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ZONAMENTO DE RISCO DE TALUDES INSTÁVEIS NA LINHA DO DOURO

APLICANDO A CLASSIFICAÇÃO GEOMECÂNICA “SLOPE MASS RATING”


HAZARD ZONATION MAPPING OF INSTABLE SLOPES ON THE DOURO
RAILWAY USING THE “SLOPE MASS RATING” CLASSIFICATION SYSTEM

Pena, Isabel; IP Engenharia, S.A., Lisboa, Portugal, isabel.pena@ipengenharia.pt


Midões, Tiago; IP Engenharia, S.A., Lisboa, Portugal, tiago.midoes@ipengenharia.pt
Pedrosa, Mário; IP Engenharia, S.A., Lisboa, Portugal, mario.pedrosa@ipengenharia.pt

RESUMO

O estudo da estabilidade de taludes rochosos requer que, durante o levantamento de superfície, se tenha
na devida conta os principais factores de risco e a sua interligação. A prática corrente das últimas
décadas consiste em recorrer a classificações empíricas e, neste contexto, a classificação Slope Mass
Rating tem sido amplamente utilizada, não só por se basear em parâmetros facilmente quantificáveis,
mas também por permitir identificar rapidamente os principais mecanismos de rotura e possíveis medidas
de estabilização. Neste artigo, apresentaremos um caso de estudo da aplicação da classificação SMR ao
zonamento de risco de 14 taludes instáveis, evidenciando o trabalho desenvolvido em 3 fases: i) macro-
-zonamento em gabinete; ii) levantamento de superfície; iii) zonamento de risco em gabinete,
salientando a relação entre os elementos recolhidos e os parâmetros de base da classificação e
apresentando a metodologia seguida para o tratamento destes elementos.

ABSTRACT

The evaluation of rock slope’s stability requires that, during field data collection, one accounts for the
main governing parameters and their interactions. Current practice during the last decades relies on
empirical classification systems and, in this context, the Slope Mass Rating classification has been broadly
used, not only because it relies on easily quantifiable parameters, but also because it allows to rapidly
assess the potential failure mechanisms and possible stabilization methods. In this article, we present a
case study of the application of the SMR classification system to hazard zonation mapping of 14 instable
slopes, putting to evidence the work developed in 3 phases: i) desk study for macro-zonation; ii) field
surface mapping; iii) desk study for hazard zonation, highlighting the relationship between the collected
raw data and the classification system base parameters and presenting the adopted methodology for data
analysis.

1- INTRODUÇÃO

A presente comunicação concerne aos trabalhos de caracterização geológica e zonamento geomecânico


de 14 taludes de escavação, efetuados no âmbito do Projeto de Execução “Estabilização de Taludes entre
o km 155+865 e o km 169+830 da Linha do Douro”. Tratando-se de taludes que interessam maciços
rochosos, maioritariamente xistosos, nos quais é frequentemente registada a queda de blocos instáveis
para a via, e tendo em vista a sistematização de um procedimento de caracterização geomecânica que,
simultaneamente, fosse expedito e permitisse uma delimitação mais assertiva das soluções de
estabilização, optou-se pela adoção do sistema de classificação Slope Mass Rating - SMR, proposto por
Romana em 1985 (Romana et al., 2003).

No presente trabalho, e após uma breve contextualização e descrição do sistema de classificação SMR,
apresentaremos a metodologia adotada, no desenvolvimento do Projeto de Execução, para caracterização
geológica e zonamento geomecânico de cada talude, procurando salientar a forma como os elementos de
base foram recolhidos durante os trabalhos de levantamento de superfície e processados em gabinete. No
final, teceremos algumas considerações relativamente às implicações deste trabalho nas fases seguintes
do Projeto de Execução, nomeadamente na escolha, definição e delimitação das soluções de
estabilização.

2- CLASSIFICAÇÃO GEOMECÂNICA SLOPE MASS RATING - SMR

Atualmente, os sistemas de classificação de maciços rochosos constituem a espinha dorsal dos métodos
de dimensionamento empíricos usados em projetos de engenharia em ambientes rochosos. Tal deve-se,
em grande medida, à conjugação dos seguintes fatores (Singh e Goel, 1999; Hudson e Harrison, 1997):
i) facilitam o entendimento entre as diversas partes envolvidas no projeto, uma vez que permitem
transpor e quantificar para o projetista a informação descritiva fornecida pelo geotécnico; ii) os
raciocínios, experiência e discernimento da equipa projetista são mais eficazmente correlacionados e
consolidados através de um sistema de classificação quantitativo, ajudando a organizar o conhecimento;
iii) a aplicação de modelos de análise mais rigorosos pressupõe o conhecimento de um grande número de
variáveis, a maior parte das quais implicam o recurso a ensaios laboratoriais dispendiosos, justificáveis
apenas em projetos de grande envergadura.

No entanto, importa notar que os sistemas de classificação mais consolidados estão vocacionados para
aplicações em obras subterrâneas, sendo que os desenvolvidos para avaliação da estabilidade de taludes
decorrem, muitas vezes, de adaptações ou extensões destes. É o caso do sistema Slope Mass Rating,
apresentado por Romana em 1985, o qual é obtido a partir da versão de 1979 do índice Rock Mass Rating
- RMR, desenvolvido por Bieniawski, adicionando três fatores de correcção, que dependem das
orientações e pendores relativos das descontinuidades e do talude, e um fator de correção relacionado
com o método de escavação (Romana et al., 2003) – expressão [1]. Na sua versão inicial, a cada um
destes fatores era atribuído um valor ponderado em função de categorias pré-estabelecidas; mais tarde,
foram apresentadas funções de ajuste para os fatores F1 e F2, as quais são apresentadas nas expressões
[2] e [3]. Nestas expressões, 𝛼𝑗 representa o pendor da descontinuidade, 𝛼𝑠 o pendor da face do talude e
𝛽𝑗 o azimute da descontinuidade.

𝑆𝑀𝑅=𝑅𝑀𝑅𝐵 + (𝐹1 × 𝐹2 × 𝐹3 ) + 𝐹4 [1]


2
𝐹1 =(1 − 𝑠𝑖𝑛|𝛼𝑗 − 𝛼𝑠 |) [2]

𝐹2 =𝑡𝑔2 𝛽𝑗 [3]

3- ZONAMENTO GEOLÓGICO-GEOTÉCNICO COM BASE NO SMR

3.1 - Macro-zonamento em gabinete

Numa primeira fase dos trabalhos, procedeu-se a uma caracterização geológica da região na qual os
taludes se inserem, com base na informação disponibilizada na carta geológica à escala 1:50 000 e
respetiva notícia explicativa (Silva et al., 1989) – ver Figura 1. Verificou-se que os taludes em estudo,
situados entre a estação da Ferradosa (PK 155+865) e a estação do Pocinho (PK 169+830), se
desenvolvem em terrenos constituídos por rochas metamórficas pertencentes ao Complexo Xisto-
Grauváquico, de idade Câmbrica, com exceção do troço situado sensivelmente entre os PK 155+300 e
157+000, onde são atravessados terrenos constituídos por rochas ígneas (intrusivas Hercínicas). Nesta
zona, o “Complexo Xisto-Grauváquico” é composto por metassedimentos turbidíticos do Grupo do Douro,
sendo os terrenos constituídos quase exclusivamente pela designada “Formação de Pinhão” (Pi), com
exceção de uma pequena zona, aproximadamente entre os PK 165+500 e 167+600, na qual afloram
ainda a “Formação de Rio Pinhão” (Ri) e a “Formação da Ervedosa do Douro” (Er). No troço ao longo do
qual a linha férrea atravessa rochas ígneas, estas constituem o batólito do Maciço de Numão, que nesta
zona é formado pelo designado “Granito do Arnozelo”, de grão grosseiro de duas micas e que passa
lateralmente para o “Granito de Cachão do Arnozelo” que corresponde a um granito porfiróide, de matriz
média, com xenólitos de metassedimentos.

Figura 1 – Localização geral dos taludes a intervencionar sobre extrato da folha 11-C da Carta Geológica

Além de enquadrar a equipa projetista com as formações geológicas predominantes, estes elementos
evidenciaram ainda que, em termos tectónicos regionais, a zona em estudo foi intensamente atuada
(deformada, dobrada e fraturada) em diferentes fases, tanto da orogenia Sarda como da orogenia
Hercínica, às quais acresce ainda a ação do metamorfismo de contacto resultante da instalação dos
maciços granitóides tardi a pós-Hercínicos. Esta conjuntura permitiu identificar, a priori, uma elevada
probabilidade de os taludes analisados serem intersetados por fenómenos geológicos relevantes, tais
como falhas, fraturas ou carreamentos.

Tendo por base este enquadramento, foi realizada em gabinete uma análise por estereoscopia sobre
fotografias aéreas, a uma escala aproximada de 1:4 500, tendo em vista a identificação, com um maior
grau de precisão, da localização dos acidentes geológicos evidenciados pela carta geológica. Esta análise
permitiu identificar fraturas expressivas em alguns dos taludes a intervencionar constituindo assim, em
conjunto com a avaliação das formações geológicas predominantes, uma ferramenta valiosa para a
preparação do levantamento de superfície, uma vez que, após validação no terreno, facilitou a
delimitação de zonas para as quais seriam expectáveis condições (e, consequentemente, classificações)
geomecânicas distintas.

3.2 - Avaliação do RMRb

Após delimitação das zonas geológicas relevantes em cada um dos taludes, avaliou-se o valor básico do
Rock Mass Rating para cada uma destas. Para tal, procedeu-se a uma ponderação dos cinco parâmetros
geomecânicos desta classificação tendo por base os elementos obtidos durante o levantamento de
superfície.

Neste contexto, apresenta-se de seguida uma breve descrição de cada parâmetro, bem como da
metodologia adotada no âmbito do zonamento geotécnico para a sua avaliação.

3.2.1 - Resistência à compressão uniaxial da rocha intacta - UCS

O primeiro parâmetro básico da classificação RMR é a resistência à compressão uniaxial da rocha intacta
(Uniaxial Compressive Strength), em particular a do material que constitui a superfície das
descontinuidades, quando estas se encontram limpas, i.e., sem preenchimentos (Wyllie e Mah, 2004).

Tipicamente, a resistência à compressão da rocha intacta é avaliada em laboratório, sobre amostras


provenientes de sondagens. No entanto, além de dispendiosos, os trabalhos de prospeção em taludes
rochosos nas proximidades de vias-férreas em exploração são de difícil execução; por outro lado, a
resistência à compressão ao longo dos planos de descontinuidade é inferior à da rocha intacta, pelo que a
avaliação deste parâmetro em laboratório poderá induzir uma sobrestimação da resistência ao corte ao
longo de descontinuidades.

Assim, no âmbito deste projeto de execução, procedeu-se a uma avaliação de UCS por correlação com a
dureza de Schmidt (R), determinada através do ensaio com o martelo de Schmidt, recorrendo ao ábaco
proposto por Deere e Miller (1966), traduzido pela expressão [4]. Durante os trabalhos de levantamento
de superfície foi adotada a metodologia recomendada por Aydin (2009), isto é, foram obtidos em faces
lisas ou pouco rugosas de descontinuidades 20 registos de dureza de Schmidt (ou menos, na
eventualidade de se obterem 10 registos consecutivos com um desvio inferior a ±2).

𝑙𝑜𝑔10 (𝜎𝑐 )=0.00088γR+1.01 [4]

3.2.2 - Rock Quality Designation - RQD

O Rock Quality Designation – RQD é um índice obtido a partir de logs de sondagens e que permite
quantificar o grau de alteração do maciço. O RQD é definido como a percentagem determinada pelo
quociente entre o somatório dos troços de amostra com comprimento superior a 100 mm e o
comprimento total furado em cada manobra.

À semelhança da resistência à compressão uniaxial da rocha intacta, a avaliação do RQD pressupõe a


realização de trabalhos de prospeção, dificultando a sua determinação. No entanto, para casos em que
não haja possibilidade de obtenção de amostras por sondagem, mas sejam identificáveis os traços das
descontinuidades em afloramentos rochosos ou em taludes de escavação, Palmström (1982) propôs uma
correlação, traduzida pela expressão [5], entre o RQD e o índice volumétrico, avaliado de acordo com a
expressão [6], onde Si representa o espaçamento médio entre descontinuidades da família i e n o
número de famílias de descontinuidades dispersas.

𝑅𝑄𝐷=115-3,3𝐽𝑣 [5]
1 1 1 𝑛
𝐽𝑣 = 𝑆 + 𝑆 + 𝑆 + 5 [6]
1 2 3

Apesar de corresponder a uma correlação, a expressão proposta por este autor apresenta algumas
vantagens além da sua simplicidade. Por um lado, o índice volumétrico permite reduzir a dependência do
RQD da direção de amostragem e, por outro, permite obviar eventuais erros na avaliação do RQD
decorrentes da criação de novas fraturas durante a furação da sondagem, em particular em formações
xistentas como as interessadas pela maior parte dos taludes analisados.
Assim, no âmbito deste projeto de execução, durante os trabalhos de levantamento de superfície,
procedeu-se à avaliação do espaçamento médio entre descontinuidades para cada uma das famílias
identificadas, o qual foi posteriormente validado em gabinete recorrendo a um alçado fotográfico de toda
a face do talude. Complementarmente, mediram-se no terreno alguns blocos provenientes de
instabilizações recentes, os quais permitiram calibrar os valores estimados dos espaçamentos médios
entre descontinuidades.

3.2.3 - Espaçamento entre descontinuidades

Os intervalos propostos na classificação RMR para este parâmetro correspondem, na prática, aos graus
de fraturação de maciços rochosos propostos pela ISRM, tratando-se de um parâmetro que pode ser
rapidamente avaliado sobre uma face exposta de um talude de escavação.

No entanto, importa notar a elevada dependência do espaçamento médio entre descontinuidades com o
comprimento da scanline admitida, a qual tende para uma distribuição exponencial negativa (Hudson e
Harrison, 1997). Por outro lado, como realçam Wyllie e Mah (2004), a orientação relativa entre a
descontinuidade e a face do talude é outro fator que deve ser tido em conta na avaliação deste
parâmetro, propondo os autores a adoção do fator de correção de Terzaghi (expressão [7], na qual θ
representa o ângulo entre a face do talude e o pendor da descontinuidade) por forma a obviar este erro.

𝑆=𝑆𝑎𝑝𝑝 sin 𝜃 [7]

Destas relações resulta que este parâmetro é fortemente influenciado quer pela escala do problema, quer
pela morfologia do talude. Assim, no âmbito deste projeto, e tendo presente a estreita interligação entre
este parâmetro e o índice volumétrico, procurou-se validar em gabinete, recorrendo a um alçado
fotográfico de toda a face do talude, o espaçamento médio entre descontinuidades avaliado durante o
levantamento de superfície.

3.2.4 - Condição das descontinuidades

Na sua proposta de 1979, Bieniawski propõe a divisão deste parâmetro em cinco sub-parâmetros – ver
Quadro 1.

Quadro 1- Classificação da condição das descontinuidades a partir da versão de 1989 do sistema RMR (adaptado de
Lima e Menezes, 2012)
Parâmetro Intervalo
<1 m 1-3 m 3-10 m 10-20 m >20 m
Persistência
6 4 2 1 0
Nenhuma <0.1 mm 0.1-1.0 mm 1-5 mm >5 mm
Abertura
6 5 4 1 0
Muito rugoso Rugoso Ligeiramente rugoso Quase liso Liso
Rugosidade
6 5 3 1 0
Duro com Duro com Mole com Mole com
Nenhum
Enchimento espessura <5 mm espessura >5 mm espessura <5 mm espessura >5 mm
6 4 2 2 0
Ligeiramente Moderadamente
Grau de Não alteradas Muito alteradas Em decomposição
alteradas alteradas
alteração
6 5 3 1 0

Tratam-se de parâmetros de mais difícil avaliação, uma vez que se revestem de uma maior variabilidade,
sendo mais permeáveis à subjetividade de quem os avalia. A título exemplificativo, refere-se a existência,
relativamente frequente em alguns dos taludes analisados, de filonetes de quartzito com espessura
milimétrica a centimétrica preenchendo algumas das fraturas. Apesar de as descontinuidades onde estes
filonetes se encontram presentes se enquadrarem na categoria “duro com espessura >5 mm”, tratam-se
de descontinuidades “rugosas” e com “nenhuma abertura”, motivo pelo qual, comparativamente a outras
famílias de descontinuidades, apresentam uma ponderação global superior.

Neste contexto, e no âmbito deste projeto, procedeu-se a uma avaliação visual de cada zona geológica
durante o levantamento de superfície, procurando caracterizar globalmente a situação mais desfavorável.
Importa ainda salientar que, tendo em vista uma avaliação mais objetiva da rugosidade das
descontinuidades, se adotou no levantamento de superfície a seguinte relação entre os intervalos da
classificação e o índice Joint Roughness Coefficient (JRC):

 Muito rugoso – 16 < JRC ≤ 20;

 Rugoso - 12 < JRC ≤ 16;

 Ligeiramente rugoso - 8 < JRC ≤ 12;


 Quase liso - 4 < JRC ≤ 8;

 Liso - 0 < JRC ≤ 4.

3.2.5 - Presença de água

A ponderação deste parâmetro, de acordo com a proposta de 1979 de Bieniawski, é feita com base em
medições de caudais no interior do maciço, caudais estes tipicamente determinados com base em ensaios
do tipo Lugeon. Na ausência destes resultados, é proposta uma avaliação global da eventual circulação de
água no maciço, tendo em conta o aspeto da face exposta deste. Assim, importa notar a elevada
dependência desta avaliação com o período do ano no qual é feita (maior afluência de água após períodos
de elevada precipitação, p.ex.).

Tendo em conta o exposto, no âmbito deste projeto, procurou-se avaliar globalmente cada uma das
zonas geológicas analisadas tendo por base evidências (ou falta delas) de circulação de água no maciço,
tais como exsurgências de água, maior grau de alteração do maciço em zonas pontuais – ver Figura 2,
etc.

Figura 2 – Aspeto da alteração do maciço xistento resultante de escorrência frequente de água proveniente do interior
do maciço

3.3 - Avaliação do SMR

Obtido o valor de RMRb de cada uma das zonas geológicas delimitadas, o valor de SMR é obtido pela
introdução de quatro fatores de ajuste, de acordo com a expressão [1]. À exceção do fator F4, que
depende do método de escavação utilizado, estes fatores de ajuste dependem das orientações e
pendores quer da face do talude quer da família de descontinuidades analisada.

Nos pontos seguintes apresenta-se a metodologia adotada, no âmbito deste projeto de execução, para
avaliação do valor de SMR correspondente a uma dada orientação e inclinação do talude.

3.3.1 - Análise da compartimentação do maciço

Para cada zona geológica identificada, e tendo por base os elementos recolhidos durante o levantamento
de superfície, foi analisada a compartimentação do maciço e determinada a orientação e pendor médios
de cada família de descontinuidades identificada.

Neste contexto, procedeu-se a uma análise estatística da dispersão de cada uma das famílias de
descontinuidades, com base na direção dos respetivos cosenos (Wyllie e Mah, 2004). Segundo esta
metodologia, o pendor (ψR) e azimute (αR) médios de uma dada família de descontinuidades são dados
pela expressão [8], onde lR, mR, nR e |𝑅̅| são obtidos pelas expressões [9] e [10].

Importa salientar que os fatores de ajuste propostos foram estabelecidos tendo por base mecanismos de
rotura planar ou por toppling (um único plano de rotura). Contudo, e atendendo a que as roturas por
cunha correspondem, na prática, a escorregamentos planares (seja ao longo de um dos planos que
definem a cunha, seja ao longo da linha de intersecção entre os dois planos), Singh e Goel (1999)
propõem que seja igualmente avaliado o valor de SMR para a orientação e pendor da linha de intersecção
entre os dois planos que formam a cunha. Assim, foram igualmente avaliadas, para cada zona geológica
identificada, a orientação (αi) e pendor (ψi) das interseções formadas pelos valores médios das diferentes
famílias de descontinuidades, recorrendo às expressões [11] e [12].
𝜓𝑅 = 𝑐𝑜𝑠 −1 (𝑛𝑅 )
{𝛼𝑅 = +𝑐𝑜𝑠 −1 (𝑙𝑅 ⁄𝑠𝑖𝑛 𝜓𝑅 ), 𝑠𝑒 𝑚𝑅 ≥ 0 [8]
𝛼𝑅 = −𝑐𝑜𝑠 −1 (𝑙𝑅 ⁄𝑠𝑖𝑛 𝜓𝑅 ), 𝑠𝑒 𝑚𝑅 < 0
∑(𝑠𝑖𝑛𝜓𝑖 𝑐𝑜𝑠𝛼𝑖 )
𝑙𝑅 = |𝑅̅ |
∑(𝑠𝑖𝑛𝜓𝑖 𝑠𝑖𝑛𝛼𝑖 )
𝑚𝑅 = |𝑅̅ |
[9]
∑ 𝑐𝑜𝑠𝜓𝑖
{ 𝑛𝑅 = |𝑅̅ |

|𝑅̅| = √(∑(𝑠𝑖𝑛𝜓𝑖 𝑐𝑜𝑠𝛼𝑖 ))2 + (∑(𝑠𝑖𝑛𝜓𝑖 𝑠𝑖𝑛𝛼𝑖 ))2 + (∑ 𝑐𝑜𝑠𝜓𝑖 )2 [10]


tan 𝜓 cos 𝛼 −tan 𝜓 cos 𝛼
∝𝑖 = tan−1 (tan 𝜓𝐴 sin 𝛼 𝐴 − tan 𝜓𝐵 sin 𝛼𝐵 ) [11]
𝐵 𝐵 𝐴 𝐴

𝜓𝑖 = tan−1(tan 𝜓𝐴 cos(𝛼𝐴 − 𝛼𝑖 )) [12]

No Quadro 2 apresenta-se, a título exemplificativo, o resumo da análise da compartimentação para uma


das zonas geológicas avaliadas.

Quadro 2- Atitude média das famílias de descontinuidades identificadas no talude entre o PK 164+300 e o PK 164+412
(lado direito)
Tipo de
Família Orientação Pendor Pendor/Azimute
descontinuidade
1 N 88 E 69º S 69/178 Xistosidade
2 N 22 E 57º NW 57/292 Diaclases
3 N 14 E 65º SE 65/104 Diaclases

3.3.2 - Fatores de ajuste

Na determinação dos fatores de ajuste F1 e F2 da classificação SMR, adotaram-se as regressões


expressas por [2] e [3], uma vez que estas facilitam a sistematização do zonamento geomecânico para
um maior volume de informação. Para que este procedimento seja viável, torna-se necessário poder
avaliar, com um certo grau de rigor, a orientação e pendor da face do talude a partir do levantamento
topográfico; atualmente, a disponibilidade de equipamentos de levantamento a laser possibilita a
aquisição, com custos competitivos, de um levantamento topográfico com o nível de rigor necessário.

O fator de ajuste F3 corresponde, na prática, ao parâmetro proposto por Bieniawski, na versão de 1976
da classificação RMR, para consideração do efeito da orientação das descontinuidades em taludes
(Romana et al., 2003). Sendo função da orientação relativa entre a face do talude e o plano da
descontinuidade, Romana propôs os intervalos apresentados no Quadro 3.

Quadro 3- Classificação geomecânica SMR – Fator de ajuste F3


Rotura planar 𝛽𝑗 − 𝛽𝑠 = <10º 10º - 0º 0º 0º - (-10º) <(-10º)
Toppling 𝛽𝑗 + 𝛽𝑠 = <110º 110º - 120º >120º - -
F3 0 -6 -25 -50 -60

Finalmente, o fator F4 pretende estabelecer uma relação entre a estabilidade do talude e o método
construtivo adotado para a sua escavação – ver Quadro 4. Estes valores foram estabelecidos
empiricamente e refletem o efeito benéfico que boas técnicas de escavação (tal como o pré-corte) ou os
fenómenos erosivos e mecanismos de proteção natural (tal como vegetação) têm na estabilidade do
talude. Tendo presente que os taludes analisados foram executados há dezenas de anos, adotou-se, no
âmbito do presente projeto, o valor de F4 correspondente a taludes naturais (F4 = +15).

Quadro 4- Classificação geomecânica SMR – Fator de ajuste F4


Explosões normais /
Método de Explosões
Talude natural Pré-corte Explosões leves Escavação por
Escavação deficientes
meios mecânicos
Fator F4 +15 +10 +8 0 -8

3.4 - Zonamento geomecânico

Tal como referido anteriormente, o valor de SMR é função tanto da orientação e pendor da
descontinuidade analisada como da orientação e pendor da face do talude no trecho analisado. Neste
contexto, para um dado segmento de um dado perfil transversal, procedeu-se a uma avaliação do valor
de SMR correspondente a cada uma das famílias identificadas (incluindo as interseções entre elas) e
selecionado o de menor valor, atribuindo-se a este segmento uma classe de estabilidade de acordo com o
Quadro 5.
Este procedimento foi depois repetido para todos os segmentos de todos os perfis transversais, obtendo-
se desta forma um zonamento geomecânico em perfil transversal – ver Figura 3. Finalmente, este
zonamento foi transposto para a respetiva planta, de forma a criar um zonamento em contínuo de todo o
talude – ver Figura 4.

Quadro 5- Classes de estabilidade propostas, em função do valor de SMR


Classe Va IVb IVa IIIb IIIa IIb IIa Ib Ia
SMR 11-20 21-30 31-40 41-50 51-60 61-70 71-80 81-90 91-100
Descrição Muito mau Mau Razoável Bom Muito bom
Completamente
Estabilidade Instável Parcialmente estável Estável Completamente estável
instável

Figura 3 – Zonamento geomecânico para o perfil transversal ao PK 164+340

Figura 4 – Zonamento geomecânico em planta do talude entre o PK 164+300 e 164+412 (lado direito)

4- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho foi apresentada a metodologia adotada para o zonamento geomecânico de 14 taludes
instáveis na Linha do Douro, realizado no âmbito do projecto de execução para a sua estabilização.
Partindo de um sistema de classificação consolidado – Slope Mass Rating, pretendeu-se descrever a
forma como foram obtidos os elementos de base, quer em gabinete quer durante o levantamento de
superfície, tendo sempre presente a viabilidade técnica e económica das opções tomadas.

Pese embora o maior tempo despendido durante o levantamento de superfície, o recurso a esta
metodologia facilitou a interpretação em gabinete da informação recolhida, permitindo a sua
sistematização e, principalmente, garantindo a optimização da adequação das soluções preconizadas aos
principais factores de risco identificados no talude. Neste ponto, importa referir a relação proposta por
Romana et al. (2003) de validade das principais soluções de estabilização de maciços rochosos em função
do valor de SMR avaliado para o talude em questão – ver Quadro 6.

No decurso deste trabalho privilegiaram-se, sempre que tecnicamente viáveis, formas expeditas de
avaliação e/ou sistematização dos parâmetros base da classificação, procurando relacioná-los com
características do maciço facilmente e objectivamente quantificáveis durante o levantamento de
superfície. Neste contexto, constatou-se que os parâmetros mais susceptíveis a um eventual erro de
avaliação são o espaçamento e a condição das descontinuidades.
Relativamente ao espaçamento e persistência de uma dada família de descontinuidades, considera-se
como uma possível abordagem o mapeamento/decalque de uma área representativa da face exposta do
maciço – Figura 5. Já no que diz respeito ao grau de alteração das descontinuidades, nos casos em que
seja possível obter amostras intactas do maciço (ou eventualmente zonas onde este seja visível em faces
expostas do maciço), sugere-se a relação proposta por Bandis et al. (1983) entre a resistência à
compressão avaliada nas descontinuidades e a resistência à compressão da rocha intacta.

Quadro 6- Classes de estabilidade e medidas de suporte propostas, em função do valor de SMR (adaptado de Romana
et al., 2003)
SMR 11-20 21-30 31-40 41-50 51-60 61-70 71-80 81-90 91-100
Reperfilamento da
Reperfilamentos -
face
Drenagem superficial ou
Drenagem -
profunda
Betão projectado, contrafortes ou muros de
Betão - -
pé de talude
Reforço - Pregagens, ancoragens -
Valas de pé de talude,
Proteção - barreiras ou redes de
protecção
Remoção de blocos instáveis,
Nenhum -
nenhum

Figura 5 – Avaliação do espaçamento e persistência médios de uma família de descontinuidades numa face exposta do
maciço (Wyllie e Mah, 2004)

Por último, importa salientar que o estudo da estabilidade de um talude rochoso é uma tarefa que
requer: i) um cuidadoso e exaustivo levantamento de superfície; ii) análises específicas aos mecanismos
de rotura identificados e, acima de tudo; iii) uma boa avaliação por parte da equipa projectista. Estas
variáveis não podem ser expressas sob a forma de uma equação, pelo que a utilidade de um qualquer
sistema de classificação se traduz na sua capacidade de quantificar e sistematizar o trabalho de quem
avalia, potenciando a optimização do tempo despendido nestas três fases da análise.

REFERÊNCIAS

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Hudson, J. A., Harrison, J. P., (1997). Engineering Rock Mechanics – An Introduction to the Principles, Pergamon,
Oxford, UK, 458 p.
Lima, C., Menezes, J. E. (2012). Textos de apoio de Geologia de Engenharia. Faculdade de Engenharia da Universidade
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