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45 Ibid., p. XLI.
46 Cf. Ibid., p. 110-142 (The acculturative process).
47 Ibid., p. XXXVII.
48 Ibid., p. 170.
africanos protestantes nos EUA, pois as formas africanas da possessão extática, dos cantos e
das danças teriam sobrevivido, adaptadas a sanções europeias: a teologia e as crenças cristãs
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definidas em torno do monoteísmo. Numa confluência dos termos herskovitsianos e
boasianos do problema, a reinterpretação tanto podia concorrer para a preservação dos
espíritos africanos (o que seria condizente com o caráter orgânico das culturas) quanto para a
adoção do espírito europeu pelos negros (o que seria condizente com a noção de aculturação e
com a formação histórica das culturas por composição de influências).
A primeira opção – a reinterpretação de formas europeias segundo sanções africanas –
esbarraria num problema relativo à formação histórica e demográfica das populações negras
americanas. Isto porque o tráfico teria trazido escravos de regiões africanas diferentes,
portadores, portanto, de culturas bastante heterogêneas. Assim sendo, o contato cultural
colonial e escravista não poderia ser concebido como o confronto entre o espírito europeu e
um único espírito africano. Como falar, então, na preservação de uma sanção africana dentro
da comunidade negra se os escravos que a formavam não compartilhavam as mesmas
concepções e sanções? A questão remete a um dos elementos do “mito do passado negro”. A
primeira resposta de Herskovits está ancorada em um estudo dos padrões do tráfico de
escravos: para ele, os escravos não eram provenientes de toda a África, mas de uma faixa
litorânea que se estendia do Senegal até Angola, com influência mais decisiva das costas do
Ouro e dos Escravos. A preponderância das culturas dessas duas áreas centrais seria
comprovada, para o autor, pela inexistência de cultos afro-americanos a divindades oriundas
de fora dessa área, salvo exceções isoladas. Se apenas este núcleo restrito, que ele denomina
“culturas focais”, for considerado, suas populações tinham uma notável homogeneidade
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cultural, o que simplesmente afastaria o problema da heterogeneidade.
Por outro lado, a heterogeneidade não poderia ser completamente ignorada se se
considerasse a área do tráfico como um todo, incluindo não apenas as “culturas focais” das
costas do Ouro e dos Escravos, mas também todas as outras “culturas periféricas” que
forneceram escravos para as sociedades americanas. Contudo, mesmo ao longo dessa extensa
faixa litorânea, as populações compartilhariam certos traços ou orientações culturais mais
profundas, padrões de comportamento subjacentes a todas as culturas, nos quais Herskovits
pensa em termos de uma “gramática da cultura”, que
49 Ibid., p. 214.
50 constituiria uma unidade basilar que teria permitido o estabelecimento de padrões de
convergência entre costumes específicos. Para ele, existiria “um grau suficiente de
similaridade nas culturas de toda a área, de modo que um escravo de qualquer parte dela não
teria dificuldade em se adaptar a quaisquer formas específicas de comportamento africano que
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ele viesse a encontrar no Novo Mundo.” Recorrendo ao paralelo linguístico, “se é possível
comparar similaridades na gramática das línguas em toda a região da África Ocidental com o
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que podemos chamar de uma gramática da cultura, percebe-se uma situação semelhante.”
A gramática da cultura africana se organizava, para o autor, em torno das seguintes
orientações gerais: a importância dos grupos familiares e o sistema unilinear de descendência
com residência patrilocal; a geritocracia; a economia dominada pelo trabalho agrícola
exercido por homens no preparo dos campos e por mulheres no cultivo, de acordo com a
divisão da terra em unidades familiares; a existência de grupos profissionais especializados
em tarefas artesanais; a importância do culto aos ancestrais; a sofisticação dos sistemas legais
e de justiça; a concepção de um mundo comandado por grupos de grandes deuses com um
importante papel da adivinhação e da magia na vida religiosa; e, por fim, uma grande
importância das manifestações artísticas e estéticas.
No nível teórico, essa “gramática” resolvia a questão da heterogeneidade dos espíritos,
pois ela constituiria, no limite, um único “espírito profundo” da cultura africana, o que
tornaria possível, mais uma vez, pensar o encontro cultural a partir do modelo de confronto
entre dois espíritos: o europeu e o africano. É possível notar que a definição do espírito
africano ocorria prioritariamente em termos de interesse, importância ou orientação, seguindo
a tendência boasiana. Com essa formulação, Herskovits conseguiria explicar a formação das
culturas afro-americanas como um processo de reintepretação de formas europeias segundo
sanções africanas – ou seja, como uma determinação do espírito africano sobre as aquisições
formais europeias.
Em instância após instância citada da literatura relativa aos altamente aculturados
negros dos Estados Unidos, foi demonstrado como uma análise adequada dessas
formas vestigiais de práticas africanas conduz ao reconhecimento de sanções africanas
ligeiramente modificadas sustentando formas de uma instituição que são quase
inteiramente europeias. Esse princípio de desconsideração pela forma exterior
enquanto se retêm valores interiores,