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14/12/2022 14:05 [Resenha] Torto Arado - Itamar Vieira Junior | Leitor Cabuloso

[Resenha] Torto Arado – Itamar Vieira


Junior
Por Wesley Nunes Ribeiro de Andrade - 07/03/2022

Capa do livro. Ilustração mostrando em primeiro plano duas figuras femininas lado a lado e de mãos
dadas, na outra mão, cada uma segura uma longa folha verde. Suas roupas são bem coloridas, e sua
pele é totalmente preta e não possuem faces. O fundo é cor creme, e no topo, em laranja, o nome do
livro, e de preto o nome do autor.

Torto Arado, vencedor do prêmio Leya 2018, foi capaz de me mostrar que
a injustiça não se define em um ato. Dela pode surgir um acontecimento
catártico provedor de muita tristeza. Mas neste acontecimento há um
pedaço e, não o total, que forma o injusto. Itamar Vieira Junior mostra que
a injustiça costuma ser um elemento presente em cada aspecto da vida de
muitos brasileiros. Uma reflexão alcançada somente ao entrar em contato
com o primor narrativo.

Sentir para entender


Posso entender um problema social em uma sala de aula, em uma palestra
e até mesmo em um texto em uma rede social. Compreender é o
suficiente? Obras como Torto Arado tem o poder de fazer o leitor sentir
as chagas sociais para que o entender torne-se uma cicatriz no consciente.

Em nenhum momento há uma tentativa de ser didático para explicar qual


o problema. O autor conta a história das irmãs Bibiana e Belonísia no
interior da Bahia para mostrar as falhas na sociedade. Não existe um
forçar dramático. Por toda a narrativa fica nítido que a relação das
personagens com o trabalho, a terra, a família e a cultural local é a mesma
de diversos brasileiros. Então por que a obra foi tão marcante?

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14/12/2022 14:05 [Resenha] Torto Arado - Itamar Vieira Junior | Leitor Cabuloso

Alma de clássico, corpo moderno


Deve-se elogiar a linguagem. O texto narrado tanto por Bibiana como
também por Belonísia é rico. Em cada frase é transmitida uma forma de
enxergar a vida, a cultura local e um jeito de falar específico. Personagens
com vozes tão vivas que não pensei em um autor tomando nota de cada
linha de vida falada. A imersão foi tamanha que imaginei-me na casa onde
elas foram criadas e ouvi a história como se eu fosse um parente ou amigo
próximo. Só encontrei algo semelhante nos clássicos, entretanto, o autor
sabe imprimir na narrativa a fluidez da literatura moderna.

É incrível como o tom de relato, que por muitas vezes se mistura ao


confessional, é dinâmico. Durante a leitura foi fácil imaginar a obra sendo
adaptada para o audiovisual. Complemento este ponto destacando o início
da história. Toda a tensão criada que flerta com o místico prende o leitor.
Foi um dos melhores inícios de livro que já vi. O interessante é que o autor
faz esta excelente construção e não se apega a ela. Ao longo de Torto
Arado há diversos tons que permeiam a fluidez, não só a tensão do
começo. A obra transita nos diversos sentimentos gerados pela injustiça.

A avó, o pai e as filhas


Desde cedo Bibiana e Belonísia trabalham na terra que “pertence” a outro,
ao senhor. Esta é a mesma realidade do pai, mãe, avó e tios delas. Cada
geração tem uma relação diferente a injustiça gerada pelo fato de
trabalhar na terra, entendê-la, cuidar dela e não poder chamá-la de
“minha terra”. Através deste cenário opressor é mostrado a revolta, a
reflexão, o medo, o respeito e a esperança. Nestes sentimentos que
envolvem toda relação familiar bem construída existe um evoluir.

Com esmero o autor mostra como de geração em geração cresce um


sentimento de revolta. Não existe um estopim de consciência social que
gera uma luta por direitos. Tudo é construído aos poucos. É o urbano com
as escolas e os sindicatos que se aproxima do campo. Existe o primo
questionador que não é amplamente apoiado, mas também não é calado.
Há a filha que viu na realidade da mãe, da avó e do pai a necessidade por
mudança. E, por fim, é o descaso dos chamados “donos da terra”. Ao ver
esta construção narrativa é impossível não se sentir imerso e questionar a
própria realidade.

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Reflexão
Ao decorrer da leitura imaginei a vida dos meus pais, avós, bisavós… da
minha família. O autor faz diversas críticas sociais latentes no passado,
mas que infelizmente não acabaram. Senti o sofrimento das minhas
gerações. Trabalho desumano, falta de comida, violência doméstica,
ausência do poder público e assassinatos. Várias chagas sociais que
crescem em meio ao sentimento de posse. “É meu” ou “É minha” são
frases ditas quando justiça ou direitos são exigidos. Entendi a visão do
autor porque ele mostrou a vida e as vidas que cercam Bibiana e Belonísia.

Detalhes além do social


O livro tem como base as excelentes críticas sociais. Como falei, não há
didatismo e no mostrar através de um contar pude sentir para depois
entender. A linguagem por si só já é um grande atrativo e pode ser objeto
de estudo para qualquer escritor. Além de tudo isso, há outro elemento
que não está inteiramente ligado ao social e que é bem utilizado na obra.
Refiro-me aos detalhes.

No livro o autor tem um cuidado especial com as pequenas coisas. Uma


faca, uma mala, moscas ao redor da roupa de couro, um vestido e um
simples chapéu são inseridos com o contar cheio de lembrança e dão
tempero para a obra. É mais um ponto de acerto que deixa a história
verossímil.

Obra que entrega muito


Só existem elogios a narrativa do Itamar Vieira Junior. Obtive reflexões e
compreensões devido às críticas sociais; construí apego aos personagens
com uma voz literária marcante; o cenário longe do ideal, mas com uma
evolução, deram-me certo otimismo e os detalhes capazes de transformar
uma leitura em lembranças geraram encanto. Desejo que todos possam
ser impactados como fui com este livro. Há aqui no Leitor Cabuloso o
episódio 59 do podcast Boteco dos Versados sobre a obra. Leia e ouça o
cast, você vai sentir e entender parte importante da nossa realidade.

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Nota

Cinco selos cabulosos. A maior nota do site.

Garanta a sua cópia de “Torto arado”!

Ficha Técnica

Título: Torto arado


Autor: Itamar Vieira Junior
Editora: Todavia
Páginas: 264
Ano: 2019
ISBN: 9786580309313
Sinopse: Um texto épico e lírico, realista e mágico que revela, para além
de sua trama, um poderoso elemento de insubordinação social. Vencedor
do prêmio Leya 2018

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14/12/2022 14:05 [Resenha] Torto Arado - Itamar Vieira Junior | Leitor Cabuloso

Nas profundezas do sertão baiano, as irmãs Bibiana e Belonísia encontram


uma velha e misteriosa faca na mala guardada sob a cama da avó. Ocorre
então um acidente. E para sempre suas vidas estarão ligadas, a ponto de
uma precisar ser a voz da outra. Numa trama conduzida com maestria e
com uma prosa melodiosa, o romance conta uma história de vida e morte,
de combate e redenção. Um texto épico e lírico, realista e mágico que
revela, para além de sua trama, um poderoso elemento de insubordinação
social.

Wesley Nunes Ribeiro de Andrade


Resenhista do Leitor Cabuloso

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um ano atrás • 2 comentários um ano atrás • 2 comentários


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