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Lebret e o Urbanismo da SAGMACS: o Brasil no foco do Mouvement

Économie et Humanisme

Resumo

Este artigo propõe uma abordagem sobre o trabalho urbanístico desenvolvido pelo Padre Louis-
Joseph Lebret que no Brasil culminou com a formação da Sociedade para Análises Gráficas e
Mecanográficas Aplicadas aos Complexos Sociais – SAGMACS. Fundada nos anos 1950 a
SAGMACS foi uma instituição de estudos e pesquisas com foco no planejamento urbano e
regional e no desenvolvimento econômico e social, constituindo um organismo vinculado e
influenciado pelo grupo francês Mouvement Économie et Humanisme, também coordenado por
Lebret. Buscamos assim, elucidar e discutir as práticas que levaram o grupo aos trabalhos de
planejamento urbano e regional e desenvolvimento econômico instituídas pela SAGMACS ao
longo dos anos 1950 e início dos 1960, onde percebemos a introdução da pesquisa urbana e
regional e da inserção da pesquisa social como um instrumento dentro das ações do
planejamento econômico e territorial, o que contribuiu com o aprimoramento da metodologia de
pesquisa urbana sobre a realidade social, política e econômica da cidade e de seus habitantes.
Assim, pretendemos situar e elucidar sobre a formação do ideário urbanístico da SAGMACS e
Lebret, os quais contribuíram na formação do quadro do urbanismo no Brasil.
O fundador do Mouvement Économie et Humansisme e da SAGMACS

Louis-Joseph Lebret foi um frei francês da ordem dos dominicanos, que coordenou durante os
anos 1950 importantes trabalhos no âmbito do planejamento urbano e regional no Brasil. Na sua
trajetória profissional destaca-se sua participação em numerosas consultorias através do Mundo,
o trabalho como um dos seis especialistas da ONU sobre os níveis de vida em 1953 e numerosas
obras escritas sobre vários temas como Métodos de Análise, Espiritualidade, Sociologia e
Problemas Econômicos.

Na América Latina ficou conhecido como Padre Lebret, ainda que a Ordem dos Dominicanos
utilizasse o termo Frade para denominar seus pastores. Nascido na Bretanha, na França em
1897, antes de ingressar na Ordem dos Dominicanos, formou-se bacharel em Matemática e
depois ingressou na Marinha Francesa, o que lhe fez deparar-se com uma realidade social até
então desconhecida por ele. Pois, atuando na Marinha, Lebret conheceu uma realidade diferente
da qual viviam os pescadores de Saint-Malo (Bretanha), percebendo assim a existência da
desigualdade de condições entre os homens, que para ele era aprofundada pelo Estado Francês,
capaz de gastar vultosos recursos orçamentários na manutenção de sua Marinha, ao mesmo
tempo em que relegava investimentos nas áreas da agricultura e da pesca, vitais para o
desenvolvimento econômico de qualquer país.

De família católica e educado em Colégio Jesuíta, o despertar de Lebret para as condições


econômicas e sociais da população francesa o aproximou ainda mais da igreja católica, a principio
para atuar como leigo em trabalhos pastorais. Porém, preocupou-se em encontrar uma Ordem ou
Congregação que lhe garantisse a possibilidade de uma atuação mais prática do que de oração,
de forma que “depois de passar uns dias num convento jesuíta e aconselhar-se com o capelão de
seu colégio em Saint-Malo, procurou os Dominicanos [...] vistos como sacerdotes de uma
esquerda progressista” (CESTARO, 2009, p. 108).

A aproximação de Lebret com os Dominicanos o despertou para a vocação sacerdotal, levando-o


a deixar a Marinha Francesa e ingressar no Noviciado de Angers em Lyon, em 1923. Quando
deixou o noviciado, já ordenado frei dominicano, retornou para Saint-Malo no final dos anos 1920,
encontrando sua província com graves problemas sociais e econômicos. A recessão econômica
estava levando os cristãos a um distanciamento com o que pregava a igreja católica na Encíclica
Rerum Novarum, onde o Papa Leão XIII dizia que “o homem deveria aceitar com paciência a sua
condição, sendo impossível que na sociedade civil todos fossem elevados a uma mesma
categoria” (1891), gerando um descontentamento entre os pescadores da Bretanha e
aproximando-os das organizações sindicais e do comunismo, regime então combatido pela igreja
católica.

A perda de fiéis e a ameaça do socialismo levaram Lebret a debruçar-se num estudo sobre as
condições locais e os motivos pelos quais os pescadores diziam-se descrentes do catolicismo.
Seus estudos levaram a conclusão sobre a situação de uma igreja retrógrada e distante da
realidade social da população da Bretanha, o que impôs ao padre Lebret a meta de reformar a
igreja católica, objetivo perseguido por ele até o final de sua vida, onde buscava uma reformulação
social dentro de sua estrutura, condenando tanto o socialismo quanto o capitalismo, defendendo a
adoção de uma nova doutrina social que unificasse Estados em busca do bem comum e de um
desenvolvimento mais harmônico. De forma que “a igreja deveria atualizar-se, buscando
respostas para os problemas do mundo atual e não se apegando ou repetindo os valores da Idade
Média e nem do século anterior” (CESTARO, 2009, p. 111).

Porém, as criticas de Lebret àquele período extrapolaram a estrutura da igreja católica, de modo a
incluir o Estado e os empresários, as instituições públicas e privadas, apontando que todas estas
estruturas não estavam preparadas para dar respostas ao mundo naquele momento. Percebendo
que as instituições já não davam conta de enfrentar os problemas presentes no mundo, Lebret
passou a buscar apoio e possíveis adeptos de seus anseios de interpretação da realidade social
fora da estrutura do catolicismo. Notamos então sua aproximação com as teorias de Karl Marx
para a interpretação do mundo moderno capitalista e conseqüentemente da realidade social1.

Assim, Lebret funda com o apoio de outros intelectuais católicos, nos anos 1930, a Jeunesse
Maritime Chrétienne – JMC, congregando jovens pescadores da Bretanha, buscando combater o
engajamento deles no sindicato e assim também uma aproximação à esquerda e ao comunismo.
Este tipo de organização foi patrocinada e apoiada pela ala mais progressista da igreja católica e
cresceu por toda a França com os movimentos da Jeunesse Ouvrière Chrétienne – JOC,
Jeunesse Ouvrière Chrétienne Féminine – JOCF, Jeunesse Agricole Catholique – JAC e a
Jeunesse de l’Eglise – JE, chegando ao Brasil no final dos anos 1940, quando foram fundados os
primeiros movimentos da JUC – Juventude Universitária Católica.

No entanto, Lebret sentia que este Movimento, embora capaz de agregar a juventude cristã, não
era capaz de dar respostas aos problemas do mundo, pois, seus adeptos, não tinham capacitação
técnica suficiente para engajar-se em pesquisas científicas e sociais, as quais ele julgava
necessárias para alcançar resultados ante a necessidade de contrapor os valores da modernidade
e dos sistemas econômicos capitalista e socialista. E assim, para buscar estes resultados, Lebret
percebe que seria necessário ampliar seu domínio e influência para além da igreja católica, e
utilizando de seu conhecimento intelectual e de seu prestígio enquanto frei dominicano,
conquistou o apoio de intelectuais franceses como François Perroux, Raymond Delprat, Gustave
Thibon, Jean-Marie Gatheron, René Moreaux e Alexandre Dubois e em 1941 fundou o
Mouvement Économie et Humanisme, organização voltada aos estudos e pesquisas das causas

1
Cabe ressaltar que apesar da aproximação e engajamento de Lebret com as teorias de Marx, o padre jamais
concordou com o conceito da luta de classes, pois acreditava na possibilidade de uma integração mais humana e não
da competição entre as diferentes classes sociais.
dos problemas sociais e econômicos, para busca de uma possível solução apropriando-se do que
ele julgava haver de bom dentro do capitalismo e do socialismo.

A construção de um método de trabalho pela Économie et Humanisme

O primeiro trabalho de pesquisa realizado pelo Pe. Lebret buscava compreender a complexa
situação vivida pelos pescadores de Saint-Malo e, sobretudo, os motivos que os levavam ao
abandono da igreja católica. Segundo Garreau (1997, p. 25), este trabalho não seguiu rigores
científicos, limitando-se a uma análise hipotética, tentando se extrair informações a partir de fichas
de investigação preenchidas através da observação e das impressões do pesquisador, no âmbito
da economia, da sociologia e do comportamento religioso.

Apesar de pouco científico e bem distante do urbanismo, este método de análise foi cunhado
devido o conhecimento acadêmico e a formação intelectual de Lebret nas áreas da filosofia,
economia e da sociologia. Cabe lembrar que além da sua afinidade com as ciências humanas,
Lebret também tinha formação em matemática, o que o permitia aliar às suas pesquisas aos
métodos estatísticos. Esta aplicação contrariava o discurso pregado pela igreja católica, que
defendia a separação entre fé e ciência. E desta forma, Lebret percebe que tal separação já não
era mais possível, pois sua manutenção, somente contribuiria para as tensões entre trabalhadores
e empresários.

A preocupação em evitar-se um conflito entre as diferentes classes sociais levou Lebret a


aprofundar seus métodos de análises e pesquisas. Além disso, sua aproximação com os
economistas Perroux e Delprat, fortaleceram a possibilidade de criação de um organismo
autônomo em relação a igreja católica, abrindo espaço para a fundação do Mouvement Économie
et Humanisme, conforme apontado anteriormente.

Dentro do Économie et Humanisme os métodos de pesquisa foram aperfeiçoados, abrindo campo


para novos objetos e espaços serem analisados, ao passo de não se estudar mais um grupo
social específico e sim a sociedade. Lebret pregava que “para influenciar positivamente em um
ambiente ou em uma sociedade, para poder ajuda-lá a encontrar seu equilíbrio e sua plenitude era
necessário antes conhecê-la a fundo, e este conhecimento só poderia ser alcançando por uma
investigação minuciosa e objetiva, de forma científica.” (1961, p. 11). Assim, contrariando a
tendência dos economistas tradicionais, Lebret buscava com o Mouvement Économie et
Humanisme, uma maneira de analisar a realidade social, de forma a deduzir e explicar
concretamente, diferenciando o “homo oeconomicus” dos valores econômicos, abrindo espaço
para uma economia das necessidades humanas e criando uma hierarquia destas necessidades.

Podemos então dizer, que o método de Économie et Humanisme trabalhava de forma relevante
para o homem, e construía uma normativa do empirismo prévio e da observação do real,
chamando atenção para o risco de não apegar-se a história pois se tratava de captar o presente e
preparar o futuro. De forma que para Lebret “realizar uma enquête não era assistir a um
espetáculo. A enquête tinha de servir para a elevação humana da população que se entrevistava.
Daí a organização de associar-se com os interessados, fazendo compreender os fins que se
perseguiam e que se tratava de um importante serviço que se prestava ao grupo, a localidade ou
ao conjunto de localidades” (idem, p. 101).

Em 1944 Économie et Humanisme publicou sob a autoria de Lebret um manual chamado


“Méthodo d’enquête”, apontando para maneiras de interpretação da realidade social e econômica
e apresentando o método de trabalho que o Mouvement introduziu em seus estudos. O Método
trazia referências das disciplinas da economia, estatística, sociologia e geografia e apontava para
a necessidade do pesquisador ir a campo buscar suas referências e conhecer a realidade social.
Porém, o urbanismo ainda parecia não fazer parte do ideário lebretiano, sendo que em 1961, o
primeiro manual foi substituído por uma nova publicação “Manual de Encuesta Social”, o qual já
demonstrava maior afinidade com o campo do urbanismo, apresentando a cidade como o espaço
de atuação e possibilidade de construção do desenvolvimento harmônico.

Nos manuais, Lebret define as seguintes etapas como método de investigação: o contato global,
que ocorria de maneira intuitiva, a apropriação dos métodos estatísticos, capazes de
comprovarem ou não as impressões registradas na primeira etapa, e a intuição global, a qual após
a confirmação numérica, deveria acenar com a possibilidade de intervenção na realidade social.
Porém, era necessário que os dados obitidos em suas pesquisas de campo, se constituissem em
um diagnóstico e um relatório com os apontamentos. Por isso Économie et Humanisme introduziu
os diagramas como forma de representação gráfica. Fator que revela certa preocupação de Lebret
em demonstrar às demais pessoas os resultados de seu trabalho empírico, levando Économie et
Humanisme a apropriar-se de métodos e ferramentas gráficas2 para esboçar suas análises.

Se para alguns autores como Pelletier (1997) e Garreau (1996) o Mouvement Économie et
Humanisme pode ser considerado como um movimento de contraponto à ordem social vigente,
que tentou demonstrar outras possibilidades para o desenvolvimento econômico e a harmonia
entre as classes, podemos também dizer que o trabalho de Lebret, enquanto pesquisador, propôs
importantes inovações frente às pesquisas científicas, rompendo com tradições clássicas da
economia e da estatística e integrando às ciências, abrindo espaço para o trabalho interdisciplinar.
Estes avanços no método interpretativo foram incorporados às enquetes e estudos realizados pelo
Économie et Humansime e difundiram-se por demais países, chegando inclusive no Brasil.

2
Assim, a questão gráfica foi incorporada ao trabalho do Mouvement Économie et Humanisme ao ponto que
a difusão do Mouvement pelos países latino americanos, no final dos anos 1940, incorporou em suas siglas a
terminologia “gráfica”. No Brasil foi fundada a SAGMACS – Sociedade para Análises Gráficas e
Mecanográficas Aplicadas aos Complexos Sociais e na Colômbia a SAGMAESCO – Sociedade Gráfica e
Mecanográfica de Estudos de Economia e Humanismo.
O Brasil no foco do Mouvement Économie et Humanisme

Em 1947 o médico e geógrafo brasileiro Josué de Castro publicou o livro “Geografia da Fome”,
resultado de seus estudos sobre fisiologia, antropologia e geografia no Brasil. Este trabalho teve
grande repercussão no meio acadêmico intelectual nacional e também obteve reconhecimento
fora do país, como obra de grande prestígio. Desta forma, a obra de Josué de Castro ficou
conhecida também na França e aguçou a curiosidade do padre Lebret, estudioso das questões do
desenvolvimento econômico, sobre o Brasil e o que mais tarde ficou conhecido como terceiro
mundo3.

Além da publicação de “Geografia da Fome”, François Perroux, um dos colaboradores mais


próximos de Lebret, havia estado no Brasil em 1946 por ocasião do início do curso de Economia
na Universidade de São Paulo. Tais fatos despertaram em Lebret o desejo de visitar o Brasil e
conhecer de perto os problemas que afligiam o terceiro mundo. Além disso, o reconhecimento
obtido por Lebret através do Économie et Humanisme mundo afora era crescente, ao ponto dele
tornar-se uma referência nas áreas da economia e da sociologia, o que lhe rendia importantes
convites, para viagens, palestras, consultorias e seminários, em diferentes países.

Em 1947, o Brasil recebeu pela primeira vez a visita do Padre Lebret. Ele havia sido convidado a
oferecer um curso de Economia Humana e Planejamento Econômico no nível de pós-graduação,
junto à ELSP – Escola Livre de Sociologia e Política, em São Paulo, cujos alunos eram em sua
maioria representantes da elite intelectual e empresarial paulistana. Tendo duração de um
semestre, Lebret aproveitou sua estada no Brasil para ampliar seus conhecimentos sobre o
terceiro mundo, engajando-se em viagens pela Argentina, Colômbia e Chile, e também para
aproximar-se de autoridades brasileiras e intelectuais, a fim de difundir os métodos de Économie
et Humanisme.

Ainda que suas idéias tenham sido consideradas demasiadamente progressistas por setores da
elite empresarial, Lebret conseguiu engajar personalidades importantes como os professores Luiz
Cintra do Prado e Lucas Nogueira Garcez, juntamente com o Frei Benevenuto de Santa Cruz, na
defesa do ideário pregado por Économie et Humanisme, culminando com a criação de um
organismo de estudos e pesquisas aplicadas aos complexos sociais, chamada de SAGMACS.
Iniciativa que colocou o Brasil na rota do Mouvement Économie et Humanisme e instituiu a
cooperação técnica entre Brasil e França, entre os membros ligados a Lebret em Lyon e à
SAGMACS em São Paulo.

Porém, as idéias defendidas por Lebret no Brasil, além de terem sido consideradas avançadas
demais por alguns empresários e muito simpáticas ao socialismo, também incomodaram a setores

3
A terminologia “terceiro mundo” ou “terceiro Estado” foi usada pela primeira vez pelo antropólogo francês
Alfred Sauvy em artigo publicado na revista L’Observateur, para discriminar os países localizados na
América Latina e na África.
da igreja católica, que o consideraram subversivo à ordem vigente, passando a ser mal visto por
padres conservadores e também pelo governo de Dutra, o que levou o governo brasileiro e a
cúpula da igreja católica brasileira a negociar com o Vaticano o retorno de Lebret à França.
Atendendo o governo do Brasil, o Vaticano impôs como sanção disciplinar ao padre a proibição de
seu retorno a América Latina toda, o que perdurou até 1953. E assim, durante este período de
afastamento de Lebret com o Brasil, suas idéias foram difundidas pela SAGMACS.

O Urbanismo de Lebret e SAGMACS

A SAGMACS foi criada no Brasil em 1947 com sede em São Paulo. Inicialmente, estava vinculada
ao Mouvement Économie et Humanisme, fundado na França em 1943 por Lebret que encontrou
no Brasil um contexto social e político o qual julgou bastante promissor e adequado para a
aplicação de suas idéias sobre economia humana e desenvolvimento harmônico. Neste período o
Brasil vivia sob a presidência de Dutra, detinha considerável saldo na balança comercial, obtido
em decorrência do comércio exterior e desenvolvimento da indústria para suprir necessidade dos
países aliados em guerra. A cidade de São Paulo figurava como principal sede da produção
industrial no país, absorvendo intenso crescimento populacional o que lhe permitiu superar o Rio
de Janeiro em população e tornar-se a maior cidade do país na década de 1950.

Enquanto na França o grupo de Lebret contava com a participação de profissionais principalmente


nas áreas de economia, filosofia e sociologia que estudavam os malefícios do capitalismo e do
socialismo e propunham uma terceira via, na qual pregavam um desenvolvimento harmônico, no
Brasil a SAGMACS configurou-se como um organismo voltado para a pesquisa urbana e o
planejamento territorial, não descartando também a temática do desenvolvimento econômico
harmônico4.

Além da influência dos economistas Raymond Delprat e François Perroux, também verificamos a
importância do sociólogo Chombart De Lauwe e do geógrafo e economista Frederic Le Play5, que
já relacionavam dados de economia com os aspectos políticos, culturais e sociológicos na busca
da compreensão das condições de vida da população. A partir destes aspectos, verificamos o
espaço para o trabalho interdisciplinar e a interlocução entre diferentes áreas do saber. No Brasil,
talvez devido ao fato de Lebret ter encontrado maior acesso junto a Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da USP, ao invés da Faculdade de Filosofia, que via seus métodos como
antiacadêmicos e pouco científicos, a SAGMACS além dos economistas, geógrafos e sociólogos,

4
O conceito de desenvolvimento harmônico foi cunhado por Perroux e contrariava o liberalismo econômico, afirmando
sua contrariedade a acumulação desenfreada e sem ordem e pregando a passagem de uma sociedade de nível de
desenvolvimento econômico para um nível de desenvolvimento mais humano.
5
Cabe ressaltar que enquanto De Lawe era contemporâneo a Lebret, atuando na França nos anos 1940, os estudos e
métodos de análises desenvolvidos por Le Play, remetem-nos ao final do século XIX.
contou também com a vinculação dos arquitetos e engenheiros, o que aproximou Économie et
Humanisme a realizar um trabalho voltado para questões urbanas.

Através dos discursos e exposições de Lebret em palestras e cursos, notamos que uma de suas
principais preocupações era com a formação de quadros, por isso buscava sempre vincular-se a
setores da elite, a fim de encontrar jovens com futuro político promissor e também a estudantes e
professores universitários. Assim, os adeptos de Lebret entre a juventude universitária,
principalmente a chamada JUC – Juventude Universitária Católica, passaram a estudar os
problemas e as potencialidades de cada Estado. Estes estudos foram amplamente discutidos no
Congresso da JUC, que Lebret organizou em São Paulo no ano de 1954.

Deste modo, Lebret conseguiu despertar os universitários e futuros profissionais para a


necessidade de agir e contribuir com o desenvolvimento regional, formando lideranças e
fomentando o debate sobre as condições de vida do homem. E assim, a SAGMACS atuava desde
sua fundação no levantamento de questões urbanísticas, sempre buscando conhecer de forma
empírica os problemas da cidade relacionando aos complexos sociais.

Em 1947 Lebret realizou seu primeiro trabalho com foco na questão urbana, o qual ocorreu no
Brasil, a partir da pesquisa sobre as diferenças da estrutura residencial entre uma cidade industrial
sul-americana e as cidades industriais francesas, chamada de “Le Logement de La Population de
São Paulo”. Em 1951, foi publicado na Revista do Arquivo Municipal, o resultado do estudo
“Sondagem Preliminar a um estudo sobre Habitação em São Paulo” elaborado por Lebret e
Delprat. Entre 1953 e 1956, a SAGMACS participou de um levantamento sobre os problemas e
potencialidades do Estado de São Paulo, num consórcio entre os Estados pertencente à Bacia do
Paraná-Uruguai, visando a eletrificação de áreas do Estado, conforme pretendia o então
Governador Lucas Garcez, que havia atuado nos quadros da SAGMACS em seu início. Este
trabalho abriu campo para a pesquisa regional e o planejamento de pólos descentralizados de
desenvolvimento econômico e social6.

Em 1954, em Recife, Lebret aproximou-se do engenheiro pernambucano Antonio de Bezerra


Baltar, para atuar num estudo para o desenvolvimento regional do estado do Pernambuco. Baltar,
já era um urbanista conceituado e havia acumulado importantes experiências no planejamento
das cidades e na pesquisa regional, introduzindo o pensamento de pólos de desenvolvimento
regionalizados. Além disso, demonstrava profunda erudição no conhecimento das teorias
urbanísticas difundidas internacionalmente na primeira metade do século, demonstrando simpatia
pela inclusão dos estudos demográficos em seus planos urbanos.

Até o final da década de 1950, apesar da participação de Lebret e sua equipe em importantes e
grandiosos trabalhos de pesquisa urbana e regional, a SAGMACS consolidou-se como importante

6
Podemos atribuir as influências da metodologia ao estudo de desenvolvimento de pólos regionais na SAGMACS a
partir das teorias e pesquisas do Eng. Baltar e do urbanista britânico Patrick Abercrombie.
órgão de consultoria na área de urbanismo e planejamento urbano a partir do estudo “Estrutura
Urbana da Aglomeração Paulistana”, realizado em 1957 para a Prefeitura de São Paulo. O
trabalho para a prefeitura paulistana proporcionou aos técnicos da equipe ganhar notoriedade por
sua metodologia inovadora e assim, atrair novos trabalhos para prefeituras, governos estaduais e
órgãos estatais, entre eles o estudo semelhante “Estrutura Urbana da Aglomeração de Belo
Horizonte” (1961) e a elaboração de vários Planos Diretores para municípios na década de 1960.

A metodologia da SAGMACS consistia basicamente em desvendar as condições de vida da


população. Para tanto, era necessário ir a campo, conhecer tais condições e verificar a cidade
real, fato que no trabalho da “Estrutura Urbana da Aglomeração Paulistana” acabou por revelar a
situação de vida e as condições urbanísticas dos bairros da periferia de São Paulo, de maneira
jamais estudada até então pelos demais trabalhos de urbanismo. Deste modo, a metodologia
desenvolvida pela SAGMACS e Lebret colocou os técnicos diretamente com a realidade da
população, revelando novos aspectos das cidades, bem como da paisagem periférica que não era
revelada pelos trabalhos de planejamento urbano da primeira metade do século XX, os quais
levavam em consideração e priorizavam as áreas centrais em detrimento da cidade como um
todo.

Desta forma, identificamos que os trabalhos realizados pela SAGMACS consistiam em pesquisas
urbanas, a partir de um trabalho empírico, capazes de desvendar importantes dados sobre as
condições de vida da população e sobre o grau de urbanização das cidades brasileiras. E, nos
anos 1950, esta metodologia ainda não havia sido incorporada pela urbanística brasileira, que se
mostrava mais preocupada em dar respostas rápidas aos problemas das cidades, sem uma
análise profunda dos motivos que ocasionavam tais problemas. Assim, a SAGMACS pensava,
talvez devido a influência do engenheiro Baltar, pólos de desenvolvimento e soluções para
cidades multinucleadas, a fim de se evitar a concentração das melhores condições nas áreas
centrais, levando-se também os equipamentos públicos e comerciais às áreas mais afastadas,
inseridas nos bairros da periferia. Fatores estes inovadores para o pensamento urbanístico
brasileiro, ainda que não pudesse ser considerado um trabalho propositivo, a exemplo dos
trabalhos dos engenheiros e urbanistas das décadas de 1940-1950.

Considerações Finais

Em quinze anos de atuação, a SAGMACS realizou importantes trabalhos de pesquisas urbanas e


de ordenação do território7, alcançando notoriedade e reconhecimento devido ao emprego de
métodos inovadores e da introdução do trabalho interdisciplinar. Segundo Villaça “o estudo da

7
A terminologia Ordenação do Território utilizada pela SAGMACS, é herança da terminologia empregada para os
trabalhos urbanos na França, tendo sido incorporada ao ideário SAGMACS, por influência de seu fundador, o Pe.
Lebret.
Estrutura Urbana da Aglomeração Paulistana veio a se tornar a maior pesquisa urbana, jamais
realizada no país” (1999, p. 219), o que demonstra a importância dos trabalhos urbanísticos
realizados pela SAGMACS, pois além da cidade de São Paulo, a equipe de Lebret atuou em
diferentes regiões do país, tanto para o setor público quanto para o privado, na elaboração de
planos, pesquisas, estudos e análises técnicas. Fatores estes que levaram a instituição a montar
outros três escritórios, além da sede de São Paulo, abrindo espaço para a atuação no Rio de
Janeiro, Recife e Belo Horizonte.

A pesquisa urbana não era o único trabalho desenvolvido pela SAGMACS, uma vez que o
organismo contava com uma equipe interdisciplinar, integrando além de arquitetos e engenheiros,
também os profissionais da economia, sociologia e geografia, de forma que possibilitasse também
trabalhos de cunho sociológicos e econômicos, como uma análise das condições de vida dos
moradores do Vale do Ribeira, dos plantadores de café no Paraná, da mecanização da lavoura no
Mato Grosso, entre tantos outros.

Porém, apontamos neste artigo a vinculação da SAGMACS na construção de novas ferramentas e


métodos que foram incorporados a prática da urbanística brasileira, uma vez que o órgão de
origem, o Mouvement Économie et Humanisme, não se caracterizou como um organismo de
planejamento urbano, mantendo-se fiel aos seus objetivos iniciais de fomentar a pesquisa sobre o
desenvolvimento harmônico.

Assim, percebemos que além de Lebret e SAGMACS terem aberto um importante campo
metodológico para a compreensão das condições de vida dos habitantes da cidade, bem como na
tentativa de se enfrentar problemas de desigualdades sociais entre os diferentes grupos, os
técnicos ligados ao padre Lebret no Brasil, também foram capazes de aprimorar os métodos
trazidos da França.

Além da contribuição metodológica, cabe salientar quanto a formação de novos quadros para o
urbanismo brasileiro, a partir da atuação de Lebret e SAGMACS, uma vez que as pesquisas
realizadas pelo grupo demandavam numerosas equipes, atraindo estudantes e jovens
profissionais, que puderam através dos trabalhos de campo conhecer melhor a realidade social
urbana, rompendo assim com os trabalhos técnicos exclusivos aos gabinetes. Alguns dos técnicos
vinculados a SAGMACS permaneceram figurando entre os organismos de estudos e pesquisas
urbanas, mesmo após o término da instituição, após o golpe militar de 1964.

Com a inserção de alguns de seus antigos colaboradores, como Celso Lamparelli, Antonio
Claudio Moreira, Mario Laranjeira de Mendonça, Flávio Villaça, Luiz Carlos Costa, entre outros,
que passaram a atuar nos quadros da docência acadêmica junto a Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da USP, a metodologia utilizada pela SAGMACS, pôde ser melhor difundida e também
aperfeiçoada, abrindo campo para a inserção da pesquisa urbana e regional e a introdução das
demandas sociais dos habitantes junto aos trabalhos e planos de urbanismo desenvolvidos a
partir da década de 1960.
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