Curricular Supervisionado nos Anos Finais do Ensino
Fundamental do Curso de Licenciatura em Matemática de uma instituição pública de Ensino Superior do
Maranhão, a partir de narrativas escritas pelos licenciandos sobre a seguinte questão: “Por que ser
professor(a) que ensina matemática?”. O objetivo do artigo é elucidar que pela narrativa a pessoa em
formação tem a possibilidade de reapropria-se de sua experiência de formação, atribuindo sentido ao vivido,
compreendendo suas escolhas, ações no tempo presente e perspectivas futuras. A pesquisa possui
abordagem qualitativa e os dados foram construídos por meio de um convite à escrita de uma narrativa,
proposta a 30 licenciandos. Em relação ao uso das narrativas, considera-se que o convite à escrita
possibilitou aos futuros professores refletirem sobre seu processo formativo e suas escolhas e decisões e, a
partir disso, traçar projeções futuras, elucidando o professor que pretende ser ao concluir o curso de
Licenciatura em Matemática. Espera-se que este artigo contribua com reflexões sobre o uso da narrativa na
formação inicial dos professores e sobre a importância da reflexividade narrativa nesse processo.
Palavras-chave: Formação inicial do professor; reflexividade narrativa; experiências; ressignificação.

Abstract
This article arises in the context of the subject Supervised Curricular Internship in the Final Years of
Elementary School of the Mathematics Degree Course of a public institution of Higher Education in
Maranhão, from narratives written by the undergraduates on the following question: “Why be a teacher(a)
who teaches mathematics?”. The objective of the article is to elucidate that, through the narrative, the person
in training has the possibility of reappropriating their training experience, attributing meaning to what they
have lived, understanding their choices, actions in the present time and future perspectives. The research
has a qualitative approach and the data were constructed through an invitation to write a narrative, proposed
to 30 undergraduates. Regarding the use of narratives, it is considered that the invitation to write made it
possible for future teachers to reflect on their training process and their choices and decisions and, based
on that, to draw future projections, elucidating the teacher they intend to be when completing the course.
Degree in Mathematics. It is hoped that this article will contribute with reflections on the use of narrative
in the initial training of teachers and on the importance of narrative reflexivity in this process.
Keywords: Initial teacher training; narrative reflexivity; experiences; resignification.
Introdução

A proposta deste artigo surge no âmbito da disciplina Estágio Curricular


Supervisionado nos Anos Finais do Ensino Fundamental do Curso de Licenciatura em
Matemática de uma instituição pública de Ensino Superior do Maranhão.
No início da disciplina foi promovido um momento de reflexão e discussão sobre
o tema: “Ser Professor”. No primeiro momento, foi apresentado aos alunos o vídeo do
Professor Leandro Karnal “#Sou Professor”1, no qual ele apresenta, a partir da narrativa
oral, a sua trajetória ao escolher a profissão docente”. O objetivo dessa atividade foi levar
os alunos, ao ouvirem a narrativa do outro, a refletirem sobre a sua trajetória de formação
e sobre como nos tornamos professores, de modo que percebessem que a trajetória
formativa começa antes mesmo de entrarmos num curso de Licenciatura.
No segundo momento foi realizada a leitura e discussão do texto “Conta-me
agora! As narrativas como alternativas pedagógicas na pesquisa e no ensino.”, da
Professora Maria Isabel da Cunha, que apresenta uma reflexão sobre as narrativas como
instrumental educativo, tanto na pesquisa como no ensino. Para a autora, “as narrativas
provocam mudanças na forma como as pessoas compreendem a si próprias e aos outros
e, por esse motivo, são também importantes estratégias formadoras de consciência numa
perspectiva emancipadora” (CUNHA, 1997, p. 185).
No terceiro momento foi feito aos alunos o convite para escreverem uma narrativa
sobre: “Por que ser Professor(a) que ensina matemática?”, considerando, segundo
Passeggi (2021, p. 1), que “a reflexividade narrativa propicia à pessoa que narra a
possibilidade de dar sentido ao que antes não tinha e, ao ordenar narrativamente os
acontecimentos, ela (re)constrói outra versão de si e de sua formação”.
Portanto, pretende-se, neste artigo, pôr em evidência narrativas escritas de
licenciandos de matemática sobre a escolha pela profissão docente, com o objetivo de
elucidar que pela narrativa a pessoa em formação tem a possibilidade de reapropria-se de
sua experiência de formação, atribuindo sentido ao vivido, compreendendo suas escolhas,
ações no tempo presente e perspectivas futuras.
Espera-se com este artigo tecer reflexões sobre a importância da narrativa no
processo formativo do professor, levando-o a compreender que ao escrever uma narrativa,
ao ouvir a si mesmo ou ao ler seu escrito é capaz, como ressalta Cunha (1997), de ir

1
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=oPUHX029ETI&t=9s
teorizando a própria experiência, pois entende-se que trabalhar com narrativas é partir
para a desconstrução/construção das próprias experiências do professor.

Referencial Teórico

Segundo Cunha (1997, p. 189), “usar as narrativas como instrumento de formação


tem sido um expediente bem sucedido”, uma vez que “o professor constrói sua
performance a partir de inúmeras referências. Entre eles estão sua história familiar, sua
trajetória escolar e acadêmica, sua convivência com o ambiente de trabalho, sua inserção
cultural no tempo e no espaço.”. E a autora acrescenta ainda que:
Provocar que ele organize narrativas destas referências é fazê-lo viver um
processo profundamente pedagógico, onde sua condição existencial é o ponto
de partida para a construção do seu desempenho na vida e na profissão. Através
da narrativa ele vai descobrindo os significados que tem atribuído aos fatos que
viveu e, assim, vai reconstruindo a compreensão que tem de si mesmo.
(CUNHA, 1997, p. 189).
Quando as pessoas organizam suas narrativas, ao mesmo tempo em que elas
contam suas experiências, crenças e expectativas, elas anunciam novas possibilidades,
intenções e projetos. Sousa e Abrahão (2006, p. 142), denominam esse processo de
dialética entre o vivido – passado e as prospecções de futuro, uma vez que por meio da
narrativa de formação são potencializadas as reflexões e perguntas do presente, em função
das aprendizagens, do saber-fazer e dos conhecimentos implicados na transformação e
autotransformação do sujeito em formação”.
Chené (2014, p. 129) ressalta que na narrativa de formação encontra-se “o antes e
o depois, o fora e o dentro da experiência presente”, ou seja, quando a pessoa é convidada
a narrar, ela vive três momentos:
Em primeiro lugar, [...] molda o tempo e no espaço da escrita a sua relação
com as vivências de formação; confrontando com essa escrita, descobre em
seguida o que ela diz e o que ela não diz, e encontra no percurso do texto os
momentos de verdade que têm sentido. Depois, coloca-se como sujeito do
discurso, determinado pela própria estrutura da narrativa. O eu dirige-se a um
tu e toma a forma na intersubjetividade. Reapropria-se da sua experiência,
refletida e legitimada pela estrutura comunicacional da língua. Em resumo, a
compreensão da experiência de formação é a compreensão do eu. (CHENÉ,
2014, p. 129)
É preciso considerar que vivemos num sistema social, conforme ressalta Cunha
(1997) que conscientemente envolve as pessoas numa espiral sem reflexão. Diariamente,
fazemos coisas considerando que todo mundo faz daquele jeito, porque nos dizem como
devemos agir, porque a mídia estimula e os padrões sociais aplaudem e, desse modo,
“acabamos agindo sobre o ponto de vista do outro, abrindo mão da nossa identidade, da
nossa liberdade de ver e agir sobre o mundo, da nossa capacidade de entender e significar
por nós mesmos” (p. 190). De acordo com a autora, “para o educador esta perspectiva é
fatal, porque não só ele se torna vítima destes tentáculos, como não consegue estimular
seus discípulos a que se definam a si mesmos como indivíduos”.
Nessa perspectiva, considera-se que o trabalho com as narrativas tem o propósito
de fazer a pessoa tornar-se visível para ela mesma, o que possibilitará construir sua
própria identidade, sem perder de vista sua trajetória de formação, suas experiências e
suas perspectivas, e balizar decisões do presente e planejar o futuro profissional. Pois,
segundo Dominicé (2014, p. 82), “os dados biográficos resultam de uma tomada de
consciência, de uma espécie de maturação relacional, que permite voltar a infância ou à
adolescência” e nesse processo, a pessoa busca “selecionar no seu passado educativo o
que lhe parece ter sido formador na sua vida”.

Metodologia

Para Cunha (1997, p. 189), “não basta dizer que o professor tem de ensinar
partindo das experiências do aluno se os programas que pensam sua formação não os
colocam, também como sujeitos de sua própria história”. Diante disso, compreendeu-se
que a disciplina Estágio Curricular Supervisionado seria um espaço adequado para
possibilitar aos estudantes tecerem reflexões sobre suas experiências de vida, sua escolha
em cursar Licenciatura em Matemática e suas perspectivas futuras. É importante ressaltar
que, em nenhum outro momento do curso, os licenciandos tiveram contato com a escrita
narrativa e a oportunidade de refletirem sobre seu processo formativo.
A disciplina Estágio Curricular Supervisionado nos Anos Finais do Ensino
Fundamental teve início em março de 2022. Essa componente curricular possui uma
carga-horária de 135 horas, distribuída em três unidades: a primeira com 45h, consiste na
fundamentação teórico – metodológica sobre o exercício da docência nos anos finais do
Ensino Fundamental; a segunda unidade, com 60h, constitui a atividades didático
pedagógicas na escola Campo de Estágio; e a última unidade, com 30h, consiste no
momento de elaboração do Relatório Final do Estágio.
Os 30 licenciandos matriculados na disciplina Estágio Curricular encontravam-se
no 8º período do curso, sendo 12 mulheres e 20 homens. Logo, no início da disciplina,
antes do momento da vivência escolar, foi solicitado como primeira atividade o convite a
escrita de uma narrativa com a seguinte questão norteadora: “Por que ser professor(a) que
ensina matemática? Faça uma narrativa.”.
As narrativas escritas pelos alunos a partir desse convite constituem o corpus de
dados deste estudo que tem o objetivo de elucidar que pela narrativa a pessoa em
formação tem a possibilidade de reapropria-se de sua experiência de formação, atribuindo
sentido ao vivido, compreendendo suas escolhas, ações no tempo presente e perspectivas
futuras. Após a socialização das narrativas no grupo, foi solicitado aos licenciandos a
autorização para utilização das suas narrativas para fins de pesquisa e de formação de
professores, sem a divulgação de seus verdadeiros nomes, preservando, portanto, as suas
identidades. Dessa forma, os nomes que aparecem neste trabalho são fictícios. A
autorização foi realizada a partir do preenchimento de um formulário disponibilizado no
Google Forms.

Narrativas de Licenciandos do Curso de Matemática

Com base em Dubar (2005, p. XIX), “cada um dos atores tem uma história, um
passado que também pesa em suas identidades de ator. Não se define somente em função
de seus parceiros atuais, de suas interações face a face, em um determinado de práticas,
mas também em função de sua trajetória, tanto pessoal como social. E ainda segundo o
autor, “essa ‘trajetória subjetiva’ resulta a um só tempo de uma leitura interpretativa do
passado e de uma projeção antecipatória do futuro”.
A concepção apresentada por Dubar (2005) foi constada na narrativa de todos os
licenciandos. Cada um traz em seus escritos um pouco da sua trajetória, tanto pessoal
como social, para tentar explicar o porquê da escolha de ser professor que ensina
matemática. E constatamos ainda, conforme ressaltado por Dubar (2005), Cunha (1997)
e Sousa e Abrahão (2006), que quando a pessoa narra suas experiências ela reflete sobre
o vivido e apresenta projeções futuras. Portanto, em seguida, apresenta-se narrativas de
alguns licenciandos que evidenciam a concepções supracitadas.
O licenciando Erick, em sua narrativa escrita, rememora sua trajetória de
escolarização e conta que a Matemática sempre esteve significativamente presente em
sua vida e teve a sorte de ter excelentes professores dessa área do conhecimento que
despertaram ainda mais seu interesse pela mesma. E, segundo ele, foi esse o principal
motivo que o levou a escolher o curso de Licenciatura em Matemática, conforme narra:
A Matemática sempre esteve presente de forma significativa em minha vida,
desde os primeiros anos escolares, sempre foi a minha disciplina favorita, e
tive a sorte de ter excelentes professores de Matemática, despertando em mim
mais apreço pela mesma. Quando estava cursando o 8º ano, tive a honra de
ter um professor que me motivou e me incentivou a tornar-me um matemático.
O mesmo em seus horários fazia questão de todos os dias pedir para eu
resolver problemas de Matemática no quadro, pois dizia que já me via como
um professor de Matemática. (Erick)
Ainda em sua narrativa, Erick afirma que pretende:
[...] ser um professor que desperte em meus alunos o gosto por essa disciplina,
tão importante e essencial em nossas vidas. Quero uma escola capaz de
trabalhar um currículo significativo, preparada para que o ensino e a
aprendizagem de fato se efetivem, em que a proposta político pedagógica
esteja alicerçada a uma pedagogia crítica, capaz de desafiar os meus
educandos a pensar criticamente a realidade social, política e histórica. Que
meus alunos tenham autonomia de estudante para elaborar e realizar seus
projetos acompanhados da sua participação na gestão escolar, que se
constitui de forma aberta e democrática. (Erick)
O licenciando Ruan traz em sua narrativa recordações da sua trajetória do Ensino
Fundamental e do Ensino Médio, destacando que a escolha pela carreira docente iniciou
no 8º ano, a partir dos ensinamentos da sua professora de matemática, no qual o
despertavam o interesse e o desejo em aprender essa área do conhecimento. Seu interesse
pela carreira se intensificou ainda mais no Ensino Médio ao ser aluno de uma Professora
de Matemática que dizia que ele seria “um futuro professor de exatas”, pois sua
participação nas aulas lhe passava essa certeza.
Minha decisão pela carreira do magistério iniciou-se no 8° ano do Ensino
Fundamental. Lembro-me quando a professora ministrava suas aulas de
matemática, algo espontâneo surgiu dentro de mim despertando atenção,
curiosidade e querer aprender. A participação nas aulas aproximou-me ainda
mais da disciplina. Ir ao quadro, resolver algum exercício e receber os
parabéns pela coragem e disposição, certamente contribuíram por essa paixão
á matemática. Dois anos depois, comecei a frequentar o Ensino Médio,
chegando lá tive o privilégio de ser aluno da Professora XX, diga-se de
passagem, uma educadora competente e séria. Ela sempre falava em meio de
toda sala que via em mim um futuro professor de exatas, uma vez que minha
participação nas aulas a deixava segura disso. (Ruan)
Hoje, no 8º período, Ruan afirma que fez a escolha certa e destaca: “a cada dia
me vejo sendo professor, pois é uma carreira linda e digna de todo reconhecimento, pois
a partir dela são formados os profissionais de todas as outras áreas”.
É possível observar que tanto Erick quanto Ruan apresentam em sua narrativa
episódios de suas vidas marcados por professores que o motivaram a escolher a
Licenciatura em Matemática, o que nos remete àquilo defendido por Dominicé (2014):
[...] as pessoas citadas são frequentemente as que exerceram influência no
decurso da existência” e elas “são evocadas à medida que participaram num
momento importante do percurso de vida. Pais, professores, amigos,
“mentores”, patrões, colegas, companheiros, amantes marcam a cronologia da
narrativa. Aquilo em que cada um se torna é atravessado pela presença de todos
aqueles que se recorda. (p. 81).
O licenciando Pedro traz em sua narrativa que desde criança a Matemática sempre
foi a área em que mais teve destaque na escola e que sua família é composta basicamente
por professores e, por esse motivo, considera que a paixão por dar aula está no sangue.
Ele conta da sua alegria em ensinar e que a escola sempre foi o lugar que mais gostou de
frequentar.
Desde criança a matemática vem sendo sempre a matéria em que mais me
destaco e isso explica a minha paixão pela mesma. Minha família é constituída
basicamente por professores, para ser mais especifico sete no total. Pode-se
dizer que, a paixão por dá aula está no sangue. A alegria que me é passada
quando estou explicando algum conteúdo há alguém é muito grande. Até hoje
a escola sempre um dos lugares que em que mais gosto de frequentar. (Pedro)
Pedro evidencia ainda em sua narrativa que a docência é uma das profissões mais
importantes e que requer maior responsabilidade e, é por esse motivo que, ao concluir a
graduação pretende
[...] estar em constante mudança, buscando sempre novos meios e formas de
ministrar aulas, visto que as transformações da sociedade estão em constante
avanço. A tendência é que as formas de ensinar e aprender sigam no mesmo
fluxo, já que o professor contribui para a formação e desenvolvimento dos
alunos como indivíduos e membros da sociedade, pois possibilita aos alunos
experiências que vão além do conhecimento. (Pedro)
O licenciando Marcos conta que a vocação de ser professor surgiu na infância,
“devido exclusivamente a grandes influências da família”, e que sempre teve afinidade
com a matemática. No entanto, ao cursar o Ensino Médio, seu interesse pela profissão foi
sendo desmotivado por grande parte de seus professores que o diziam: “professor
trabalha muito e ganha pouco”. Segundo ele:
Em 2018, tive a oportunidade, graças ao vestibular da XX, de iniciar uma
graduação em matemática, mesmo com a baixa expectativa de ter um futuro
promissor na área da educação. [...] logo após a iniciação do curso, comecei
perceber o quanto é falho o sistema educacional brasileiro. E futuramente,
meu objetivo enquanto professor é repassar uma matemática esclarecedora
para os alunos a qual eu gostaria de ter tido quando era aluno. (Marcos)
Nas narrativas de Pedro e de Marcos é possível perceber a influência da família
nas suas escolhas em ser professores que ensinam matemática, indo de encontro com
Dominicé (2014, p. 81) quando diz que a família é o lugar principal onde acontece essas
mediações. Ainda com base no autor, estabelece-se com cada integrante da família “uma
relação particular, que vai, por vezes, mostrar-se determinante na orientação escolar ou
profissional”.
Na narrativa do licenciando Marcos identificamos àquilo que foi dito por Cunha
(1997), quando discorre que os sistemas sociais conscientemente moldam nossas
decisões. Marcos, considerando o ponto de vista dos outros, nesse caso de seus
professores, ficou, inicialmente, desmotivado em fazer um curso de Licenciatura e se
tornar professor. Porém, mesmo com poucas expectativas, fez o vestibular, foi aprovado
e hoje, nos últimos períodos do curso, com a reflexão feita, consegue perceber o quanto
é falho o sistema educacional brasileiro e acrescenta sobre o professor que pretende ser.
O licenciando Hugo narra que sempre olhou a profissão docente com muita
admiração e que no seu processo de escolarização sempre se identificou com os números.
E conta que a escolha pelo Curso de Licenciatura em Matemática se deu quando percebeu
que muitas pessoas tinham dificuldade em aprender essa área do conhecimento.
Sempre olhei essa profissão com muita admiração, tanto pelo conhecimento
que é adquirido como pela oportunidade de passar esse conhecimento para
outras pessoas, mesmo que em nosso atual momento estejamos todos sendo
atingidos por diversas “surpresas” que nos obrigam a nos estabilizar
financeiramente. Mas, ser um professor vai muito além do que só dinheiro,
pois o fato de crescermos em conhecimento e ter a oportunidade de ajudar
outras pessoas a crescerem também, é muito gratificante. Enquanto estudante
do ensino fundamental e médio, sempre me identifiquei com os números, logo
gostava muito de matemática, e percebi que muitas pessoas tinham dificuldade
com essa disciplina. Então, esse foi um dos principais motivos que me levou a
querer lecionar. (Hugo)
Hugo ressalta ainda que, ao concluir o curso de Licenciatura, pretende se
“especializar, oferecer o melhor de mim e mostrar que ser professor é a profissão mãe
de todas as outras profissões e que deve ser exercida e reconhecida com todo
merecimento e excelência devida”.
A licencianda Clara conta que a profissão docente não foi a que sempre sonhou,
porém a profissão a escolheu primeiro. Ela conta que foi a partir das aulas de reforço que
ministrava às crianças da sua região que a levou a cursar Licenciatura em Matemática.
Comecei a ensinar crianças dando aula de reforço escolar, aulas em locais
improvisados, sem nenhuma estrutura física, mas o desafio maior era
conseguir fazer com que aquelas crianças tivessem um melhor rendimento na
escola, com poucos meses ensinando o desenvolvimento era nítido e então os
professores logo observaram que as crianças estavam conseguindo aprender,
se desenvolver e ao saber que eu estava as ajudando vieram me falar que eu
seria uma boa professora, que deveria seguir está carreira, porém eu sempre
resistindo que não queria exercer esta profissão. (Clara)
Quando concluiu o Ensino Médio, cursou Ciências Contábeis, porém confessa que
o curso não atendeu suas expectativas. Foi, nesse momento, que surgiu a oportunidade de
cursar Licenciatura em Matemática. Hoje, nos últimos período do curso e prestes a seguir
a carreira docente, ressalta:
Quero iniciar a docência com a missão de formar pessoas para o futuro, quero
transformar e melhorar as formas de ensinar, ir para a escola com objetivos
maiores do que simplesmente “dar aula”, mediar pessoas e colaborar para
que os alunos consigam por si próprios construir seus conhecimentos, possam
ter autonomia intelectual e também poder a cada dia aprender com eles.
Escolhi ser professora porque quero ser inspiração para meus alunos, quero
ser lembrada por ter feito a diferença na vida de alguém e não por ter sido a
professora ao qual todos temiam e queriam se livrar das aulas chatas de
matemática como costumo escutar. Essa é a grande missão que pretendo
encarar futuramente, sei que a jornada é árdua e difícil, mas pretendo seguir
com excelência. (Clara)
Nas narrativas dos licenciandos fica evidenciado o quanto a reflexividade
narrativa é importante no processo formativo do professor, uma vez que, nesse momento
eles têm a oportunidade de rememorar as experiências vividas, ressignificando-as,
compreendo suas ações no tempo presente, atribuindo novos sentidos ao vivido e traçando
projeções futuras.
Hugo e Clara, ao rememorar sua trajetória e decisão em cursar Licenciatura em
Matemática, puderam reviver experiências vividas e que os motivam a querer ser
professor(a). Isso é de grande importância no processo formativo, pois rememorar
possibilita não perder nossa identidade e não deixar ser moldada pelos sistemas de
referencias atuais que, muitas vezes, nos levam a esquecer nossas concepções e nossas
origens.
O professor ou o futuro professor precisa estar em constante processo de reflexão,
de reviver o passado para compreender o presente, de ressignificar suas ações. E conforme
ressalta Oliveira (2011, p. 290), a escrita narrativa: “[...] potencializa um processo de
reflexão pedagógica que permite aos seus autores compreender causas e consequências
de suas ações ou de acontecimentos, circunstâncias etc. de um passado remoto ou recente”
e, ainda segundo a autora “se for o caso, criar novas estratégias a partir de um processo
de reflexão, ação e nova reflexão”.

Algumas considerações

Não foi foco deste estudo realizar uma análise minuciosa das narrativas
apresentadas, mas evidenciar que a utilização da escrita narrativa na formação inicial do
professor é um processo profundamente pedagógico e que possibilita aos licenciandos
rememorarem sua trajetória formativa, ressignificando suas experiências e atribuindo
nossos sentidos.
Foi possível perceber que os licenciandos decidiram ser professores que ensinam
matemática a partir da influência da família ou de seus professores, da afinidade com essa
área do conhecimento e pelo interesse em seu aprendizado, assim como, a partir de
vivências ao perceberem a dificuldade das pessoas em compreender os objetos de
conhecimento ensinados na escola. Observou-se ainda que na escrita narrativa, os futuros
professores puderam refletir sobre seu processo formativo e suas escolhas e decisões e, a
partir disso, traçar projeções futuras, elucidando o professor que pretende ser ao concluir
o curso de Licenciatura em Matemática.
Do ponto de vista formativo, acredita-se que o desenvolvimento deste estudo
possibilitou a ampliação da competência teórica e metodológica da pesquisadora, mas
também, possibilitou aos licenciandos, compreensões, ressignificações, ações e reflexões.
E espera-se contribuir com reflexões sobre o uso da narrativa na formação inicial dos
professores e sobre a importância da reflexividade narrativa nesse processo.

Referências

CHENÉ, A. A narrativa de formação e a formação de formadores. In: NÓVOA, A.;


FINGER, M. O método (auto)biográfico e a formação. Trad. Maria Nóvoa. 2. ed. Natal,
RN: EDUFRN, 2014.

CUNHA, M. I. Conta-me agora! As narrativas como alternativas pedagógicas na pesquisa


e no ensino. Rev. Fac. Educ., São Paulo, v. 23, n. 1/2, p. 185-195, jan./dez. 1997.

DOMINICÉ, P. O processo de formação e alguns dos seus componentes relacionais. In:


NÓVOA, A.; FINGER, M. O método (auto)biográfico e a formação. Trad. Maria
Nóvoa. 2. ed. Natal, RN: EDUFRN, 2014.

DUBAR, C. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. São


Paulo: Martins Fontes, 2005.

OLIVEIRA, R. M. M. A. Narrativas de formação: aspectos da trajetória como estudante


e experiências de estágio. Interacções, n. 18, p. 229-245, 2011.

PASSEGGI, M. C. Reflexividade narrativa e poder auto(trans)formador. Revista Práxis


Educacional, Bahia, v.17, n.44, p. 1-21, jan./mar. 2021.

SOUZA, E. C.; ABRAHÃO, M. H. M. B. (orgs.). Tempos, narrativas e ficções: a


invenção de si. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2006.

Você também pode gostar