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A FUGA

Para Cora Coralina

Melânia nunca amou de verdade nenhum homem em toda a sua vida. Isso não significa
que ela nunca soube apreciar as nuances e belezas do que seria o amor. Ela amou os livros, a
poesia, a música boa de seu tempo, o cheiro de café quente e do bolo fofo saído do forno, o
crepúsculo e os sete filhos. Abelardo, o mais velho, responsável, olhos da mãe, cabelos do pai.
Roberto, segundo filho, introvertido, cheio de sardas. Gioconda, primeira filha mulher, terceira
parição, maliciosa com ares de feminismo. Brenda, segunda filha mulher, mandona e
implicante. Francisco, endiabrado, sempre de estilingue na mão, terror dos pássaros e das
janelas da vizinhança. Pedro e Paulo, os caçulas, gêmeos, vestimentas iguais, personalidades
diferentes. Pedro, efeminado e pirracento, Paulo carente e manhoso.

Melânia, nos tempos em que desfrutava a mocidade, não se achava bonita. Bela e cheia
de graça era Rosa, sua irmã mais velha. Esbelta, olhos castanhos, pele lavada e perfumada com
leite de rosas. Ela arrumou um bom casamento, com o filho do prefeito, futuro deputado
estadual. Diferente de Melânia, a moça de cabelo ressecado, sardas, quadril largo. Corria o risco
de virar solteirona, beata de porta de igreja com o rosário sempre nas mãos, e isso ela não queria
de forma alguma.

– Moça feia ou malcuidada não casa. – Dizia sua mãe, Dona Carol, esposa venerada do
Capitão Simão. – Lave a cara, penteia o cabelo e ande sempre arrumada.

E mesmo seguindo à risca os conselhos experientes da mãe, Melânia não desencalhava,


e moça desesperada para casar era um perigo. Acabava se iludindo e não arrumava bom partido,
além de ficar falada. Tempos difíceis para mulher eram aqueles de brutas eras de homens e de
joguetes femininos em masculinas mãos.

Os anos passaram e os ares de mocidade começaram a passar também. Nada de Melânia


arranjar casamento. O medo da beatice estava cada vez mais estampado na face triste e
desesperançosa da manceba. O desespero e o mau humor eram evidenciados em seu
comportamento diante das cobranças sociais. Rosa, sua irmã, casou, Beatriz, sua melhor amiga,
também se casou e até Cleonice, a quem os rapazes chamavam de “Toquinho de amarrar burro”,
de tão baixinha que era, se casou. Para extravasar Melânia mergulhava na leitura de romances
cheios de amor que ela jamais viveria, porque ela não queria um amor, queria um marido para
não ficar sozinha.

No baile anual de primavera do Clube Social, Melânia conheceu Alfredo, ex-secretário


da prefeitura, boa aparência, bigodinho bem aparado, terno xadrez, lencinho amarelo no bolso
e chapéu panamá na cabeça. Durante toda a festa ele não tirou os olhos de Melânia. Foi o único
que a tirou para dançar. Acontece que o belo moço tinha um defeito, era desquitado. Que horror!
Desquite?! seria melhor ter contraído alguma praga. Uma pessoa bexiguenta era mais bem
quista. Como eram terríveis aqueles tempos. Dona Carol fechou a cara, não pegava bem a filha
dançando com homem “separado”.

Daquele dia em diante, Alfredo passou a cortejar Melânia em segredo. Jamais a mãe da
moça permitiria o casamento dos dois, falar em namorar um homem como ele, era um
despropósito, verdadeira afronta para a boa família e o bom nome. Melânia custou encontrar
alguém que a queria e quando encontra todos ficam contra e tratam o caso como se fosse um
despautério. Mais uma vez a vida de beata lhe tirava o sossego. No entanto, Alfredo tinha uma
ideia que resolveria todos os problemas do casal.

Na madrugada de uma sexta-feira, Melânia pulou a janela e atravessou a cidade ao lado


de Alfredo. Caminharam até a Estação e embarcaram no trem que levava para o Rio de Janeiro.
Foram acolhidos por um tio de Alfredo, um banqueiro que deu emprego para o sobrinho e
emprestou uma casa para o casal começar a vida do zero. Melânia tinha um carinho muito
grande por Alfredo. Amor não, mas cuidado, compreensão, respeito, isso sim ela tinha. Toda
essa aventura que ela viveu era só para não acabar seus dias como mulher solteira. Ah! Como
eram cruéis aqueles dias.

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