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Índice
Índice........................................................................................................................................................... 02

A Turma...................................................................................................................................................... 10
Diplomatas brasileiros........................................................................................................... 10
Diplomatas intercambistas................................................................................................ 10

Sobre o guia............................................................................................................................................ 11

Introdução................................................................................................................................................ 12

Perfil dos aprovados......................................................................................................................... 14


Visão geral.................................................................................................................................... 15
Mas ninguém é de ferro........................................................................................................ 22

A Banca Examinadora...................................................................................................................... 27
1ª Fase do CACD 2022............................................................................................................. 28
2ª Fase do CACD 2022............................................................................................................ 28
3ª Fase do CACD 2022............................................................................................................ 29

LÍNGUA PORTUGUESA...................................................................................................................... 30
Redação......................................................................................................................................... 31
Relatório de notas.................................................................................................................... 31
Padrão de resposta..................................................................................................... 32
Leonardo Maciura Beltrame – 58........................................................................ 33
Pedro Guilherme Bastos Menezes de Almeida – 57,5.............................. 35
Mateus de Andrade Kuntzler – 56,7................................................................... 36
Gabriel Joaquim – 56.................................................................................................. 38
Ana Luiza Pinto Cardão – 55,5................................................................................ 40
Nota média – Patrícia Camargo de Sousa – 54,7........................................ 42

Resumo.......................................................................................................................................... 44
Relatório de notas.................................................................................................................... 44
Padrão de resposta..................................................................................................... 47
Luiza Valladares de Gouvêa – 20.......................................................................... 48
Guilherme Dias – 19..................................................................................................... 49
Patrícia Camargo Sousa – 19.................................................................................. 50
Nota média – André Novo Viccini – 18,3........................................................... 51

Exercício........................................................................................................................................ 53
Relatório de notas.................................................................................................................... 53
Padrão de resposta..................................................................................................... 54
Luiza Valladares de Gouvêa – 19,65..................................................................... 54
Adriana Medeiros Gabinio – 19,65........................................................................ 55
André Delgado Freire – 19........................................................................................ 55
Nota média – Ana Luiza Pinto Cardão – 18..................................................... 56

2
LÍNGUA INGLESA................................................................................................................................... 57
Composition................................................................................................................................ 58
Relatório de notas..................................................................................................................... 58
Padrão de resposta..................................................................................................... 58
Gabriel Joaquim – 49,33............................................................................................ 59
Felipe Pereira – 48,83................................................................................................. 60
Lucas Godoy Vilela Barbosa – 48,83................................................................... 61
Vinícius Gonzalez Nobrega – 48,83.................................................................... 62
Ana Cecília Sabbá Colares – 48,66....................................................................... 63
Pedro Guilherme Bastos Menezes de Almeida – 48,66........................... 65
Nota média – Anônimo – 45,65............................................................................. 66

Translation................................................................................................................................... 68
Relatório de notas.................................................................................................................... 68
Padrão de resposta..................................................................................................... 68
Leonardo Maciura Beltrame – 15.......................................................................... 69
Anônimo – 14,5............................................................................................................... 69
Joao Pedro Portella Ribeiro Cardoso – 14........................................................ 70
Nota média – Daniel Nogueira Chignoli – 11,5............................................... 70

Version............................................................................................................................................ 71
Relatório de notas.................................................................................................................... 71
Padrão de resposta..................................................................................................... 72
Lucas Godoy Vilela Barbosa – 19,33..................................................................... 72
Pedro Guilherme Bastos Menezes de Almeida – 18,66............................ 73
André Novo Viccini – 18............................................................................................. 73
Nota média – Guilherme Dias – 15,32................................................................ 74

Summary...................................................................................................................................... 75
Relatório de notas.................................................................................................................... 75
Padrão de resposta..................................................................................................... 77
Ana Luiza Pinto Cardão – 14,65............................................................................. 78
Liz Pinhata de Souza – 14,3...................................................................................... 79
Luiza Valladares de Gouvêa – 14,3....................................................................... 80
Nota média – Vinícius Kuczera Zampier – 11,75............................................ 81

HISTÓRIA DO BRASIL........................................................................................................................ 83
Questão 1...................................................................................................................................... 84
Relatório de notas.................................................................................................................... 84
Padrão de resposta..................................................................................................... 85
João Pedro Portella Ribeiro Cardoso – 28,5 ................................................... 87
Vinícius Kuczera Zampier – 25.............................................................................. 90
Guilherme Augusto Baldan Costa Neves – 24.............................................. 92
Nota Média – Fernanda Brandão de Souza – 17.......................................... 95
Menor nota – Anônimo – 9,5.................................................................................. 97

Questão 2...................................................................................................................................... 100


Relatório de notas.................................................................................................................... 100
Padrão de resposta..................................................................................................... 101
Adriana de Medeiros Gabinio – 30...................................................................... 104
Andrea Kakitani Carbone – 27,5............................................................................ 106

3
Daniel Nogueira Chignoli – 27,5........................................................................... 109
Nota média – Vinícius Gonzalez Nóbrega – 23............................................. 111
Menor nota – Anônimo – 13,5................................................................................. 113

Questão 3...................................................................................................................................... 115


Relatório de notas.................................................................................................................... 115
Padrão de resposta..................................................................................................... 116
Gabriela Barcelos Tamoio Costa – 17.................................................................. 118
Jonas Paskauskas Werdine – 17............................................................................ 119
Mateus de Andrade Kuntzler – 16,5.................................................................... 121
Nota média – Guilherme Dias – 15...................................................................... 122
Menor nota – Anônimo – 12.................................................................................... 124

Questão 4..................................................................................................................................... 126


Relatório de notas.................................................................................................................... 126
Padrão de resposta..................................................................................................... 127
Ana Cecília Sabbá Colares – 17,5........................................................................... 128
Felipe Pereira – 17,5..................................................................................................... 130
Luiza Valladares de Gouvêa – 17,5........................................................................ 132
Nota média – André Delgado Freire – 13......................................................... 134
Menor nota – Anônimo – 4,5.................................................................................. 136

GEOGRAFIA.............................................................................................................................................. 137
Questão 1....................................................................................................................................... 138
Relatório de notas.................................................................................................................... 138
Padrão de resposta.................................................................................................... 139
Adriana Medeiros de Gabinio – 30...................................................................... 142
André Delgado Freire – 30...................................................................................... 144
Raíssa Guimarães Carvalho - 30.......................................................................... 146
Nota média – Bruno Brito da Cruz Abaurre – 28......................................... 148
Menor nota – Anônimo – 23.................................................................................... 150

Questão 2...................................................................................................................................... 152


Relatório de notas.................................................................................................................... 152
Padrão de Resposta................................................................................................... 153
Guilherme de Augusto Baldan Costa Neves – 29....................................... 155
Lucas Godoy Vilela Barbosa – 29.......................................................................... 156
Pedro Guilherme Bastos Menezes de Almeida – 29................................. 158
Nota média – Dandara Miranda Teixeira de Lima – 24,5........................ 160
Menor nota – Anônimo – 20................................................................................... 161

Questão 3...................................................................................................................................... 163


Relatório de notas.................................................................................................................... 163
Padrão de Resposta................................................................................................... 164
Leonardo Maciura Beltrame – 19......................................................................... 166
Paloma Scroccaro Costa – 18.................................................................................. 167
Andrea Kakitani Carbone – 16,5............................................................................ 169
Nota média – Bruno Brito da Cruz Abaurre – 14.......................................... 170
Menor nota – Anônimo – 11,5.................................................................................. 172

4
Questão 4................................................................................................................................................... 174
Relatório de notas.................................................................................................................... 174
Padrão de Resposta.................................................................................................... 175
Guilherme Augusto Baldan Costa Neves – 18............................................... 177
Paloma Scroccaro Costa – 18.................................................................................. 178
Aline Freitas de Paula e Silva – 17......................................................................... 180
Nota média – Mateus de Andrade Kuntzler – 14,5...................................... 181
Menor nota – Anônimo – 12.................................................................................... 183

POLÍTICA INTERNACIONAL........................................................................................................... 185


Questão 1....................................................................................................................................... 186
Relatório de notas.................................................................................................................... 186
Padrão de resposta..................................................................................................... 187
André Novo Viccini – 27............................................................................................ 190
João Pedro Portella Ribeiro Cardoso – 27....................................................... 192
Fernanda Brandão de Souza – 26,5.................................................................... 195
Nota média - Felipe Pereira – 18,5....................................................................... 197
Menor nota – Anônimo – 8,5.................................................................................. 200

Questão 2...................................................................................................................................... 202


Relatório de notas.................................................................................................................... 202
Padrão de resposta..................................................................................................... 203
Renato de Mendonça Neves – 29........................................................................ 205
Anônimo – 27.................................................................................................................. 207
Raíssa Guimarães Carvalho – 27........................................................................... 210
Nota média – Liz Pinhata de Souza – 22,5....................................................... 212
Menor nota – Anônimo – 15,5................................................................................. 214

Questão 3...................................................................................................................................... 217


Relatório de notas..................................................................................................................... 217
Padrão de resposta..................................................................................................... 218
Ana Cecília Sabbá Colares – 18,5........................................................................... 220
Gabriela Barcelos Tamoio Costa – 18,5.............................................................. 222
Vinicius Henrique Fontana – 18,5......................................................................... 223
Nota média – André Delgado Freire – 15,5...................................................... 225
Menor nota – Anônimo – 11,5.................................................................................. 227

Questão 4..................................................................................................................................... 229


Relatório de notas.................................................................................................................... 229
Padrão de resposta..................................................................................................... 230
Felipe Pereira – 15......................................................................................................... 232
André Novo Viccini – 14,5.......................................................................................... 234
Fernanda Brandão de Souza – 13,5..................................................................... 235
Nota média – Gabriela Barcelos Tamoio Costa – 10,5............................... 237
Menor nota – Anônimo – 6...................................................................................... 238

5
ECONOMIA................................................................................................................................................ 240
Questão 1...................................................................................................................................... 241
Relatório de notas.................................................................................................................... 241
Padrão de resposta..................................................................................................... 242
André Delgado Freire – 29....................................................................................... 243
Ana Cecília Sabbá Colares – 27,5.......................................................................... 245
Leonardo Maciura Beltrame – 27,5..................................................................... 246
Nota média – Paloma Scroccaro Costa – 19,5................................................ 249
Menor nota – Anônimo – 6,5.................................................................................. 251

Questão 2...................................................................................................................................... 253


Relatório de notas.................................................................................................................... 253
Padrão de resposta..................................................................................................... 254
Fernanda Brandão de Souza – 30....................................................................... 256
Otávio Forattini Lemos Igreja – 27,5................................................................... 258
Renato de Mendonça Neves – 25,5..................................................................... 260
Nota média – Vinícius Henrique Fontana – 17.............................................. 261
Menor nota – Anônimo – 0...................................................................................... 263

Questão 3...................................................................................................................................... 265


Relatório de notas.................................................................................................................... 265
Padrão de resposta..................................................................................................... 265
João Pedro Portella Ribeiro Cardoso – 17........................................................ 267
Vinicius Kuczera Zampier – 17............................................................................... 268
Bruno Brito da Cruz Abaurre – 15,5..................................................................... 270
Nota média – Anônimo – 13.................................................................................... 271
Menor nota – Anônimo – 7,5.................................................................................. 273

Questão 4..................................................................................................................................... 274


Relatório de notas.................................................................................................................... 274
Padrão de resposta..................................................................................................... 275
Adriana de Medeiros Gabinio – 20...................................................................... 277
Liz Pinhata de Souza – 20........................................................................................ 279
Renato de Mendonça Neves – 20........................................................................ 280
Nota média – Jonas Paskauskas Werdine – 16............................................. 281
Menor nota – Anônimo – 7,5................................................................................... 283

DIREITO....................................................................................................................................................... 284
Questão 1....................................................................................................................................... 285
Relatório de notas.................................................................................................................... 285
Padrão de resposta..................................................................................................... 286
Vinícius Kuczera Zampier – 29,5........................................................................... 291
Ana Cecília Sabbá Colares – 29............................................................................. 293
Anônimo – 28,5.............................................................................................................. 295
Nota média – Vinícius Henrique Fontana – 25............................................. 297
Menor nota – Anônimo – 20,5................................................................................ 299

Questão 2...................................................................................................................................... 301


Relatório de notas.................................................................................................................... 301
Padrão de resposta..................................................................................................... 302
Dandara Miranda Teixeira de Lima – 30.......................................................... 305

6
Daniel Nogueira Chignoli – 30.............................................................................. 307
Jonas Paskauskas Werdine – 30.......................................................................... 309
Nota média – Anônimo – 30.................................................................................. 311
Menor nota – Anônimo – 27................................................................................... 312

Questão 3...................................................................................................................................... 314


Relatório de notas.................................................................................................................... 314
Padrão de resposta..................................................................................................... 315
Pedro Guilherme Bastos Menezes de Almeida – 20................................. 316
Lucas Godoy Vilela Barbosa – 19,5....................................................................... 317
Patrícia Camargo de Sousa – 19........................................................................... 319
Nota média – Aline Freitas de Paula e Silva – 16,5...................................... 320
Menor nota – Anônimo – 13,5................................................................................. 321

Questão 4..................................................................................................................................... 322


Relatório de notas.................................................................................................................... 322
Padrão de resposta..................................................................................................... 324
Andrea Kakitani Carbone – 18................................................................................ 327
Luiza Valladares de Gouvêa – 16........................................................................... 328
Vinícius Kuczera Zampier – 15,5............................................................................ 330
Nota média – Otávio Forattini Lemos Igreja – 11,5...................................... 331
Menor nota – Anônimo – 6...................................................................................... 333

LÍNGUA ESPANHOLA......................................................................................................................... 334


Resumen....................................................................................................................................... 335
Padrão de resposta..................................................................................................... 338
Raíssa Guimarães Carvalho – 25........................................................................... 339
Luiza Valladares de Gouvêa – 24,5....................................................................... 340
Pedro Guilherme Bastos Menezes de Almeida – 24,5.............................. 341
Nota média – Dandara Miranda Teixeira de Lima – 19,75........................ 342

Versión............................................................................................................................................ 344
Padrão de resposta..................................................................................................... 345
Vinícius Gonzalez Nóbrega – 23........................................................................... 346
Liz Pinhata de Souza – 21,25................................................................................... 347
Renato de Mendonça Neves – 21......................................................................... 348
Nota média – Guilherme Dias – 14...................................................................... 349

LÍNGUA FRANCESA............................................................................................................................. 351


Résumé.......................................................................................................................................... 352
Padrão de resposta..................................................................................................... 353
Raíssa Guimarães Carvalho – 25......................................................................... 354
Ana Luiza Pinto Cardão – 24.................................................................................. 355
Vinícius Gonzalez Nóbrega – 24........................................................................... 356
Nota média – Aline Freitas de Paula e Silva – 16,75.................................... 357

Version........................................................................................................................................... 358
Padrão de resposta..................................................................................................... 359
Otávio Forattini Lemos Igreja – 16,75................................................................. 360
Gabriel Joaquim – 14,75............................................................................................ 361
Luiza Valladares de Gouvêa – 14........................................................................... 362

7
CACD 2017................................................................................................................................................. 363
Política internacional – Questão 4............................................................................... 364
Padrão de resposta..................................................................................................... 365
Rebeca Silva Mello – 20............................................................................................. 365
Verônica Couto de Oliveira Tavares – 20.......................................................... 367

8
9
A rma

Diplomatas Brasileiros Mateus de Andrade Kuntzler


Otávio Forattini Lemos Igreja
Paloma Scroccaro Costa
Adriana de Medeiros Gabinio Patrícia Camargo de Sousa
Aline Freitas de Paula e Silva Pedro Guilherme Bastos Menezes de
Ana Cecília Sabbá Colares Almeida
Ana Luiza Pinto Cardão Raissa Guimarães Carvalho
André Delgado Freire Rebeca Silva Mello
André Novo Viccini Renato de Mendonça Neves
Andrea Kakitani Carbone Verônica Couto de Oliveira Tavares
Bruno Brito da Cruz Abaurre Vinícius Gonzalez Nóbrega
Dandara Miranda Teixeira de Lima Vinícius Henrique Fontana
Daniel Nogueira Chignoli Vinícius Kuczera Zampier
Fernanda Brandão de Souza
Flávio Guion Corrêa
Gabriel Joaquim
Gabriela Barcelos Tamoio Costa
Giancarlo Camargo Guarnieri Diplomatas Intercambistas
Guilherme Augusto Baldan Costa Neves
Guilherme Dias Diego Sokolowicz (Argentina)
João Pedro Portella Ribeiro Cardoso Edeneia Marly Dias Gonçalves (Cabo Verde)
Jonas Paskauskas Werdine Egas Gomes Barbosa Katar (Guiné-Bissau)
Leonardo Maciura Beltrame José Luis Yánez (Equador)
Liz Pinhata de Souza Ritsuko Kawashima (Japão)
Lucas Godoy Vilela Barbosa Rolyne Kendi Mworia (Quênia)
Luiza Valladares de Gouvêa Shelby Sherelda (Suriname)

10
SOBRE O GUIA

Desde 2013, a turma de aprovados no Concurso de


Admissão à Carreira de Diplomata (CACD) lança uma
coletânea de suas melhores (e não tão melhores)
respostas nas fases discursivas, com o objetivo de
oferecer aos candidatos subsídios para sua preparação.

O guia da Ema Oblíqua e Dissimulada dá continuidade


a essa tradição, sabendo, contudo, renovar-se. Nesta
edição, as questões das disciplinas são acompanhadas
de um gráfico que compara a média das notas por
quesito de todos os aprovados com a média das três
melhores notas em cada questão entre os aprovados.

11
Introdução
12
Há uma década, as turmas do entusiasmado processo democrático,
Instituto Rio Branco mantêm a apresentamo-nos às futuras e aos
iniciativa de publicar os já famosos futuros diplomatas como elegantes
Guias, de forma tão tradicional e bravas Emas. Animais diplomáticos
que sua leitura se tornou muito e nativos da América do Sul, as Emas
apreciada por quem decide seguir a são gentis e pacíficas, mas capazes de
maratona de preparação do CACD. fazer valer seu ponto contra qualquer
Gnus, calangos, lagartixas, texugos, tirania e negacionismo. Nos jardins
canarinhos, capivaras, esperanças do Alvorada, a Ema é a defesa contra
e jacarés enriqueceram a fauna rio- as pragas, razão por que foi escolhida
branquina e continuam a auxiliar em não só pelos planejadores de Brasília,
aprovações. Nesse contexto, é comum como também por esta turma.
que esperanças tenham lido texugos,
e estes, calangos, em um ciclo sem fim Quanto aos nossos adjetivos —
que alimenta o Itamaraty, anualmente, dois, uma sutil inovação diante dos
com gente disposta a abraçar essa demais Guias —, são os mesmos
ideia corajosa de ser diplomata. que caracterizam Capitolina, ou
só Capitu, quiçá a personagem
Mas o que distingue este Guia dos feminina mais emblemática de todos
demais? A mesma especificidade que os tempos (quem é Julieta perto de
torna cada turma única: 36 pessoas Capitu?), certamente de toda nossa
que passaram anos da vida estudando literatura. Na jornada rumo ao Rio
com afinco e, agora, são convidadas Branco, cacdistas devem não só ser
a compartilhar uma longa carreira, valentes como a Ema, mas também
que superará, e muito, os temas das dominar a arte de dissimular, de
provas. Isso faz que conhecer seus ser sutil, de usar da ambiguidade,
pares seja essencial, abrangendo mais para lutar o bom combate e cumprir
do que conversas sobre os gabinetes suas missões. Além disso, aqueles
do Império ou sobre o uso apropriado que se aventuram a estudar para
de adjuntos adverbiais. Por isso, o CACD compartilham com nossa
além de apresentar as melhores (e Ema a trajetória oblíqua, tortuosa e
as nem tão melhores) respostas, este errática, mas sempre com coragem,
Guia traz informações e estatísticas personalidade e determinação.
sobre os gostos, hobbies e signos dos
membros da turma, demonstrando Sabemos que há milhares de Capitus
que quem passa no concurso também estudando para o concurso enquanto
erra, sorri, gargalha, se confunde, têm de vencer inúmeras adversidades,
acredita em astrologia, é atleta da mas não desistam: sigam sua natureza
seleção brasileira de punhobol e torce e sua potência de viver e de agir, como
pro Remo — entre outros times. aquela mulher que fez Bentinho
sentir-se vivo e apaixonado. Dessa vez,
Outro elemento que diferencia vocês não precisam ser aprisionadas
essa turma e este Guia, além das numa gaiola dourada na Suíça: podem
boas risadas que damos e das voar para onde quiserem.
histórias que vivemos no Rio Branco,
é o fato de termos o maior número
de mulheres e pessoas negras da Este Guia foi feito com muito carinho;
história do Itamaraty — um recorde esperamos que desfrutem dele.
do qual nos orgulhamos muito, mas Nos vemos em breve!
que esperamos que seja superado
em breve. Nesse sentido, após longo e

13
PERFIL DOS APROVADOS

Cada um tem uma história de vida, uma trajetória profissional,


um passado, um jeito de ser. A gente sabe que, para quem ainda
percorre essa jornada árdua (e ingrata), é muito importante
colocar em perspectiva os próprios obstáculos, limitações,
desafios e privilégios.

Não são poucos os mitos envolvendo os aprovados no CACD, e


cada um tem uma opinião sobre o concurso: só é aprovado quem
se dedica exclusivamente aos estudos? Precisamos ser fluentes
em todos os idiomas estrangeiros antes de começar a estudar? Os
aprovados são pessoas que já viveram no exterior? Cursar Relações
Internacionais é um grande diferencial? Para ser aprovado, preciso
ter gostos eruditos?

A presente seção tem por objetivo ajudar candidatas e candidatos


a solucionar algumas dessas dúvidas e trazer informações
relevantes sobre os aprovados no CACD 2022. Buscamos, aqui,
traçar um perfil da turma que poderá confirmar ou rejeitar diversos
mitos que costumamos ouvir ao longo da preparação e que, muitas
vezes, afetam a estratégia de estudos dos candidatos e mesmo a
opção de quem está se decidindo pela carreira. Esperamos que
essas informações lhes sejam úteis!

14
VISÃO GERAL DE ONDE SOMOS...

A Turma 2022-2023 é composta por


A Turma 2022-2023 do IRBr é
pessoas das 5 regiões do Brasil! Embora
composta por 36 brasileiros, dos
não seja uma situação inédita, é uma
quais 34 foram aprovados no CACD
das muitas marcas de diversidade que
2022.
nos destacam.

Na turma, temos 13 pessoas


DISTRIBUIÇÃO POR GÊNERO originárias do Sudeste, 9 do Centro-
Oeste, 6 do Sul, 5 do Nordeste e 2 do
Um dado do qual nos orgulhamos, Norte. Temos, ainda, 1 colega que
mas em que esperamos ser superados nasceu no exterior.
em breve: cerca de 42% da turma
é composta por pessoas do sexo
feminino! Trata-se do maior percentual
de mulheres da história a ingressar no
MRE!

21 homens e 15 mulheres

Falando especif icamente dos


estados federados do Norte, temos 1
paraense e 1 rondoniense; entre estados
nordestinos, temos 1 maranhense,
3 pernambucanos e 1 paraibana; já
para pessoas originadas do Centro-
Entre as cotas raciais, a proporção de Oeste, 1 goiana e 8 brasilienses; entre
mulheres supera a de homens, com 2 os estados do Sudeste, são 6 paulistas,
homens e 5 mulheres 4 fluminenses, 2 mineiros e 1 capixaba;
last but not least, os sulistas da turma
consistem em 4 paranaenses e 2
gaúchos. Não esqueçamos, claro, do
já mencionado colega que nasceu no
exterior.

Já entre as PCD, apenas homens


foram aprovados.

15
PARA ONDE FOMOS... JOVENS (DE ESPÍRITO)

Mas nem todo mundo cresceu na Foi-se o tempo em que recém-


mesma cidade em que nasceu, muito formados eram a maioria. A média de
menos começou a estudar para o idade da turma é de 29,13 anos, sendo
CACD no local de nascença. Por isso, de 29,52 anos para homens e 28,6
achamos importante incluir as cidades anos para mulheres. O mais jovem da
onde cada um realizou a maior parte turma, em 15/6/2022, tinha 24 anos de
de seus estudos para o concurso. idade, e a pessoa mais velha tinha 38.

Entre cotistas, a média de idade foi


de 28,14 anos (30 anos para homens
e 27,4 anos para mulheres) e, entre
PCDs, a média foi de 28,5 anos.

Vale destacar que, nas últimas 8


entradas do CACD, a média de idade
das turmas foi superior a 28 anos, com
tendência de crescimento.

Como se vê, 29 dos aprovados


estudaram em uma capital.

16
FORMAÇÃO DOS CANDIDATOS Além disso, dos 36 novos diplomatas, 12
concluíram pós-graduação stricto sensu.
Entre as 36 pessoas que integram
a turma do IRBr 2022, 23 possuem
formação em Direito, 4 são formadas
em Relações Internacionais, 3 possuem
formação nas áreas de Jornalismo
ou Comunicação, 2 têm graduação
em Engenharia, 2 são formados em
Ciências Sociais, 1 formou-se em
Economia e 1 graduou-se em Letras.
Importante destacar que, entre
os colegas formados em Direito, 3
possuem graduação completa ou
incompleta em outra área.

EXPERIÊNCIA NO EXTERIOR

A vivência no exterior é um dos


principais atrativos da carreira,
sendo importante motivação tanto
para aqueles que anseiam por essa
experiência quanto para quem já passou
por isso e gostou. O gráfico abaixo indica
a quantidade de aprovados que já viveu
em outros países.

Nesse sentido, a maior parte da


turma teve sua formação inicial em
universidades públicas.

17
A proporção entre aprovados que TEMPO DE ESTUDO
nunca moraram em outros países
e aprovados que já tiveram essa Aqui temos a resposta para a
experiência é a seguinte: pergunta que mais ouvimos: afinal,
você levou quanto tempo para passar?

A média consolidada dos aprovados


no CACD 2022 foi de cerca de 3,75 anos
(3 anos e 9 meses), sendo de cerca de
4,08 anos (4 anos e 1 mês) para a ampla
concorrência; 3 anos e 2 meses para
cotistas e 1 ano e 8 meses para PCD.

Entre homens e mulheres, a média


de tempo geral foi muito próxima
(3,8 anos - 45,96 meses - para eles, e
3,75 anos - 45,45 meses - para elas). Já
na ampla, essa diferença se acentua
para 4,1 anos (50,21 meses) e 3,9 anos
Entre os cotistas, as quantidades (47,5 meses), respectivamente. Entre
e proporções se distribuem na cotistas, homens levaram, em média,
seguinte medida: 2,08 anos (25 meses) para obter
a aprovação, enquanto mulheres
estudaram por 3,58 anos (43 meses).

E QUEM CONCILIOU TRABALHO


E ESTUDO?

Uma das maiores dúvidas dos


cacdistas é se é possível conciliar
trabalho e estudo. A boa notícia é que,
sim, é possível! No ano de 2023, o fato
de se trabalhar e estudar não pareceu
impactar significativamente o tempo
levado até a aprovação.

Das 34 pessoas aprovadas no CACD


2022, 9 trabalharam durante todo o
período de preparação em jornadas
superiores a 20h semanais; 2 trabalharam
durante 70% ou mais do período; 1
trabalhou entre 40% a 69% do seu tempo
de estudos; e 2 trabalharam entre 20%
a 39% do tempo de preparação. Os
demais aprovados (20 pessoas) não
Entre as PCD, todos os aprovados
desenvolveram atividades profissionais
tiveram experiência de, ao menos, 6
enquanto estudaram para o concurso.
meses no exterior.

18
PROPORÇÕES DE TRABALHO E
ESTUDO NAS COTAS RACIAIS

Entre cotistas, 3 (2 homens e 1


mulher) desenvolveram atividades
profissionais por todo o período de
estudos, 1 trabalhou de 40% a 69% do
seu tempo de estudos e 1 trabalhou de
20% a 39%. Opostamente, 2 pessoas
aprovadas pelas cotas não trabalharam.
A média de tempo entre os cotistas
que trabalharam durante quase toda
a preparação foi de 2,8 anos (34,66
meses) e entre os que não trabalharam
foi de 3,6 anos (44,5 meses).
A média de tempo de estudo das
11 pessoas que trabalharam durante
70% a 100% do tempo de preparação
foi de 3,73 anos (44,8 meses), ao
passo que, entre as pessoas que não
trabalharam, foi de 3,55 anos (42,66 PROPORÇÕES DE TRABALHO E
meses). Nos chamou a atenção o fato ESTUDO ENTRE PCD
de que, dessas 11 pessoas, 10 eram do
sexo masculino e apenas 1 era mulher. Por f im, dos 2 aprovados pela
reserva de vagas destinadas a PCD, 1
trabalhou durante toda a preparação
PROPORÇÕES DE TRABALHO e o 1 não trabalhou. Este levou 2,25
E ESTUDO NA AMPLA anos (27 meses) até a aprovação e
CONCORRÊNCIA aquele foi aprovado após 1,16 ano (14
meses) de estudo.
N a a m p l a co n co rrê n c i a , 1 7
indivíduos não trabalharam durante
a preparação, 5 trabalharam
durante toda a preparação, 2
desempenharam atividades durante
70% ou mais do tempo em que se
prepararam e 1 trabalhou por um
período de 20% a 39% do tempo em
que estudou para o CACD. Na ampla
concorrência, nenhuma mulher
trabalhou por mais de 40% do
período de preparação, enquanto os
7 indivíduos que desempenharam
atividades durante 70% a 100% dos
estudos para o CACD foram homens,
os quais levaram, em média, 5 anos
(60 meses) até a aprovação.

19
POLIGLOTA, EU?! Por quanto tempo os aprovados
estudaram francês antes de iniciar
Nem todo mundo já dominava os a preparação?
idiomas estrangeiros antes de iniciar
a preparação para o CACD. Os dados
abaixo vão mostrar que, embora
ser previamente fluente em inglês,
francês e espanhol ajude (muito) nos
estudos, não é algo tão essencial assim
para obter a aprovação (sobretudo no
caso dos dois últimos idiomas).

No nosso entendimento, o formato


atual da prova prioriza um estudo
instrumental do idioma, sendo mais
importante o domínio de como fazer
os exercícios do que o efetivo domínio
da língua. Vamos aos dados (que
incluem tanto estudo formal quanto
períodos de intercâmbio):

Por quanto tempo os aprovados


estudaram inglês antes de iniciar a
preparação?

Por quanto tempo os aprovados


estudaram espanhol antes de iniciar
a preparação?

20
ALGUNS COMPARATIVOS ÚTEIS

As informações abaixo são resultado


de pesquisa baseada em guias de
estudo anteriores. Como nem sempre
as turmas se valem dos mesmos
critérios para levantar dados, pode
haver algumas pequenas imprecisões.
Mas a intenção aqui é apenas fornecer
um norte que pode auxiliar aqueles
que gostam de ler sobre o concurso
(ou simplesmente curtem gráficos).

21
MAS NINGUÉM É DE Lamber o cotovelo
Levantar uma sobrancelha
FERRO... Memorizar bandeiras
Mexer a barriga
Se tem um mito que NÃO é Mexer a orelha
verdade sobre o CACD, é a preferência Não Tenho
(absoluta) dos aprovados por passar Not Available
finais de semana em bibliotecas lendo Organização
Guimarães Rosa ao som dos hits de Organizar tupperware
Villa-Lobos. Pensar no pior
Perceber erros de continuidade em
Abaixo, colh emos algumas filmes
curiosidades sobre a turma que vão Platinei Skyrim
mostrar que tudo bem relaxar de vez Podar arvores
em quando e se afundar em assuntos Saber quando vai chover por meio de
que, provavelmente, não vão aparecer dor no joelho
na prova. Saltos ornamentais
Sentir cheiro de frio
Slackline

TALENTOS OCULTOS

Na turma, temos atletas (quase)


olímpicos, gamers, médiuns que
adivinham as horas e o clima, pessimistas
incorrigíveis, poliglotas interespécies,
estrategistas de boardgames, além
de pessoas com superpoderes como
mexer a barriga, desaparecer de aulas
e organizar tupperwares...

Pedimos para que cada um escrevesse


um talento oculto seu, e o resultado
foi este:

Achar sempre que tudo vai dar errado


Adivinhar as horas
Atuar
Cantar rap
Cartunista
Colocar apelidos que pegam
Desaparecer de aulas sem ser vista
Encontrar vaga em estacionamentos
Estragar surpresas
Falar pelos cotovelos
Fazer artesanatos
Fazer brigadeiro de panela
Forró solo
Futebol
Ganhar no term.ooo
Jogar bem war

22
O QUE FAZEMOS EM NOSSA
INTIMIDADE
(OU NÃO): NA NOSSA DIETA NÃO PODE
FALTAR...
Como trocar os fusíveis mentais é
importante, também nos entregamos Arroz
a todo tipo de vício. Abaixo, alguns Batata Frita
hobbies que cada aprovado considera Bode guisado
ser seu guilty pleasure (muitos nem Bolinho de bacalhau
tão guilty assim): Camarão
Chocolate
90 Dias para Casar Churrasco
Almoçar Apenas Batata Frita Cuscuz com ovo e requeijão
Animes Doce de leite
Assistir The Real Housewives Of Empadão de frango
Beverly Hills Farofa
BBB Frango à parmegiana
Bolo com café depois do almoço Hamburgão
Botched Hambúrguer
Brincar com meus sobrinhos Lámen
Casamento às Cegas Macarrão com feijão
Casimiro Maniçoba
Cigarro Pad Thai
Comer cantinhos das unhas Picadinho
Comer mais de 1 kg de comida no Pirão com arroz
restaurante do IRBr Pizza
Correr Purê de batata com linguiça
De Férias com o Ex Pão de queijo
Dr. Pimple Popper Queijo com goiabada
Duelo Amendoim Risoto
Game of Thrones Steak tartare
Gossip Girl Sushi
Imóveis De Luxo Em Família (Série) Tambaqui na folha de bananeira
Keeping Up With The Kardashians
Master Chef
Memes antigos
Novelas de qualidade questionável
Padrinhos Mágicos
Reality Show
Sentir cheiro de frio
Sharknado
Slackline
Solteiros, Ilhados e Desesperados
TikTok
Tutoriais de maquiagem
Vídeos de “Tente não rir”
Vídeos de marombeiro

23
RECOMENDAMOS PARA VOCÊS
(SÉRIES FAVORITAS):
AMANTES DA SÉTIMA ARTE
Anne with an E (OU PESADELOS DE ISABELA BOSCOV):
Babylon Berlin
Better Call Saul ABAIXO, SEGUEM NOSSOS FILMES
Breaking Bad FAVORITOS:
Curb your Enthusiasm
Dark 8½
Dear White People A Paixão de Cristo
Fargo As Asas do Desejo
Fleabag Cidade de Deus
Friends Direito de Amar
Game of Thrones Era Uma Vez no Oeste
Grey’s Anatomy Gladiador
Mad Men Harry Potter
Mayday: Desastres Aéreos Hotel Transilvânia
Narcos Interestelar
One Piece King Arthur (2004)
Rise of Phoenixes Laranja Mecânica
Station Eleven Melancolia
Succession Moulin Rouge
The Big Bang Theory Nós
The Leftovers O Poderoso Chefão
The Midnight Gospel O Segredo dos Seus Olhos
The Office O Senhor dos Anéis
The Sopranos O Senhor dos Anéis - O Retorno do Rei
The Wire Orgulho e Preconceito
Os Sete Samurais
Pierrot Le Fou
O Poderoso Chefão - Parte I
O Poderoso Chefão 2
Retrato de Uma Jovem em Chamas
Shrek: A Trilogia
Taxi Driver
Terra em Transe
Up!

24
NOSSO CORAÇÃO BATE AO
RITMO DE...
NA NOSSA ESTANTE
Adriana Calcanhoto (LIVROS FAVORITOS)
Arcade Fire
Beatles A Hora e a Vez de Augusto Matraga –
Hermeto Pascoal – Bebê Guimarães Rosa
Beyoncé – Crazy in Love A Insustentável Leveza do Ser – Milan
Bob Marley Kundera
Caetano Veloso A Sombra e o Vento – Carlos Ruiz Záfon
Caetano Veloso – Um Índio As Meninas – Lygia Fagundes Telles
Chico Buarque Bíblia
Daft Punk – Giorgio by Moroder Cem Anos de Solidão – Gabriel García
Dua Lipa Márquez
Elvis Presley – Always on my Mind Copo Quebrado – Alain Mabanckou
Evidências Dom Quixote – Miguel de Cervantes
Blink-182 Emília – Patie
Guns N’ Roses – Paradise City Gente Ansiosa – Fredrik Backman
Il Divo Grande Sertão: Veredas – Guimarães
Jorge Ben Rosa
Jorge Ben Jor – O Telefone Tocou Harry Potter – J. K. Rowling
Novamente Jubiabá – Jorge Amado
Lana Del Rey La Guerra del Fin del Mundo – Mario
Lorde Vargas Llosa
Los Hermanos Libertinagem – Manuel Bandeira
Luedji Luna O Amor de Pedro por João – Tabajara
Luiz Gonzaga – Asa Branca Ruas
Não tenho O Arquipélago Gulag – Aleksandr
Caetano Veloso – Oração ao Tempo Solzhenitsyn
Os Mutantes O Mundo de Sofia – Jostein Gaarder
Péricles O Mundo se Despedaça – Chinua
Rosalía Achebe
The Beatles – Blackbird Onde Vivem os Monstros – Maurice
The Knife – Heartbeats Sendak
Thérapie Taxi Os Maias – Eça de Queirós
Toots & the Maytals – Revolution Os Miseráveis – Victor Hugo
U2 Machado de Assis (todos)
Vitor Ramil – Deixando o Pago O Retrato de Dorian Gray – Oscar Wilde
Rosa do Povo – Carlos Drummond de
Andrade
Sidarta – Hermann Hesse
The Way of Zen – Alan W. Watts
Uma Aprendizagem/O Livro dos
Prazeres – Clarice Lispector
Uma Sensação Estranha – Orhan
Pamuk

25
EU NÃO ACREDITO EM SIGNOS, MATÉRIA PREFERIDA DO CACD
POIS NÓS AQUARIANOS
SOMOS CÉTICOS OK, agora que já sabemos que um
(PERFIL ASTROLÓGICO DA TURMA): torcedor do Gama FC foi aprovado
no concurso enquanto assistia a
Leão = 7 Grey’s Anatomy, mexia a barriga e
Gêmeos = 6 almoçava batata f rita, vamos falar
Escorpião = 4 mais um pouco do concurso e contar
Libra = 4 para vocês qual matéria nós mais
Sagitário = 3 gostávamos de estudar:
Virgem = 3
Áries = 2
Câncer = 2
Capricórnio = 2
Aquário = 1
Peixes = 1
Touro = 1

DESDE CRIANCINHA
(TIME DE FUTEBOL)

Não têm = 7
América–MG = 1
Athletico Paranaense = 1
Botafogo = 2
Botafogo da Paraíba = 1
Corinthians = 1
Coritiba = 1
Flamengo = 5
Fluminense = 1
Grêmio = 1
Juventus (Mooca) = 1
Internacional = 1
E.C Novo Hamburgo = 1
Náutico = 1
Palmeiras = 2
S.E Gama Futebol Clube = 1
Santa Cruz = 1
Santos = 1
Sport Club do Recife = 1
São Paulo = 2
Vasco = 3
Remo = 1

26
A Banca
Examinadora

27
1ª Fase do CACD 2022 História Mundial
Paulo Thiago Pires Soares
Luiz César de Sá Júnior
Língua Portuguesa Renata Silva Fernandes
Alessandro Warley Candeas Rodrigo Medina Zagni
Eloisa Nascimento Silva Pilati
Simone Silveira de Alcântara Economia
Stefania Caetano Martins de R. Andrea Felippe Cabello
Zandomênico Daniel Klug Nogueira
Flávio Lyrio Carneiro
Política Internacional Luciano Martins Costa Póvoa
Danillo Allarcon Tiago Ribeiro dos Santos
Filipe Correa Nasser Silva
Geisa Cunha Franco
Giovanni Hideki Chinaglia Okado
Haroldo Ramanzini Junior
Pedro Araújo Pietrafesa 2ª Fase do CACD 2022
Rodrigo Medina Zagni
Língua Portuguesa
Geografia Alessandro Warley Candeas
Carla Gualdani André Lúcio Bento
Fernando Luiz Araujo Sobrinho Débora de Almeida Arruda
João Mendes da Rocha Neto Eufrázia de Souza Rosa
Lara Cristine Gomes Ferreira Gisela Carneiro de Magalhães
Pedro de Castro da Cunha e Ferreira
Menezes Maria Sônia Vieira Lira
Simone Silveira de Alcântara
Direito Stefania Caetano Martins de R.
Andre Pires Gontijo Zandomênico
André de Paiva Toledo Yumi Suzuki
Leandro Vieira Silva
Leonardo de Camargo Subtil Língua Inglesa
Gustavo Oliveira de Lima Pereira Andréa Teixeira dos Santos
Henrique Choer Moraes Ariane Machado Cieglinski
Língua Inglesa Camila de Oliveira Gomes
Henrique Choer Moraes Davi Rodrigues Oliveira
João Marcos Senise de Paes Leme Henrique Choer Moraes
Norma Diana Hamilton João Marcos Senise de Paes Leme
Ofal Ribeiro Fialho Júlia de Amorim Morelli
Laíse de Souza Santos
História do Brasil Lenise Fernandes
Guilherme Frazão Conduru Marcus Vinícius da Costa Ramalho
Luiz César de Sá Júnior Maria Cândida Figueiredo Moura da
José Inaldo Chaves Júnior Silva
Thales Contin Fernandes Norma Diana Hamilton
Rodrigo Medina Zagni Ofal Ribeiro Fialho
Rafael Galvão dos Santos
Rodrigo dos Santos Camilo

28
3ª Fase do CACD 2022 Direito
André de Paiva Toledo
História do Brasil André Kabke Bainy
Camila Pereira Martins Andre Pires Gontijo
Daniel Gomes de Carvalho Daiane Moura de Aguiar
Guilherme Frazão Conduru Gustavo Oliveira de Lima Pereira
Jonas Wilson Pegoraro Henrique Choer Moraes
José Inaldo Chaves Júnior Leandro Vieira Silva
Luiz César de Sá Júnior Leonardo de Camargo Subtil
Marcos Aurélio de Paula Pereira Tiago Vinícius Zanella
Rodrigo Medina Zagni Victor Ribeiro da Costa
Teresa Maria Malatian
Thales Contin Fernandes Língua Espanhola
Dulce Maria Cassilha Andrigueto
Geografia Egisvanda Isys de Almeida Sandes
Adriano Botelho Francisca Javiera Gallardo Conejera
Carla Gualdani Gabriella Nascimento Cordeiro
Daniel Féo Castro de Araújo Pereira
Ercília Torres Steinke Linda Gabriela Reis Noleto
Fernando Luiz Araujo Sobrinho Mariana Fernandes da Silva Fonseca
João Mendes da Rocha Neto Rodrigues
Lara Cristine Gomes Ferreira Paula Sarri de Araújo Farias
Valdir Adilson Steinke Rafael Sena Raposo de Melo
Sabrina Lima de Suza Cerqueira
Política Internacional
Débora Jacintho de Faria Língua Francesa
Fernanda Cristina Nanci Izidro Claudine Marie Geanne Franchon
Gonçalves Eliasane dos Santos Nogueira Patu
Filipe Correa Nasser Silva Florence Scianni Ribeiro
Giovanni Hideki Chinaglia Okado Jocileide da Costa Silva
Haroldo Ramanzini Junior Josely Bogo Machado Soncella
Marília Silva de Oliveira Khadidja Sara Sadi Valle
Matheus Hoffmann Pfrimer Maria Dara Ibiapina de Mesquita
Maurício Kenyatta Barros da Costa Sophie Céline Sylvie Guérin Mateus
Pedro Araújo Pietrafesa

Economia
Alfredo Eric Romminger
Andrea Felippe Cabello
Camila Cardoso Pereira
Daniel Klug Nogueira
Flávio Lyrio Carneiro
Luciano Martins Costa Póvoa
Luis Guilherme Alho Batista
Michele Cristina Silva Melo
Priscila Braga Santiago
Tiago Ribeiro dos Santos

29
Portuguesa
30
Se a disposição para a guerra é uma
Redação decorrência do instinto de destruição,
então será natural recorrer, contra ela,
ao antagonista desse instinto. Tudo o
Relatório de notas
Média Ampla Concorrência: 54,8 que produz laços emocionais entre as
Média Pessoas com Deficiência: 55 pessoas tem efeito contrário à guerra.
Média Candidatos Negros: 54,8 Essas ligações podem ser de dois tipos.
Primeiro, relações como as que se tem
com um objeto amoroso. O outro tipo
de ligação emocional é o que se dá
pela identificação.

Em sua forma atual, a guerra já não


Leia, com atenção, oferece oportunidade de satisfazer
o texto a seguir. o antigo ideal heroico, e no futuro,
graças ao aperfeiçoamento dos meios
de destruição, uma guerra significaria
Albert Einstein: a eliminação de um ou até mesmo de
“Existe alguma forma de livrar a ambos os adversários.
humanidade da ameaça de guerra?
É possível controlar a evolução Não se podem condenar igualmente
da mente do homem, de modo a todas as espécies de guerras; enquanto
torná-lo à prova das psicoses do houver nações e reinos que estejam
ódio e da destrutividade?” dispostos à destruição implacável de
outros, esses outros têm que se armar
Sigmund Freud: para a guerra.
“O senhor começa com a relação
entre direito e poder. Posso substituir a Mas pode não ser uma esperança
palavra ‘poder’ por violência? Conflitos de utópica que a influência desses
interesse entre os homens se resolvem dois fatores, da atitude cultural e do
mediante o emprego da violência. justificado medo das consequências
de uma guerra futura, venha a terminar
Esse é o estado original, o domínio com as guerras. Tudo o que promove
do poder maior, da violência crua ou a evolução cultural também trabalha
apoiada na inteligência. Sabemos contra a guerra.”
que houve um caminho da violência
para o direito. A humanidade trocou VENTURA, D.; SEITENFUS, R. Um diálogo entre Einstein
e Freud: por que a guerra? Santa Maria: FADISMA,
numerosas, mesmo intermináveis 2005, p. 21 e 25.
pequenas guerras por raras, mas tanto FREUD, Sigmund. Obras completas. São Paulo: Cia.
das Letras, 2010, v. 18, p. 238 - 250, com adaptações.
mais devastadoras grandes guerras.

Quando os homens são incitados


Com base na leitura dos excertos
à guerra, neles há toda uma série de
de troca de cartas entre Albert
motivos a responder afirmativamente,
Einstein e Sigmund Freud no ano
nobres e baixos.
de 1932, discorra acerca do papel
da diplomacia, fazendo referência a
Não se trata de eliminar
uma ou mais ideias mencionadas nos
completamente as tendências
textos apresentados e a momentos
agressivas humanas; pode-se tentar
históricos.
desviá-las a ponto de não terem que
se manifestar na guerra.

31
PADRÃO DE RESPOSTA
Extensão do texto: de 65 a 70 linhas.
Com base nas referências oferecidas, o
[valor: 60,00 pontos]
(a) candidato(a) deverá articular uma
ou várias ideias mencionadas nos
trechos, como causas psicológicas e
políticas da guerra, comportamento
humano, poder e violência, direito,
crescente letalidade da guerra, suas
motivações nobres e baixas, instintos
de destruição e de união, ligação
emocional, identificação, potencial de
destruição total, justificação da guerra
em alguns casos e evolução cultural.

Deve-se demonstrar o papel da


diplomacia para evitar a guerra por
meio da negociação, da aproximação
cultural/identificação, da construção
de entidades internacionais, bilaterais
ou multilaterais, da solução pacífica de
controvérsias, do direito internacional,
especialmente humanitário e de
controle de armamentos.

Poderá citar, como exemplos históricos,


o próprio momento entre guerras, que
suscitou a troca de correspondências,
a evolução do direito humanitário
(convenções de Haia e de Genebra),
o papel da Organização das Nações
Unidas (ONU) e de seus órgãos, e discutir
a construção de alianças militares
regionais. Poderá mencionar a Guerra
Fria, a desagregação da estrutura de
defesa no Leste Europeu, as teses
de globalização e paz pela expansão
de valores ocidentais – democracia,
capitalismo – e sua crítica, a ordem do
pós-Guerra Fria e sua contestação pelas
forças transnacionais do terrorismo e
pelo ressurgimento de potências rivais
dos Estados Unidos da América, no
âmbito da multipolaridade estratégica.

A alusão a teorias e a autores de relações


internacionais será bem avaliada, da
mesma forma que a citação de teses
de psicologia social que tratem da
questão da violência e dos instintos de
destruição e solidariedade humana. Da

32
mesma forma, a menção aos princípios Leonardo Maciura
constitucionais da política externa
brasileira e à sua aplicação concreta na Beltrame
história merecerão avaliação positiva. 58
Em síntese, a valorização da diplomacia A troca de cartas entre Albert
na construção da paz deve ser Einstein e Sigmund Freud ocorreu
enfatizada. Serão bem avaliadas em um período em que a diplomacia
referências ao papel da ONU e aos brasileira falhava em conter e em
princípios tradicionais e constitucionais prevenir conflitos. O questionamento
da diplomacia brasileira. de Einstein e a resposta pessimista de
Freud, que enxergava o fim das guerras
Referências:
VENTURA, D.; SEITENFUS, R. Um diálogo entre Einstein como uma ideia utópica, são, portanto,
e Freud: por que a guerra? Santa Maria: FADISMA, compreensíveis. No entanto, a
2005, p. 21 e 25.
FREUD, Sigmund. Obras completas. São Paulo: Cia. diplomacia evoluiu consideravelmente
das Letras, 2010, v. 18, p. 238-250, com adaptações. desde então. Após o final da Segunda
Guerra Mundial, a diplomacia mostrou-
se capaz de conter as tendências
agressivas humanas, de produzir
laços emocionais entre os países e
de promover a aproximação cultural.
Dessa forma, em resposta à indagação
de Einstein, torna-se evidente que a
diplomacia, ao contribuir para estreitar
os vínculos entre os povos, pode livrar
a humanidade da ameaça da guerra.

Freud sustenta que a violência é o


“estado original” do ser humano, de
modo que seria impossível eliminá-
la. Pode-se, contudo, tentar mitigá-la.
Com efeito, a diplomacia é o principal
instrumento capaz de conter as
tendências agressivas humanas. Na
Conferência de São Francisco, em 1945,
os Estados participantes lograram a
aprovação do artigo 2º, § 4º, da Carta
das Nações Unidas. Esse dispositivo
proibiu o uso da força nas relações
internacionais, embora haja exceções,
como a legítima defesa. Ademais, a
ONU inovou ao promover a criação das
operações de paz, as quais se destinam
a prevenir e a solucionar conflitos
armados. Durante a crise de Suez, por
exemplo, a UNEF-I foi essencial para
assegurar o cessar fogo. No século
XXI, a MINUSTAH, por meio do auxílio
de especialistas das mais diversas
áreas, contribuiu para aperfeiçoar as

33
instituições do Haiti. Por fim, deve-se A diplomacia tem, demais, a função
reconhecer que, durante a Guerra Fria, de promover a aproximação cultural.
Estados Unidos e União Soviética não Como, segundo Freud, “tudo o que
se enfrentaram em uma guerra direta, promove a evolução cultural também
o que só foi possível graças à existência trabalha contra a guerra”, trata-se de
de contatos diplomáticos regulares. outro aspecto que comprova o poder,
Assim, embora conflitos continuem intrínseco à atividade diplomática,
existindo, a diplomacia evitou outra de fomentar a paz. A aproximação
guerra de grandes proporções. cultural, feita por meio das missões
diplomáticas ou de feiras no exterior,
A atividade diplomática também fortalece o conhecimento mútuo e
pode ser entendida como uma inibe o desejo de se recorrer à força
antagonista ao instinto de destruição, militar. Essa foi a estratégia utilizada
uma vez que permite o segundo tipo pelos EUA durante a Segunda Guerra
de ligação emocional mencionado Mundial, quando Washington buscava
por Freud, a identificação. As missões o apoio dos países latino-americanos.
diplomáticas e as conferências A personagem Zé Carioca, por
internacionais são espaços em exemplo, aproximou o povo brasileiro
que os países podem intensificar o ao povo norte-americano. Além disso,
conhecimento recíproco e promover é frequente a prática de intercâmbio
a aproximação. Nos anos 1960, a entre academias diplomáticas, o que
Conferência das Nações Unidas gera redução de desconf ianças e
para o Comércio e Desenvolvimento intensificação das relações bilaterais.
(UNCTAD) resultou na formação do G77, Finalmente, deve-se destacar que a
grupo de países em desenvolvimento diplomacia brasileira confere papel
que, devido a interesses comuns, central a questões culturais. As novelas
pleiteava a reforma da ordem brasileiras são apreciadas em Angola,
internacional. Muitos desses países e as escolas brasileiras de futebol são
eram consideravelmente diferentes, de fatores de aproximação com a Rússia.
modo que, na ausência da diplomacia, Portanto, a diplomacia, por possibilitar
dificilmente se aproximariam. Outros o intercâmbio cultural, diminui a
blocos e agrupamentos também possibilidade do recurso à violência.
permitiram maior identificação entre
nações. A proximidade geográfica foi a O papel da diplomacia é nobre.
base para a formação do MERCOSUL, A atividade diplomática cerceia as
ao passo que, no âmbito do fórum tendências agressivas humanas,
IBAS, África do Sul, Brasil e Índia se permite a formação de laços
reconhecem como democracias emocionais e promove a aproximação
multiétnicas e multiculturais. Mais cultural. Em virtude dessas funções, é
recentemente, no contexto do conflito possível responder afirmativamente
na Ucrânia, o presidente ucraniano, à indagação feita por Einstein. A
Volodimir Zelensky, busca ressaltar diplomacia é uma forma de livrar a
a identif icação em seus discursos humanidade da ameaça de guerra,
no parlamento de diversos países. embora o esforço seja interminável,
Assim, em virtude de produzir como no mito de Sísifo. O fim completo
laços emocionais entre os povos, a dos conflitos continua a ser uma utopia,
diplomacia possui o papel de construir como pensava Freud. No entanto, os
pontes, prevenindo conflitos armados. avanços da atividade diplomática
indicam um futuro auspicioso.

34
Pedro Guilherme confiança mútua e para o desvio das
tendências agressivas humanas.
Bastos Menezes
de Almeida Um dos objetivos da Liga das
57,5 Nações, criada após a Primeira Guerra,
foi o de estabelecer um espaço onde
Estados pudessem congregar-se por
As cartas trocadas por Albert
meio da diplomacia pública. Ela foi
Einstein e Sigmund Freud são um
fundada a partir dos ideais liberais
exemplo relevante de como a Primeira
defendidos por W. Wilson, presidente
Guerra Mundial provocou novos
dos Estados Unidos à época, os quais
debates sobre a origem da guerra
deveriam guiar as ações dos Estados
e sobre a possibilidade da paz. Uma
não apenas na esfera política, mas
das consequências desses debates
também econômica. Autores liberais
foi o surgimento das primeiras teorias
da época conferiam importância
sobre as relações entre nações, por
capital à liberdade dos mares e
autores ditos “liberais” ou “realistas”. A
do comércio, por exemplo. Essas
diplomacia está no cerne da questão,
mudanças permitiriam que homens e
uma vez que constitui um âmbito
nações repreendessem seus impulsos
central no qual os Estados interagem,
violentos e, enfim, estabelecessem
e é uma ferramenta indispensável
uma “paz democrática”, noção que
para a manutenção da paz.
advinha de Kant e que se coaduna
com as expectativas de Einstein e de
Uma das causas tradicionalmente
Freud quanto à possibilidade de uma
apontadas para a Primeira Guerra é a
“evolução cultural”. A diplomacia
diplomacia secreta, a qual contribuiria
seria, portanto, a ferramenta ideal
para a desconfiança entre nações e
para a cooperação entre países e
para uma maior propensão à escalada
para a mitigação de conflitos em
de conflitos em meio a situações de
bases pacíficas.
divergência. Freud tangencia essa
questão, de certa forma, ao falar sobre
A diplomacia, porém, se mostraria
a existência de laços emocionais entre
essencial para a promoção da paz ainda
pessoas como um instinto antagônico
em outro âmbito, o da conformação
à violência enquanto recurso. A partir
de um equilíbrio de poder. Para além
desse pressuposto, Freud faz uso
da necessidade de haver mudanças
da mesma lógica de pensamento
culturais para que se evitasse a
utilizada pelos primeiros teóricos das
guerra, Freud menciona o ímpeto
Relações Internacionais: tanto liberais
inerente às nações de armarem-se
quanto realistas buscavam entender
frente a uma ameaça externa, o que
a natureza humana e projetá-la na
teóricos realistas entendiam como a
dimensão estatal, de modo a traçar
maximização de poder como forma
paralelos quanto aos seus modos de
de garantir a sobrevivência estatal.
operação. Assim o faz, igualmente,
Embora a diplomacia europeia tenha
Einstein, quando se questiona acerca
logrado criar a Liga das Nações, houve
da violência no âmbito individual
ausências importantes, e ela não foi
(“mente do homem”) e no âmbito
capaz de produzir um cenário em que
coletivo (“humanidade”). A diplomacia
a Alemanha e seus líderes se sentissem
secreta impediria que grupos
seguros. A “paz cartaginesa” imposta
humanos organizados em Estados
por Grã-Bretanha e França agiu em
construíssem tais laços emocionais
sentido contrário, e pode ser entendida
necessários para a formação de
como um condicionante relevante

35
para o novo conflito que se seguiu, Mateus de
uma vez que ela intensificou aquilo
que Einstein chamou de “psicoses do Andrade Kuntzler
ódio e da destrutividade”. 56,7
Freud aventa a possibilidade de A partir da criação da Liga das
aperfeiçoamento dos meios de Nações em 1919, o principal objetivo da
destruição de guerra e da aniquilação humanidade passou a ser a prevenção
mútua de adversários, o que viria a da guerra. Em 1932, em carta dirigida a
concretizar-se com a invenção das Sigmund Freud, Albert Einstein reflete
armas nucleares e da consequente essa meta ao perguntar qual seria a
configuração da “destruição mútua maneira de evitar conflitos armados.
assegurada”. Einstein teve papel Em sua resposta, Freud menciona que
importante nesse processo, não o número de conflagrações poderia
apenas por suas contribuições teóricas ser reduzido por meio da promoção
que permitiram o desenvolvimento do amor e da identidade, os quais
tecnológico nuclear, mas também amenizariam as tendências agressivas
por sua carta enviada a Roosevelt, do homem. Freud, porém, esqueceu-
no sentido de incentivar os norte- se de mencionar o papel da diplomacia,
americanos a criar tais armamentos, pois ela sempre foi a principal razão de
uma vez que a possibilidade de que os humanos terem vivido prolongados
a Alemanha nazista o f izesse se períodos de paz. Logo, embora ainda
prenunciava catastrófica. existam conflitos, a principal função da
diplomacia é evitar a guerra por meio
A troca de cartas entre Einstein e da valorização do amor entre as nações
Freud traz reflexões atuais acerca das e de uma identidade global pacífica.
origens e consequências da guerra. O amor, em âmbito internacional, é
Ainda que haja divergências teóricas representado por relações fraternais
a esse respeito, a diplomacia constitui- entre os países, enquanto a identidade
se central para a manutenção da pacífica é entendida como sendo o
paz. Para tanto, ela é indispensável enaltecimento da proibição à guerra.
à promoção da cooperação entre
Estados nos âmbitos bilateral, regional A diplomacia tem a capacidade de
e multilateral, mas também ao evitar guerras, pois promove o amor
estabelecimento de um equilíbrio de entre os povos. Durante o período
poder que proporcione segurança a no qual Getúlio Vargas esteve no
todas as nações. governo do Brasil, a diplomacia do
país era fortemente influenciada pelo
Positivismo, ideologia que enaltece o
amor, a ordem e o progresso. Como
consequência, o Brasil evitou a guerra
entre Peru e Colômbia ao mediar a
controvérsia territorial sobre a região
de Letícia. O diplomata brasileiro
Af rânio Franco logrou impedir a
conflagração armada, pois evidenciou
as relações de f raternidade entre
Peru e Colômbia, países andinos
com origens semelhantes. Apesar
da diplomacia brasileira não mais

36
orientar-se pelo Positivismo, na valorização do amor e do pacifismo
atualidade, os servidores brasileiros no plano internacional. O presidente
ainda buscam promover o amor Emmanuel Macron, por exemplo,
e a irmandade. Prova disso é o dissolveu a instituição responsável pela
envolvimento do Brasil na Conferência formação de diplomatas na França,
de Anápolis durante o governo de expondo sua nação à violência, já que os
Lula da Silva, ocasião na qual o Brasil assuntos externos do país poderão ser
salientou o laço f raternal entre os conduzidos por funcionários públicos
povos árabes e muçulmanos com o sem experiência diplomática. Como
intuito de evitar o recrudescimento não estão habituados à diplomacia,
do conflito na Palestina. Portanto, ao esses servidores não sof reram a
valorizar o amor, a diplomacia é capaz influência do amor e do pacifismo
de fortalecer a paz. próprios à atuação do diplomata.
Logo, a guerra ainda ocorre em função
A propósito, mesmo quando a da ausência da diplomacia, e não em
diplomacia falha em salientar o amor razão da falha dela.
entre os povos, ela pode impedir a
guerra, pois o exercício de relações Desse modo, percebe-se como
diplomáticas cria uma cultura o amor e a identidade pacif ista
pacifista. A Organização das Nações promovidos pela diplomacia são
Unidas (ONU), um dos principais capazes de evitar conflitos armados.
espaços de atuação diplomática, Ademais, se conflitos ainda acontecem,
comprova a criação dessa identidade isso não se deve à diplomacia, mas sim
voltada à paz, pois, em sua Carta, à falta dela. Portanto, a diplomacia é
proíbe a solução de controvérsias e sempre será a principal responsável
por meio do uso da força. Logo, todo por impedir o flagelo da guerra.
representante de seu país na ONU, por
meio de um processo de aculturação,
é gradualmente influenciado pelo
pacifismo vigente nessa instituição.
Essa cultura orientada à proscrição
da violência também se verif ica
em âmbito sul-americano, vista a
diplomacia praticada no Mercosul.
Inicialmente um bloco comercial, ele
rapidamente se inclinou ao pacifismo
por meio da diplomacia. Evidência
disso foram os Protocolos de Brasília e
Olivos, que, respectivamente, criaram
e reformaram um mecanismo regional
pacífico de solução de controvérsias.
Portanto, a diplomacia, amplamente
exercida em órgãos internacionais,
também evita ações armadas, pois
cria uma identidade pacifista.

No entanto, embora a diplomacia


contribua para a paz, ainda ocorrem
conflitos internacionais. Isso acontece,
pois há países que desprezam a
atuação de diplomatas, coibindo a

37
Gabriel Joaquim o Oriente como uma das razões
da violência contra estrangeiros
56 identificados como orientais. Hannah
Arendt, por sua vez, conceituou a
Por haver enganado a morte em “Banalidade do Mal”, para af irmar
duas ocasiões, Sísifo sof reu uma que o seguidor ideal do fascismo não
condenação exemplar de Zeus. é o indivíduo fanatizado, mas, sim,
O humano foi obrigado a repetir, o burocrata padrão que perdeu a
eternamente, a atividade de tentar capacidade de diferenciar realidade
empurrar uma pedra até o cume e ficção. Seguindo ordens de seus
de uma montanha; pouco antes de superiores, Eichmann promoveu a
concluir a tarefa, contudo, Sísifo perde desumanização do outro durante
as forças, e a pedra rola até a base do a Segunda Guerra Mundial. À
monte. O episódio mostra a repetição diplomacia, caberia construir relações
estéril de uma atividade que nunca culturais entre os alemães e os
alcança seu objetivo de maneira povos que desumanizaram, como
integral. Analogamente, nas relações judeus e eslavos. Frequentemente,
internacionais, a diplomacia atua o desconhecimento cultural é
como um Sísifo: conquanto busque acompanhado pela securitização do
alcançar a paz perpétua, a guerra tema, no plano dos Estados.
sempre se impõe como circunstância
inescapável das relações humanas. A diplomacia tem a função de
Considerando a recorrência “das enunciar os interesses securitários de
psicoses do ódio e da destrutividade”, um país, para que as demais nações
Albert Einstein questionou Sigmund não violem sua soberania. Trata-se
Freud sobre a possibilidade de do “medo das consequências de
alteração da mente humana, para uma guerra”, referenciado por Freud.
que se proscreva a guerra. Apesar Segundo o paradigma realista do
de considerar improvável, Freud estudo das relações internacionais,
acreditava que o fenômeno das guerras os Estados pensam em termos
poderia ser extinto. Hoje, noventa de balança de poder. O equilíbrio
anos depois da troca de cartas entre de poder militar, garantido pelo
Einstein e Freud, a guerra ainda é um desenvolvimento das armas de
fenômeno recorrente; a diplomacia, destruição em massa, inviabilizou
portanto, segue desempenhando o enf rentamento direto entre EUA
papel essencial para que, diante do e URSS durante a Guerra Fria. Os
par antitético violência-direito, a lei diplomatas russos e norte-americanos
prevaleça sobre o poder. foram responsáveis por comunicar uns
aos outros os interesses securitários
A diplomacia serve para construir de seus países. Na Crise dos Mísseis,
relações entre diferentes grupos os norte-americanos conseguiram
humanos, de forma a evitar a comunicar que a instalação de silos
desumanização do outro. Trata-se da nucleares em Cuba representava um
“atitude cultural”, referenciada por risco muito grande aos EUA e que
Freud na troca de cartas. É preciso não seria tolerada. Em contrapartida,
fomentar o conhecimento mútuo os soviéticos obtiveram a remoção
entre diferentes sociedades, para de mísseis da Turquia. Sob o risco
que se evitem as armadilhas do de destruição mútua, a diplomacia
“Orientalismo”. Cunhado por Edward serviu para comunicar os interesses
Said, o conceito descreve a falta de securitários de cada nação, de forma
conhecimento do Ocidente sobre a evitar uma guerra nuclear. Além do

38
diálogo durante a crise, os diplomatas comunidades diferentes, comunicar os
passaram a desenvolver regras de interesses securitários de seus países
restrição aos seus arsenais nucleares. e formular regras internacionais são
as ferramentas de que a diplomacia
A diplomacia tem o papel de criar dispõe, para que o direito prevaleça
normas internacionais que promovam sobre a violência.
a lei em detrimento do uso da força.
Trata-se da evolução da violência para
o direito, referenciada por Freud na
troca de cartas. Após os horrores da
Segunda Guerra Mundial, diplomatas
de todo o mundo assinaram a Carta
das Nações Unidas. Pela primeira
vez, acordou-se a proscrição geral
da guerra, positivada no art. 2 (4) do
documento. De acordo com teóricos
liberais das relações internacionais,
as instituições podem reforçar a
defesa da paz; Keohane afirma que
o aprofundamento das relações cria
uma “interdependência complexa”
capaz de mitigar a ocorrência de
guerras. Apesar de a ONU haver sido
capaz de evitar a ocorrência de outra
guerra sistêmica desde 1945, conflitos
de dimensões menores foram
recorrentes. A invasão do Iraque pelos
EUA ocorreu em flagrante violação da
Carta da ONU, e coube à diplomacia
buscar soluções para que o ilícito não
se repetisse. A recente invasão da
Ucrânia pela Rússia foi condenada
pela Assembleia Geral das Nações
Unidas; o conflito serve para lembrar
que, diferentemente da crença de
Freud, a guerra segue presente nas
relações internacionais.

Em O Mito de Sísifo, Albert Camus


ressignif icou a f igura do homem
condenado à punição eterna. Para o
filósofo francês, é preciso imaginar
Sísifo feliz. Apesar de f racassar
eternamente, Sísifo ganha consciência
do valor de sua tarefa toda vez que
desce a montanha, para recomeçar
seu labor. Os diplomatas, como
Sísifos felizes, devem esforçar-se para
obter satisfação em sua interminável
tarefa de promoção da paz perpétua.
Construir relações culturais entre

39
Ana Luiza Pinto Cardão contribuiu para o aumento do diálogo
entre vizinhos que compartilham uma
55,5 fronteira extensa, estabelecendo as
bases para um processo gradual
Em uma carta endereçada a de construção de conf iança e de
Sigmund Freud, o físico Albert Einstein integração. Além da mediação, existem
apresenta um questionamento sobre outros meios pacíficos para a resolução
a possibilidade de erradicação guerra. de problemas, como os bons ofícios, as
Segundo o historiador John Keegan, negociações diretas, a arbitragem e os
em Uma história da guerra, os conflitos tribunais internacionais. Fortalecê-los
são algo inerente à natureza humana à significaria multiplicar os elementos
vida em comunidade. Essa ideia vai ao de desvio das tendências agressivas
encontro da argumentação proposta humanas mencionados por Freud.
por Freud, que acredita que a violência
é o estado original da existência O psicanalista destaca, também,
humana. O psicanalista, nesse sentido, o medo das consequências de uma
propõe a criação de mecanismos que guerra como um desincentivo ao
desviem as tendências agressivas conflito. Durante o período da Guerra
das pessoas, de modo que se recorra, Fria, o conflito ideológico entre os
cada vez menos, à guerra. Para que Estados Unidos e a União Soviética
isso seja possível, é necessário um acarretou uma corrida armamentista,
esforço, para estabelecer uma cultura que, por sua vez, fez as potências
avessa à guerra, fundamentada na desenvolverem armas nucleares cada
ampliação dos contatos entre os povos vez mais destrutivas. Nesse contexto,
e em princípios avessos à violência. a diplomacia pode exercer um papel
A diplomacia é um instrumento de conscientização da comunidade
indispensável para a construção da internacional, enfatizando os riscos
paz, uma vez que favorece o processo existentes e provendo informação
de evolução cultural que, um dia, pode conf iável aos governantes. A ação
levar ao fim da guerra. diplomática teve uma função
essencial na construção do regime
Segundo o general prussiano Karl internacional de não-proliferação
von Clausewitz, a guerra acontece, nuclear, por meio de tratados que
quando a política não fornece um não só falam sobre o desarmamento,
meio adequado de solução de mas também exigem que os Estados
problemas entre os Estados. Nessa detentores de tecnologias nucleares
lógica, a sociedade internacional apresentem relatórios transparentes
precisa ampliar os meios pacíficos de sobre seu arsenal e sobre suas políticas
solução de controvérsias, reduzindo de segurança. Além da assinatura do
os interesses políticos de empregar Tratado de Não-Proliferação Nuclear,
a violência. A diplomacia dá aos em 1967, que inaugurou uma fase de
Estados maneiras alternativas de maior estabilidade, na Guerra Fria, a
resolver suas disputas, reduzindo a diplomacia levou os Estados Unidos
ocorrência de guerras. Na década de e a União Soviética a adotarem, ao
1980, por exemplo, o Vaticano mediou longo das décadas de 1970 e de 1980,
as negociações sobre o Canal de uma série de acordos que diminuíam
Beagle, território reivindicado pela o alcance de mísseis que levam armas
Argentina e pelo Chile. Evitou-se, nucleares. Isso foi consequência
dessa forma, a eclosão de um conflito da ampliação do medo dos efeitos
que desestabilizaria toda a América do catastróficos que um ataque nuclear
Sul. Em vez disso, a diplomacia papal poderia causar.

40
Uma diplomacia bem-sucedida paz. Nesse processo, a diplomacia é
contribui para a construção de uma um elemento inescapável e valioso,
sociedade internacional que tenha visto que funciona como principal
a paz como princípio comunitário. mecanismo coordenador das relações
O internacionalista britânico Hedley entre os Estados. Nos dias atuais, seu
Bull fez uma diferenciação entre os trabalho pode, inclusive, ser facilitado
conceitos de sistema internacional pela revolução tecnológica nos meios
e de sociedade internacional. Se, de comunicação, que ampliam os
por um lado, o primeiro se define, contatos entre os povos. Cabe, agora,
apenas, como um grupo de Estados à própria humanidade decidir se quer
em interação, por outro, o segundo utilizá-la para tornar a guerra um
destaca-se pela existência de fenômeno em desuso.
princípios, regras, normas e valores
comuns. Essa ideia de sociedade
internacional coaduna-se com a análise
de Sigmund Freud, que exalta o papel
da evolução cultural contra a guerra.
Após a Segunda Guerra Mundial, a
diplomacia norte-americana apoiou-
se em uma proposta de ordem
mundial liberal, em que instituições
como a Organização das Nações
Unidas incorporariam e promoveriam
princípios como o multilateralismo, a
igualdade soberana, a solução pacífica
de controvérsias e a paz. Embora a
ONU não tenha conseguido evitar a
ocorrência de conflitos, ela reduziu seu
número e criou limitações importantes
de conduta dos Estados, como a
proibição da anexação territorial por
guerra e o fortalecimento do Direito
Internacional Humanitário. Desse
modo, ela representa uma contribuição
importante da diplomacia para o
estabelecimento de uma cultura de
repúdio à violência.

Em 2022, o diálogo entre Albert


Einstein e Sigmund Freud sobre a
necessidade de livrar a humanidade
do flagelo da guerra continua atual.
Malgrado alguns avanços jurídicos
e políticos, alcançados ao longo do
século XX, uma boa parte dos líderes
mundiais continua a considerar o
recurso à violência uma possibilidade
de ação. Freud estava certo, ao
af irmar que a sociedade precisa
estar informada sobre os riscos da
guerra e construir uma cultura de

41
NOTA MÉDIA para a sobrevivência não apenas dos
dois países, mas também de todos os
Patrícia Camargo outros que seriam afetados por uma
de Sousa guerra nuclear.
54,7 Igualmente, o papel mediador da
diplomacia, por tratar as partes de
A diplomacia é tradicionalmente
um conflito como iguais, possibilita
associada à prevenção de conflitos
a implementação de soluções de
armados. De fato, a diplomacia
compromisso, nas quais nenhum
desempenha papeis diferentes, mas
lado tem a vitória absoluta. Isso
complementares, que contribuem
é particularmente relevante em
para o arrefecimento de tensões no
conflitos de menores dimensões
mundo inteiro. Isso porque, como
que apresentam certa continuidade,
advertiu Sigmund Freud a Albert
os quais Freud considera tão graves
Einstein em 1932, o avanço das
quanto aqueles provocados por guerras
tecnologias implica a eliminação
maiores. Na Questão de Letícia, por
mútua dos adversários em conflitos
exemplo, Equador, Colômbia e Peru,
militares e as guerras sem resolução
em diferentes graus de intensidade,
têm consequências trágicas. Para
disputaram, por décadas, território
a psicólogo, o estreitamento dos
próximo à fronteira brasileira. Como
laços emocionais entre as pessoas
o impasse militar impedia a vitória
figura como alternativa à guerra. A
definitiva de um dos lados, a questão
diplomacia, portanto, é capaz de atuar
só foi resolvida por completo após
nessas três frentes de solução pacífica
ação diplomática de países da região,
de controvérsia, o que tem reflexos
inclusive o Brasil, que temiam o
positivos na sociedade internacional
transbordamento de conflito pela
como um todo.
Amazônia. A paz sem vencedores,
portanto, foi consequência direta da
De forma geral, o papel da
diplomacia regional, que pôs fim ao
diplomacia pode ser associado à
último conflito territorial sul-americano
própria necessidade de sobrevivência
decorrente do colonialismo ibérico.
do Estado, o que se reflete na
prevenção de conflitos. Como recorda
Além disso, a diplomacia também
Freud, algumas guerras são capazes
tem o papel de aproximar culturas,
de destruir não apenas um adversário,
conquistando corações e mentes para
mas todos os combatentes. No
além das fronteiras de um Estado. Para
contexto da Guerra Fria, por exemplo,
Freud, a criação de laços emocionais é a
havia a percepção de que um conflito
própria antítese da guerra, o que pode
entre os EUA e a URSS conduzia à
ser verificado em ações de diplomacia
destruição mútua dos envolvidos.
cultural no Leste Asiático, por exemplo.
Como consequência, foi nesse período
Termos como “Hanfeng”, na China, e
que os contatos diplomáticos entre os
“Hallyu”, na Coreia do Sul, englobam
países se intensificaram, culminando
uma série de ações diplomáticos que
na prática, vigente até hoje, de
visam a apresentar a cultura desses
acordos de redução de armamentos
países para a região, promovendo
nucleares. Nesse momento, a
a ideia de uma identidade asiática
diplomacia foi o meio pelo qual os
comum, baseada na filosofia budista e
EUA e a URSS desenvolveram certo
confucionista, mesmo após séculos de
grau de confiança mútua, evitando
guerra. Isso tem reflexos importantes
a escalada de tensões e contribuindo
na estabilidade da região, que, em

42
que pese a ausência de mecanismos
formais de solução de controvérsias,
vem construindo canais diplomáticos
informais, inclusive com a participação
de artistas dos países asiáticos.

Assim, há relação direta entre


prevenção de conflitos e os papeis
desempenhados pela diplomacia.
A depender do tipo de conflito, a
diplomacia pode ser instrumentalizada
para a proteção da integridade dos
Estados, a medicação entre iguais e a
aproximação cultural. De forma geral,
os reflexos dessa atuação são positivos
para toda a comunidade internacional.
Como explicou Freud, tudo que
promove a evolução cultural colabora
para a prevenção de guerras, e a
diplomacia, com seus diversos papeis,
está na dianteira desse processo.

43
O Expressionismo teve as suas raízes
Resumo no início do século (1903 em Dresde;
1906 em Berlim, com o grupo Die
Brucke; e alongou-se até a faixa de
Relatório de notas
Média Ampla Concorrência: 18,4 1920). Fiel aos seus fundamentos de
Média Pessoas com Deficiência: 16,7 “expressar sentimentos”, o movimento
Média Candidatos Negros: 17,6 veio recolhendo tendências plásticas
diversas. Enriqueceu-se com
experiências novas. Algumas fases
da sua evolução se caracterizam com
integrações exóticas. Cores vibrantes
invadem as telas, com erupções
desbordantes. Quebram-se estruturas,
Leia, com atenção, envolvidas em massas convulsas. O
o texto a seguir. Expressionismo toca profundidades.
Nele predominam, geralmente, as
formas trágicas. Um ensaísta francês
A arte moderna veio de longe, classificou-o de “um simples fauvismo
seguindo os caminhos da máquina. mais violento”.
Relacionou-se com o processo técnico,
em um contínuo encadeamento de Quando veio a guerra (1914), as
causas e efeitos. Foram surgindo, forças de destruição refletiram-se,
consequentemente, problemas de necessariamente, no espírito da
representação plástica das mais geração montparnasiana. Esta, em
variadas formas. uma fúria vanguardista, conduzia as
novas representações plásticas no
Em uma primeira fase, procurou- caminho da desagregação. A arte
se representar o objetivo dentro de espelhava um mundo convulso tocado
formas geométricas puras. A realidade de angústia humana, com dramas
ficou reduzida a um tipo de natureza- profundos e arrasado pelo choque de
morta, com a supressão da atmosfera massas brutas.
envolvente. Desse tipo de cezanismo,
com formas geometrizadas, alcançou- O grupo Dadá (composto, em parte,
se gradativamente o Cubismo, de de subartistas apátridas, refugiados em
caráter estático, chamado também um Cantão suíço, em 1916) aproveitou-se
“pintura a duas dimensões”, isto é, da confusão para fazer uma tábula rasa
pintura de volumes em superfícies de valores. Do Café Voltaire, em Zurich,
planas, com decomposições de objeto. os dadaístas soltavam manifestos.
Proclamavam, arrogantemente, a
Quase ao mesmo tempo, surgiu, antiarte. As suas demonstrações levavam,
na Itália, o Futurismo, em perfeita geralmente, à tônica de sarcasmo
concomitância com a máquina. ou burla. Nas revistas do grupo (391,
Trouxe consigo realizações plásticas Canibale), entretinham-se em elogios
fascinantes, com a predominância dos cataclismos. Exaltavam, com um
de formas dinâmicas, de alto valor sentido anarquista, as formas homicidas.
expressivo. O seu ruído, de caráter
polêmico, teatral, declamatório, Este movimento, com as heranças
acordou o interesse público da guerra, derivou, mais tarde, para
internacional para os problemas da o Surrealismo (registrado por alguns
arte moderna. críticos como filho bastardo de Dadá).
Reduziu o mundo real ao imaginário

44
com aspirações obscuras. Fechou a sua força industrial, pelos setores
parênteses às ideias cartesianas, que urbanos. Mas o espírito moderno (no
ainda prevaleciam nas letras e nas artes. período anterior a 1922), em suas tímidas
“O homem não é mais prisioneiro da sua vacilações, não havia penetrado nos
razão” (André Breton). Abriu portas ao seus hábitos de atividade, em sintonia
subconsciente, para a fermentação de com a sua evolução material. Estava
ideias intuitivas. Esfinges interrogando embrionário. Ocultava-se, entre resíduos
interioridades humanas. passadistas, vago e desajustado.

Paris, o centro magnético da Europa, Por volta do ano de 1917, em plena


agitava-se, direta ou indiretamente, guerra, veio ao Brasil, como Enviado
com essa multiplicidade de escolas. Plenipotenciário, Paul Claudel, para
cuidar dos interesses da França
Manifestações nos domínios da arte, (arrendamentos de navios confiscados
por vários cantos do mundo, tinham da Alemanha; transações de café com
seus reflexos na grande cidade. Essa a firma Prado Chaves etc.).
situação se repetia desde as primeiras
tentativas de arte moderna, em busca Veio, com ele, Darius Millaud,
de maior poder expressivo. como adido cultural da Missão. De
chegada, Millaud tomou carinho pelas
Nessa fase de inquietações, nos coisas brasileiras. Fascinou-se pelas
começos do século, os cafés da rive formas tropicais. Em horas vagas,
gauche animavam-se em controvérsias fazia excursões com Claudel pelas
teóricas. Os artistas discutiam ideias Paineiras, Tijuca, imediações do largo
que resultavam de novas experiências do Boticário e pelo Jardim Botânico.
plásticas. Telas do grupo de vanguarda Encheu os quintais da Embaixada, à rua
eram recusadas pelo Salão Oficial. A Paissandu, com folhagens de plantas
crítica consagrava artistas, sob um jogo exóticas. Amigos lhe arranjaram uma
de influências. Mas as novas teorias iam coleção de araras e tucanos. Nas suas
ganhando terreno. Algumas escolas iam relações com gente jovem e de instinto
caindo em descrédito. Cediam lugar a boêmio, contagiou-se com músicas
outras, em transformações contínuas. de Carnaval, que desciam dos morros,
em ritmos novos, em um cerrado de
Enquanto Paris se agitava dentro contraponto de tambores.
de novas correntes culturais, no Brasil
somente algumas poucas áreas Frequentemente, Claudel e Millaud
eram sensíveis a essa inquietação. iam à casa dos Betim Pais Leme,
Pressentia-se, em vibrações vagas, a onde passavam restos de tarde. Dona
necessidade de substituir a expressão Isar, com uma apurada sensibilidade
artística por formas mais evoluídas. musical, trazia, em revista, sambas e
outros fragmentos de Ernesto Nazaré
São Paulo, em problemas de arte, e Tupinambá. A casa dos Pais Leme
permanecia ainda em um velho oferecia um ambiente delicioso, para
conformismo, amarrado a formas essas duas personalidades. Estavam
antiquadas, em contradição com a aprendendo lições de Brasil...
sua pujança econômica. Guardava
posições acadêmicas, em uma rigorosa Quando Millaud voltou à Europa,
sujeição aos preceitos rotineiros. levou consigo a tônica da nossa
música. O ritmo do samba, em novas
Os andaimes se projetavam, cada estilizações, estendeu-se pela sua obra
vez mais altos. As chaminés afirmavam (publicou os Souvenirs du Brésil e

45
Notes sans musique). A marchinha Boi De volta a São Paulo, traziam consigo
no telhado transformou-se no famoso peças adquiridas, de pintura figurativa
Boeuf sur le toit. Mais tarde, virou boate ou de correntes abstracionistas. E
que, por uns tempos, foi em Paris ponto explicavam aos amigos os princípios
de reunião de elementos de vanguarda: básicos desses movimentos. Com as
Apollinaire, Cocteau, Léger, o próprio novas tendências plásticas, o artista
Darius Millaud e outros. estava em pleno domínio de expressão,
isto é, podia exprimir livremente as
As conversas do grupo semearam suas criações, com maneiras que
entusiasmos geográficos. Narrava-se lhe eram peculiares, emancipado de
um Brasil imaginário, cheio de paisagens qualquer formulário estilístico.
coloridas, como um país de utopia.
BOPP, Raul. Vida e morte da antropofagia. José Olym-
pio. Edição do Kindle, com adaptações.
“A terra é de tal maneira graciosa.”

Trenzinhos subindo o Corcovado. Redija, com as suas próprias


Lá em cima, os paredões de rocha palavras, um resumo do texto.
viva, com esculturas monolíticas. E
a cidade imensa se estendendo, em
sínteses geométricas, pela beira do
mar. Sambas por toda parte.

Essas digressões iam se repetindo,


com a créscim os in dividuais.
Espalharam-se por outros grupos. Os Extensão do texto: de 35 a 50 linhas.
próprios brasileiros, que faziam suas [valor: 20,00 pontos]
férias em Paris, começaram a gostar
desse “Brasil” cordial, narrado na sua
frescura primitiva.

Havia, em São Paulo, uma pequena


elite culta, que ia e vinha todos os
anos da Europa. Uma seminobreza
rural, com longas tradições de
família, florescia à base do café. Eram
tempos tranquilos e de fartura plena.
Latifúndios opulentos. Cafezais a se
perderem de vista.

O reduzido grupo de pessoas de bom


gosto e cultas, que fazia regularmente
as suas viagens transatlânticas, não
f icava indiferente aos fatos mais
notórios da vida artística europeia.
Ouviam os diálogos de um mundo em
plena transformação.

Em contato com artistas de


vanguarda, procuravam conhecer
as várias modalidades da pintura
moderna e suas sutilezas técnicas.

46
PADRÃO DE RESPOSTA Nesse contexto, Paris agitava-se
com essa multiplicidade de escolas. As
A arte moderna veio de longe, manifestações artísticas dos diversos
assim como a máquina. A princípio, locais do mundo se refletiam na
empregaram-se formas geométricas cidade. Novas teorias iam ganhando
puras. A realidade era representada terreno, ao passo que algumas escolas
como um tipo de natureza-morta iam caindo em descrédito, cedendo
– um tipo de cezanismo que lugar a outras.
gradativamente alcançou o Cubismo,
de caráter estático, considerado No Brasil, somente algumas
“pintura a duas dimensões”. poucas áreas eram sensíveis a esses
acontecimentos. Apenas vagamente,
À mesma época, na Itália, surgia o sentia-se a necessidade de substituir
Futurismo, em que predominavam a expressão artística por formas
formas dinâmicas, de alto valor mais evoluídas. São Paulo, em um
expressivo, e cujo ruído despertou velho conformismo e amarrado a
o interesse público internacional formas antiquadas, ainda se sujeitava
para os problemas da arte moderna. rigorosamente aos preceitos rotineiros.
Já no início do século 20, surgiu o A força da indústria, cada vez mais,
Expressionismo, movimento cujos tomava conta da cidade, mas o espírito
fundamentos consistiam em “expressar moderno ainda não havia penetrado
sentimentos”, além de recolher nos seus hábitos de atividade.
tendências plásticas diversas. Entre
as novas experiências, encontram-se Por volta do ano de 1917, em plena
as integrações exóticas, o uso de cores guerra, vieram ao Brasil Paul Claudel,
vibrantes, as erupções desbordantes. para cuidar dos interesses da França, e
Predominam as formas trágicas, o que Darius Millaud, como adido cultural da
levou o movimento a ser caracterizado Missão. Millaud agradou-se das coisas
como “um simples fauvismo mais brasileiras e das formas tropicais do
violento”. Quando a guerra teve início, País, o que o levou a fazer excursões
em 1914, as novas representações pelas Paineiras e pelo Jardim Botânico,
plásticas trilharam o caminho da entre outros lugares. Passou a cultivar
desagregação, espelhando um mundo folhagens de plantas exóticas e chegou
convulso tocado de angústia humana, a ser presenteado com uma coleção de
com dramas profundos, arrasado. araras e tucanos. Encantou-se pelas
músicas de Carnaval. Aprendeu lições
O grupo Dadá – ou os dadaístas –, de brasilidade na casa da família Betim
em 1916, começou a soltar manifestos, Pais Leme, aonde ia frequentemente
proclamando a antiarte; geralmente, à com Claudel.
tônica de sarcasmo ou burla. Exaltavam,
com um sentido anarquista, as formas De volta à Europa, Millaud levou
homicidas. Deste movimento derivou consigo a tônica da música brasileira:
o Surrealismo, que foi considerado por publicou os Souvenirs du Brésil e
alguns como “filho bastardo de Dadá”. Notes sans musique) e transformou
O Surrealismo reduziu o mundo real ao a marchinha Boi no telhado no
imaginário, com aspirações obscuras, famoso Boeuf sur le toit, local que se
e deixou de lado as ideias cartesianas, transformou em ponto de reunião
ainda prevalentes nas letras e nas artes. de elementos de vanguarda, como
Apollinaire, Léger, entre outros que
narravam um Brasil imaginário, cheio
de paisagens coloridas.

47
Os próprios brasileiros, de férias em Luiza Valladares
Paris, afeiçoaram-se a esse “Brasil”
cordial. O reduzido grupo de pessoas de Gouvêa
que viajava regularmente à Europa não 20
ficava indiferente aos fatos mais notórios
da vida artística europeia. Na volta ao Em Vida e morte da antropofagia,
País, traziam peças de pintura figurativa Raul Bopp argumenta que a arte
ou de correntes abstracionistas e moderna remonta ao processo técnico
explicavam aos amigos os princípios característico das máquinas, o que
básicos desses movimentos. Naquele acarretou problemas de representação
momento, era pleno o domínio de plástica.
expressão do artista.
Inicialmente, as formas geométricas
puras foram usadas; para representar a
realidade, reduzindo-a, contudo, a uma
espécie de natureza-morta. O Cubismo,
caracterizado pela decomposição
dos objetos e pela “pintura a duas
dimensões”, derivou dessa técnica. Na
mesma época, o Futurismo surgiu na
Itália e provocou a problematização da
arte moderna, em razão de seu caráter
polêmico. O Expressionismo, por sua
vez, remonta ao início do século XX.
Diferentemente do Futurismo, que se
assemelhou esteticamente às máquinas,
o Expressionismo buscou expressar
sentimentos, com base em diversas
tendências plásticas, com o predomínio
de formas trágicas.

Segundo o autor, a Primeira Guerra


Mundial provocou uma renovação
artística, levada a cabo pela geração
montparnasiana, que representava,
em sua arte, a destruição da guerra e
a angústia humana. Nesse contexto,
o grupo Dadá questionava valores,
proclamando a antiarte e exaltando
formas homicidas, por meio do
sarcasmo. O Surrealismo derivou
desse movimento e valorizou o mundo
imaginário, em detrimento do mundo
real. As representações subconscientes
substituíam o cartesianismo, vigente nas
letras e nas artes.

Raul Bopp segue afirmando que


essas escolas artísticas esgotavam a
cidade de Paris, cuja cultura manifestava

48
expressões da arte de todo o mundo. Guilherme Dias
Controvérsias teóricas eram debatidas
pelos artistas, e a crítica era submetida 19
a um jogo de influências. Gradualmente,
ocorria uma transformação artística, Raul Bopp, em Vida e morte da
com a emergência de novas teorias. antropofagia, af irma que a arte
No Brasil, contudo, a inquietação que moderna tem suas origens ligadas
agitava Paris tinha pouca repercussão. ao desenvolvimento das máquinas.
O academicismo confirma prevalecia Segundo o autor, em um primeiro
em São Paulo, em contraste com a momento, buscava-se representar
pujança econômica e com o processo o objetivo com formas geométricas
de urbanização e de industrialização do puras, um tipo de cezanismo, que
Estado. gradualmente levou ao Cubismo,
caracterizado por pintar volumes em
O autor relata que Paul Claudel e superf ícies planas, decompondo o
Darius Millaud vieram ao Brasil, em plena objeto. O autor afirma que o Futurismo
guerra, e faziam excursões pela cidade surgiu na Itália ainda nesse período,
do Rio de Janeiro. Eles frequentaram e era caracterizado por sua relação
a casa dos Pais Leme, em que tiveram com a máquina e por suas formas
contato com músicas de Ernesto dinâmicas. O autor segue descrevendo
Nazaré e Tupinambá trazidas por Dona o Expressionismo, que teve suas raízes
Isar. Millaud ficou fascinado com a no início do século 20, e buscava
música e com a natureza do Brasil. A “expressar sentimentos”, integrando
musicalidade brasileira inspirou sua novas experiências, usando cores
obra, notadamente, a música “Boeuf vibrantes e dando preferência às
sur le toit”, derivada da marchinha “Boi formas trágicas.
no Telhado”. A canção de Millaud deu
origem a uma boate, em Paris, que A seguir, o autor af irma que a
reuniu personalidades da vanguarda. destruição ensejada pela guerra de 1914
influenciou a geração montparnasiana
O Brasil se havia tornado objeto de a representar, na arte, os dramas e
entusiasmo geográfico, na Europa, angústias característicos do período,
apesar de tratar-se de um Brasil e levou os dadaístas a romper com
imaginário e utópico, idealizado pelos os valores da época, por meio de
artistas. Os próprios brasileiros, de férias manifestos, e a representar, na arte,
em Paris, foram influenciados por esse essa angústia de forma irônica. Do
ponto de vista que exaltava o samba, a Dadaísmo, o autor afirma, surgiu o
natureza e a paisagem do Corcovado. Surrealismo, que buscava retratar o
Entre esses brasileiros estavam alguns subconsciente e questionar a razão.
membros da elite culta de São Paulo, que
buscava conhecer novidades artísticas e O autor, em seguida, descreve
tinha contato com artistas de vanguarda. a importância de Paris para o
desenvolvimento dessas escolas
Segundo Raul Bopp, essas pessoas vanguardistas, enquanto ainda não era
traziam exemplares de obras possível sentir suas influências no Brasil.
vanguardistas europeias para São Paulo O autor assevera que, em São Paulo, a
e explicavam os princípios artísticos aos arte de destaque ainda era antiquada,
amigos. O autor conclui afirmando que apesar de seu desenvolvimento
os artistas gozavam de maior liberdade econômico, e o espírito moderno, na
de expressão, consoante as novas arte, era, ainda, embrionário.
tendências plásticas.

49
O autor conta, a seguir, da vinda, Patrícia Camargo Sousa
em 1917, de Paul Claudel, Enviado
Plenipotenciário da França, ao Brasil, 19
junto com o adido cultural dessa
missão, Darius Millaud. Segundo o A arte moderna tem relação com a
autor, Claudel e Millaud criaram afetos modernização técnica, o que gerou
pelo Brasil e pela cultura brasileira, dilemas artísticos próprios. Inicialmente,
devido às relações de amizade que a geometria foi favorecida em detrimento
cultivaram com brasileiros como os de aspectos subjetivos. Assim, foi-se
Betim Pais Leme, às excursões que de Cézanne ao Cubismo, que, por sua
faziam na cidade do Rio de Janeiro, natureza imóvel, mostrava apenas duas
à fauna, à flora, entre outras razões. dimensões do objeto. O Futurismo,
Millaud, quando do seu retorno à contemporâneo aos dois, se relacionava
Europa, buscou divulgar a cultura ao maquinário do período, rápido e
brasileira no continente, e, de acordo ruidoso, chamando a atenção do mundo
com o autor, criou-se um Brasil para a arte moderna e suas questões.
imaginário nos grupos de conversas
de vanguardistas como Apollinaire, Já o Expressionismo se deixou
Cocteau, Léger, o próprio Millaud, entre influenciar por diversas tendências
outros, de tal maneira que mesmo artísticas. Nele havia uma profusão
brasileiros que iam passar férias em de cores, procurando romper
Paris passaram a criar afeto por esse dogmas e valorizar os sentimentos.
Brasil imaginário. Alguns especialistas diferenciaram
esse estilo pela violência. A Primeira
O autor, então, descreve a pequena Guerra Mundial influenciou a
elite cafeeira de São Paulo, que viajava arte seguinte, caracterizada pelo
à Europa com frequência. O autor sof rimento. O Dadaísmo é f ruto
af irma que, na Europa, indivíduos desse período, caracterizando-se
dessa elite entravam em contato com por ser um movimento artístico que
os artistas da vanguarda, e, de volta debochava da arte.
ao Brasil, traziam peças artísticas das
correntes vanguardistas e divulgavam O Surrealismo, que teve origem no
os princípios básicos dessas correntes Dadaísmo, procurou concentrar-se
aos seus pares. na subjetividade e na imaginação,
terminando de cortar os laços com a
razão Iluminista. Nesse grupo, a arte
voltava-se para dentro das pessoas.

Paris era o epicentro desses


movimentos, o que fazia da cidade o
local das disputas artísticas. Grupos
eram recusados pelas instituições
tradicionais de arte, cuja reputação
estava cada vez mais abalada. Havia
uma rápida sucessão de movimentos
artísticos na cidade.

Já no Brasil, a agitação em torno da


arte moderna era limitada. Apesar do
dinamismo econômico, São Paulo se
mantinha conservadora em termos de

50
arte. A modernidade da cidade ainda NOTA MÉDIA
não encontrava reflexo no cenário
artístico. Em 1917, chegaram ao Rio de André Novo Viccini
Janeiro Paul Claudel e Darius Millaud, 18,3
representantes do governo francês.
Millaud demonstrou entusiasmo pelo De acordo com Raul Bopp, em
Brasil desde o começo: conheceu a Vida e morte da antropofagia, a arte
cidade, trouxe plantas brasileiras moderna acompanhou a evolução
para a embaixada francesa e ganhou do processo técnico associado à
animais endêmicos da região. maquinização, que colocou para ela
desafios de representação plástica das
A música também o contagiou, diferentes formas.
especialmente as marchinhas e o
samba de saraus privados. Por isso, ao Em uma primeira etapa, uma espécie
retornar ao velho continente, Millaud de cezanismo buscou representar
apresentou a música brasileira por a realidade por meio de formas
meio dos seus escritos. Foi assim que geométricas puras, reduzindo-a a uma
a marchinha “Boi no telhado” virou espécie de natureza-morta. A partir
nome de boate em Paris, reunindo dele, chegou-se ao Cubismo, com
vários artistas vanguardistas. pintura de volumes em superfícies
planas e decomposições do objeto. O
Consequência disso foi a criação de Futurismo surge no mesmo periodo,
um Brasil fantástico no imaginário juntamente com a máquina, nele
popular. Havia música e cores pelo sobressaindo as formas dinâmicas.
país. Essa ideia foi se perpetuando no O Expressionismo, por sua vez, surge
imaginário estrangeiro, influenciando no início do século XX e estende-se
até mesmo a percepção de brasileiros. até os anos 1920, reunindo correntes
plásticas diversas para exprimir
Em São Paulo, a elite erudita, sentimentos, valendo-se de cores
benef iciada pelo dinamismo da vibrantes e massas agitadas, em geral
agricultura, mantinha contato com com formas trágicas.
as tendências artísticas europeias.
Essas pessoas viajam com certa A eclosão da Primeira Guerra Mundial,
frequência para a Europa, trazendo com sua destruição, deu ocasião a
consigo obras de arte e novos representações plásticas caracterizadas
conhecimentos artísticos. Com a arte pela desagregação. Desse modo, os
moderna, a expressão dos artistas dadaístas, formados por subartistas
era, mais importante que os cânones apátridas, formaram o Grupo Dadá na
artísticos, o que conferia ao autor Suíça, em 1916, publicando manifestos
maior liberdade de ação. e valorizando formas que queriam
que fossem antiarte, conforme seu
anarquismo. O Surrealismo proveio
do Dadá, reduzindo a realidade à
imaginação, em um irracionalismo
vinculado subconsciente.

As diversas escolas artísticas


agitaram Paris e os seus cafés, onde
se debatiam as concepções sobre
as experiências plásticas, vencendo

51
umas, perdendo outras, que perdiam
prestígio diante da crítica. No Brasil,
porém, apenas surgia a consciência
da necessidade de formas artísticas
mais evoluídas. São Paulo, embora
economicamente avançada, ainda
era marcada pelo conformismo
acadêmico, não tendo sido atingida
pelas idéias modernas.

Cerca de 1917, Paul Claudel é enviado


ao Brasil, ainda durante a guerra, como
Enviado Plenipotenciário da França, e
com ele Darius Millaud, como adido
cultural, o qual se encantou com as
formas tropicais da fauna e da flora
brasileiras e com as músicas do
Carnaval. Na obra de Millaud, como
Souvenirs du Brésil e Notes sans
musiques, aparece o ritmo do samba, e
a marchinha Boi no telhado se tornou
Boeuf sur le toit, que emprestou o
nome para uma boate em Paris que
reunia vanguardistas como Apollinaire
e Cocteau e onde se imaginava um
Brasil colorido e utópico, com sínteses
geométricas e repleto de samba.

Essa imagem de um Brasil cordial


se difundia na Europa e foi apropriada
pela pequena elite culta, de famílias de
cafeicultores, que costumava passar
férias naquele continente. Essa elite
tomou contato com a pintura moderna
e suas técnicas, trazendo de volta para
São Paulo obras de pintura figurativa
e abstrata. Aos amigos, explicava, os
princípios das novas escolas. Por meio
delas, o artista alcançava liberdade de
expressão, não mais sujeito a fórmulas.

52
música que seria, a partir dos anos 30,
Exercício considerada como o que, no Brasil,
existe de mais brasileiro. Essa “noitada
de violão” pode servir como alegoria,
Relatório de notas
Média Ampla Concorrência: 18,2 no sentido carnavalesco da palavra,
Média Pessoas com Deficiência: 17,2 “da invenção de uma tradição”, aquela
Média Candidatos Negros: 17,1 do Brasil mestiço, onde o samba
ocupa lugar de destaque como
elemento definidor de nacionalidade
e, como diria Antonio Candido, de
“quebra de barreiras”, servindo de
elemento unificador ou de canal de
comunicação para grupos bastante
diversos da sociedade brasileira.
Leia, com atenção,
o texto a seguir. VIANNA, Hermano. O mistério do samba. Rio de Janei-
ro: Jorge Zahar, UFRJ, 2007, p. 19, com adaptações.

Considerando o encontro descrito


O ENCONTRO pelo antropólogo Hermano Vianna,
suas reflexões, bem como a cultura
Em 1926, a coluna social Noticiário brasileira em geral, analise a
Elegante registrou a primeira relevância, no Brasil, das artes como
visita que um jovem antropólogo formadoras da identidade nacional.
pernambucano, o “Doutor” – como fez Nesse contexto, comente como as
questão de frisar o colunista Gilberto artes, sobretudo a música, podem ser
Freire – fez ao Rio de Janeiro. Sobre essa campo privilegiado, no qual é possível,
visita, fica registrada uma “noitada de além do debate identitário, o encontro
violão”, assim chamada pelo próprio entre a cultura popular e a erudita.
escritor em seu diário. Nela, estavam
presentes o historiador Sérgio Buarque
de Holanda; o promotor Prudente de
Moraes Neto; o compositor clássico
Heitor Villa-Lobos; o pianista Luciano
Gallet; e os sambistas Patrício Teixeira,
Donga e Pixinguinha. O encontro
Extensão do texto: de 15 a 20 linhas.
juntava, portanto, dois grupos bastante [valor: 20,00 pontos]
distintos da sociedade brasileira da
época. De um lado, representantes
da elite, da intelectualidade e da arte
erudita e, do outro lado, músicos
oriundos das camadas mais pobres
da cidade. Dois jovens escritores,
que iniciavam as pesquisas que
resultaram em Casa-Grande e Senzala,
em 1933, e Raízes do Brasil, em 1936,
obras fundamentais na def inição
do que seria brasileiro no Brasil e, à
frente deles, Pixinguinha, Donga e
Patrício Teixeira, os quais definiam a

53
PADRÃO DE RESPOSTA Luiza Valladares
A resposta deverá ser sucinta e
de Gouvêa
bem estruturada, com progressão 19,65
de argumentos coerentes,
conceitualmente bem fundamentada Em O Mistério do Samba, Hermano
e textualmente coesa, com Vianna descreve como um encontro
problematização da questão suscitada e musical entre intelectuais eruditos,
com posicionamento do(a) candidato(a) como Heitor Villa-Lobos e Luciano
quanto aos temas que ele(a) próprio(a) Gallet, e músicos populares, como
deverá propor (i.e., postura analítica, Donga e Pixinguinha, contribuiu
mais que descritiva ou enunciativa). para a “invenção de uma tradição”
baseada no samba, uma alusão ao
O (A) candidato(a) deverá discorrer, de livro de Eric Hobsbawn, A Invenção das
forma crítica, a respeito da relevância, Tradições. A nacionalidade brasileira,
no Brasil, das artes como formadoras que os demiurgos Sérgio Buarque de
de identidade nacional, citando, Holanda e Gilberto Freyre, presentes
por exemplo, a literatura, o cinema, no encontro, buscaram analisar, tem,
a escultura e, sobretudo, a música na arte, um de seus principais pilares.
popular brasileira. Nesse contexto, o Desde a fundação da Academia
(a) candidato(a) também terá que fazer Imperial de Belas Artes, passando
um comentário que trate da arte como pelo Modernismo, até a Tropicália,
campo privilegiado para o encontro o brasileiro busca encontrar-se em
entre a cultura popular e a erudita. expressões artísticas que descifrem o
mistério de sua identidade mestiça e
A avaliação seguirá o critério diversa. O Brasil, nesse sentido, nunca
comparativo — i.e., e a avaliação foi uma obra pronta; é construído por
individual será feita de acordo com meio da arte.
a comparação do nível de outros
exercícios. Nesse sentido, embora o A música, em particular, é um campo
(a) candidato(a) possa ter respondido artístico privilegiado, para entender a
de forma correta, abrangendo os identidade brasileira. Nela, referências
requisitos anteriormente indicados, populares e eruditos combinam-se, para
sua nota poderá ser menor do que formar a sonoridade única do samba. De
a atribuída a outros(as) que tiverem forma análoga à identidade brasileira,
feito o exercício com maior qualidade a música afirma a mestiçagem. O
intelectual, acadêmica e formal. Serão mistério do samba, dessa forma,
consideradas positivamente citações consiste tanto em sua receptividade
pertinentes de autores acadêmicos a influências externas quanto em
e personalidades reconhecidas, bem sua capacidade de influenciar outras
como a citação de movimentos sonoridades, promovendo o encontro
estéticos que denotem conhecimento entre o popular e o erudito. Exemplo
profundo da cultura e da arte brasileira disso é a obra de Pixinguinha, que trouxe
e a complexidade na reflexão acerca arranjos eruditos de flauta transversal
do encontro descrito pelo antropólogo para o cancioneiro que anima rodas de
Hermano Vianna. choro, populares até hoje. As eruditas
“Bachianas Brasileiras”, de Villa-Lobos,
Referências: VIANNA, Hermano. O mistério do sam-
ba. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, UFRJ, 2007, p. 19, com por sua vez, são inspiradas na brasilidade
adaptações. rítmica do samba, em cantos populares
e em sons da natureza.

54
Adriana Medeiros André Delgado Freire
Gabinio 19
19,65
A arte sempre foi relevante na
formação da identidade de qualquer
O encontro de 1926 descrito por povo. Por meio da literatura, da pintura,
Hermano Vianna explicita uma da escultura e da música, forjam-
das características fundamentais a se elementos de identificação e de
identidade brasileira: a convivência unificação cultural, que sedimentam
das diferenças, contradição intrínseca as identidades nacionais.
do País. Impulsionados pela renovação
estética proposta pelos artistas da No caso do Brasil, à arte foi concedido
Semana de Arte Moderna de 1922, papel de destaque na construção
escritores e intelectuais da década de da nacionalidade. As telas de Pedro
1920 buscavam interpretar o Brasil e Américo, os poemas de Gonçalves
entender o “brasileiro”, retratando não Dias, bem como os escritos do Instituto
apenas o que o Brasil era, mas também o Histórico e Geográfico Brasileiro, o
que a Nação almejava ser. Nesse sentido, IHGB, compuseram, desde cedo, o
o contraste entre as representações repertório identitário nacional. Na
pictóricas de Modesto Brocos, com A atualidade, o samba tem papel de
Redenção de Cam, de 1895, e de Tarsila destaque naquilo que se considera
do Amaral, com Operários, de 1933, genuinamente brasileiro. O ritmo,
demonstra a transição do pensamento com raízes africanas e origem popular,
eugenista no Brasil para a exaltação da certamente teve influência sobre os
miscigenação e das diversas origens e grandes estudiosos do Brasil e sobre
culturas que compõem o País. suas teses.

A emancipação artística do Brasil Conforme narrado por Hermano


implicava, portanto, a emancipação Vianna, houve, em 1926, no Rio de
da identidade nacional brasileira, Janeiro, um encontro que reuniu
que identifica – notadamente após a Gilberto Freire, Sérgio Buarque
publicação de Casa-Grande e Senzala, de Holanda e Heitor Villa-Lobos,
em 1933 – o brasileiro como mestiço, fruto entre outros representantes da
do encontro de culturas e raças e motivo intelectualidade e da arte erudita, com
de orgulho nacional. Nesse contexto, a Patrício Teixeira, Donga e Pixinguinha,
arte refletia a conciliação entre nacional expoentes da música popular
e estrangeiro, harmonizando aparentes sinônima de brasilidade. O encontro
contradições na beleza da Aquarela do representa, sem dúvida, um momento
Brasil e seu “mulato inzoneiro”, na letra de “invenção de uma tradição”.
de Tom Jobim. Não obstante, o debate
sobre o que poderia ser considerado A música continua a ser campo
“verdadeiramente” brasileiro, em privilegiado, tanto para o debate
especial, na música, persistiu por décadas, identitário quanto para o encontro
até ser definitivamente solucionado entre o popular e o erudito. A
pela proposta do tropicalismo, em 1967: recente posse do cantor Gilberto Gil
não há, no Brasil, oposição entre erudito na Academia Brasileira de Letras
e popular, nacional e estrangeiro, rock demonstra essa posição.
ou samba, pois o Brasil é tudo isso.

55
NOTA MÉDIA país miscigenado requer um projeto
artístico que comporte a pluralidade.
Ana Luiza Pinto
Cardão
18
A identidade nacional não é rígida e
fixa, mas um elemento em processo
de construção e de transformação.
Ela constitui-se com base na ideia de
símbolos facilmente reconhecidos, de
uma história comum e de um projeto
de futuro comunitário. No Brasil, esse
processo ocorreu de forma peculiar.
Segundo o historiador Evaldo Cabral
de Melo, em Um imenso Portugal, o
país tornou-se um território, antes de
ser uma nação; o desafio do Estado
brasileiro, portanto, era criar uma
identidade nacional capaz de dar uma
sensação de unidade a um povo tão
plural. Se, por um lado, no Império,
a monarquia exercia essa função de
amálgama cultural, por outro, depois
da Proclamação da República, foi
necessário buscar uma nova referência.
Surge, desse modo, o Modernismo, que
se propôs a pensar uma identidade
genuinamente brasileira.

Embora tenha começado entre os


filhos da elite cafeicultora paulista, que
podia viajar a estudar as vanguardas
europeias, aos poucos, consolidou-se a
necessidade de dialogar com artistas
populares, sobretudo da música,
arte de grande importância em
uma sociedade pouco alfabetizada.
Para que o processo de construção
da identidade nacional seja bem-
sucedido, a população tem de ser
capaz de sentir-se representada
pela ideia proposta. Nesse contexto,
ocorreu o encontro descrito por
Hermano Viana, em “O encontro”,
no qual se reuniram representantes
da intelectualidade e músicos de
bairros pobres do Rio de Janeiro
e que ajudou a consagrar o samba
como grande símbolo brasileiro. Um

56
57
PADRÃO DE RESPOSTA
Composition Candidates are expected to discuss
that being a diplomat entails solving
Relatório de notas
Média Ampla Concorrência: 45,9 problems between countries, dealing
Média Pessoas com Deficiência: 45,7 with conflict and its solution. From
Média Candidatos Negros: 43,4 the very inception of the diplomatic
practice, the hard core objectives of
diplomacy have never veered from the
threefold challenges of representation,
negotiation and reporting. The scope
Read the following or area of diplomacy action has
expanded dramatically for countless
texts carefully. new fields of human endeavour have
mushroomed. But be it cybersecurity
or emigration, the brown agenda or the
“Diplomacy has adjusted to all
interaction with media social groups,
economic, social and technological
diplomats’ role in dealing with these
developments. It has changed
issues remains the same: representing,
simply in order to remain the same.”
negotiating and reporting. What have
Kurbalija, Jovan. Don’t Waste the Crisis: towards changed were the approach and tools
Diplomacy 2.0. Diplo (blog=. Dec. 3, 2010. Accessed to deal with problems or the problems
Apr. 14, 2022. https://www.diplomacy.edu/blogs, with
adaptations themselves but not the end-result of
the diplomatic action. In this sense,
‘The quintessence of diplomacy diplomacy has changed and adapted
is and has been the dealing with in order to remain the same, as the
the interface of conflict and peace- quote suggests. Accepted discussions
making. And its practioners’ do not need to be contextualized in
ultimate goal remains the same: chronological order.
undertaking the challenging tasks
of representing, negotiating, and Referências: Kurbalija, Jovan. Don’t Waste the Cri-
sis: towards Diplomacy 2.0. Diplo (blog). Dec. 3, 2010.
reporting.’ Accessed Apr. 14, 2022. https://diplomacy.edu/blog, with
adaptations.

Compare and contrast the


quotations above and do a brief
historical survey of the practice of
the diplomacy of the late 20th and
early 21st centuries. Decide if the
common core functions of traditional
diplomacy have stood the test of
time or if they have changed in any
significant way.


Text length: 45 to 50 lines.
[value: 50,00 points]

58
Gabriel Joaquim of representing their States due to the
emergence of NGOs, individuals and
49,33 enterprises. As the author of the second
quotation affirmed, representation is
still one of diplomacy’s ultimate goals.
Diplomacy is the art of fomenting
relations between two different Since the late 20th century, diplomacy
communities. Its three core functions has adjusted to the development of
are the tasks of representing, new technologies. Diplomats had to
negotiating, and reporting. Since learn how to communicate with new
the end of the Cold War, diplomats actors in new platforms, such as Twitter,
have learned how to deal with Facebook, and Instagram. British
the emergence of new subjects, diplomat Tom Fletcher affirmed most
actors, and technologies. These countries are switching from an era of
developments, however, did not secret diplomacy to the age of public
change the essence of diplomacy. diplomacy. Today’s diplomats must
be able to explain how international
Since the late 20th century, diplomacy negotiations can change the lives of
has adjusted to the emergence of new common citizens. Although this task
subjects. After the demise of the Soviet is increasingly diff icult, diplomats
Union, diplomats had to deal less with have been convincing others of the
security issues and more with new importance of their work since the
subjects, such as the environment, foundation of the modern State.
human rights, and trade. Politicians Moreover, the work of diplomats is
from the whole world gathered in Brazil being influenced by the increasing
to discuss sustainable development amount of information present on
during the Rio-92 Conference. Still in social media. In order to maintain their
the 1990s, diplomats negotiated the task of reporting, diplomats became
Declaration of Vienna on human rights. specialists in distinguishing relevant
Lastly, countries created the World information from fake news.
Trade Organization (WTO), which was
responsible for fast international growth All things considered, the authors of
in the following decades. As Jovan the two quotations are right to affirm
Kurbalija affirmed, diplomacy was able that the common core functions of
to negotiate deals on new issues. traditional diplomacy have stood the test
of time. Since the end of the 20th century,
Since the early 21st century, diplomats have learned to negotiate new
diplomacy has dealt with the subjects, to represent States vis-à-vis new
emergence of new actors. In actors, and to use new technologies to
environmental discussions, NGOs, report relevant information.
such as Greenpeace, have participated
in multilateral conferences. As far as
human rights violations are concerned,
individuals were allowed to denounce
States in international courts, such as
the European Court on Human Rights.
As a consequence of the growth of
international trade, countries started
to consult their enterprises to promote
domestic development. In all these
cases, diplomats had to adapt the task

59
Felipe Pereira in geographical areas and in the digital
arena as well. Cognizant of these threats,
48,83 diplomatic off icers use advanced
systems to analyze cyberattacks and
their consequences on foreign relations
On the contemporary world scene, The war in Ukraine epitomizes how the
States have been dealing with complex function of reporting has remained
problems. Many affirm that the nature crucial to diplomacy.
of diplomacy itself should change
in order to solve today’s challenges. All things considered, the common
Even though diplomatic off icers functions of traditional diplomacy,
have incorporated new topics into namely representing, negotiating,
their agendas, the core functions of and reporting, have stood the test
diplomacy have remained the same. of time. I must concur with Jovan
Thus, it is essential to analyze how Kurbalija that diplomacy was
the practice of diplomacy has evolved influenced by transformations in
since the late 20th century. the international arena; however,
new topics, like climate change and
In the aftermath of the Cold War, cyberattacks, have not changed “the
most economies adopted liberal quintessence of diplomacy”. Whether
policies. Economic blocs were created geopolitics will change the practice
so that States could increase trade of diplomacy in a signif icant way
and benefit from globalization. Given in the future remains to be seen.
that diplomats must represent their
countries in the global order, the foreign
services were vital to create international
organizations that could promote
trade. Accordingly, South American
diplomats have been representing
their countries in economic blocs,
such as MERCOSUR. Hence, the core
function of representation has not
changed until now.

In the 1990s, climate change became


an important topic in foreign relations.
Since illegal logging and pollution were
both changing climate and the lives of
citizens, members of society became
interested in the environment. That is
not to say that governments took this
subject for granted; on the contrary,
diplomats have been negotiating
solutions for global warming ever since.
A case in point is the Paris Agreement,
signed in 2015.

Finally, in the 21st century, there


has been an expansion of organized
crime and conflicts by means of the
Internet. As a matter of fact, wars occur

60
Lucas Godoy democracy flourished throughout
the globe, spurring public debate
Vilela Barbosa about matters that were primarily
48,83 dealt with by the government, such as
diplomacy. As citizens became more
engaged in foreign affairs, diplomats
Dwelling upon the impact of external had to modify the way they reported
changes on diplomacy, Jovan Kurbalija to their homelands. Now, reporting
stated that the latter has changed to is a task akin to convincing domestic
remain the same. Another quotation audiences that the decisions taken
presented, despite not referring to the by the diplomat will eventually pay
susceptibility of diplomacy to economic, off. Hence the growing difficulty in
social or technological developments, approving military interventions in
comes to a similar conclusion, arguing foreign countries. The function of
that the goals of diplomacy were not reporting remains the same, but now
substantially altered. Indeed, the core society as a whole is the main receiver
functions of diplomacy – to represent, to of the message.
negotiate and to report – linger in current-
day international affairs. Yet, since the end Nowadays, diplomats represent not
of the Cold War, they have experimented only their country but also their whole
significant shifts, prompted by an society. Since the late 20th century, a
international environment which is relentless technological evolution has
mutating at a fast pace. connected different cultures around
the world, rendering people more
As the number of issues dealt within acquainted with national and cultural
multilateral fora increases, diplomatic traits of different countries. In this light,
negotiation becomes a harder task. diplomats no longer represent a single
In the aftermath of the bipolarity that center of power; now, they are a token
hampered political consensus during of their societies as well. Thus, they have
the Cold War, countries began to broader leeway to engage in matters such
construe as international challenges as cultural diplomacy, which face fewer
a broad set of issues that previously political constraints compared to other
received scant global attention. Thus, issues, such as defense. Not surprisingly,
international negotiations grew more soft power became a buzzword in
complex, demanding from diplomats diplomacy after the Cold War. Although
a more technical understanding of the representation remains a nuclear function
matters under analysis. The adoption of diplomacy, the state is no longer the
of the Kyoto Protocol to the UNFCC, only entity to be represented.
for instance, demanded exhaustive
debates, which yielded painstakingly In the past 30 years, important
negotiated clauses. Yet, even if it has changes modif ied the practice of
become more difficult, the notion of diplomacy, without altering their
negotiation remains at the core of the basic functions. Now, society is more
practice of diplomacy. engaged in international affairs,
and diplomats ought to consider its
Greater citizen participation renders demands when negotiating, reporting
diplomats more accountable to and representing.
society, therefore changing the ways
in which they should report. In the
wake of the fall of the Berlin Wall,

61
Vinícius Another important component
of diplomatic activity is reporting.
Gonzalez Nobrega States need accurate and up-to-
48,83 date information on various issues.
Regarding foreign policy, it has long
been a diplomat’s task to inform
It is f requently said that the his home country about political or
technological and social changes of economic changes in other nations.
the last decades, especially the ones Advances in the IT sector have
related to information technology (IT), significantly altered the form of such
radically altered all fields of human communications, as it is now possible
society. Diplomacy, defined as the field for diplomats to instantly report on any
of statecraft pertaining to intercourse relevant happenings. Furthermore,
with foreign nations, has certainly the storage of data in digital media
adapted itself to such developments. has led to novel concerns regarding
As stated in both quotations, however, cybersecurity. There is now a myriad
recent changes did not alter the of ways in which communications
essence of diplomatic activity. The between a diplomat and his
core functions of all diplomatic country can be intercepted. Hence,
activity, as identified in the second cybersecurity is now a key priority
quotation, have essentially remained for most states, especially regarding
the same. Negotiating, reporting and sensitive diplomatic communications.
representing are still the main pillars
of diplomacy. Recent developments The third main pillar of diplomacy
have merely altered the manners of is representation. Diplomats often act
partaking in such activities. and speak on behalf of their home
countries. Representation is, for
Negotiations can be def ined as example, a condition for negotiations,
communications between two or more as only accredited diplomats may
parties, aiming to solve a dispute or to sign binding agreements in the name
reach a common position on a given of their countries. Similarly to what
issue. For centuries, states have sent happened to reporting, technological
their diplomats abroad, to negotiate advances have altered the manners
peace deals, defensive alliances, in which diplomats represent their
trade agreements or royal marriages. nations. It is now quite common for
Negotiations are still a key component states to maintain official accounts on
of modern diplomats’ work, but social social media platforms, a tendency often
and economic changes in the 20th called “twiplomacy” or “Diplomacy 2.0”.
century have vastly expanded the Besides representing their countries
range of negotiation topics. Besides the before state officials, diplomats now
traditional matters of war and peace, do so before the general population
modern diplomats now negotiate on of other countries. This form of public
an extremely broad range of issues, diplomacy is important for states to
such as telecommunications, climate improve their reputations and to
change or intellectual property. promote the culture and the values of
Moreover, it is now much more their peoples around the world.
common for diplomats to partake in
multilateral negotiations, in places The multiple economic, social and
such as the United Nations or the technological changes observed in the
World Trade Organization. last few decades have not altered the
essence of diplomatic activity. Similarly

62
to their counterparts in ancient Ana Cecília
civilizations, modern diplomats are
ultimately representatives of their Sabbá Colares
countries, partaking in activities such
as negotiating or writing reports.
48,66
Diplomacy has been affected by
the aforementioned changes only Although diplomacy has adjusted to
insofar as they altered the subjects recent developments, it has remained
of diplomatic negotiations or the same, says Jovan Kurbalija. Indeed,
the manners of communication diplomats have to represent, negotiate,
between state officials. In adopting and report, just like they did hundreds
new technologies, diplomats have of years ago. The practice of the
been able to better undertake their diplomacy of the late 20th and early 21st
quintessential tasks, which are likely centuries corroborates the argument
to remain the same in all ages. that the common core functions
of traditional diplomacy have not
changed significantly. Nevertheless,
diplomats have accumulated other
functions as well, such as promoting
their country around the world – the
so-called cultural diplomacy – and
strenghthening commercial relations
among nations.

Diplomacy in the late 20th and early


21st centuries reflects all the main
tasks of a diplomat: representing,
negotiating and reporting. Multilateral
institutions gained ground, and
diplomacy had to continue dealing
with the interface of conflict and
peace, but now, through other means.
The proliferation of multilateral
forums promoted negotiations
among a greater number of actors.
For example, Brazil could better
negotiate with other developing
nations at UN forums, and they made
important achievements, such as
better trade conditions for developing
economies. The creation of the G20, in
1998, was also a milestone of the late
20th century, which contributed to a
more inclusive world order. The end
of the century brought changes to
empower emerging economies, but
the power of negotiation remained
as important as always.

63
Representing and reporting became Diplomacy has indeed kept its
even more relevant. The growing main characteristics, but diplomats’
interest in climate change, from 1972 functions have increased. Currently,
onwards, led some countries to defend diplomats must not only negotiate,
their right to development at the represent, and report, but they also
international level. On the one hand, need to play a more active role in
Brazilian diplomats had to represent peacebuilding. Cultural diplomacy
the country’s urge to end poverty, and commercial relations are the ways
as well as its right to use its natural towards a world where armed conflicts
resources. On the other hand, rich are no longer a threat.
countries argued that nature had to
be preserved. Both positions show
the relevance of representation. With
the beginning of the 21st century,
the economic growth of emerging
economies at faster speed than
developed ones highlighted the
importance of reporting. Multiple
conferences to deal with the 2008
crisis were held, and diplomats had
to maintain the communication
with their governments in order to
represent their countries’ interests
properly and to negotiate treaties
that would benef it their people.
Technological development has not
yet undermined the importance of
representing and reporting.

Although the main functions of


diplomacy have remained the same,
there are other functions that today are
also part of the work of diplomats. In the
21st century, soft power is as important
as hard power. Therefore, diplomats
have to promote their countries
in order to shape the world order
according to their nations’ interests.
Cultural diplomacy plays an important
role in this process. Diplomats need
to present their countries to others,
promoting its values and culture.
Moreover, strengthening commercial
relations is also part of their work.
Promoting exhibitions of national
products abroad and meetings among
CEOs are now common practices. In
the interface between conflict and
peacemaking, these actions work in
favor of peace.

64
Pedro Guilherme Bastos too much information online. This has
changed the way diplomats select
Menezes de Almeida information for reporting, but it has
48,66 not changed the fact that reporting
itself remains one of diplomacy’s core
function. The existence of sovereign
The world has gone through States demanding information about
signif icant economic, social and one another through representatives
technological changes since the still remains.
late 20th century, and diplomacy
has adjusted to all of them in an There has also been signif icant
ongoing process. Its core functions, transformation in social relations in the
though, those of representing, 21st century. Social media has become
negotiating and reporting, remain the most powerful communication
the same, which is highlighted in tool available not only for individuals
both quotations. The reason for it is to communicate to each other, but
that the international order has not also for States to communicate with
changed its fundamental structure, their citizens. Diplomats have adapted
which is based on State sovereignty. to it by exploring new means of
sharing information with the general
Globalization accelerated by the public and by testing the limits of
late 20th century, driven mainly social media political effects, both in
by a technological revolution in the national and in the international
communication and transportation. spheres. Even though diplomats have
Countries increased trade greatly, changed the way they communicate
which made national economies through the use of new platforms and
deeply dependent on one another. tools, the fact that communication is,
This has certainly changed the way in a broad sense, their most important
diplomats negotiate, since problems asset remains untouched.
have become more complex and
involve nowadays a larger number In the 21st century, countries are
of players. Nevertheless, diplomacy more dependent on one another,
has adapted to it by negotiating and new challenges, such as climate
trade in multilateral organizations, change, need to be faced collectively.
such as the WTO, or in regional levels, Even so, the international order based
through integration. Despite these on sovereign States created in the 17th
changes, the main players in trade and century still stands. This means that
commerce are still sovereign States, sovereign countries have a certain
which need diplomats to represent degree of freedom to act, but also
them and negotiate for them. that there are limits to their actions.
In this sense, diplomacy continues to
Not only trade has changed be the main tool in which States can
signif icantly since the late 20th deal with the conflicts which emerge
century, but also communication. from this very system. Even though
The internet has made it possible for diplomats have changed the way they
diplomats abroad to communicate represent, negotiate and report, these
better and faster. Nevertheless, it has continue to be their ultimate goals.
also made it harder for diplomats to
have a real sense of social and political
status on the ground, since there is

65
NOTA MÉDIA The astonishing development of
technologies has also contributed
Anônimo to a more dynamic world order, and
45,65 diplomats must, now, pay even more
attention to the task of reporting.
Since the end of the 20th century,
Changing is part of diplomacy’s technology has undergone great
nature. If it were not, diplomacy development, especially in the field
would not be a century-old human of communication. One of humans’
practice. In the past, for instance, main needs, communication has been
diplomacy was carried out solely on completely transformed. Cellphones
behalf of the sovereign, either a king, with access to the internet, 5G
a khalifa or any other kind of leader. technology and social media, to name
As time passed, diplomats began a few, have changed the way people
to work on behalf of their countries exchange information. In this context,
and peoples. Simultaneously, other not only has reporting remained one
changes also transpired, such as the of the core functions of a diplomat, but
relatively recent adoption of English it has also gained more importance.
as the main language in international This is so because, more than ever,
organisations. In spite of the changes diplomats need to access a vast
diplomacy and the diplomatic practice number of sources of information and,
have undergone, peace is still the also, properly filter them. One example
former’s goal, as well as representing, is the necessity to keep track of foreign
negotiating and reporting being the officials’ social medias, since there has
latter’s core tasks. been the emergence of what some
call the “twiplomacy”.
At the outset of the 21st century, the
world has witnessed the economic and Social demands, in the 21st century,
political emergence of the countries in is the third factor which contributes
development, which has ushered in to transforming the world order and
a new geopolitical and geoeconomic to reinforcing the role of diplomacy
conjuncture. Especially due to the and diplomats. Societies are
commodities boom, in the early increasingly complex in each and
2000s, countries like those who are every country, due to many reasons,
part of the BRICS managed to increase such as globalisation and economic
their power and their influence both development. Accordingly, new types
politically and economically. As a result, of social demands arise by the day,
the practice of diplomacy has had to be since social groups develop new kinds
adapted, and, for instance, multilateral of interests. In this context, diplomats
negotiations gained even more face the challenge of representing
importance, since they are the best their countries in a number of different,
way to deal with an array of different technical which did not exist before or
interests and positions. Agencies like at least did not have much importance,
the World Trade Organisation and such as intellectual property and
the G20 are increasingly important public procurements. That is why
and they bear witness to the fact that countries like Brazil maintain a very
negotiating is still fundamental for qualified and specialised diplomatic
achieving peace. body, so Brazilian social demands are
represented internationally.

66
The world order has changed and
has become more challenging than
ever, since the end of the 20th century.
This is due to factors such as new and
powerful states, new technologies, and
new social demands. Consequently,
diplomacy and the diplomatic practice
have had to be adapted. Nevertheless,
as argues Jovan Kurbalija, they have
changed “simply in order to remain
the same”, since securing peace
is still diplomacy’s main goal, and
representing, negotiating and reporting
are still diplomats’ “challenging tasks”.
It is safe to say that world diplomacy
seems to have followed Itamaraty’s
motto, which says that the greatest
tradition of the ministry is knowing
how to renew itself.

67
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Translation Portuguese.

Relatório de notas
Média Ampla Concorrência: 11,4
Média Pessoas com Deficiência: 12 [value: 15,00 points]
Média Candidatos Negros: 11,5

PADRÃO DE RESPOSTA

Read the following text Ao recordar a estranha conversa,


carefully. Clement viu o momento como um
ponto de inflexão. Lá fora, o céu fugidio
Looking back upon the weird estava escuro, a sala estava escura, e
conversation, Clement saw this as a a chuva, agora, não mais perturbada
turning point. The speeding sky was pelo vento, caía num silvo chiado, leve
dark outside, the room was dark, e constante. A lamparina só iluminava
the rain now, no longer bothered by a superfície da escrivaninha e uma das
the wind, was falling with a steady mãos de Lucas. O vulto de Mir, que
faint sizzling hiss. The lamp illumed de repente se projetava na penumbra,
only the surface of the desk and one ombros largos, retangulares, parecia
of Lucas’s hands. The figure of Mir, improvável, de altura sobrenatural.
suddenly rising up in the gloom, broad- Clement, da mesma forma, como se
shouldered, rectangular, seemed compelido por um tipo de deferência,
uncanny, unnaturally tall. Clement too, ou alarme, pôs-se de pé. Mir voltou-se
as if compelled by a kind of respect, or para ele por um instante, e o outro pôde
alarm, rose to his feet. Mir turned to distinguir sua cabeça, repentinamente,
him for a moment and Clement gained como a cabeça de um animal de grande
an impression of his head, suddenly porte, um javali, talvez, ou até mesmo
like the head of a large animal, a boar, um búfalo. E então Mir, ao notar que
perhaps, or even a buffalo. Then Mir, Clement também se erguia, sorriu, e
noticing Clement also rising, smiled, seus dentes reluzentes apareceram,
his glinting teeth appearing as out of como se brotassem de uma pelagem
dark fur. Then he sat down again, and escura. Ele então se sentou de novo, e
Clement, discreetly moving his chair Clement, movendo discretamente a
forward and a little to the side, sat down cadeira para frente e um pouquinho
too.Lucas waited as if expecting Mir para o lado, sentou-se também. Lucas
to say something, then said, not in his aguardou, como se esperasse que
previous cold sarcastic tone, but as if Mir fosse dizer alguma coisa, e então
more thoughtfully, “surely in your book enunciou, não em sua entonação
it says that vengeance belongs to God.” anterior, fria e sarcástica, mas como
algo mais refletido: “Certamente no
Mir replied at once, as if saying seu livro está escrito que a vingança
something obvious, “I am His cabe a Deus”. Mir replicou de chofre,
instrument.” como se dissesse algo óbvio: “Eu sou
Seu instrumento”.
MURDOCH, Iris. The Green Knight. London: Penguin,
1993. p. 124.
Referências: MURDOCH, Iris. The Green Knight. Lon-
don: Penguin, 1993. p. 124.

68
Leonardo Maciura Anônimo
Beltrame 14,5
15
Relembrando a estranha conversa,
Ao rememorar a conversa estranha, Clement viu isso como um ponto
Clement enxergou isso como um de virada. O céu acelerado estava
momento de mudança. Lá fora, o escuro lá fora, o quarto estava
céu veloz estava escuro, a sala estava escuro, a chuva, agora, não mais
escura, e a chuva, agora, não mais incomodada pelo vento, caía como
incomodada pelo vento, caía com um chiado leve e constante. O lampião
um leve e contínuo sopro. A lâmpada iluminava apenas a superf ície da
iluminava apenas a superfície da mesa mesa e uma das mãos de Lucas. A
e uma das mãos de Lucas. A imagem imagem de Mir, levantando-se, de
de Mir, de repente surgindo no escuro, repente, na escuridão, com ombros
com ombros largos, retangular, largos, retangular, pareceu alta
parecia sinistra, artificialmente alta. de uma maneira estranha e não
Clement, também, como se compelido natural. Clement, também, como se
por alguma espécie de respeito, ou compelido por um tipo de respeito,
alarme, levantou-se. Mir voltou-se ou de alarme, ficou de pé. Mir virou-se
para ele por um momento, e Clement para ele por um instante, e Clement
teve um vislumbre de sua cabeça, pôde ver a cabeça dele, subitamente
repentinamente como a cabeça de um parecida com a cabeça de um
grande animal, um javali, talvez, ou até grande animal, um javali, talvez, ou
um búfalo. Então, Mir, ao perceber que até mesmo um búfalo. Então, Mir,
Clement também se levantava, sorriu, percebendo que Clement também
seus dentes brilhantes aparecendo, se levantava, sorriu, com seus dentes
como se saíssem de pele escura. Em brilhantes aparecendo como se para
sequência, ele se sentou, de novo, e fora de uma pelagem escura. Depois,
Clement, movendo discretamente a ele sentou-se novamente, e Clement,
sua cadeira para a frente e um pouco movendo, discretamente, sua cadeira
para o lado, também se sentou. para frente e um pouco para o lado,
sentou-se também.
Lucas estacou, como se esperasse
que Mir fosse falar algo, e, então, disse, Lucas aguardou, como se esperando
não no tom frio e sarcástico de antes, que Mir dissesse algo, e então disse,
mas como se pensasse com mais não em seu prévio tom frio e sarcástico,
cuidado, “certamente, diz-se, no seu mas como se mais carinhosamente:
livro, que a vingança pertence a Deus”. “certamente, em seu livro, diz que a
vingança pertence a Deus”.
Mir respondeu imediatamente,
como se dissesse algo óbvio, “Eu sou Mir respondeu de uma só vez,
o instrumento Dele”. como se falasse algo óbvio: “Eu sou
Seu instrumento.”.

69
Joao Pedro Portella NOTA MÉDIA

Ribeiro Cardoso Daniel Nogueira Chignoli


14 11,5

Ao recordar-se da estranha conversa, Analisando, retroativamente,


Clement enxergou-a como um ponto a respeito da conversa estranha,
de virada. Lá fora o céu veloz estava Clement viu-a como um ponto de
escuro, o aposento estava às sombras, virada. O céu veloz era escuro lá fora,
e a chuva, não mais perturbada pelo a sala era escura, a chuva, agora, não
vento, caía em um chiar contínuo, mais incomodada pelo vento, caía com
fraco e sibilante. A lamparina iluminava um frio contínuo e fraco. A lâmpada
apenas a superfície da escrivaninha e iluminava apenas a superfície da mesa
uma das mãos de Lucas. A silhueta e uma das mãos de Lucas. A figura
de Mir, erguendo-se subitamente de Mir, de repente levantando-se
na penumbra, de ombros largos, do salão, ombros largos, retangular,
retangular, parecia esquisita e parecendo misterioso, alto de maneira
anormalmente alta. Clement, como se não natural. Clement também, como
impelido por uma espécie de respeito, se compelido por um tipo de respeito,
ou alarme, também se pôs de pé. ou alarme, ficou de pé. Mir virou-se
Mir voltou-se a ele por um instante para ele por um momento, e Clement
e Clement teve uma impressão de teve uma impressão de sua cabeça,
sua cabeça, de súbito como a de subitamente como a cabeça de um
um grande animal, um javali, talvez, animal grande, um bisão, talvez, ou
ou mesmo um búfalo. Então Mir, mesmo um búfalo. Então Mir, notando
percebendo que Clement também se que Clement também se levantava,
erguia, sorriu, seus dentes cintilantes sorriu, seus dentes brilhantes
surgindo como que de uma pelagem aparecendo como que de fora de uma
escura. Então sentou-se novamente, pelagem escura. Então ele sentou-se
e Clement, movendo sua cadeira novamente, e Clement, discretamente
discretamente adiante e para o lado, movendo sua cadeira em frente e um
também se sentou. pouco para o lado, também se sentou.

Lucas aguardou como se esperasse Lucas esperou como se esperando


que Mir dissesse algo, e então disse, não Mir dizer alguma coisa, então disse, não
em seu tom frio e sarcástico de antes, no seu tom anterior frio e sarcástico,
mas como se mais ponderadamente, mas como se mais raciocinando,
“Certamente se diz em seu livro que a “certamente no seu livro é dito que a
vingança pertence a Deus.” vingança pertence a Deus”.

Mir respondeu de imediato, como Mir respondeu de uma vez, como


se dissesse algo óbvio: “Eu sou Seu se dissesse algo óbvio: “Eu sou Seu
instrumento”. instrumento”.

70
e construiu seu símbolo, naquele
Version exato momento em que a linguagem
se abriu para a nervosa e complexa

compreensão da vida social; da grande
Relatório de notas
Média Ampla Concorrência: 15,8 vida coletiva de que, na literatura como
Média Pessoas com Deficiência: 12,7 no mais, o país funda agora a mais
Média Candidatos Negros: 14,1 vívida consciência – e do autêntico
brasileirismo que os poetas de 22
tiveram o esforço e a glória de instaurar.
(1962) MERQUIOR, José Guilherme. A poesia moder-
nista. in: Razão do poema – Ensaios de crítica e de
estética. São Paulo: É Realizações Editora, 2016, pp. 40
Read the following text e 50, com adaptações.

carefully.
Translate this excerpt into English.
Grande parte do assédio ao
modernismo se manteve na tentativa
de depreciar a sua revolução pela
denúncia de seus estrangeirismos. O
modernismo teria sido tão importado
quanto as nossas outras mais antigas
ondas culturais. [...]. [value: 20 points]

A importação foi quase nada; em
contraste com ela, a conquista do
Brasil se tornou uma das glórias
dessa poesia. [...].

A poesia de hoje se livrará do
medíocre, do vácuo poético, quando
reencontrar para si mesma a urgente
precisão de nacionalidade tão bem
sentida por Mário; quando recomeçar
o caminho da intimidade com o social;
quando finalmente compreender –
como João Cabral de Melo Neto – que a
herança de 22 manda impelir a poesia
brasileira na direção dos grandes temas
objetivos, sociais e filosóficos que a
preparação de linguagem dos mestres
do modernismo tornou possível e
imperiosa. Não porque a literatura se
melhore pela simples modificação
dos assuntos, mas porque nenhuma
língua poética, nenhum instrumento
de alta expressão, jamais se renovou
pelo tolo experimentalismo sem raiz
na existência e no mundo – e sempre
se expandiu, sempre ergueu seu tom

71
PADRÃO DE RESPOSTA Lucas Godoy Vilela
A large part of the assault on Barbosa
modernism focused on denouncing its 19,33
foreignisms in the attempt to belittle
the revolution it unleashed. Modernism
would have been as imported as our A great part of the attack on
past cultural waves. […] Importation Modernism was based on the attempt
was almost non-existent; instead, what to downplay its revolution by decrying
emerged as one of the glories of this its use of foreign influences. Modernism
poetry was the conquest of Brazil. […] would have been as imported as our
Contemporary poetry will be freed from other previous cultural waves.
the mediocre, from the poetic vacuum,
when it f inds for itself the urgent Almost nothing was imported; in
preciseness of nationality so keenly felt contrast, the conquest of Brazil became
by Mário; when it resumes pursuing one of the glories of this poetry.
an intimate connection with what is
social; when it finally understands – as Today’s poetry will get rid of mediocrity,
did João Cabral de Melo Neto – that the of poetic vacuum, when it finds once
legacy of ’22 forcefully propels Brazilian again the urgent need to have a
poetry towards the great objective, nationality, as felt so well by Mario; when
social and philosophical themes made it starts once again to follow the trail
both possible and necessary by the of intimacy with social issues; when it
language proficiency displayed by the finally understands, as did João Cabral
masters of modernism. Not because de Melo Neto, that the legacy of 1922
literature is improved by the simple compels us to direct Brazilian poetry
modification of topics, but because no towards the major objective, social
poetic language, no instrument of high and philosophical themes which were
expression, has ever been modernized rendered possible and imperative by the
by fool experimentalism, not rooted preparation of language undertaken by
in the existence and in the world – the masters of Modernism. Not because
and has always expanded, always literature gets better only by the simple
raised its tone and built its symbol at modification of its subject, but because
that exact moment when language no poetic language, no instrument of
embraced the nervous and complex high expression, has ever renewed itself
understanding of social life; the great by the foolish experimentalism with no
collective life of which, in literature as roots in the existence and in the world.
elsewhere, the nation is now vividly It has always expanded itself, always
conscious – and of the authentic raised its level and built its symbol in
“brazilianness” the ’22 poets had the that precise moment in which language
effort and the glory of inaugurating. was open to the nervous and complex
Referências: MERQUIOR, José Guilherme. A poesia
understanding of social life; of the great
modernista. in: Razão do poema – Ensaios de crítica e collective life whose vivid conscience
de estética. São Paulo: É Realizações Editora, 2016, pp.
40 e 50, com adaptações.
is now being created by the country,
in literature as in other realms – and of
the genuine Brazilianism that the poets
from 1922 set up through their effort
and to their glory. (1962).

72
Pedro Guilherme Bastos André Novo Viccini
Menezes de Almeida 18
18,66
The majority of the attacks against
Most of the criticism towards the Modernism kept trying to minimise its
modernist movement could not go revolution by denouncing its foreign
beyond the attempt of devaluating its elements. Modernism would have
revolution by denouncing its foreign been as imported as our previous
influences. Modernism would have cultural movements [...].
been imported, just like our older
cultural waves. [...] The import was almost nothing;
compared to it, the conquest of
It was hardly imported at all; in contrast Brazil became one of the glories of
to it, the conquest of Brazil became one this poetry [...].
of the achievements of this poetry. [...]
Today’s poetry will free itself from the
Today’s poetry will free itself from the mediocre, the poetic vacuum, when it
mediocre, from the poetic void, when finds for itself the need for nationality
it finds again for itself the urgent need that Mario experienced well; when it
of the national dimension so deeply felt walks again the path of intimacy along
by Mário; when it takes back the path of with the social dimension; when it
intimacy to social matters; when it finally finally understands - as João Cabral de
understands - as João Cabral de Melo does Melo Neto did - that the legacy of 1922
- that the heritage of 1922 commands compels us to put Brazilian poetry on
Brazilian poetry to be sent towards the the path towards the great objective,
great objective, social and philosophical social and philosophical subjects
themes which the preparation of the that the preparation of language
language by the modernist masters of the great masters of Modernism
made possible and mandatory. Not made possible and imperious. Not
because literature is improved by the because literature improves simply
simple change of its subjects, but by changing its subjects, but rather
because no poetic language, no tool because no poetic language, no
of high expression has ever renewed instrument of great expression, has
itself through mere experimentalism ever been renewed by the foolish
without roots in the existence and in the experimentalism that is not rooted in
world - and it has always expanded itself, the existence and the world - and it has
it has always heightened its tone and always expanded itself, always went
built its symbol in that exact moment in higher in its tone, and constructed its
which the language opened itself to the symbol, at that precise moment when
frenetic and complex comprehension language opened itself to the nervous
of social life; of the great collective life and complex understanding of social
of which, in literature and in everything life; of the great collective life the
else, the country now creates the most consciousness of which, in literature
vivid conscience - and of the authentic as in anything else, the country now
Brazilianism which the 1922 poets had inaugurates - and of the authentic
the effort and glory of establishing. (1962) Brazilian character the poets of 1922
effortly and gloriously inaugurated.

73
NOTA MÉDIA

Guilherme Dias
15,32

A big portion of the attacks against


modernism kept trying to devalue
its revolution by denouncing its
foreigness. Modernism was as
imported as our older cultural
waves. [...].

There was barely any importation;


in contrast, the conquest of Brazil
became one of the glories of this
poetry. [...].

Today’s poetry will be free from


the mediocre, from the poetic void,
when it reattains the same urgent
precision of nationality so well felt
by Mário; when it restarts the path
of intimacy with the social; when it
finally understands – as João Cabral
de Melo Neto did – that the legacy
of 22 orders to push the brazilian
poetry towards the great objective,
social and philosophical themes that
modernism masters preparation of
the language made possible and
imperious. Not because literature
improves by the simple change of
subjects, but because no poetic
language, no instrument of high
expression, has ever been renovated
by the foolish experimentalism
without roots in the existence and in
the world – and has always expanded,
always raised its tone and built its
symbol, in the exact moment that the
language was opened to the nervous
and complex understanding of social
life; of the great collective life that, in
literature and beyond, the country
now builds the most vivid conscience
– and of the authentic brazilianism
that the poets of 22 made the effort
and had the glory to create. (1962)

74
ugly passion – though in seven of the
Summary latter, to be sure, it receives an ironic,
if not rudely comic, treatment.

Relatório de notas
Média Ampla Concorrência: 11,8 Shakespeare’s Othello is brought
Média Pessoas com Deficiência: 10,4 into the argument of twenty-eight
Média Candidatos Negros: 12,2 stories, plays, and articles. Othello is
not the only play of Shakespeare that
Machado de Assis hitched to his starry
wagon. Romeo and Juliet serves as
a plot for one novel and two short
pieces. The character of Hamlet has
a way of creeping in – even into his
Read the following text Othelloes. Ophelia, Jaques, Caliban,
Lady Macbeth, and others turn up
carefully. miraculously in the suburbs of Rio de
Janeiro. But let us stay for the present
with Othello and Dom Casmurro.
The Brazilians have a jewel for all the
world to envy – a veritable Kohinoor
Machado de Assis turned over
among writers of fiction – Machado
the narration of Dom Casmurro to a
de Assis. More than any other people,
figment of his imagination – it’s hero
those of the English-speaking world
Bento Santiago, a 57 years old recluse
envy Brazil. This writer who so
living in a suburb of Rio de Janeiro.
constantly used Shakespeare’s model
Santiago calls himself an “Othello”,
– so neatly fused into his own stories,
but his disengaging air of frankness,
the characters, the plots, and ideas of
calm impartiality and reasonableness
Shakespeare – that they may flatter
more nearly resembles the bluff style
themselves that only they can truly
of “honest Iago” than that of the
appreciate the great Brazilian. Since
impassioned Othello.
Machado himself referred many of
his recurring ideas to Shakespeare, I
It is immediately apparent that
have tried to trace such references to
Santiago is a subtle man, and a lawyer
their source.
into the bargain, whose words the
reader will do well to weigh carefully. It
Machado’s f irst novel appeared
is he who discloses that his story is that
in 1872. Twenty-eight years later, he
of Othello, but with a certain important
published his masterpiece, Dom
difference – his Desdemona is guilty.
Casmurro – perhaps the finest of all
American novels. In both books, the
There are other less important
reader witnesses this struggle of love
differences. Our Brazilian Othello,
and jealousy for possession of a man’s
at the beginning of his tale, is not a
heart, with love going down to tardy
man of mature years, a proud dusky
but complete defeat. Jealousy never
warrior in strange, rich dress, who had
seized to fascinate Machado de Assis.
seen men with their heads growing
Throughout his works, in articles as
beneath their shoulders. He is a 15
well as fiction, he often paused to
year old boy given to daydreams that
stick a leisurely scalpel into some new
perhaps equaled in color and vividness
manifestation of jealousy. Jealousy has
the marvels the Moorish Othello knew.
a fat part in seven of his nine novels;
There is nothing hard and warlike
the plots of 10 stories turn upon the
about Santiago – he is even cowardly:

75
witness the position in which we first Capitú is gay and carefee as usual, and
find him, hiding behind a door. He that she will probably “hook” one of the
was Christian and Catholic, with an young nobles in the neighbourhood
aversion to bloodshed, the only child and marry him. The thought that
of a wealthy widow, and tied to his Capitú is happy while he is sad and
mothers’ apron strings. lonesome, and that she is flirting
with some handsome noble, turns
His Desdemona is the girl next door. Santiago’s vague feeling of suspicion
Capitolina, or Capitú for short, only into definite jealousy. From this point
14 but tall and well developed for her on, Othello-Santiago takes over the
age – in fact, she was a little taller role of Iago as well, and manipulates
than her hero. She is not a highborn his own handkerchiefs to fan his own
Venetian, but a rather poor girl; and, jealous passion.
though like the other Desdemona she
gazed upon her beauty in a mirror, it Years later, Bentinho eventually
was a cheap little mirror bought for marries Capitú, but spends a lifetime
fifteen cents. doubting her faithfulness. In their
son’s face, Ezequiel, he claims to
Shakespeare’s Michael Cassio only see Escobar’s features. He ends
is Santiago’s classmate Ezequiel up banishing his wife and son to
Escobar. Like Cassio, Escobar is a Switzerland, where Capitú, after
great “mathematician”, handsome, several years, dies alone, away from
courteous, ingratiating. Like Cassio, he her family. Like Desdemona, she dies
has a hand in Santiago’s wooing, urged praising her Othello. She had spoken
on the love affair between the young much of Bento to their son, praised
lovers, and acted as a go-between for him as “the finest man in the world
their letters. and the most worthy of being loved”.

The Iago of the story, according As for Santiago, the conclusion to


to our hero, is José Dias, a trusted which he gradually leads the reader
dependent of the Santiago household. is that the deceit perpetrated against
Like his Shakespearean prototype, he him by his dearly loved wife and dearly
devotes his energies to giving freely loved friend wrought upon him and
of his advice: he has no other regular changed him from the kind loving,
occupation. Santiago says that he ingenious Bento into the hard, cruel
does it “just to make trouble”, and this and cynical Dom Casmurro. Santiago
was the opinion of Cousin Justina, a tells us that the big difference between
poor relative, who acts as companion his story and Othello’s is that Capitú
to Santiago’s mother. is guilty. But there is a more obvious
difference, one that arises perhaps
José Dias’s ties begins to weave the f rom Santiago’s own nature. The
plot, in which we identify the Othello “accessory” – the “handkerchief of
in Santiago. He not only implants Desdemona” – in Dom Casmurro is the
the seeds of love in Bento by his resemblance, or fancied resemblance,
“informing”; he also implants the of Santiago’s son, Ezequiel, to Escobar.
suspicion that Capitú would entrap Santiago’s putative Iago, José Dias, had
and deceive him, with the remark abandoned the role long before this
about her “gypsy eyes”. While Bento resemblance made its appearance.
is in the seminary, although he goes It is Santiago who discovers this
home on many occasions, José Dias resemblance; it is Santiago who
reports to him that, in his absence, manipulates this “handkerchief ”.

76
Machado’s formula for dramatic action PADRÃO DE RESPOSTA
could be read as the following: the
jealous soul of Othello-Santiago, the In the text taken from The Brazilian
perfidy of Iago-Santiago, and the guilt Othello of Machado de Assis, Helen
(or innocence) of Desdemona-Capitú – Caldwell focuses on a parallel between
these are the principal elements of the the books Dom Casmurro and Othello,
action. The drama exists because it is identiyf ing some of the ideas and
in the natures, passions, and spiritual aspects in the first that have been been
condition of Othello-Santiago, Iago- influenced by the latter. She states
Santiago, and Desdemona-Capitú; the that the Brazilian writer Machado de
resemblance between Ezequiel and Assis, author of Dom Casmurro, as he
Escobar does not control these three himself indicates, made use of some
characters, from whose passions the of Shakespeare’s ideas in his works
action flows. in an adept way, stirring the envy of
the English-speaking world. The first
CALDWELL, Helen. The Brazilian Othello of Machado
de Assis. Berkeley, University of California Press, 1960. parallel that Caldwell draws between
pp V e VI e 1 - 12, with adaptations. the novels regards the protagonists:
Santiago f rom Dom Casmurro
declares himself an Othello. However,
Caldwell believes that his personality,
Write a summary of the text in your his pretense of indifference and
words. calmness, is more fitting to that of Iago.
In addition, she states that Santiago,
or Bentinho, – at the beginning of
the story – at 15 years old, a Christian,
is quite timid, coward and soft, very
different from the hard and warlike
Moorish Othello. The second parallel
is drawn between Capitú, Bentinho’s
Text length: up to 50 lines
beloved, and Desdemona. As Caldwell
[value: 15,00 points]
states, in spite of coming from a very
poor family, her elegance and attitude
towards beauty resemble that of
Desdemona. Caldwell also identifies
Michael Cassio f rom Othello in
Santiago’s story: he represents Ezequiel
Escobar, Santiago’s best f riend, a
charming, handsome and calculating
young man, who acts as messenger
for Santiago and Capitú. The f inal
parallel made by Caldwell regarding
the characters is that between José
Dias, Bentinho’s unsought adviser,
and Iago from Othello. Caldwell points
out that this parallel is declared by
Santiago himself. Caldwell then moves
on to make a comparison between the
plots of the novel and the play, stating
that it is José Dias that puts it into
action: he instills jealousy in Bentinho
by reporting to him that Capitú is set

77
on finding a husband while he is away Ana Luiza Pinto Cardão
at the seminary. From that moment
on, as Caldwell mentions, Bentinho, 14,65
like Othello, and even Iago, becomes
manipulative, as a way of trying to In The Brazilian Othello of Machado
secure Capitú for himself. She says de Assis, Helen Caldwell praises
that his profound jealousy carries on the work of Machado de Assis. The
into their marriage as he continues Brazilian writer, for Caldwell, is so
to doubt Capitú’s loyalty to him: he influenced by Shakespeare that the
claims to identify a strong physical English-speaking world should be
resemblance between his son and proud. Both Machado’s f irst novel
Escobar, a part of the plot that is no and his masterpiece, Dom Casmurro,
longer woven by José Dias. Declaring portray the consequences of jealously,
his Desdemona guilty, Santiago exiles a subject that appears in a large
her and their son to Switzerland, where number of his books. Indeed, the
she dies alone, not before praising her author generally approaches it in a
Othello, as Caldwell shows us. sarcastic, comic tone.

Referências: CALDWELL, Helen. The Brazilian Othello Shakespeare’s m odels an d


of Machado de Assis. Berkeley, University of California
Press, 1960. pp V e VI e 1 - 12., with adaptations. characters can be seen in many of
Machado’s texts, but Caldwell sticks to
the analysis of the similarities between
Othello and Dom Casmurro. The latter
focuses on the perspective of Bento
Santiago, a recluse man who lives
in Rio de Janeiro. Even though the
character calls himself an “Othello”,
his personality is closer to that of
“honest Iago”. Santiago’s words must
be weighed carefully by the reader,
as he tells his version, in which his
Desdemona is guilty. Moreover, there
are other differences, such as the fact
that the story begins with a young,
immature Santiago and the cowardice
of the main character’s personality.

According to Caldwell, Capitú, a


young and beautiful neighbor, is
Santiago’s Desdemona. But, unlike the
original version, the Brazilian author
presents a poor girl, who has the habit
of admiring herself in a cheap mirror.
In his turn, Machado’s Michael Cassio
Ezequiel Escobar, a handsome friend
that is responsible for Santiago’s
suffering. José Dias can be seen as the
Brazilian Iago, a man used to giving
people his advice, perceived by others
as a troublemaker.

78
In fact, José Dias is the one who sows Liz Pinhata de Souza
love and suspicion; his “informing”
make Santiago fall in love with Capitú 14,3
at first, but then he talks about her
“gypsy eyes” and raises the question In The Brazilian Othello of Machado
of infidelity. When the main character de Assis, Helen Caldwell presents the
is away and lonesome, Capitú is joyful similarities and differences between
and flirting with other men. This idea Shakespeare’s Othello and Machado
makes Santiago jealous and, from this de Assis’s Dom Casmurro. The author
moment on, he also acts like Iago, begins by introducing Machado de
manipulating his handkerchief as a Assis to English-speaking readers,
way to express his jealous love. to later state that he used many of
Shakespeare’s plots and characters as
Bentinho and Capitú end up getting inspiration – as affirmed by Machado
married, but inf idelity remains a himself in his lifetime.
constant suspicion. The couple has a
son, but the main character this he Machado liked to display the feeling
has Escobar’s features, so he sends his of jealousy in his work. According to
wife and the boy away to Switzerland. Caldwell, Dom Casmurro may be one
Nevertheless, Capitú, like Desdemona, of America’s best novels. In this book,
spends the rest of her life praising jealousy is the main theme, as it is in
her husband to their child. Capitú a number of other articles and novels
and Escobar’s alleged love affair, for written by Machado. In many of them,
Santiago, transformed his personality - this feeling is treated rather comically.
he became the cynical Dom Casmurro. Additionally, Othello is mentioned in
He argues that in his version of up to 28 of Machado’s works. From
Othello, Capitú is guilty. But Helen Shakespeare, Machado also uses
Caldwell stresses another difference Romeo and Juliet’s plot, as well as the
— in Dom Casmurro, the resemblance characters of Hamlet, Lady Macbeth,
to Escobar that Bentinho sees in his among others.
son works as the “accessory” — “the
handkerchief of Desdemona”. It was Caldwell then compares, in detail,
not José Dias who brought it up, but Othello with Dom Casmurro. The latter
Santiago himself, who manipulates his is narrated by Bento Santiago, who
own handkerchief. claims he is an “Othello”, even though,
at first, he resembles more an “Iago”.
Machado de Assis was influenced Santiago states, nevertheless, that
by Shakespeare’s story of jealously, his “Desdemona” is guilty, contrary to
perf idy and guilt (or innocence). Shakespeare’s story. Other differences
The plot unfolds not because of the between Santiago and Othello are
resemblance between the child that the former is first presented as
and the friend, but because of the a 15 year-old boy, who is a dreamer,
characteristics and the passions of a coward and very close to his
Othello-Santiago, Iago-Santiago and widowed mother. Capitú, Santiago’s
Desdemona-Capitú. Desdemona, is the beautiful 14 year-old
neighbor. Escobar, Bento’s Cassio, is
his handsome classmate, who delivers
letters from Santiago to Capitú. The
narrator claims José Dias is his story’s
Iago and that his only occupation is

79
giving people unnecessary advice – an Luiza Valladares de
opinion he shares with Cousin Justina,
his mother’s companion. Gouvêa
14,3
The reader starts to identify the
Othello in Santiago as the plot According to Helen Caldwell, in an
develops. José Dias influences the article published in 1960, as Machado
emergence of Bento’s love for Capitú de Assis’ fiction novels were inspired
and his jealousy of her, by reporting by Shakespeare, only English speakers
that she is happy while he is away in can really appreciate Machado’s
the seminary. However, there is a point work. Given that his references to
in which Santiago takes José Dias’s role Shakespeare’s ideas are as abundant,
and becomes his own Iago, increasing the author will try to trace them back
his jealousy by himself. Bento ends to their source.
up marrying Capitú, but he always
suspects she is unfaithful to him, for Both in Machado’s first novel and in
he thinks his son looks like Escobar. Dom Casmurro, jealousy is a recurring
He, therefore, sends Capitú and his son subject. The great Brazilian was
Ezequiel to live in Switzerland, where fascinated by it, writting about it in most
his wife dies alone. of his stories and novels. Shakespeare’s
Othello is cited in twenty-eight of
Santiago believes his transformation them. Romeo and Juliet, Hamlet and
f rom the kind Bentinho into the many other shakespearean characters
cynical Dom Casmurro was the also inspired Machado. The author
result of Capitú’s and Escobar’s of the article, however, focuses on
betrayal. There are two signif icant Othello, comparing it to the plot of
differences between Santiago and Dom Casmurro.
Othello. According to Santiago, the
difference is that Capitú is guilty. The In Dom Casmurro, the protagonist,
reader notices, most importantly, Bento Santiago, considers himself an
that Santiago plays the role of both “Othello”, although his passionless
Othello and Iago, stimulating his own personality resembles more that of an
jealous passion, based on a physical “honest Iago”. Some of the differences
resemblance he spotted himself and between the to stories are that Capitú
manipulates like the “handkerchief” is considered guilty, the hero is only
from Othello. a 15 year-old boy in the beginning
of the story, and he is not nearly as
sumptuous as Othello. For instance,
he was hiding behind a door in the
beginning of the story. As for Capitú,
she was not a noble as Desdemona.

The author continues drawing


analogies between character in
the stories. Ezequiel Escobar, the
handsome classmate, plays a role
similar to that of Michael Cassio.
José Dias corresponds to Iago. His
“informing” made Santiago fall in
love with Capitú while he was in the

80
seminary, but also made him insecure NOTA MÉDIA
about Capitú’s faithfulness. Santiago
gradually becomes obssessed with Vinícius Kuczera Zampier
jealousy, playing also the role of Iago 11,75
in fomenting his own passion.
Brazil has a writer, Machado de Assis,
Later in the story, Capitú and
who is appreciated all over the world,
Santiago get married, but jealousy
particularly in countries that speak
ruined their marriage, as Santiago
English, since Shakespeare’s model
claimed that their son was, in fact,
has deeply influenced his work. His
Escobar’s. He sent Capitú and the
first novel was published in 1872 and,
child to Switzerland, where Capitú
almost three decades later, came his
died alone many years later, although
masterpiece, Dom Casmurro. The plot
praising Santiago until the end.
revolves around passion and jealously,
a subject that appears in many of
According to Santiago’s point of
the author’s works, including articles
view, he was a victim of deceit, which
and seven novels. Some stories even
transformed him into Dom Casmurro.
have an ironic touch. Several of them
The difference between his story and
also featured Shakespeare’s Othello.
Othello’s would then lie in the fact that
Moreover, one of his plots is based on
Capitú was guilty, unlike Desdemona.
Romeo and Juliet, and the character of
A more blatant difference, however,
Hamlet is constantly present in his work.
is that Santiago’s son indeed looked
like Escobar.
In Dom Casmurro it is possible to
find many connections with Othello.
The author concludes that Machado’s
The main character is Bento Santiago,
formula consists in jealousy, perfidy
a middle-aged man who lives in Rio de
and the dilema of guilt-innocence.
Janeiro and believes that his history
Action, therefore, flows, as drama is in
is similar to Othello’s one. However,
the nature of his characters.
there are important differences.
First of all, his Desdemona is guilty.
Moreover, Santiago is a young boy at
the beginning of the story and is not
hard like Othello. He is even a little
bit coward and cannot stand violence.
The woman he falls in love with is
Capitú, a poor girls who lives next to
him. One of Santiago’s classmates,
Ezequiel Escobar, can be considered
the “Michael Cassio” of Machado’s plot,
since he serves a bridge between the
lovers. Finally, José Dias is the Iago of
the book. He lives with Santiago and
always shares his thoughts.

The character of José Dias has a


major role in the development of
Santiago’s feelings, since he is the
one who shares the idea that Capitú
will deceive her lover and that she has

81
“gypsy eyes”. Away from her, Santiago
begins to believe that she is happy
and becomes more and more jealous.
However, they marry, years later, and
Santiago’s jealously grows stronger. As
a result, he decides to send his wife,
and their son, to Europe. For him, the
boy is too similar to Escobar.

Over the next chapters, Santiago


shows to the readers that his wife’s
deceit is the main cause of his behavior
and claims that Capitú is guilty, which
sets Dom Casmurro and Othello
apart. However, there is also another
difference, the fact that his son is
similar to Escobar, something that
Santiago notes himself. In conclusion,
one may consider that Santiago’s
jealously and perfidy, coupled with
Capitú’s guilty, are the main elements
of the plot. Moreover, it is clear that
the drama comes from the characters’
nature and passions.

82
História do

Brasil
83
Considerando que o excerto
Questão 01 apresentado tem caráter meramente
motivador, redija um texto dissertativo

a respeito da configuração territorial
Relatório de notas
Média Ampla Concorrência: 16,7 da América portuguesa no Período
Média Pessoas com Deficiência: 16,3 Colonial (séculos 16 a 18). Aborde,
Média Candidatos Negros: 15 necessariamente, os seguintes tópicos:

a relação entre o paradigma


jurisdicionalista do governo e a
organização territorial do poder;

a formação de capitanias e do
MÉDIAS POR QUESITO governo geral, com as respectivas
características;

as vilas, as cidades e outras


expressões do poder local; e

as mudanças nas concepções e as


práticas ligadas à territorialidade no
século 18

Extensão do texto: até 90 linhas


[valor: 30,00 pontos]
Leia, com atenção, o
excerto a seguir.
A todos nos pareceu tão bem esta
terra, que o capitão determinou de a
povoar, e deu a todos os homens terras
para fazerem fazendas e fez uma vila
na ilha de São Vicente[...]. pôs tudo em
boa obra de justiça, de que a gente toda
tomou muita consolação com verem
povoar vilas, e ter leis e sacrifícios, e
celebrar matrimônios, e viverem em
comunicação das artes, e ser cada
um senhor do seu, e vestir as enjúrias
particulares, e ter todos os outros bens
da vida segura e conversável.

SOUSA, Pero Lopes. Diário de Navegação de Pero


Lopes de Sousa (1530-1532). v.1. Rio de Janeiro: Typogra-
phia Leuzinger, 1927, pp. 340-342, com adaptações.

84
PADRÃO DE RESPOSTA séculos 16 e 17, podendo-se definir a
América portuguesa no período como
Espera-se que o candidato redija um “arquipélago de assentamentos”. É
o texto considerando os aspectos a necessário mencionar que essa situação
seguir. teve repercussões administrativas
relevantes, impelindo à autonomização
Q1. Deve-se iniciar sublinhando a jurisdicional e à formação de polos
importância da administração da socioeconômicos específ icos. Um
justiça, que estruturava a governação exemplo de destaque é o do estado
nas sociedades do Antigo Regime da do Maranhão, autonomizado nas
época moderna, situando o papel do primeiras décadas do século 17.
monarca na organização das gentes
e do território. Deve-se destacar que Q5. Deve-se discutir a coexistência de
governar de forma justa significava, capitanias da Coroa e de capitanias
entre outros elementos daquele pacto hereditárias, o que deu origem a
político, conservar e expandir o reino, duas perspectivas político-territoriais
estabelecer a justiça e a equidade, e de administração. Também é
bem como recompensar os vassalos importante indicar que o processo
com mercês e privilégios. não foi planejado e (ou) linear, sendo
orquestrado ao longo dos séculos 16
Q2. Território e jurisdição faziam parte da e 17 a partir de desafios contingentes.
mesma perspectiva de administração Além disso, deve-se também marcar
do poder na América portuguesa, a sobreposição de jurisdições, em que
estruturada pela institucionalização a atuação dos oficiais de justiça dos
dos territórios. É necessário observar as donatários coincidia com os territórios
características da colonização, marcada das capitanias, enquanto a organização
pela atuação de feitores e almoxarifes da Coroa levou à criação das comarcas,
como representantes da Monarquia no cuja área de atuação nem sempre
território, e a primeira divisão territorial coincidia com aquelas das capitanias.
em capitanias na década de 1530,
ressaltando-se a emergência de um Q6. É preciso considerar, ainda, a
governo geral em 1549. afirmação de setores de povoamento
esparsos e com considerável grau de
Q3. Entre as características gerais da autonomia que limitava as prerrogativas
formação das capitanias hereditárias, do governo da Bahia. Não obstante,
cabe marcar a noção de recompensa sua capacidade de ingerência nos
segundo a lógica das mercês, o territórios variava conforme a matéria;
desenvolvimento de um conjunto de em certos casos, como a defesa do
estratégias visando ao povoamento e a Estado do Brasil, o lugar hierárquico
sua proteção, e a defesa da fé católica, do governo geral era forte. Por outro
premissa da expansão. Além disso, lado, as matérias de ordem local, como
deve-se mostrar que as capitanias eram a concessão de sesmarias, conferiam
senhorios jurisdicionais, cabendo aos alta margem de manobra aos capitães-
donatários administrar os territórios mores e (ou) aos governadores.
particulares que lhes cabiam, arrecadar
rendas, nomear funcionários, distribuir Q7. Quanto aos conselhos dirigidos
sesmarias e manter a comunicação pelas Câmaras, cabe ao candidato
política com a Monarquia. destacar que eles desempenharam
papel decisivo no âmbito político-
Q4. Cumpre assinalar o processo lento territorial como bases da organização
e descontínuo de territorialização nos do poder local. Tratava-se de um

85
modelo presente em todo o território Referências:
CUNHA, Mafalda Soares; NUNES, António Castro. Terri-
continental, o qual foi transferido torialização e poder na América portuguesa. A criação
para os territórios ultramarinos, sendo de comarcas, séculos XVI-XVIII. Tempo (Niterói, on-line),
v. 22, jan.-abr. 2016, pp. 001-030.
preciso indicar que esse processo foi FRAGOSO, João; GOUVEIA, Maria de Fátima (orgs.).
pontuado por adaptações segundo as O Brasil colonial: volume 3. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2014.
circunstâncias. São exemplos disso os FONSECA, Cláudia Damasceno. Arraiais e vilas d’El Rei:
desafios impostos pela extensão dos espaço e poder nas Minas setecentistas. Belo Horizon-
te: Editora UFMG, 2011.
territórios e pela configuração social
da América portuguesa. Ademais, é
fundamental citar que esses espaços
também recebiam as manifestações
dos interesses dos colonos, instituindo-
se como arenas de negociação.

Q8. É imprescindível mencionar que


houve alterações significativas nas
concepções de territorialidade na segunda
metade do século 18, sobretudo a partir
do Tratado de Madrid e da expulsão dos
jesuítas, momento em que também se
configurava a chamada “ciência de polícia”
que sustentou projetos de racionalização
das estruturas do poder. É necessário
referir-se a essas características no bojo
do projeto pombalino.

Q9. Ao tratar do processo de expansão


das estruturas administrativas para o
interior, é fundamental observar que ele
foi acompanhado pela construção de
novas hierarquias e por uma nova forma
de soberania da monarquia portuguesa.
Faziam parte dela, entre outros exemplos
possíveis, a emergência de paróquias e
vilas no interior e a perda de patrimônios
e privilégios das ordens religiosas.

Q10. As políticas territoriais da segunda


metade do século 18 acarretaram a
criação de políticas demográf icas,
com expedições de demarcação e
elaboração de censos populacionais,
nas quais atuaram cartógrafos e
naturalistas, engenheiros militares e até
mesmo astrônomos. Tratava-se, nesse
sentido, de orientar o assentamento
de populações em territórios litigados
por outros potentados, com a
consequência de fomentar uma nova
consciência geográfica.

86
João Pedro Portella hereditárias em 1532-1534. A função
do regime seria facilitar a ocupação da
Ribeiro Cardoso terra, delegando-a a agentes privados,
28,5 e sua exploração produtiva apesar
da aparente ausência de metais
TL – 90; preciosos. Os capitães donatários, em
1385 palavras; sua maioria membros da pequena
15,4 palavras por linha nobreza ou da classe militar que
não tinham recursos ou mercês para
O absolutismo português explorar as Índias, receberiam dois
organizava-se, desde Dom Afonso documentos: uma Carta de Doação,
Henriques, em uma estrutura com que encerrava a doação das terras na
predomínio do poder monárquico América em caráter hereditário, e o
e relativamente fraca nobreza, que Foral, que assegurava ao Capitão os
dependia internamente dos favores poderes de administração necessários,
reais, na chamada “economia das como a competência para administrar
mercês”. Esses favores estavam a justiça, recolher impostos ou mesmo
intimamente ligados aos objetivos conceder doações de sesmarias,
da expansão marítima: difundir a Fé conforme a Lei das Sesmarias de
católica e alargar o Império português. 1375. Adicionalmente, os capitães
Por outro lado, conforme esse Império donatários poderiam exigir dos
dilatou-se pelo globo, assumiu caráter sesmeiros que erigissem engenhos,
notadamente descentralizado. Da limpassem a vegetação e ocupassem
mesma forma que a distribuição do produtivamente a terra doada. As
poder na metrópole se dava entre capitanias, traçadas a partir de linhas
rei, de um lado, e a f idalguia dos retas do litoral para o interior até o
“Concelhos”, de outro, nas colônias meridiano de Tordesilhas (370 léguas
havia protagonismo de instituições de Cabo Verde), tiveram limitado
descentralizadas, como as Câmaras sucesso inicial. Alguns donatários
Municipais e as Misericórdias. nunca chegaram à América, enquanto
outros foram repelidos pelos
O Brasil, uma vez descoberto, não indígenas, pela dificuldade de tratar
foi imediatamente ocupado. A carreira a terra ou pela baixa rentabilidade
das Índias ainda prometia maiores dos engenhos, que exigiam alto
lucros e a América portuguesa, endividamento inicial. Apenas
conforme a divisão estabelecida pelo Pernambuco, beneficiada pela maior
Tratado de Tordesilhas, não parecia proximidade em relação a Portugal
oferecer riquezas imediatas além do e pela presença do solo de massapê,
pau-brasil, cujo tráfico se dava em e São Vicente, que fora fundada por
um regime de delegação à iniciativa Martim Afonso e rapidamente se
privada, com monopólio (“estanco”) convertera à atividade de capturar
e escambo com indígenas. O risco escravos indígenas, sobreviveram a
de perder as terras descobertas para esses anos iniciais. De modo a corrigir
invasores f ranceses e holandeses, o problema, a Coroa instala, em 1548,
comprovado pela expedição guarda- o Governo Geral, com sede na agora
costas de Martim Afonso em 1530, Capitania Real de Salvador. O objetivo
fez com que a Coroa mudasse de do Governo Geral seria o de facilitar
estratégia. Partindo da experiência a ocupação das capitanias e sua
bem-sucedida de colonização dos defesa contra indígenas e invasores,
Açores, Portugal estabelece na centralizando parcialmente o poder
América o regime de capitanias sem verticalizá-lo, uma vez que os

87
capitães donatários ainda gozavam descentralização do poder e a intensa
de ampla autonomia. O primeiro hierarquização deste, característica
Governador Geral foi Tomé de Sousa, do Antigo Regime. Mesmo entre os
que chega à América em 1549 com seu escravos havia hierarquia, dada entre
“regimento”, chamado por alguns de os nascidos na América, os traficados
“primeira constituição do Brasil”, uma que haviam dominado o português
vez que estabelecia textualmente a (“ladinos”) e os recém-chegados da
autoridade do Governador, incluindo Áf rica (“boçais”). As Misericórdias,
o poder de arregimentar milícias e por fim, eram instituições privadas,
coletar tributos. Tomé de Sousa foi mantidas pela “nobreza da terra”, para a
acompanhados dos jesuítas, que prática da caridade, o que também era,
teriam papel na aculturação dos de certa forma, um recurso de poder.
nativos e na expansão territorial. A
partir desse momento, as capitanias A partir de 1626, com a necessidade
começam a prosperar. de facilitar a ocupação e a defesa do
Norte da colônia, a América portuguesa
Apesar da presença do Governo Geral, é dividida entre o Estado do Brasil e
permanece na América a característica o Estado do Maranhão e Grão-Pará.
geral do Império português, comparado Essa racionalização da administração
a um “Império de Repúblicas”. As duas territorial é acompanhada da criação,
principais forças centrífugas do Império ainda no século XVIII, do Conselho
Luso — as câmaras municipais e as Ultramarino, destinado a fortalecer
Misericórdias — também estavam no a presença da Coroa na colônia, que,
Brasil, consequência do comportamento com o fim da União Ibérica, se tornara
da Coroa de delegar a ocupação colonial a principal possessão portuguesa no
a entes privados. As Câmaras Municipais além-mar. Nas Câmaras Municipais,
eram o locus privilegiado do poder local surge a figura do “juiz de fora”, enviado
e eram dominadas pelos “homens da Coroa, e no Norte o comércio passa a
bons”, isto é, proprietários, cristãos- ser monopolizado por Companhias de
velhos e “brancos” do sexo masculino Comércio criadas por Portugal. Inicia-
que compunham a “nobreza da terra”. se, assim, um processo de verticalização
Não bastava fortuna para ser homem do Poder que está ligado à necessidade
bom e exercer a vereança: era necessário de Lisboa por extrair recursos da
ter terras e escravos, o que, na sociedade colônia. Com a descoberta do ouro
de “antigo regime nos trópicos”, era em Minas Gerais, a Coroa não deixa
identificado com mercês e poder. Por de delegar a exploração econômica
isso, comerciantes e traficantes estavam, a entes privados, tampouco a coleta
a princípio, excluídos do exercício do de impostos, feita pelos “coletadores”,
poder. As Câmaras Municipais, que mas empreende diversas tentativas de
detinham competências amplas na arrochar a cobrança dos tributos, como
administração local, como a zeladoria as Casas de Fundição, a “capitação”
urbana e o julgamento de pequenos e a “Finta”, complementada pela
delitos, concorriam ainda com o poder “Derrama”. Outrossim, o controle do
exercido autocraticamente pelos território passa pela garantia de suas
senhores de terras em seus latifúndios, aparentes “fronteiras naturais”, isto
onde raramente enfrentavam limitações é, a foz do Amazonas e o estuário do
externas. A depender, ainda, do número Prata. Este último, apesar da fundação
de “fogos” (lares), os povoados eram de Colônia do Sacramento em 1680,
organizados hierarquicamente e vilas é ferrenhamente disputado com a
e cidades, com maiores ou menores Espanha. Em 1750, após uma série de
privilégios reais. Assim, conviviam a conflitos europeus (notadamente a

88
Guerra de Sucessão Espanhola) arrastar responsável pela expansão territorial
Portugal e Espanha ao confronto e e pela expulsão dos holandeses do
causar reveses nas fronteiras coloniais, Nordeste e de Angola, no séc. XVII. A
as duas Coroas assinam o Tratado morte de D. José e a ascensão de D.
de Madri, destinado a consolidar Maria I interromperam as reformas
suas fronteiras na América após as pombalinas, desfazendo a expulsão
expansões territoriais portuguesas dos jesuítas operada por Pombal,
além-Tordesilhas e evitar, mediante limitando as manufaturas locais e
cláusula secreta (art. XXI), que conflitos dando início à “Viradeira”.
entre as metrópoles alterassem o
status quo nas Colônias. O tratado foi
idealizado pelo santista Alexandre de
Gusmão e baseou-se nos critérios de
“uti possidetis” (quem tem a posse
deve mantê-la) e fronteiras naturais.
Além disso, implicou a entrega de
Colônia do Sacramento aos espanhóis,
em troca de Sete Povos das Missões.

A morte de D. João V em 1750 e a


ascensão do Marquês de Pombal,
valido do rei D. José I, provocaram
mudança de rumos. Pombal
discordava da cessão de Colônia e,
por isso, boicotou a demarcação do
tratado (que passa pelas Guerras
Guaraníticas no Sul), obtendo sua
anulação em 1761, pelo Tratado de
El Pardo. Adepto do despotismo
esclarecido, Pombal interferiu
diretamente na administração da
Colônia, criando o vice-reino do Brasil
em 1774 (encerrando a divisão em
dois Estados), com capital no Rio de
Janeiro. A nova capital deveria auxiliar a
presença portuguesa nas Minas Gerais
e funcionar como base de operações
para uma reconquista da região Sul,
notadamente o Rio Grande, ocupado
por Dom Pedro de Cevallos desde 1763.
Pombal reformou a coleta de impostos
nas Minas, colocando autoridades
locais em postos de governo de moda
a assegurar sua cooptação, criou
o Diretório dos Índios, proibindo a
escravização destes e estimulando
seu casamento com “brancos”, e
instituiu aulas régias para a educação
da nobreza local. Centralizava-se ainda
mais o poder, sem ignorar a relevância
do poder local, que fora largamente

89
Vinícius Kuczera Zampier No século XVI, as câmaras municipais
também desempenharam um papel
25 central na organização territorial
de poder (administração da vida
TL – 89 linhas; local, manutenção da infraestrutura
1155 palavras; das vilas, cobrança de impostos,
13 palavras por linha
julgamento de pequenas causas,
envio de reclamações à Lisboa por
A ocupação portuguesa de sua meio do instituto da ab-rogação). A
colônia nas Américas ganha força câmara, presente em vilas, era criada
em 1530, após um período de relativo por decreto real e formada pelos
descaso (maior interesse nas Índias, chamados homens bons, membros
prevalência do escambo e feitorias), em da elite local eleitos a cada três anos.
razão do sucesso espanhol na região Cidades também podiam ter câmaras,
e do crescente interesse de potências já agrupamentos de menor extensão
como a França. Como consequência, eram privados desse instituto cuja
é enviada a expedição de Martim origem data da influência moura na
Afonso de Sousa (patrulhamento, administração portuguesa. Apesar
criação de fortificações, fundação da dessa presença do poder real, no
primeira vila) e criado o sistema de século XVI a presença portuguesa
capitanias hereditárias, que já havia nas Américas se limitava ao litoral
sido utilizado por Lisboa em razão e tinha como limites Pernambuco
da falta de recursos materiais para ao norte e São Vicente ao sul. Com
uma ocupação estatal. Tal sistema relação aos limites jurídicos, vigorava
representou uma descentralização da o T. de Tordesilhas, que delimitava as
colonização (doação de faixas de terra terras portuguesas à 340 léguas da
para nobres e militares, regulação pela Ilha de Cabo Verde e era negado por
carta de doação e pelo foral, dever outras potências (criação da França
de colonizar e proteger o território Equinocial na Baia de Guanabara
por meio da doação de sesmarias e por Nicolas Villegaignon, expulsão
cobrança de impostos, permanência realizada por Mem de Sá).
de atividades sob o domínio da Coroa,
como a extração de Pau-brasil), O fim do século XVI marca o início da
mas somente as capitanias de São União Ibérica (Reino de Portugal sob
Vicente e Pernambuco apresentaram a administração de Filipe II em razão
relativo sucesso. Esse fracasso levou à da morte de D. Sebastião e de sua
criação do Governo-Geral, movimento vitória sobre os demais pretendentes,
de centralização administrativa previsão de direitos e obrigações
(nomeação de um governador pela editados pelas Cortes de Tomar). Tal
Coroa, que governaria desde Salvador; período deixou marcas profundas na
criação dos cargos de provedor-mor e administração colonial (vigência das
capitão-mor; partilha de competências Ordenações Filipinas; expansão ao
entre o governador e os donatários; norte em razão do desejo de conter a
dever de proteger a colônia, povoar presença estrangeira; criação de uma
as suas terras, espalhar a fé cristã e estrutura administrativa mais racional
incentivar atividades econômicas). O e interiorizada; inúmeras tentativas de
primeiro governador foi responsável invasão ao norte com a ocupação do
por incentivar o plantio de cana, trazer Cabo Norte, holandeses em Salvador
mão de obra escrava e missionários e posteriormente em Pernambuco,
jesuítas (Tomé de Sousa). onde permanecem por anos e se
expandem por toda a Zona da Mata,

90
ingleses e holandeses na Amazônia; presença da administração portuguesa
centralização administrativa; aumento (criação da Intendência das Minas,
do comércio ao sul por meio do estuário edição de regulamentos reais, criação
do Prata). Apesar de tais ganhos, a da Capitania de São Paulo e Minas de
tentativa espanhola de aprofundar a Ouro Preto, aumento do fiscalismo)
integração e a insatisfação do clero e e houve uma maior integração entre
dos nobres levaram ao fim da União diferentes partes da colônia, mesmo
e ao início da Dinastia Bragança (D. que ainda diminuta (transporte de
João IV). Este enfrentou uma situação gado pelo sul via Sorocaba, aumento
delicada (guerra com a Espanha e da imigração, criação de novas cidades
Holanda, início da crise da cana, falta e vilas). Tal cenário possibilitou à Coroa a
de prata), o que o levou a uma nova celebração do T. de Madri, que delimitou
tentativa de centralização colonial as fronteiras nas Américas (uso do
(criação do Conselho Ultramarino, princípio do uti possidetis e de acidentes
criação do cargo de juiz nomeado geográficos para delimitar a fronteira,
por Lisboa, instituição de novas permuta entre Sacramento e Sete
companhias de comércio, concessão Povos das Missões, reconhecimento da
de direito de representação nas Cortes ocupação portuguesa da Amazônia e
para a colônia americana, atribuição da região Centro-Oeste, paz entre os
de título de vice-rei ao governador- súditos americanos).
geral). No seu reinado também houve
continuidade na expansão ao norte No século XVII, contudo, houve
(envio da expedição Castelo Branco, importantes mudanças relacionadas
da expedição Pedro Teixeira, que à territorialidade. O início do reinado
chega a Quito pelo Amazonas; criação de D. José marca a implementação
de vilas e fortificações no estuário do de um projeto ilustrado, liderado
Amazonas) e ao sul (criação de Laguna, pelo Marquês de Pombal, com
ocupação da ilha de Santa Catarina a intenção de fortalecer o poder
pelos bandeirantes, expulsão de real, diminuir a influência inglesa e
missionários espanhóis do território do revitalizar a economia metropolitana.
Rio Grande). O início da administração Como resultado, realiza reformas
de D. Pedro II também foi marcado administrativas (extinção das
por ocupação territorial (criação de capitanias hereditárias, mudança da
Sacramento no estuário platino em administração colonial para o Rio de
prol da consolidação da fronteira sul Janeiro, concessão do título de Vice-
– enclave militar – e da manutenção Reino, integração de colonos em cargos
do comércio peruleiro, para além do relevantes), econômicas (incentivos à
escoamento do couro para novos criação de manufaturas, criação de
mercados e da garantia de acesso ao companhias de comércio, revitalização
Mato Grosso) e por uma tentativa de da agricultura e da extração de ouro
implementar um projeto de feição – retorno do quinto, finta e derrama
colbertista (revitalização da economia –, combate ao comércio triangular),
colonial em prol da metrópole). Tal militares (reforma idealizada pelo
anseio levou ao encontro de metais Conde de Lippe e executada
preciosos na região das Minas Gerais pelo Conde da Cunha, criação de
no final do século por Gato Borba. A fortificações) e sociais (instituição de
extração de ouro marcou o reinado de um regime municipalista na Amazônia,
D. João VI, pois aumentou o poderio transformação de indígenas em
português e ocasionou a ocupação da súditos, expulsão da C. de Jesus,
região central da colônia (Minas, Goiás, criação da capitania do Rio Negro). Na
Mato Grosso). Além disso, cresceu a esfera territorial, houve a celebração

91
de uma série de tratados: El Pardo Guilherme Augusto
(revogação do T. de Madri), T. de Paris
(retorno de Sacramento para Portugal Baldan Costa Neves
no contexto da Guerra dos 7 anos), T. 24
de Santo Ildefonso (Sacramento e Sete
Povos para Espanha, reconhecimento TL – 90;
das demais fronteiras portuguesas, 1066 palavras;
retorno da ilha de Santa Catarina 11,8 palavras por linha
para Lisboa). Como resultado, ao
fim do período colonial as fronteiras A descoberta do Brasil não
terrestres do Brasil independente provocou entusiasmo imediato em
estavam parcialmente consolidadas, Portugal, que, no início do século
apesar de internamente reinar grande XVI, tinha suas atenções voltadas
descentralização entre as províncias e sobretudo para os negócios lucrativos
o Rio de Janeiro. que mantinha na África e na Ásia.
Logo após o descobrimento, houve
um breve ensaio de transferir as
responsabilidades de exploração da
nova terra para particulares, que, no
entanto, foi rapidamente interrompido.
A ocupação ganhou mais solidez após
expedição guarda-costas a serviço
da Coroa, sob liderança de Martim
Afonso. A expedição pretendia, num
contexto em que se intensificava a
presença de corsários estrangeiros
na costa brasileira, lançar as bases de
uma presença definitiva mais sólida.
Entre 1530 e 1532, foram distribuídas
terras a particulares, em caráter não
hereditário, e foram estabelecidos
pontos de proteção do território no
litoral. A partir de 1532, o território foi
finalmente repartido em capitanias
hereditárias, que foram distribuídas,
principalmente, a membros da baixa
nobreza portuguesa. Os capitães eram
responsáveis pela colheita de impostos,
pela exploração econômica, pela
proteção do território (podendo doar
sesmarias a posseiros) e pela difusão
da fé cristã. A empreitada revelou-se
de difícil execução para particulares,
a despeito dos amplos poderes que
possuíam. Apenas as capitanias
de Pernambuco e São Vicente
conseguiram, em alguma medida,
exitosamente conciliar exploração
econômica – com base, principalmente,
no açúcar – e convívio relativamente
pacífico com as populações autóctones.

92
As f ragilidades do modelo das bases econômicas e, efetivamente,
capitanias hereditárias levaram a demográficas fossem rurais, o poder
Coroa portuguesa a estabelecer, ao se exercia nas vilas e nas cidades.
longo da década de 1540, o Governo-
Geral, cargo cujo primeiro ocupante O governo-geral, em função das
foi Tomé de Sousa. Tratava-se de dif iculdades de centralização, foi
tentativa de centralizar o poder, mas eventualmente dividido, em mais de
a tarefa era bastante dificultada pela uma ocasião. Passavam, dessa forma,
escassa comunicação existente entre a a existir o Estado do Brasil, de um lado,
capitania da Bahia de Todos os Santos, e, de outro, o Estado do Maranhão e
onde se estabeleceu o Governo-Geral, Grã-Parã [sic], embora este último
e as demais partes do território. As tenha ocasionalmente recebido outra
instruções dadas a Tomé de Sousa nominação. Cada um dos Estado
refletiam as prioridades da Coroa, dialogava diretamente com Lisboa,
no sentido, sobretudo, de organizar sem relação de hierarquização entre
as rendas da Coroa e solidif icar a si. A repartição persistiu, de forma
exploração econômica, em benefício geral, até o governo de Pombal,
da metrópole. O estabelecimento do quando, num contexto marcado
Governo-Geral foi acompanhado da pelos desentendimentos quanto à
vinda dos primeiros jesuítas, liderados repartição territorial entre possessões
por Manuel da Nóbrega. Geralmente, lusas e hispânicas, o governo foi
a Companhia de Jesus se tornaria def initivamente unif icado, tendo,
ator de fundamental importância na ademais, sua capital transferida de
Colônia, controlando grande volume Salvador para o Rio de Janeiro. Essas
de terras e mão de obra, na forma de transformações, além de acompanhar
índios catequizados. o deslocamento crescente do eixo
dinâmico da economia, pretendia
A despeito desses esforços aproximar a administração da fronteira
centralizadores, a administração da conflagrada ao Sul, já que o Tratado
Colônia continuava a ser marcada de Madri havia sido repudiado por d.
pela baixa hierarquização do poder. A José e seu principal ministro. Este foi
administração era complementada, um período, também, de construções
ainda, pelos ocupantes dos cargos de fortalezas (como Humaitá e
de provedor-mor, capitão-mor e Forte Príncipe da Beira) no espaço
responsáveis pela aplicação da amazônico e de estímulo à criação
justiça; e pelas câmaras municipais. As de vilas naquela região, como forma
câmaras municipais, instituição que se de estimular uma maior presença
repetia em todo o Império português, estatal, que conferisse maior solidez
eram os locais por excelência da aos pleitos territoriais portugueses, em
representação dos interesses locais e sua disputa com a Espanha.
do embate entre forças centrífugas
e centrípetas. Eram lócus compostos Outras transformações importantes
pelos chamados homens bons, homens quanto à organização do poder
brancos, católicos e proprietários de foram realizadas sob Pombal. Além
terras e escravos, que eram eleitos. A das reformas militares do Conde de
existência das câmaras municipais Lippe, foram expulsos da colônia
e a importância a elas atribuídas, os jesuítas, acusados de formar um
ao menos inicialmente, eram “Estado dentro do Estado”, tamanho
evidência da importância da cidade o poder que haviam acumulado, sem
como centro de exercício do poder que suas prioridades coincidissem
político e administrativo. Embora as invariavelmente com as da Coroa.

93
Ademais, foi estimulada a integração no campo. A mineração, em contraste,
do elemento indígena, por meio de contribuía para o estabelecimento de
casamentos, da proibição da língua redes sensivelmente mais baseadas no
geral e da aprovação de um estatuto espaço urbano, além de estabelecer
que lhes era específico, a fim de fazer ligações mais profundas com partes
coincidir seus interesses com os da mais distantes do território. De toda
Coroa. Além disso, foi concluído o forma, as cidades e vilas foram os
processo de passagem do controle lócus da expressão do poder político
privado para o público sobre as e administrativo. Com efeito, formou-
capitanias, o que representou o fim se, no Recôncavo Baiano, a primeira
definitivo do sistema de capitanias rede urbana de toda a América do Sul.
hereditárias, embora o território
continuasse a se organizar em
capitanias. Finalmente, houve um
redimensionamento dos poderes do
Conselho Ultramarino, que teve sua
influência reduzida. Essa instituição
havia sido criada na segunda metade
do século XVII, num cenário em que
Portugal, fragilizado e recém-saído da
União Ibérica, buscava centralizar a
administração de suas colônias. Este foi
um período, ainda, em que Portugal viu
seu império crescentemente assediado
por potências hostis, com destaque
para os neerlandeses, que, além de
ocuparem temporariamente partes
importantes do Nordeste açucareiro
e portos africanos fundamentais para
o tráfico de escravos, tomaram de
Portugal territórios de grande valor
na Ásia, como Ceilão. Dessa forma,
a criação do Conselho Ultramarina
era uma tentativa de reforçar o
controle luso sobre os territórios
ainda agregados ao Império. Este
“ministério das colônias” perdeu parte
signif icativa de seus poderes sob
Pombal, que se caracterizou, ademais,
pelas concepções mercantilistas, pelo
absolutismo ilustrado e pelo fiscalismo.

Ao longo de toda a Colônia, o


sistema produtivo foi caracterizado
pela grande propriedade monocultora
e baseada na mão de obra escrava,
tendo em vista o enriquecimento da
metrópole. A base econômica era
fundamentalmente agrária, da mesma
forma que a maioria da população vivia

94
NOTA MÉDIA das obrigações de defender o novo
território de ameaças advindas de
Fernanda Brandão outros países europeus, como França
de Souza e Inglaterra. Contudo, devido à
17 decadência do comércio com as Índias
e às constantes ameaças estrangeiras
TL – 90; ao território americano, providenciou-
1196 palavras; se solução que fosse mais duradoura
13,3 palavras por linha e eficiente na ocupação da América
Portuguesa. A partir de 1530, com a
No Período Colonial, o paradigma expedição de Martim Afonso de Sousa,
jurisdicionalista do governo e da Coroa a qual se destinava a cartografar o litoral
portugueses influenciou a ocupação e a brasileiro, estabelecer capitanias não
colonização das terras do Novo Mundo hereditárias de terra e iniciar núcleo
e determinou a organização territorial de povoamento, o que se desdobrou
de poder na América Portuguesa. Haja na formação de São Vicente, iniciou-
vista os escassos recursos de poder se projeto mais bem def inido de
do Império Português, sobretudo em colonização do território. Com o intuito
termos demográficos, não havia, a de fortalecer a ocupação, determinou-
princípio, uma definição clara acerca se base econômica fixa, a qual visava a
de qual modelo colonizador seria complementar a atividade extrativa de
o mais adequado na colonização pau-brasil, predominante até então,
americana. Inicialmente, as decisões em modelo análogo ao estabelecido
foram influenciadas por tratados nas ilhas do Atlântico, com base em
negociados com a Espanha, sobretudo plantações de cana-de-açúcar. Além
o Tratado de Tordesilhas, de 1494, o qual disso, pautadas por decisão de 1532,
substituiu a Bula Inter Coetera (1493), as capitanias hereditárias foram
proferida então por ordem papal, e determinadas, em 1534, como modelo
determinou que jurisdição portuguesa basilar da ordenação administrativa do
seria demarcada a partir de linha a 370 território. Aos donatários, geralmente
léguas do arquipélago de Cabo Verde; membros da pequena nobreza lusa,
Tordesilhas possibilitou, portanto, que eram destinadas a carta de doações,
Portugal garantisse a Volta do Mar, em que determinava a extensão das
seu projeto de colonização rumo às possessões do donatário, e o foral,
Índias, e estabelecesse seu domínio que estabelecia direitos e deveres do
“de jure” sobre a parte oeste da donatário, como poderes judiciais e
América Portuguesa, a partir da linha policiais. Com amplos poderes sobre o
que tangenciava a foz do Tocantins e seu território, os donatários deveriam
a do Amazonas do Brasil atual. estabelecer bases de ocupação,
defender suas terras e poderiam,
Devido à prioridade conferida às inclusive, conceder sesmarias, as quais
rotas comerciais rumo às Índias, a foram determinantes para a futura
ocupação da América Portuguesa configuração fundiária brasileira.
ficou, a princípio, em segundo plano.
Com exceção da capitania pioneira Em 1549, adicionalmente, foi
concedida, em 1504, a Fernão de estabelecido o governo-geral, com
Loronha, houve o estímulo à construção sede na capitania real de Salvador; seu
de feitorias no litoral brasileiro. Por objetivo, contudo, não era suplantar ou
meio do estanco, particulares tiveram subordinar as capitanias hereditárias
o direito de realizar escambo com as já concedidas. Ao contrário, o governo-
populações autóctones, em troca geral destinava-se a viabilizar essas

95
capitanias e formular medidas de da economia canavieira, e direcionada
coordenação com elas. Desse modo, pelo curso dos rios, sobretudo o Rio
portando o Regimento de Tomé de São Francisco, o Rio dos Currais. No
Souza e acompanhado de companhias entanto, logo houve a ultrapassagem
jesuíticas e de assessores relacionados de Tordesilhas, estimulada, inclusive,
a questão de finanças, defesa e justiça, pela Coroa Espanhola no momento da
estabeleceu-se o primeiro governador- União Ibérica. Houve a interiorização
geral no Brasil, Tomé de Souza, o qual de colonos pela Bacia do Amazonas,
foi sucedido, posteriormente, por com vistas a explorar especiarias
Duarte da Costa e Mem de Sá. locais e defender o território de
assédio estrangeiro. Nesse sentido,
Apesar dessas disposições iniciais houve diversas fortificações, como o
de organização territorial da América Forte do Presépio (1616), que deram
Portuguesa, houve diversas alterações origem a cidades e visavam a afastar
ao longo dos séculos XVI a XVIII. estrangeiros, como os franceses que
Primeiramente, nem todas as capitanias estabeleceram São Luís (1612), com
obtiveram o êxito esperado. Com efeito, a França Equinocial. Esses fatores,
apenas a capitania de Pernambuco, conjugados com a presença jesuítica
de Duarte Coelho, logrou estabelecer na Amazônia, fortaleceram a jurisdição
produção canavieira consolidada, que portuguesa sobre os territórios do
suplantou, inclusive, a prosperidade Centro-Norte da América Portuguesa,
inicial experimentada por São Vicente. como se definiu nos Tratados de Madri
Esta, por sua vez, perdeu o impulso (1750) e Santo Ildefonso (1777).
econômico inicial, diante da competição
pernambucana, e reduziu-se a núcleos Nessa perspectiva, evidencia-
de povoamento rústicos, em que se o papel de defesa assumido
predominava o contato com grupos por fortif icações e por cidades
indígenas e a língua geral. Nesse sentido, territorializadas. A exemplo de Belém
o sistema de capitanias malogrou com e de Manaus ao Norte, a Colônia de
o tempo, e todas as capitanias foram Sacramento (1680) consistiu em
recuperadas pela Coroa, no século XVIII, enclave ao sul da América Portuguesa,
no Período Pombalino. que possibilitou a jurisdição
portuguesa além-Tordesilhas na região
A ocupação territorial da América meridional, também consolidada pela
Portuguesa tampouco se restringiu pecuária extensiva. As vilas e cidades,
ao litoral, em que pesem as por conseguinte, foram essenciais
determinações de Tordesilhas. A partir para atual configuração do território
de São Vicente, foram formadas as brasileiro. Embora a rede urbana
bandeiras vicentinas, as quais eram fosse rarefeita no Período Colonial,
compostas por homens rústicos os poucos núcleos urbanos eram
que se propuseram a desbravar o posicionados de modo estratégico
interior do território, em busca de no território, como medida de defesa
apresamento de indígenas e de e como expressão do poder local. O
prospecção de metais preciosos, além “status” de vila era importante para
de serem caracterizadas, também, pelo a ascensão política das elites locais,
sertanismo de contrato. A ocupação como se observou na Guerra dos
ultrapassou Tordesilhas, também, no Mascates (1709-1711), pois era o que
Norte. A princípio, houve a ocupação possibilitava a existência de câmaras
Norte-Nordeste em razão da pecuária, municipais, as quais eram compostas
que se alastrou pelo interior do por vereadores locais (além do juiz
Nordeste brasileiro, como subproduto de fora, selecionado pelo Conselho

96
Ultramarino, criado em 1642) e que MENOR NOTA
expressavam os interesses dessas
elites, muitas vezes mais efetivos que Anônimo
as determinações da longínqua Coroa. 9,5
O pelourinho também constituía
símbolo de poder que demonstrava TL – 85;
a função destacada das cidades no 1049 palavras;
processo de decisão na América Lusa. 12,3 palavras por linha

No século XVIII, a mineração A América Portuguesa foi o fruto


viabilizou mudanças nas concepções colhido por Portugal não só de seus
e práticas ligadas à territorialidade avanços na região, mas também de
e à função das cidades no território. sua unificação como Estado, o que deu
Houve fortalecimento relativo da rede condições para o desenvolvimento e
urbana no território, em decorrência a manutenção de um império com
do comércio realizado na Estrada amplos domínios coloniais. No caso
Real e que conectava os produtores e da América Portuguesa, é preciso
consumidores do Centro-Sul, por meio compreender a formação territorial,
do comércio de charque provindo de um lado, sob a perspectiva de
do Sul e da logística de escoamento uma disputa por domínio entre as
até os portos do Rio de Janeiro. No potências europeias, notadamente
Período Pombalino, a mudança da Portugal e Espanha, e, de outro, como
capital para o Rio de Janeiro (1763) um movimento contínuo de expansão
evidenciou a centralidade do Centro-
do litoral em direção ao interior, cuja
Sul e de Sacramento, em detrimento da
maior parte ocorre entre os séculos 16 e
decadente região nordestina. Medidas de
18. Nesse sentido, a experiência colonial
ocupação dirigida, como a presença de
portuguesa caracterizou-se como uma
açorianos em Porto dos Casais, também
série de experiências administrativas,
evidenciaram a crescente importância
econômico-político-militar do Centro-Sul. que se alteravam de acordo com os
Essa trajetória evidencia a importância acertos e erros e com mudanças na
da organização territorial de poder, balança de poder europeia.
que, embora comandada por códigos
dispersos, como as Ordenações Filipinas Nos primeiros momentos, até a
(1603), garantiu a jurisdição lusa sobre década de 1530, Portugal mostrava
ampla porção da América Portuguesa. mais interesse na exploração do
comércio com as Índias do que
com o estabelecimento de uma
estrutura administrativa complexa na
América. Nesse período, a ocupação
permaneceu concentrada no litoral,
onde se construíram algumas feitorias,
que serviriam de pontos para o
embarque de pau-brasil para a Europa
e para a defesa da costa. A mata
atlântica constituía um obstáculo
para a penetração ao interior, onde
também não se encontraram
metais preciosos, diferentemente da
América Espanhola. Os portugueses
estabeleceram alguns monopólios
comerciais e fizeram trocas com os

97
indígenas. Sua ocupação, apesar de por Tomé de Sousa, ampliaria o
restrita, estava baseada juridicamente controle da metrópole por meio de
no Tratado de Tordesilhas, celebrado um representante oficial, que também
entre espanhóis e portugueses, que organizaria a defesa, a cobrança de
dividiram para si o Novo Mundo, com impostos e a administração da colônia.
base em uma linha imaginária 370
léguas a oeste de Cabo Verde. Aos poucos, os portugueses também
empreenderam um processo de
Na década de 1530, no intento, interiorização que, em última instância,
ocorre uma inflexão, com a missão expandiu seus limites para além do
de Martim Afonso de Sousa. Enviado que havia sido definido em Tordesilhas.
pelo rei, ele implantou o sistema Destaca-se, nesse ponto, o período da
de capitanias-gerais, que Portugal União Ibérica, em que os espanhóis
já havia usado anteriormente foram relativamente condescendentes
em outras experiências coloniais com os avanços portugueses. A Coroa
menores. A divisão em capitanias, de portuguesa teve um papel chave,
modo geral, era feita com base em estimulando expedições como as de
critérios cartográficos - alguns limites Pedro de Teixeira na bacia amazônica,
influenciam as divisões dos estados os estudos cartográficos e a ação dos
brasileiros até os dias atuais. Era bandeirantes. Ela teve, também, alguns
concedida uma carta foral ao capitão, aliados essenciais: grupos privados que
que costumava ser um militar ou um iam ao interior buscar riquezas e mão
nobre de hierarquia mais baixa, que de obra indígena e as ordens religiosas,
passava a ser responsável pela defesa, especialmente os jesuítas. Estes, sob o
pela exploração econômica e pela pretexto de catequização dos nativos,
distribuição de terras. De modo geral, não só estabeleceram missões que
foi uma espécie de parceria público- alargaram o domínio português,
privada, que permitia a Portugal mas também desenvolveram
dividir os custos da colonização com instrumentos que facilitaram o contato
os particulares. e a subordinação dos povos indígenas,
como a língua geral.
Todavia, Portugal e Espanha foram,
aos poucos, perdendo as vantagens No plano organizacional, o
iniciais no campo da navegação. território caracterizava-se pela pouca
Nesse escopo, outros europeus foram integração, o que contribuía para
tentando conquistar territórios nas o fortalecimento das estruturas
Américas. Para os portugueses, a administrativas locais. As cidades
principal ameaça veio dos franceses, encontravam-se no grau mais baixo
que tentaram ocupar Salvador, o norte da hierarquia administrativa, sendo
(Maranhão) e a baía de Guanabara. seguidas pelas vilas, que eram centros
A percepção de crescente ameaça locais. Com a existência das câmaras
leva o rei a criar o governo geral, dos homens bons, as vilas eram um
com sede inicial em Salvador. Cabe espaço que permitia a expressão
lembrar, ainda, que a América política dos colonos, com destaque
Portuguesa tinha duas grandes para os proprietários de terras. Esses
regiões administrativas, o Brasil e o órgãos serviam como organizadores
Grão-Pará-Maranhão, que tinham locais da justiça e da polícia, por
governos distintos. Em um cenário em exemplo. A elevação de uma cidade
que nem todas as capitanias tinham à condição de vila, ademais, podia
sido bem-sucedidas, o governo geral, ensejar conflitos nas balanças de poder
ocupado, em um primeiro momento, locais, como foi o caso da Guerra dos

98
Mascates, em Pernambuco, em que os unidade e a integração. Afinal, como
olindenses resistiram ao crescimento afirma Evaldo Cabral de Melo, o Brasil
da influência do Recife. fez-se território antes de ser pátria.

Durante todo o tempo, Portugal


enfatizou o paradigma jurisdicionalista,
algo que vai ao encontro de sua
condição de pequena potência
europeia, sem grandes excedentes de
poder militar, em que a lei era uma
forma de manter a ordem e a influência.
No plano interno, esse paradigma
levou a constantes reformulações
da política administrativa da colônia
americana. No século 18, isso significou
esforços de maior controle da Coroa,
especialmente após a descoberta
de metais preciosos. Aperfeiçoaram-
se, por exemplo, as cobranças de
impostos, com a criação das casas de
fundição e de novos impostos, como a
capitação e a finta. Com a chegada ao
trono de José I, o marquês de Pombal
dedica-se a aperfeiçoar e a racionalizar
ainda mais a administração.

No plano internacional, o século 18


também foi importante, pois marcou
o esforço português de legitimar
sua expansão territorial em tratados
internacionais. Para isso, Portugal
aliou-se à Inglaterra, uma potência
militar em expansão, o que lhe deu
algumas vantagens em negociações
territoriais, como as dos tratados de
Utrecht de 1713 e 1715. Outrossim, a
Coroa trouxe uma inovação jurídica,
o uti possidetis, introduzida por
Alexandre de Gusmão nas negociações
do Tratado de Madri. Privilegiava-se,
desse modo, a ocupação efetiva, o que
ajudou os portugueses a consolidar a
posse de territórios além-Tordesilhas,
como a Amazônia e o Centro-Oeste.

A análise da configuração territorial


da América Portuguesa entre os
séculos 16 e 18 já nos permite entender
a parte principal do corpo da pátria
brasileiro. O desaf io, depois da
expansão, passa a ser a garantia da

99
de nação. Percebendo a sociedade
Questão 02 civil como corpo conflituoso, indefeso
e f ragmentado, os intelectuais

corporificam no Estado a ideia de
Relatório de notas
Média Ampla Concorrência: 23,9 ordem, organização, unidade. Assim,
Média Pessoas com Deficiência: 21,5 ele é o cérebro capaz de coordenar e
Média Candidatos Negros: 16,8 fazer funcionar harmonicamente todo
o organismo social.
VELLOSO, Monica Pimenta. Os intelectuais e a política
cultural do Estado Novo. In: FERREIRA, Jorge DEL-
GADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O tempo do
nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao
apogeu do Estado Novo (O Brasil republicano, v.2). Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011 [2003], 4. ed, pp.
145-179.

MÉDIAS POR QUESITO


A legitimidade [...] do Estado Novo
dependia de que seus agentes o
associassem a Vargas, combinando [...]
a imagem do líder com a representação
da nação.
SCHWARCZ, Lilia Moritz; STARLING, Heloisa Murgel.
Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das
Letras, 2015, p.377.

Considerando que os excertos


apresentados têm caráter meramente
motivador, redija um texto dissertativo
concernente à política cultural na
era Vargas (1930-1945). Aborde,
necessariamente, os seguintes tópicos:

Leia, com atenção, os a criação de órgão governamentais


com atuação na área cultural;
excertos a seguir.
as iniciativas de controle estatal
Os dirigentes do Estado Novo referentes às manifestações da
perceberam a importância de atrair cultura popular; e
setores letrados a seu serviço: católicos,
integralistas, entre outros, ocuparam a relação dos intelectuais com
cargos e aceitaram as vantagens que o regime político no contexto de
o regime oferecia. iniciativas estatais nos campos
FAUSTO. Boris. História do Brasil. São Paulo: Editora da da arquitetura, da preservação do
Universidade de São Paulo/Fundação do Desenvolvi- patrimônio e dos museus.
mento da Educação, 1995, p.376, com adaptações.

É a partir da década de 1930 que eles [os


intelectuais] passam sistematicamente
a direcionar sua atuação para o âmbito
Extensão do texto: até 90 linhas
do Estado, tendendo a identificá-lo
[valor: 30,00 pontos]
como a representação superior da ideia

100
PADRÃO DE RESPOSTA em 1937, do Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (SPHAN),
Espera-se que o candidato redija o qual arregimentou vários intelectuais
o texto considerando os aspectos a vinculados ao Modernismo. Enquanto
seguir. o projeto de criação do SPHAN –
elaborado por Rodrigo de Melo Franco
Q1. A caracterização do Estado que se de Andrade por encargo de Gustavo
construiu a partir da Revolução de 1930 Capanema, ministro da Educação
como um Estado centralizador e com e Saúde Pública – tramitava no
mais autonomia em relação às classes Legislativo, o Congresso Nacional foi
e aos agentes sociais do que o Estado fechado em 10 de novembro de 1937.
oligárquico da Primeira República, com Deve-se destacar que gestões junto a
ímpeto intervencionista tanto na área Getúlio Vargas levaram à aprovação do
econômica – inclusive com objetivos projeto pelo Decreto-Lei no 25, em 20
de promoção da industrialização – de novembro, que fixou o campo de
como na área social, na qual procurou atuação do novo órgão e estabeleceu
desempenhar um papel de mediador um marco jurídico que conciliou a
ou árbitro entre a classe trabalhadora proteção de bens culturais e o direito
e os empresários a partir de iniciativas à propriedade, pois o tombamento
de proteção do trabalhador urbano. não implicava a desapropriação do
Deve-se ressaltar que também marcou bem tombado pelo Estado. Além do
o período o fortalecimento do papel conceito de tombamento, o Decreto-
das Forças Armadas como garantia Lei no 25 institucionalizou o Conselho
da ordem interna, além de grupo de Consultivo, instância decisória à qual
pressão, dentro da administração competia deliberar sobre o que seria
pública, a favor da industrialização. ou não tombado.

Q2. Cabe ressaltar que, entre as Q4. Instaurado por um golpe que
primeiras medidas do chefe do Governo fechou o Congresso Nacional, sem
Provisório, se incluem a criação, ainda resistências signif icativas e sem
em novembro de 1930, dos Ministérios mobilização popular, sob o pretexto
do Trabalho, Indústria e Comércio de ameaça de nova insurreição
e da Educação e Saúde Pública, comunista, denunciada por militares
que traduziam duas prioridades: a a partir de documento chamado
política trabalhista – voltada para a Plano Cohen (que, posteriormente, se
subordinação dos sindicatos ao Estado, revelou forjado), o Estado Novo não
ao mesmo tempo em que reconhecia representou uma ruptura drástica
direitos aos trabalhadores, como as com o período de 1930-1937. Apesar
oito horas de jornada diária, férias de rejeitar a democracia liberal como
remuneradas e salário mínimo –; e modelo de organização política – e,
a política educacional que almejou, nesse sentido, ter representado uma
desde uma perspectiva autoritária, ruptura institucional –, o Estado Novo
centralizadora e conservadora, a aprofundou tendências presentes
reforma do ensino e da educação no período anterior, entre elas, o
pública com vistas à formação de um autoritarismo, a centralização político-
“novo homem”. administrativa e o aprimoramento da
máquina administrativa do Estado.
Q3. Quanto à preocupação com a
preservação de monumentos históricos,
entendidos como referenciais da
identidade nacional, levou-se à criação,
101
Q5. É necessário mencionar a criação, Q7. Espera-se que o candidato cite
em dezembro de 1939, do Departamento as comemorações do 1o de maio
de Imprensa e Propaganda (DIP) como no estádio de São Januário, no
instrumento de comunicação social Rio de Janeiro, e, a partir de 1944,
diretamente subordinado ao chefe do no Pacaembu, em São Paulo, que
Poder Executivo e com amplo poder reuniam multidões que aguardavam,
de interferência na área da cultura, o com ansiedade, o anúncio de algum
que evidencia o caráter estratégico benefício social para os trabalhadores.
que o controle da opinião pública A comemoração do aniversário de
representava para o regime. As seções Getúlio Vargas era mais um dos
em que se dividia o DIP exprimem o instrumentos de propaganda oficial
alcance da nova agência: imprensa, em torno da construção simbólica da
propaganda, radiodifusão, teatro e imagem do ditador como protetor
cinema, turismo e serviços auxiliares. O dos trabalhadores. A publicação de
fundamento das atividades exercidas A nova política do Brasil e o ingresso
pelo DIP consistia em promover a na Academia Brasileira de Letras
legitimação social do regime. Diante foram outros investimentos oficiais no
do exposto, espera-se a menção de sentido de criar para Getúlio uma aura
que, para isso, o órgão não hesitou em de intelectual e, ao mesmo tempo, de
interferir na vida cultural brasileira seja homem de ação.
por meio da censura a manifestações
artísticas e aos meios de comunicação, Q8. Acerca das relações entre o Estado
seja mediante a divulgação da doutrina como patrocinador e as artes e a cultura
ideológica do regime em periódicos ao longo do período, o candidato deve
voltados para um público letrado frisar que elas também se desenvolveram
(Cultura Política e Ciência Política). no campo da arquitetura, quando
concursos públicos para a construção
Q 6 . Como testemunhos da de novas sedes para os Ministérios
multiplicidade de competências do deram lugar a disputas entre diferentes
DIP, podem ser citados, entre outros correntes. É fundamental que cite o
exemplos: a produção do programa seguinte: a capital da República foi
radiofônico A hora do Brasil, utilizado objeto de projetos de remodelação
como instrumento de propaganda do urbana, que incluíram a construção de
regime e de educação cívica em uma novos edifícios públicos, em especial
época na qual o rádio era o principal na Esplanada do Castelo, grande área
veículo de comunicação de massa; central disponível para ocupação a
a organização of icial do Carnaval partir do desmonte do Morro do Castelo,
pela Prefeitura do Distrito Federal, em 1922; o exemplo mais icônico
juntamente com a seção de turismo do das novas ideias de racionalismo e
DIP, que passaram a impor temas de funcionalidade foi o projeto para a sede
conteúdo nacionalista e de exaltação do Ministério da Educação e Saúde,
patriótica a escolas de samba e resultado da colaboração de vários
ranchos; e a organização de cerimônias arquitetos modernos sob a liderança
cívicas multitudinárias segundo um de Lúcio Costa, convidado por Gustavo
calendário of icial de eventos que Capanema, que não se satisfizera com o
incluíam o Dia do Trabalho (1o de maio), projeto vencedor do concurso; a equipe
o Dia da Bandeira (19 de novembro), recebeu uma espécie de consultoria do
o aniversário de Getúlio Vargas (19 de franco-suíço Le Corbusier que, a convite
abril) e a celebração da instalação do do governo, visitou o Rio de Janeiro
Estado Novo (10 de novembro). entre junho e julho de 1936.

102
Q9. É preciso mencionar que a 1944. A criação do Museu Nacional
discricionariedade de altos dirigentes de Belas Artes, no Rio de Janeiro, em
públicos – ao se anular o resultado 1937, com a pretensão de expor uma
de concursos e escolher arquitetos narrativa universal da história da arte,
por convite pessoal – não excluía o à qual a arte brasileira reivindicava
convívio e as disputas entre defensores inserção, expressou o tradicionalismo
de correntes arquitetônicas distintas, predominante no meio acadêmico,
como os acadêmicos, dominantes na antimodernista. É importante
Escola de Belas Artes, e os adeptos do destacar ainda que o Museu Imperial
estilo neocolonial, além dos modernos. de Petrópolis, inaugurado em 1943,
Deve-se destacar que a diversidade de dedicava-se a cultuar a memória de
estilos se expressou em obras como os Pedro II como monarca esclarecido,
Ministérios do Trabalho, da Fazenda, justo e incentivador das ciências e
da Marinha e da Guerra e em projeto das artes, pacificador e garantidor da
não realizado para o das Relações unidade da nação.
Exteriores. Outra evidência que deve
Referências:
ser ressaltada é que, com o apoio e o CAVALCANTI, Lauro. As preocupações do belo. Rio de
patrocínio do Estado, o modernismo Janeiro: Taurus Editora, 1995.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Editora da
arquitetônico brasileiro se consolidaria Universidade de São Paulo/Fundação do Desenvolvi-
como dominante e reivindicaria mento da Educação, 1995.
GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo.
participação no mercado internacional, Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994.
para o que a exposição Brazil Builds, SCHWARCZ, Lilia Moritz; STARLING, Heloisa Murgel.
Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das
organizada em Nova Iorque, em 1943, Letras, 2015.
representou excelente oportunidade VELLOSO, Monica Pimenta. Os intelectuais e a política
cultural do Estado Novo. In: FERREIRA, Jorge; DEL-
de divulgação. GADO, Lucilia de Almeida Neves (orgs.). O tempo do
nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao
apogeu do Estado Novo (O Brasil republicano, v. 2). Rio
Q10. Também deve-se comentar de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011 [2003], 4. ed.p, p.
acerca de outro setor no campo da 145-179.
cultura que recebeu atenção do
Estado Novo, que foi o dos museus,
embora não se possa af irmar que
tenha havido uma política coesa para
o setor, com planejamento orgânico,
exceto talvez no caso do SPHAN. A
criação de instituições museais no
período de 1930-1945 correspondeu a
iniciativas diferenciadas em resposta a
impulsos desconexos entre si. Alguns
exemplos podem ser mencionados.
Cabe evidenciar que as iniciativas
do SPHAN valorizaram o patrimônio
monumental herdado do Período
Colonial, como o museu das Missões,
em São Miguel das Missões/RS, de
1940, e o da Inconfidência de Ouro
Preto/MG. No caso mineiro, a operação
envolveu o repatriamento dos restos
mortais dos heróis da Conjuração
Mineira de 1789, a montagem de um
Panteão e a instalação do museu na
antiga Casa da Câmara e Cadeia, em

103
Adriana de Medeiros em Operários, de Tarsila do Amaral)
era posta em prática pelas políticas
Gabinio de nacionalização do trabalho, com
30 quotas de imigração, e de valorização
da cultura nacional. Nesse ponto,
TL – 90; porém, destaca-se que havia candente
1315 palavras; debate sobre que era “cultura
14,6 palavras por linha nacional”: enquanto os herdeiros da
Antropofagia – e seu índio caraíba,
A Revolução de 1930, que levou Vargas a capivara, o “herói de nossa gente”,
ao poder em 03 de novembro de 1930, Macunaíma (1933, de Mário de Andrade)
originou-se de uma aliança ampla e – defendiam que a cultura brasileira
heterogênea, formada por oligarquias seria a mistura, a incorporação crítica
“ressequidas”, tenentes e liberais, do estrangeiro, os herdeiros da Escola
que buscavam efetivar reformas no da Ante e do Verde-amarelismo – com
sistema político, educacional e social. o “bom selvagem”, a anta, Martim-
Como consequência, os quinze anos da Cererê (Cassiano Ricardo) – excluíam
era Vargas foram caracterizados pela qualquer influência estrangeira em
mediação varguista entre os distintos busca da pureza nacional, ligando-se
interesses dos grupos políticos que o ao ufanismo. Ademais, na década de
apoiavam, mediante o fortalecimento 1920, outro debate ganhou espaço: o da
do poder estatal em sua própria figura: educação. Nesse ponto, dois grupos se
tratava-se do Estado de compromisso, opunham: o da Escola Nova (liderado
que centralizava o poder no Estado, por Anísio Teixeira) e do grupo católico
a fim de mediar os grupos políticos, (concentrado no Centro Dom Vital,
fossem eles trabalhadores, católicos, Liga Católica e os católicos mineiros).
liberais, industriais, militares e A fim de conciliar tão diferentes ideias,
intelectuais. Nesse contexto, conforme Vargas buscou o meio-termo, incluindo
apontado por Boris Fausto, o Estado toda a intelectualidade, na medida
Novo – ápice dessa centralização – do possível, na máquina estatal ou a
empenhou-se em atrair também os ela associados. Notável destaque diz
intelectuais para o governo. respeito ao limite da conciliação: não
se podia criticar o governo – o que
Na década de 1930, as ideias explica a prisão de escritores como
modernistas de 1922 ecoavam no Graciliano Ramos e Monteiro Lobato.
pensamento social brasileiro, levando
a uma nova interpretação do Brasil e Assim, a criação de órgãos
do brasileiro: o darwinismo social e a governamentais na área cultural
política do embranquecimento do fim buscava dois objetivos: evitar e
do XIX foram substituídos pelo orgulho censurar as críticas – mediante ação
da mestiçagem, conforme ideias de do DIP – e criar, difundir e fortalecer
Gilberto Freyre em Casa-Grande e a cultura e identidade nacional –
Senzala (1933), ao qual se somariam as mediante Ministério da Educação
obras de Buarque de Holanda (Raízes e Saúde. Ambos os órgãos foram
do Brasil, 1936) e Caio Prado Júnior inovações do governo Vargas e tinham
(Formação do Brasil Contemporâneo, função complementar na área cultural.
1944). Politicamente, a substituição O Departamento de Imprensa e
da ideologia do embranquecimento Propaganda (DIP), chefiado por Lourival
(ilustrado na Redenção de Cam, Fontes, seguia padrões de regimes
de Brocos) pela modernidade e autoritários da Itália e Alemanha,
orgulho da miscigenação (ilustrado sendo responsável pela censura,

104
pela administração do calendário era exaltada, mas a ideologia de uma
festivo e da exaltação personalista miscigenação positiva, o pensamento
de Vargas. A fim de impor a censura, modernista e a valorização do trabalho
Fontes fora instruído com métodos de eram notáveis. Ao mesmo tempo, o
tortura pela própria Gestapo, a qual foi MES esforçou-se em criar mecanismos
aplicada impiedosamente contra os de proteção cultural, notadamente
envolvidos na Intentona Comunista via SPHAN (Secretaria do Patrimônio
de 1935. Para as festividades nacionais, Histórico e Artístico Nacional), em
quatro datas foram eleitas: 19 de abril 1937, baseando-se na proposta de
(aniversário de Vargas), 01 de maio Mário de Andrade, com quatro livros
(dia do trabalhador), 07 de setembro de tombamento e criação de museus
(independência nacional) e 10 de modernos, como o Museu das Missões
novembro (instauração do Estado (Rio Grande do Sul) e o Museu da
Novo). A exaltação e construção do Inconfidência (Minas Gerais).
“mito Vargas”), por sua vez, teve as
mais criativas ações, além de bustos, Ao mesmo tempo, Vargas nomeia
fotografias e apresentações cívicas, Gustavo Barroso para diretoria do
como a publicação de livros infantis Museu Histórico Nacional, criado em
(Vargas para Crianças) e programa de 1932. Em contraposição à perspectiva
rádio que depois se transformaria na moderna dos museus criados
“Voz do Brasil”. A ação do DIP, assim, pelo grupo do MES – em que se
concentrado no período do Estado destacavam arte indígena, objetos do
Novo, fundava-se na concepção cotidiano, além do Barroco mineiro,
autoritária do Estado, que remonta aos com curadoria e objetivo de aprender
escritos de Alberto Torres e encontraria sobre o passado e a identidade do
respaldo no contexto internacional de País – o Museu Histórico Nacional, sob
crise do liberalismo e ascensão dos direção de Barroso, incorpora caráter
autoritarismos e do fascismo. laudatório do passado histórico, com
clara predominância da herança
A ação do Ministério da Educação europeia, destacando-se exaltação aos
e Saúde (MES), por sua vez, após bandeirantes e uma noção de Nação
inicialmente liderada por Francisco perpétua, evolucionista. A concepção
Campos, passou a ser encabeçada pelo de arte nacional de Barroso, não
notável católico mineiro Capanema, a por coincidência, derivava da Escola
partir de 1933. Seu chefe de gabinete, da Anta, sendo ele um dos maiores
Carlos Drummond, e outros altos expoentes do Integralismo, que seria
funcionários, como Melo Franco, tinham alijado da política em 1938.
ligações diretas com os modernistas de
1922. A política educacional, de forma No contexto da “era do rádio”, o
geral, foi baseada na proposta católica, Estado não ficou alheio às músicas
que prevaleceu na Constituinte de 1933- ouvidas pelos brasileiros, e censurou
1934, mantendo o ensino com separação letras como o samba de Wilson
por gênero e o ensino religioso (contra Batista, que cantava “ter orgulho de
a proposta laica e sem distinção de ser tão vadio”. No seio da exaltação ao
gênero do Manifesto da Escola Nova). trabalhismo, criação da CLT, da carteira
Não obstante, não se limitou a isso: na de trabalho, o sambista passaria a
nacionalização do ensino, que proibia cantar outras estrofes, feliz por ir
estrangeiros de serem donos de escolas trabalhar no bonde da cidade. Outra
e o ensino em língua estrangeira, houve notável ação de Vargas foi a legalização
implantação de um currículo nacional, da prática da capoeira, popularizada
em que não apenas a figura de Vargas pelos estudos de Mestre Bimba e sua

105
capoeira regional. Reprimida durante Andrea Kakitani
a Primeira República, a capoeira passa
a ser elevada a patrimônio e orgulho Carbone
nacional, pela relação latente com a 27,5
miscigenação do povo brasileiro.
TL – 89;
Ainda, no campo da arquitetura, 1105 palavras;
destacavam-se a quase ausência de 12,4 palavras por linha
edifícios da Primeira República no livro
de tombamento do período, na lógica A ascensão de Getúlio Vargas ao poder
da rejeição da “república oligárquica”, ocorreu no contexto de crise política da
bem como a construção do Edifício República oligárquica, nos anos 1920,
Capanema, internacionalmente e crise econômica de 1929, a qual fez o
reconhecido pelo seu valor artístico. preço do café cair e afetou a economia
A construção do que seria sede do agroexportadora brasileira. Ainda que
MES foi objeto de concurso, vencendo a Aliança Libertadora de Vargas e João
o tradicional Archimedes Memória. Pessoa não tenha tido êxito nas eleições
O projeto, porém, não foi construído, de 1929/1930, o grupo chegou ao poder
tamanha a influência modernista por meio de uma revolução, destituindo
no Ministério. Contrataram-se Lúcio Washington Luís. A era Vargas (1930-
Costa, Burle Marx e outros notáveis 1945) caracterizou-se pela formação de
arquitetos, com consultoria de Le um Estado de Compromisso, conciliando
Corbusier, que veio ao Brasil para interesses das oligarquias estaduais, dos
o projeto. Com a inauguração do tenentes, dos militares e dos industriais.
prédio, a arquitetura brasileira passou Tratava-se de um governo centralizador,
a ser internacionalmente admirada, influenciado pelo corporativismo de
alcançando ápice na construção de Manoilesco, pelo positivismo castilhista,
Brasília, com Niemeyer. pela Doutrina Social da Igreja (Rerum
Novarum e Quadragesimo Anno) e
Em todas essas ações, destaca-se pelo autoritarismo. O regime varguista
o caráter conciliatório e, ao mesmo marcou um ponto de inflexão para o
tempo, contraditório do governo Brasil, pois o modelo agroexportador
Vargas, inerente à natureza de “Estado foi substituído pelo modelo econômico
de compromisso”: enquanto museus desenvolvimentista, centrado no mercado
modernos eram inaugurados em Minas, interno e na indústria. Essa mudança teve
o Museu do Império (notavelmente consequências para a política exterior,
laudatório) era organizado em pois a diplomacia passou a orientar-se
Petrópolis; ao passo em que incluía pela busca de desenvolvimento.
comunistas no MES, Vargas perseguia
líderes da Intentona pelo DIP; ao passo Os órgãos governamentais com
em que criava a narrativa do “mito atuação na área cultural da era
Vargas”, esforçava-se por reconhecer Vargas tem como precedente uma
a diversidade dos antepassados na comissão brasileira de cooperação
capoeira. Por tudo isso, a política intelectual, a qual exercia funções
cultural de Vargas foi extremamente em órgão destinado à cultura da Liga
diversa e rica, buscando, pelas maneiras das Nações, espécie de UNESCO. Com
mais distintas, a legitimidade do poder o início do Governo provisório (1930-
através da função simbólica, como 1934), foram promovidas mudanças
ensina Lilia Schwarcz. no setor cultural: criou-se o Serviço de
Cooperação Intelectual, o qual, mais
tarde, evoluiria para Departamento

106
de Cooperação Intelectual (DCI). Em publicações danosas à imagem
torno desses órgãos havia uma disputa do governo. Esse controle estatal
entre três setores do governo – o DIP, a também era presente na política. Com
chancelaria e o MES de Capanema. A a urbanização e a industrialização
promoção da cultura brasileira ficaria da sociedade brasileira, surgiram
a cargo dessas três instâncias, as quais partidos de massa: ANL, de esquerda
não tinham exatamente o mesmo e liderada por Prestes, e AIB, de direita
projeto. Capanema, por exemplo, queria e liderada por Plínio Salgado. Durante
superar o modelo de atuação cultural o governo provisório e o governo
dos anos 1920, de modo a promover constitucionalista, Vargas usou a AIB
ações como intercâmbio educacional para alcançar seus interesses, isto é,
e exposição da identidade brasileira no reprimir os setores à esquerda. Após
exterior. Seu ministério, apelidado de a Lei de Segurança Nacional (1935),
“Constelação Capanema”, contratou a ANL foi fechada, o que motivou a
artistas modernistas, sobretudo do Rio Intentona Comunista (derrotada,
Grande do Sul e de Minas Gerais, para com líderes enviados ao exílio). Os
promover e consolidar uma identidade integralistas pensavam que teriam
nacional, difundindo elementos da lugar de destaque no governo após
cultura popular (samba, futebol, etc.). a decretação do Estado de Sítio e o
Ademais, o MES investiu no projeto início do Estado Novo (motivado pela
de reforma do ensino, adaptando as divulgação do falso plano de golpe
instituições de 2º grau para a formação comunista, Plano Cohen), mas Vargas
de elites e professionais e criando decretou o fechamento de todos os
universidades, como a Universidade partidos (1938) e reprimiu a AIB em
do Rio de Janeiro. Havia, no entanto, razão do Putsch Integralista. Nos
embates entre diferentes grupos, anos 1940, promove-se a “invenção
como os católicos e os reformadores do trabalhismo”, com o auxílio do
liberais – os primeiros queriam ensino programa de rádio Hora do Brasil e
religioso nas escolas e uma divisão por do ministro do trabalho Alexandre
gênero; os segundos eram favoráveis Marcondes Filho. Tratava-se de uma
ao ensino laico e sem distinção de cultura de valorização do trabalhador
gêneros. Buscava-se conciliar os para constituir uma cidadania tutelada,
interesses dissonantes. legitimando o governo.

Enquanto, via DCI, o governo Vargas Na frente externa, a política cultural


valorizava a cultura erudita brasileira relacionava-se com a equidistância
no estrangeiro, sendo exemplo disso pragmática e a entrada na II GM.
as apresentações de Villa-Lobos Entre 1935 e 1937, teve-se o equilíbrio
no exterior, acompanhado de sua possível entre Alemanha, com a qual
“embaixada musical; no âmbito praticava-se o comércio compensado
interno, promovia-se a cultura via acordo de 1935, e os EUA, com o
popular. A difusão de símbolos qual havia comércio em termos liberais
populares fazia parte da estratégia via acordo de 1935 com cláusula da
de formação de identidade nacional, nação mais favorecida. Nesse período,
em substituição às identidades a Alemanha superou os EUA como
estaduais. As manifestações de cultura principal origem das importações
popular, todavia, não gozavam de brasileiras. Entre 1938 e 1939, há um
plena liberdade: o carnaval de rua era equilíbrio dif ícil pela eminência
restringido e, principalmente com o de guerra, a divisão interna entre
início do Estado Novo, as obras eram germanófilos e americanistas e pelo
censuradas pelo DIP, que não permitia Caso Ritter (resultado do fechamento

107
de célula nazista no Brasil). Entre e aos museus, manteve-se orientação
1939 e 1942, o equilíbrio é rompido, dos anos 1930: apesar da diferença
pois o Brasil declara neutralidade na ideológica, arquitetos modernistas,
guerra como forma de barganhar como Lucio Costa, realizaram obras
financiamento à siderúrgica CSN e o para o governo (Ed. Capanema); a
reaparelhamento das Forças Armadas. preservação do patrimônio deu-se
Além disso, o bloqueio atlântico principalmente via nacionalização de
prejudica o comércio com a Alemanha recursos (Código de Minas, Código
e inicia-se uma cobeligerância com de Águas); e o MES cumpriu função
os EUA (recebimento de armas via museológica em relação às obras
Lend and Lease, política econômica modernistas. Além disso, a abertura de
voltada aos EUA). Para afastar a museus e instituições de ensino visava
influência nazista da América Latina promover uma identidade nacional.
e dissipar o antiamericanismo, os EUA
mudam sua política cultural e adotam
proposta de Nelson Rockefeller. Desse
modo, via OCIAA, os EUA promoviam
uma melhora de sua imagem na
América Latina e buscavam rejeitar
estereótipos negativos dos latinos na
cultura norte-americana. Em relação
ao Brasil, enalteceu-se figuras como
Carmen Miranda e produziram-se
filmes da Disney com a personagem
Zé Carioca. A política cultural brasileira
beneficiou-se desse movimento, de
modo que, similarmente aos EUA,
Vargas auxiliou na formação de
uma indústria cinematográfica que
promovesse uma imagem positiva
do Brasil nos vizinhos. O resultado do
rompimento do equilíbrio pragmático
e da política cultural de Roosevelt,
sob a Política da Boa Vizinhança, foi a
aproximação EUA-Brasil e a definitiva
entrada brasileira na guerra. Formava-
se uma “aliança especial”.

No âmbito interno, durante o


Estado Novo, Vargas seguiu atraindo
intelectuais ao governo, principalmente
aqueles à direita, para dar continuidade
à política cultural de integração
nacional. Beneficiava-se, assim, uma
representação de nação que partisse
do Estado e fosse por ele organizada
via lógica corporativista. O pensamento
nacionalista autoritário destacou-se
nesse contexto, com autores como
Francisco Campos e Oliveira Vianna.
Em relação à arquitetura, ao patrimônio

108
Daniel Nogueira Chignoli
Além disso, o Ministério das Relações
27,5 Exteriores também apresenta
mudanças, atraindo intelectuais e
TL – 80; escritores que conformam a segunda
1010 palavras; geração modernista, como Vinicius de
12,6 palavras por linha
Moraes, João Cabral de Melo Neto e
Guimarães Rosa, que farão uso de suas
A Revolução de 1930 é um marco vivências diplomáticas para a escritura
da modernidade brasileira. Nada de suas obras. Ademais, uma burocracia
obstante, as contradições entre o para a promoção da cultura brasileira
europeísmo mimetizado presente na no exterior é formada, no âmbito do
Primeira República e a busca por uma Itamaraty. A ideia de apresentar o
manifestação cultural verdadeiramente Brasil como um país moderno e em
nacional já se manifestam na década de franco desenvolvimento consolida-se.
1920, como se constata com a Semana Nesse sentido, na Era Vargas, passa-se
de Arte Moderna, o movimento verde- a contrapor esse novo período com o
amarelista e o manifesto antropofágico. da Primeira República, agora chama
A Era Vargas é um momento em que de “República Velha”.
todos esses movimentos que existiam
foram da estrutura burocrática do A criação do Departamento de
Estado são inseridos, de maneira Imprensa e Propaganda cristaliza
seletiva, nela, para a constituição de a intervenção estatal sobre as
uma política cultural nacional. manifestações culturais. Além das
campanhas educativas, como de saúde
Após chegar ao poder, Vargas cria o e de alfabetização, o DIP forma um
ministério da educação, sob o comando significativo aparato de censura, que
de Capanema, um político de influência irá selecionar quais expressões serão
católica, mas que vai mostrar-se toleradas pelo regime, como demonstra
tolerante com manifestações culturais a censura e a prisão de Graciliano
de diferentes matizes ideológicas, Ramos. Uma estética do Estado Novo
abrigando nas estruturas do ministério, calcada em expressões do realismo
inclusive, comunistas. Campanhas de fascista e soviético é incentivada de
alfabetização e a padronização de livros modo a demonstrar Vargas como o
didáticos auxiliam na criação de uma líder da nação, primeiro trabalhador
grade curricular mínima, e a literatura e pai dos pobres. Paulatinamente,
infanto-juvenil, como os livros de conforma-se um modelo de identidade
Monteiro Lobato, ganha importância. nacional mediante a união do samba
Nesse sentido, é valorizada uma cultura das camadas populares com o futebol
brasileira que não se submete aos das elites, tudo isso repercutido pelo
cânones europeus, mas que apresenta rádio, meio de comunicação muito
características de modernidade. usado por Vargas, com a transmissão
A importância do Ministério da de seus discursos pela Rádio Nacional.
Educação também é demonstrada Nesse sentido, havia o controle estatal
pelo interesse que grupos políticos, das manifestações culturais, de modo
como os integralistas, que desejam a criar uma identidade brasileira
que Plínio Salgado fosse ministro da conformada pelo regime.
educação, tinham em controlá-lo,
para poder conduzir esse processo Esse controle já começa a aparecer
de conformação cultural nacional com a crise do Diário Carioca, em
mediante o sistema nacional de ensino. 1931, que criticava Vargas e acaba

109
empastelado pelos apoiadores do A intelectualidade foi usada para a
presidente, o que enseja o pedido legitimação do caráter moderno do
de demissão de todos os ministros regime varguista. Nesse sentido, o
gaúchos. Desse fato, já se constata novo prédio do Ministério da Educação,
que as manifestações, malgrado a projetado por Le Corbusier, com seus
tolerância do Ministério da Educação pilotis e vãos libres, é exemplo dessa
de Capanema, contrárias ao regime busca pela nacionalidade. É, também, na
não seriam tolerados facilmente. Era Vargas que Lúcio Costa e Niemeyer
Ainda assim, há o esforço em se começam seus trabalhos e parcerias,
diferenciar do elitismo europeu da além da consolidação do paisagismo de
Primeira República, e as manifestações Burle Marx, todos com reconhecimento
culturais negras deixam, em parte, nacional e internacional, separando o
de ser marginalizadas para serem neoclassicismo e a art déco que vigoravam,
assimiladas, também seletivamente. majoritariamente, na arquitetura nacional,
Vargas cria o Dia da Raça, de abrindo caminho para o uso do concreto
modo a, of icialmente, valorizar as e das curvas, o que ensejará o brutalismo
contribuições dos af ro-brasileiros. das décadas seguintes. A preocupação
Da mesma forma, em 1933, Gilberto com o patrimônio nacional começa a
Freyre lança Casa-Grande & Senzala, ser racionalizada por meio da criação
em que expõe sua valorização da do DASP, o que enseja a constituição de
negritude brasileira, ainda que sob outros órgãos, como o IPHAN, de modo
o paradigma da democracia racial. a preservar o legado histórico e artístico
Desse modo, constitui-se o paradigma nacional. Novos museus são criados, como
de uma nação culturalmente mestiça, o Museu Nacional, e a elite paulistana
em contraponto ao objetivo de inicia o processo para a construção do
embranquecimento populacional Museu de Arte de São Paulo (MASP),
que havia na Primeira República. sob os auspícios de Lina Bo Bardi e de
Nada obstante, Vargas irá, embora Assis Chateubriand. Dessa forma, há a
revogue leis como a da vadiagem preocupação com a constituição de uma
que perseguia comunidades negras, memória nacional, por intermédio de
exercer o controle sobre manifestações aparelhos culturais como repositório e
culturais como o carnaval, coibindo divulgação desse patrimônio.
posicionamentos críticos ao regime
e até mesmo destruindo a praça XI, A Era Vargas foi um período de
espaço de carnavalescos e de críticos consolidação da cultura e da identidade
ao regime, por meio da construção da nacionais. Sem embargo, não houve
avenida presidente Vargas. A censura plena liberdade intelectual, com uma
começa a se fazer setnri nas músicas, assimilação seletiva, de acordo com
como “O Bonde de São Januário”, os interesses do regime. O aparato
de Cyro Monteiro, que tem a letra burocrático, dessa forma, foi expandido
alterada para ser favorável ao Estado e modernizado para abrigar intelectuais
Novo. Poemas como “Áporo” e “Rosa e consolidar uma narrativa de ruptura
do Povo”, de Carlos Drummond de entre a Primeira República, dita “Velha”,
Andrade, também exemplif icam e o Estado Novo
a atmosfera de repressão. Essa
contradição entre uma efervescência
cultural e a censura ensejará o
Manifesto dos Escritores, em janeiro
de 1945, que pedirá o fim da censura,
contribuindo para o fim da Era Vargas.

110
NOTA MÉDIA elite brasileira, como Anita Malfatti,
que havia estudado na Europa e,
Vinícius Gonzalez no Brasil, seria duramente criticada
Nóbrega pelo artigo “Paranoia e mistificação”,
23 de Monteiro Lobato. Não obstante,
a arte autoproclamada “futurista”
(em contraposição ao “passadismo”
TL – 90;
visto na arte de outrora) ganhou
1200 palavras;
13,3 palavras por linha popularidade entre parte da elite
paulista, e o empresário Paulo Prado
patrocinou a realização da “Semana de
O período da Era Vargas (1930-1945) Arte Moderna”, no Theatro Municipal
foi ocasião de grande efervescência de SP. Após a “Semana de 1922”,
cultural no Brasil, que experimentou o observou-se uma clivagem estética
auge dos movimentos modernistas de entre os modernistas. No “Manifesto
arte. Do ponto de vista político, havia Pau-Brasil”, depois ratif icado pelo
um premente anseio de desvinculação “Manifesto Antropofágico”, Oswald
do Estado brasileiro das bases de Andrade advogava por uma “arte
estéticas europeizantes da Primeira brasileira de exportação”, que, tal
República, tachada de “República qual certas tribos indígenas faziam,
Velha”. Tal período também coincidiu deveria “deglutir” padrões estéticos
com a consolidação de novos meios europeus e incorporá-los a uma
de expressão artística (mormente o arte genuinamente nacional. Em
rádio e o cinema) e com a “política contrapartida, o “Grupo da Anta”,
da boa vizinhança” dos EUA, que integrado por nomes como Plínio
ensejou grande aproximação entre Salgado e Menotti del Picchia, acusava
os dois países no plano cultural. A os antropófagos de subserviência
reformulação do Estado brasileiro e advogava por uma identidade
também implicou a formulação ferrenhamente nacionalista, baseada
de diversos órgãos incumbidos de no “mito das três raças”, tal qual
promoção e preservação cultural. elaborado na obra “Martim Cererê”,
de Cassiano Ricardo. Paralelamente
O período anterior à Era Vargas a essa disputa, ocorria grande
foi caracterizado, no plano das mudança na museologia brasileira,
ideias, pela generalizada crença na com a fundação do Museu Histórico
superioridade dos povos europeus, Nacional, na esteira da comemoração
como exemplificado pela participação dos 100 anos de independência; o
de Batista de Lacerda, diretor do Museu diretor, Gustavo Barroso, abandonou
Nacional, no “Congresso Internacional o paradigma enciclopedista do
das Raças”, em Londres em 1911. Na século XIX (presente, por exemplo,
arte, havia predomínio da pintura no Museu Nacional) e iniciou um
academicista, da arquitetura eclética museu temático, com exposições
e das produções eruditas europeias. destinadas a laudar a construção do
No Velho Continente, contudo, tais Brasil pelos colonizadores. Tal corrente
bases estéticas começaram a ruir com museológica foi, pouco depois, seguida
o crescimento da popularidade das pelo Museu Paulista, que havia sido
vanguardas, como o expressionismo, criado no século anterior.
o dadaísmo, o futurismo e o cubismo.
Os movimentos vanguardistas Após a Revolução de 1930, houve uma
foram recebidos com grande maior preocupação do Estado brasileiro
entusiasmo por parte de setores da com temas culturais. Tal era uma

111
preocupação observada no mundo como roupas, armas, moedas e
inteiro, decorrente da consolidação cartas. O SPHAN também inaugurou
dos meios de comunicação em massa o instituto jurídico do tombamento
(rádio e cinema) e da ascensão do para a preservação do patrimônio
nacionalismo em muitos países, o que histórico e artístico. Quanto aos
implicava um anseio por firmar uma edifícios tombados, houve uma nítida
identidade nacional. Foi emblemático, preferência pelo barroco, em especial
assim, o fato de uma das primeiras pelo barroco mineiro, consoante o
medidas do Governo Provisório ter sido fascínio de vários modernistas por
a criação do Ministério da Educação e essa tendência arquitetônica, como
Cultura (MEC), inicialmente sob a chefia exemplificado pela visita de Blaise
de Francisco Campos, mas depois Cendrars ao Brasil. Foi também
comandado por Gustavo Capanema. O notável a parca proteção aos edifícios
MEC notabilizou-se por uma promoção ecléticos da Primeira República, com a
da identidade cultural nos termos do exceção notável do Teatro Amazonas,
ideário modernista, rechaçando a em Manaus.
concepção de que o “branqueamento”
do Brasil seria o único caminho para Outro pilar da política cultural da
o progresso. Pelo contrário, o governo Era Vargas foi o “Departamento
Vargas impôs severas restrições à de Imprensa e Propaganda” (DIP),
imigração e manifestou preocupação chefiado por Lourival Fontes e com
quanto a colônias étnicas europeias no uma cultura institucional muito
Sul do Brasil, proibindo o ensino em influenciada pelo integralismo. Tal qual
qualquer língua que não o português. seus precursores “verde-amarelistas”,
Foi também emblemática a construção os integralistas do DIP propugnavam
do “Edifício Capanema” para abrigar uma identidade brasileira calcada no
o MEC: pela primeira vez, o Estado “mito das três raças” - por essa razão,
brasileiro bancava grande obra no estilo o símbolo de seu movimento era a
arquitetônico modernista, inclusive letra grega “sigma” (na matemática,
com a visita do renomado arquiteto notação para “somatório). Além de
Le Corbusier ao canteiro de obras. promulgar a ideia de pertencimento
a um Brasil fundado pelo heroísmo de
Quanto aos museus, o governo três raças, o DIP era responsável pelo
Vargas criou o “Serviço do Patrimônio controle dos meios de comunicação e
Histórico e Artístico Nacional” (SPHAN), por promover um culto à personalidade
com grande influência do intelectual em torno do presidente Vargas. A
Mário de Andrade. O SPHAN levou a popularização do rádio ensejou a
cabo uma significativa mudança na realização do programa “Voz do Brasil”,
concepção museológica nacional, com grande influência na construção
com a construção de museus como do mito de Vagas como o benemérito
o Museu das Missões (RS), o Museu da do trabalhador brasileiro.
Inconfidência (MG) e o Museu do Ouro
(MG). Abandonava-se em definitivo a Consoante a concepção modernista
museologia enciclopédica, consistente de aproximar arte popular e erudita,
na exibição de diversos artefatos a política cultural de Vargas foi
com pouca relação temática entre também caracterizada pelo esforço
si. Ao invés da concepção laudatória em apropriação e controle de
idealizada pelo integralista Gustavo manifestações culturais populares.
Barroso, no entanto, os museus Como a sede do poder estava no Rio de
do SPHAN caracterizavam-se pela Janeiro, o samba passou a ser um dos
exibição de objetos da vida cotidiana, principais alvos dessa política. De ritmo

112
marginalizado no início do século, o MENOR NOTA
samba passou a ser promovido como Anônimo
símbolo da tradição musical brasileira,
inclusive com a sua promoção no 13,5
estrangeiro, como exemplificado pela
popularidade de Cármen Miranda TL – 53;
516 palavras;
nos EUA. No carnaval, iniciaram-se os 9,73 palavras/linha
“desfiles de escolas de samba”, com
enredos laudatórios à concepção de A Era Vargas corresponde a um período
identidade regional adotada pelo de constituição da moderna ideia de
regime. Também instrumentalizou- nação no Brasil, à qual corresponde
se o futebol, que já era o esporte mais um Estado fortalecido e centralizado
popular do Brasil na década de 1930. capaz de promover uma determinada
concepção de cultura. Se, por um
O Itamaraty esteve presente durante lado, intelectuais de diversos matizes
todo o processo de reformulação das aderiram às propostas de Vargas,
bases estéticas nacionais. Desde a por outro, a este foi particularmente
participação dos diplomatas Graça benéfico o apoio da classe artística e
Aranha e Ronald de Carvalho na intelectual, cabendo ressaltar que parte
Semana de 1922, observou-se um da crise do Estado Novo é devido à perda
crescente esforço da diplomacia de apoio dessas classes.
brasileira na promoção cultural do país.
Tais esforços foram exemplificados O governo Vargas tem início em
pela atuação do embaixador Souza um contexto geral de desencanto
Dantas em Paris, e culminaram com as propostas liberais. Seja na
no estabelecimento da Divisão de América Latina ou na Europa, as crises
Cooperação Intelectual, no seio posteriores à Primeira Guerra Mundial
do MRE, durante a chancelaria de e, particularmente, a Crise de 29, trazem
Oswaldo Aranha. O Brasil cooperou a noção da necessária presença de um
intensamente na difusão da cultura Estado forte e garantidor do bem-estar
popular de seu povo, favorecida pela da nação. No entanto, a construção tanto
“política da boa vizinhança” dos EUA. No da ideia de Estado quanto de nação
plano multilateral, o Brasil contribuiu não são auto-evidentes, necessitando
intensamente nas discussões que construção de um arcabouço que
culminaram na criação da UNESCO, possibilite a união da população em
além de contribuir com artistas como torno de uma ideia comum de povo.
Niemeyer para a construção da sede Nesse sentido, o governo Vargas é
da ONU, e obras de modernistas como marcado pela colaboração com grupos
Cândido Portinari, na ONU, e Iberê culturais e intelectuais diversos, como os
Camargo, na OMS. modernistas, os católicos, os intelectuais
e os integralistas.

Os modernistas são integrados à


ideologia e prática estatal no que
foi conceituado como “rotinização
do modernismo”. A valorização das
diferentes raízes formadoras da cultura
brasileira foi marca importante do
governo Vargas, assim como proposto
pelo Modernismo.

113
Nesse sentido, importantes órgãos Cabe, f inalmente, ressaltar que
foram criados com interferência na o apoio dos artistas e intelectuais
área cultural. Cabe ressalta o Ministério tem sua importância confirmada no
da Educação, sob direção de Gustavo contexto da crise do Estado Novo,
Capanema, onde está presente pintura durante a qual um dos eventos de
de Candido Portinari. Houve busca de maior relevância foi o Manifesto dos
uniformizar o ensino por todo o país, Artistas, em 1943, demandando o
o que envolveu a repressão ao ensino retorno à democracia.
da língua materna de imigrantes em
regiões onde eram maioria, tendo
prevalência do ensino do português.
Outro importante meio de uniformização
cultural foi o intenso uso do rádio, pelo
qual eram transmitidas músicas, novelas
e comunicados sobre as atividades do
governo, na Hora do Brasil.

Algumas manifestações eram, no


entanto, alvo de estigmatização. É
notável a dupla atuação sobre o samba
durante o governo Vargas, pois, enquanto
de um lado foi elevado à categoria de
reflexo do povo brasileiro, por outro, o
sambista foi frequentemente associado
à figura do malandro e reprimido sob a
lei da vadiagem.

Ainda assim, muitos intelectuais


tomaram parte no regime, como
Carlos Drummond de Andrade, em
Minas Gerais, e Oswald de Andrade,
em São Paulo. É importante notar que
embora muitos intelectuais tivessem
orientação comunista, como Jorge
Amado, a repressão do governo era
acionada sobretudo quando estes
faziam críticas diretas ao governo.

Outros grupos cooptados pelo


governo Vargas foram os católicos,
que tiveram artigos inscritos na
Constituição de 1934, com a previsão
de um padre em hospitais e em áreas
militares. O período também marca
a construção do Cristo Redentor no
Rio de Janeiro e o casamento de
Vargas como forma de melhorar a
perspective religiosa sobre ele.

114
Acredito que o diagnóstico da
Questão 03 imitação resulta de dois procedimentos
adotados pelos analistas. De um lado, a

incorporação acrítica das interpretações
Relatório de notas
Média Ampla Concorrência: 14,9 e classificações construídas pós-factum
Média Pessoas com Deficiência: 14,3 por membros da própria geração de
Média Candidatos Negros: 13,7 1870, em suas memórias, já na República.
Assim endossaram a clivagem
doutrinária como eixo explicativo do
movimento. De outro, supuseram que
o campo intelectual fosse autônomo,
analisando, em decorrência, o
movimento por comparação com
MÉDIAS POR QUESITO sistemas intelectuais europeus.
Alonso, Angela. Ideias em movimento: a geração de
1870 na crise do Brasil-Império. São Paulo: Paz e Terra,
2002, pp. 21 e 22, com adaptações.

Considerando que o excerto


apresentado tem caráter meramente
motivador, redija um texto dissertativo
acerca das relações entre a crise do
Estado Monárquico e a vida acadêmica,
científica e literária no Segundo
Reinado. Aborde, necessariamente, os
seguintes tópicos:

o contexto sociopolítico que levou


ao surgimento da geração de 1870;
Leia, com atenção, o
a circulação intelectual na segunda
excerto a seguir.
metade do século 19; e
Pesa sobre a geração 1870 a acusação
a crise da Monarquia.
de ter se interessado mais em edificar
novos sistemas filosóficos que em
interpretar a realidade nacional,
ignorando solenemente, salvo
honrosas exceções, como Joaquim
Nabuco, os problemas cruciais da
sociedade brasileira, sobretudo a
escravidão: “Os brasileiros liam [...] de Extensão do texto: até 60 linhas
regra sem nenhum espírito crítico. [...] [valor: 20,00 pontos]
Caudatários. Na sua cultura, imitativos,
no pensamento – e cônscios disso - [...],
estavam mal preparados para discutir
as últimas doutrinas sociais da Europa”.

115
PADRÃO DE RESPOSTA a qual, mesmo incompleta, possibilitou
uma maior permeabilidade social e
Espera-se que o candidato redija econômica. Além disso, tais reformas
o texto considerando os aspectos a foram responsáveis por uma cisão
seguir. na elite política dominante, assim, foi
aberto o espaço para as contestações
Q1. A geração 1870 é alvo de investigações extrainstitucionais.
desde o seu surgimento na segunda
metade do século 19. De lá para cá, Q5. No que concerne à circulação
muitos intérpretes buscaram elucidar intelectual na segunda metade do
as causas de sua formação, bem como século 19, o candidato deve mencionar
os seus pensamentos, a origem social, também que a geração 1870 se
além do impacto político e intelectual. destacava pela propagação de ideologias
Espera-se, nesse sentido, uma reflexão progressistas, vistas amiúde como
mais ampla acerca do lugar ocupado radicais por seus detratores enraizados
pelos atores desse movimento na na estrutura estatal do Império. Apesar
conjuntura que antecede a queda do de serem muito influenciados por
Segundo Reinado, logo, sabendo situá- filosofias europeias, como darwinismo
lo dentro de sua importância histórica social, spencerianismo, positivismo,
para o referido período. entre outras, as apropriações por
parte dos agentes envolvidos – outrora
Q2. Como elemento inicial de análise, interpretadas pela historiografia como
o candidato deve ressaltar que, antes cópias ornamentais de ideias europeias
de tudo, os movimentos intelectuais – davam-se mediante necessidades
e políticos encabeçados pela geração das disputas políticas em vigor; desse
1870 assumiram um caráter de modo, o repertório intelectual do
contestação à ordem estabelecida, a movimento era formado por elementos
saber, o domínio dos saquaremas e o estrangeiros, mas também pela
liberalismo estamental; sendo assim, tradição e peculiaridades nacionais.
tal geração adotou uma postura crítica
ao status quo dominante. Q6. O estabelecimento de uma unidade
doutrinária e intelectual para o grupo
Q3. Cabe ressaltar a importância de é inviável, dado que as ideias eram
se considerar que a hierarquização tão diversas quanto as apropriações
social, herdeira do Antigo Regime e e as necessidades de sua aplicação
inserida no jogo de dominação das nas disputas políticas. Por isso,
elites liberais e conservadoras, barrava demonstrará erudição e domínio do
o ingresso ao poder de novos agentes, conteúdo o candidato que considerar
bem como a ascensão daqueles que, o ecletismo e o sincretismo dessas
já inseridos nas estruturas de poder, ideias, que longe de serem “puras” na
se encontravam marginalizados. Europa muito menos eram no Brasil.
Dessa forma, as críticas e as reformas Reputam-se como defasadas as teses
almejadas visavam também à inserção que visam a analisar os postulados
desses agentes no cenário político em intelectuais do movimento pelo viés da
vigor ou na alteração dele. fidelidade doutrinária, ou não, a suas
raízes europeias.
Q4. Ainda em relação ao contexto
sociopolítico que levou ao surgimento Q7. É necessário destacar também que
da geração 1870, é fundamental os debates se davam, na maioria das
destacar as mudanças ocasionadas pela vezes, em esferas públicas de discussão,
chamada modernização conservadora, e não pelas vias institucionais, como

116
o Parlamento e as instituições Q10. O candidato deve ressaltar, por
educacionais, mantidas pelo Estado. f im, que muitos integrantes dessa
Aliás, muitos de seus agentes somente geração posteriormente ocuparam
integraram as estruturas oficiais de lugares de destaque na construção
ressonância intelectual e política política e intelectual da República,
durante a República. Desse modo, a como é o caso de Júlio de Castilhos,
imprensa, as publicações diversas e os Campos Sales, Prudente de Moraes, Rui
palanques eram, frequentemente, as Barbosa, Sílvio Romero, entre outros.
formas mais usuais de propagação de Armados de ideias abolicionistas e
seu pensamento. republicanas, muitos desses atores
pavimentaram os caminhos que o
Q8. É imprescindível que o candidato novo regime percorreria.
mencione a impossibilidade de se
Referências:
desvincular a trajetória da geração ALONSO, Angela. Ideias em movimento: a geração
1870 da crise que se abateu sobre 1870 na crise do Brasil-Império. São Paulo: Paz e Terra,
2002.
o Império nas últimas décadas do ALONSO, Angela. Crítica e contestação: o movimento
século 19. A grande experiência social reformista da geração 1870. In.: Revi no 44, out 2000.
compartilhada por esse grupo era a
exclusão nas entranhas do aparato
político e administrativo do Segundo
Reinado, e o seu nascimento deu-se
justamente em contestação a essa
ordem. Á medida em que se fendia,
a estrutura do regime abria espaço
para novas ideias contestatórias; dessa
forma, pode-se dizer que a ação dos
membros desse movimento alimentou-
se da crise e fomentou-a. Ao pregarem
o fim do sistema de trabalho escravista
vigente, a extinção do Poder Moderador
e a laicização do Estado, os integrantes
dessa geração minavam os pilares que
sustentavam o regime desde então.

Q9. Em que pese a constatação da


marginalização e da exclusão do grupo
representado pela geração 1870, diante
do cenário político vigente na época,
é importante destacar que tal grupo
fazia parte de certa elite nacional, haja
vista que o próprio letramento era um
fator de distinção. Mesmo aleijada das
altas instâncias de poder, essa elite não
buscou uma ruptura radical e, sim, uma
profunda reforma nos aparelhos do
Estado, e uma prova disso é a opção
por ideologias não revolucionárias –
como, por exemplo, o positivismo – ao
invés de opções revolucionárias como
o marxismo, também disponíveis no
repertório daquela época.

117
Gabriela Barcelos Com uma agenda destinada
a implementar pautas liberais,
Tamoio Costa o Visconde do Rio Branco foi
17 responsável, entre outras coisas, pela
criação de faculdades, notadamente a
TL – 60; faculdade de Geologia de Ouro Preto,
637 palavras; possibilitando a jovens de classe média
10,61 palavras/linha formar-se e terem ambições de ter
mais poder político, e implementou
As ideias que circularam no também a Lei do Terço, que garantia
Império do Brasil ao longo da que a cada dois deputados eleitos
segunda metade do Segundo na província, um seria de oposição.
reinado foram importantes fatores Tais medidas são importantes para a
para a desestabilização do regime compreensão dos debates da década
monárquico. A chamada geração de de 1870.
1870 foi influenciada, internamente,
pelas reformas instauradas pelo Uma nova classe média urbana
Visconde do Rio Branco, pela renovação formava-se e, como tal, refletia uma
empreendida no Parlamento após a dada percepção de sua exclusão do
implementação da Lei dos Círculos, debate político. Compreende-se,
pelo contexto de crise econômica nesse sentido, a formação mesmo
oriunda da Guerra do Paraguai, entre do Partido Republicano logo após o
outros, e, externamente, pelas ideias lançamento do Manifesto Republicano
liberais que circulavam nos Estados de 1870. Majoritariamente formado por
Unidos e na Europa. profissionais liberais urbanos, defendia
o fim do Conselho de Estado, do Poder
A emergência da Geração de 1870 traz Moderador, a defesa de direitos civis
uma reorganização da configuração e políticos, embora não tocasse no
partidária que havia se estabelecido tema da escravidão. Cabe, no entanto,
desde o início do Segundo Reinado. Até ressaltar que o Partido Republicano
o período, dois partidos dominavam as Paulista, criado na Convenção de Uti,
relações no Parlamento, os liberais e tinha outras prioridades. Formado,
os conservadores, tendo havido ainda sobretudo, por proprietários rurais
entre 1853 e 1858 a união dos dois no de novas zonas de produção cafeeira,
chamado Gabinete da Conciliação. O tinham interesse na autonomia
breve período de predomínio liberal no regional para levarem à frente seus
Gabinete Zacarias no início dos anos negócios estando os direitos civis e
1860 é interrompido pela atuação do políticos em segundo plano.
Imperador em favor do conservador
Visconde do Rio Branco a f im de A efervescência intelectual que
finalizar o conflito no Paraguai. Se, por marca o período não é apenas fruto de
um lado, a intervenção no Imperador uma conjuntura interna, mas também
gerou um racha entre os liberais, da absorção de desenvolvimentos
que formaram dois outros partidos, internacionais, do que são exemplo
o Partido Liberal e o Partido Radical – a Guerra Civil nos Estados Unidos
posteriormente Partido Republicano e a instauração da III República na
–, por outro, possibilitou ao Visconde França, após a queda da Comuna de
do Rio Branco implementar uma série Paris. Noções de defesa do liberalismo
de reformas que teriam importante rapidamente difundiram-se no Brasil
consequências nos anos seguintes. e, embora muitos pesquisadores
defendam que essas ideias foram

118
adotadas acriticamente, pesquisas Jonas Paskauskas
mais recentes como a de Angela
Alonso advogam que essas ideias Werdine
foram selecionadas à partir de sua 17
adaptação ao contexto brasileiro, e
lidas sob uma perspectiva local. Assim, TL – 60;
liberalismo, darwinismo e positivismo 764 palavras;
encontraram bastante receptividade 12,7 palavras por linha
no Brasil.
A vida acadêmica, científica e literária
Sob vários aspectos essas ideias no Segundo Reinado é fortemente
estiveram presentes na crise que influenciada por instituições e pelo
levou ao ocaso da Monarquia. O ideário difundido a partir do “Regresso
liberalismo, notadamente político, Conservador”. Já na regência uma de
estava presente no Parlamento Araújo Lima, criar-se-iam instituições
com o Partido Republicano e com destinadas a reforçar a coesão política
as intensas críticas levantadas pelo das elites a partir da difusão de uma
grupo e pelos jornais à manutenção identidade nacional que se pretendia
do regime e à crise oriunda do superior aos regionalismos. OIHGB,
conflito no Paraguai. O positivismo responsável pela narrativa historiográfica
também esteve presente, sobretudo marcada pelo “mito das três raças”,
na formação de cadetes na Praia sobretudo após a tese Von Martius e
Vermelha. Sob liderança de Benjamin a teorização de Varnhagen, o Colégio
Constant, os jovens receberam Pedro II, difusor de um modelo de
formação altamente intelectualizada educação e um ponto de congressão
que pregava a participação do soldado das elites, e as reformas educacionais
na vida política, o que foi nomeado que estabeleceriam coerência curricular
por José Murilo de Carvalho como a entre as Faculdades de Direito de São
ideologia do soldado-cidadão. Embora Paulo e Recife teriam papel central
outras questões também tenham sido na estabilidade política do Segundo
fundamentais para a crise do Império, Reinado. Por outro lado, a Guerra do
a difusão de ideias renovadoras teve Paraguai, que foi um dos principais
importante papel. eventos durante o chamado “Renascer
Liberal” (Basile), soma-se ao alijamento
de grupos políticos da burocracia e à
chegada de novas ideias, de origem
europeia, que influenciaram figuras
como Joaquim Nabuco, Rui Barbosa
e outros, que elaboraram o projeto
alternativo à monarquia ante a erosão
de suas bases.

Durante a década de 1860, o Partido


Progressista, cujo nome de maior
destaque era Zacaria Goes de Almeida,
encarnou o espírito da conciliação entre
liberais e conservadores moderados, após
cerca de 15 anos de domínio do Partido
Conservador nos gabinetes. Nesse
contexto, a Guerra do Paraguai, devido
à sua duração e elevada mortalidade,

119
acabou enfraquecendo o partido e De toda sorte, os anos 1870
levando à sua queda em 1868, reiniciando apresentariam algumas inovações
um período de predominância em matéria de circulação intelectual,
conservadora até 1878. Nesse contexto, para além da imprensa e dos meios
indivíduos, sobretudo jovens bachareis acadêmicos, o que se verificaria nos
ligados a ideias liberais foram, em grande “meetings” e nos manifestos políticos
medida, impedidos de integrar ou de dos partidos conservador, liberal, liberal
obter maior proeminência na burocracia radical e republicano.
estatal, o que os levou a adotar postura
crítica ao governo. O “reform mongering” deflagrado pelo
Gabinete Rio Branco, do qual a Lei do
No âmbito externo, o ideário positivista Ventre Livre seria a maior expressão, tinha
se difundia em formas variadas, como objetivo esvaziar a agenda liberal
promovendo o cientificismo nos campos ao se implementar, de forma controlada,
político e social e ensejando a elaboração algumas propostas que persistiam desde
de novos sistemas teóricos de governo e o renascer dos anos 1860. Não obstante,
mesmo de um ideário racista pautado o contexto da década representava
no darwinismo social. As chamadas a difusão de ideias que atacavam as
“ideias fora do lugar” reverbariam no próprias bases do regime monárquico,
Brasil a partir, sobretudo, da geração de como o abolicionismo e a república.
1870, da qual muitos indivíduos seriam
abolicionistas, republicanos, defensores Após a Lei do Ventre Livre, o
do embranquecimento e da imigração movimento abolicionista ganha força e
europeia, entre outras ideias que, nem forma efetiva, tendo na geração de 1870
sempre, seriam convergentes. Embora alguns de seus principais defensores.
os membros da “Geração de 1870” Os chamados “meetings”, espécies de
pertencessem, em grande medida, comícios, ajudariam na difusão do ideário
à elite cafeicultura, figuras de origem abolicionista entre a população, somando-
popular, como Luiz Gama e José do se à crescente pressão internacional
Patrocínio, sem jamais pertencerem de organizações civis e estrangeiras e à
a esse grupo, estabeleceram pontos crescente insatisfação do exército com o
de contato relevantes com essas escravismo brasileiro desde a Guerra do
personalidades. Paraguai. Sendo o Brasil, desde o fim da
Guerra de Secessão Americana, o último
Na segunda metade do século XIX, grande Estado escravista, a posição se
a imprensa se afirma como uma das tornava cada vez mais insustentável. Por
principais maneiras de circulação outro lado, a difusão do positivismo entre
intelectual. Considerando o elevado oficiais da escola militar da praia vermelha,
índice de analfabetismo do Império, os influenciados pelo salvacionismo de B.
debates políticos de maior envergadura Constant, se somaria à Questão Militar,
acabavam restritos a uma elite letrada deflagrada pela insatisfação com a
e europeizada pelas instituições e visão inclusão de contribuição obrigatória à
cultural estabelecidas pelo Regresso caixas de montepio e agravada pelos
Conservador. Evidentemente, isso não episódios envolvendo as punições a
obstava totalmente o engajamento Sena Madureira por suas declarações
político da população via “murmuração” à imprensa e manifesta adesão ao
de ideias, embora a “cidadania em abolicionismo (convite a Dragão do Mar
negativo” fosse a regra do período. à escola de tiro do RJ). A abolição em
1888, vitória política da Princesa Isabel,
terminaria por erodir a última base de
apoio do Império.

120
Mateus de Andrade Branco. Após anos de Hegemonia
Progressista, as ideias liberais não
Kuntzler haviam sido aplicadas, em função
16,5 da heterogeneidade do Partido
Progressista. Coube ao Gabinete Rio
TL – 59, Branco “roubar” a agenda liberal. Logo,
640 palavras, foram criadas diversas vagas no ensino
10,8 palavras por linha superior; o Brasil integrou-se à Europa
por meio de uma rede telegráfica; a
Para analisar a crise do Estado Guarda Nacional foi desmobilizada e
monárquico brasileiro, cumpre promulgou-se a Lei do Ventre Livre.
analisar as transformações ocorridas
em função das gerações de 1860 e A modernização de Rio Branco
1870. Essa análise é feita por Ângela levaria ao aumento da circulação de
Alonso por meio do conceito de ideias dentro do Brasil e entre o país e
“ideias fora do lugar”. Cumpre analisar a Europa. Logo, a Geração de 1870 teria
também as transformações ocorridas maior facilidade de articulação do que
no Gabinete Rio Branco (1871-1875), no as anteriores. Antes dela, por mais
exército e na literatura. que existissem ideias abolicionistas
(vide os poemas de Castro Alves)
A década de 1860 seria marcada e republicanas (vide a influência
pelo “Renascer Liberal”, causado iluminista), as mesmas não logravam
principalmente pela Lei dos Círculos circular pelo país.
(1855). Os autores, cientistas e políticos
da década de 1860 se orientariam, de Logo, a partir de 1870, ideias
acordo com José Murilo de Carvalho, que gerariam o ocaso do Império
de acordo com ideias da sociologia passam a proliferar-se. O Movimento
histórica. Deriva daí o fato da Geração Republicano seria formado a partir
de 1860 ser mais radical do que a do Manifesto Republicano. O exército,
Geração de 1870, visto que essa última recém saído da Guerra do Paraguai,
era orientada por ideias advindas do seria influenciado, em todo território
determinismo biológico, expressado nacional, por ideias abolicionistas. Já
por Spencer e Gobineau. A Geração de o abolicionismo teria melhores meios
1860, por meio do Clube Radical, pedia de organização, visto que comícios e
pela abolição da escravidão, enquanto rifas seriam organizados em prol da
a Geração de 1870 não o fazia, haja vista libertação de cativos.
a presença de proprietários de terra no
Movimento Republicano, e em especial No campo científ ico, notar-se-ia
no Partido Republicano Paulista. grande progresso. A circulação de ideias
científicas pode ser comprovada pelo
Além do determinismo biológico, a aumento de ferrovias no país e pela
Geração de 1870 sofreu influências do presença do Imperador na Conferência
Positivismo, formulado por Auguste Científica da Filadelfia. Já na literatura,
Comte. Essa ideologia seria presente observa-se a ascensão de Machado de
principalmente no seio do exército, Assis. O autor não teria tido tamanha
que seria o responsável pela queda popularidade, caso não houvesse
da monarquia. veículos disponíveis para veicular
sua obra. Estava completo o sistema
A Geração de 1870 encontraria literário segundo Antônio Candido.
fertilidade em função da modernização
levada a cabo pelo Gabinete Rio

121
Contudo, os intelectuais surgidos NOTA MÉDIA
em 1870 não encontravam espaço Guilherme Dias
no sistema político brasileiro. O
exército não se via representado nas 15
instituições políticas após a morte
de Osório e Caxias. Os abolicionistas, TL 57;
598 palavras;
durante o Gabinete Cotegipe, só 10,5 palavras por linha.
tinham Joaquim Nabuco como
representante. Já os republicanos não Nas últimas décadas do Segundo
logravam organizar-se em função de Reinado, ocorre um fortalecimento do
sua heterogeneidade. exército brasileiro após a Guerra do
Paraguai, uma crescente luta contra
Desse modo, a Geração de 1870 a escravidão até sua abolição, e o que
levaria ao fim do Império por meio foi chamado por alguns especialistas
da questão militar e da questão de “ideias fora do lugar, que foi a
abolicionista. O abolicionismo incorporação das novas ideologias
tomaria as ruas após a Lei dos europeias na política e na cultura
Sexagenários (Saraiva-Cotegipe) e o brasileira da geração de 1870. Estas três
exército pressionaria o Império em questões estão entre as principais que
função da Questão Sena Madureira levaram à proclamação da república.
e das fichas sujas pelos gabinetes
liberais da década de 1880. Logo, A cultura durante o Segundo Reinado
após o Baile da Ilha Fiscal, o Império era pujante. Instituições como o IHGB,
conheceria seu fim, sacramentado as faculdades de direito de Olinda e
pelo movimento militar positivista de São Paulo e a imprensa dinâmica
do 15 de Novembro de 1889. eram verdadeiras pontos focais de
desenvolvimento de ideias, debates e
Angela Alonso discorda da noção manifestações culturais. Além disso, o
de que a Geração de 1870 orientava- próprio Estado financiava e fomentava
se por ideias europeias fora do lugar. a cultura e a literatura brasileira,
Tratava-se de ideias interpretadas chegando a subvencionar artistas
por brasileiros, aplicadas em um como Pedro Américo para estudar na
contexto específ ico, diferente Europa. O IHGB realizava concursos
daquele da Europa. para desenvolvimento da academia
brasileira, como o que Von Martius
ganhou sobre a história brasileira,
e a Coroa f inanciava exposições
científicas típicas da Belle époque
no Rio de Janeiro, e selecionava as
melhores exposições nacionais para
representarem o Brasil nas grandes
exposições internacionais, como as
de Paris ou de Londres. Ademais, o
Brasil foi importante participante
de organizações internacionais
científicas, como a União Internacional
do Telégrafo, primeiro organismo
internacional do mundo e do qual o
Brasil e membro fundador.

122
Tamanha pujança cultural, no novos oficiais passaram a ser contra as
entanto, fez os brasileiros entrarem elites políticas e o regime, almejando
em contato com as novas ideologias um governo forte para acabar com a
europeias, como o Positivismo, o corrupção dos civis.
Darwinismo social, o Naturalismo, o
Realismo, o Republicanismo, entre Nos anos 1880, com a perda de
outras. Esse contato teve seu ápice prestígio da monarquia perante
durante a geração de 1870, tendo os liberais, e com os conflitos entre
como expoentes, por exemplo, Olavo civis e militares, o regime perde seu
Bilac no positivismo e Machado de último sustentáculo com a abolição
Assis no Realismo. Esses movimentos, da escravidão. Agora, nem a elite
ocorrendo após uma certa queda de escravocrata sustentava a monarquia.
prestígio da monarquia após a Guerra Com a perda de prestígio e sustentação
do Paraguai, e devido à ascensão de da monarquia e as acusações de
grupos intelectuais e políticos que se corrupção na elite política, como
sentiam alijados do poder, levou a um no caso do baile da ilha f iscal, os
cenário de instabilidade progressiva jovens militares positivistas cooptam
que resultaria no fim da monarquia. a liderança militar de Deodoro da
Ocorre, em 1870, a popularização Fonseca e derrubam a monarquia em
do abolicionismo, da ideia de 1889 com apoio dos republicanistas.
branqueamento, surge o embrião dos
partidos republicanos, e fortalece-se
o exército

O exército tinha pouco prestígio


político desde a independência
do Brasil por ser considerada uma
instituição portuguesa. Na década de
1860, no entanto, com a vitória decisiva
na Guerra do Paraguai, e com a queda
do gabinete liberal e a ascensão
de Duque de Caxias, a instituição
começou a ter um prestígio que
nunca havia tido, porém ainda não se
sentiam representados politicamente.
Na década de 1870, devido à
participação de escravos na Guerra
do Paraguai, a instituição foi ficando
progressivamente abolicionista,
chegando a declarar no f inal da
monarquia que não mais perseguiria
escravos fugidos. Além disso, com esse
novo prestígio, a instituição passou a ter
conflitos com os civis, principalmente
os gabinetes liberais, que eram contra
manifestações políticas de of iciais
militares, como o caso de Sena
Madureira. “O exército tem que pedir
permissão até para gemer”, diziam.
Além disso, com o ensino positivista
de Olavo Bilac nas escolas militares, os

123
MENOR NOTA telefone. Entretanto, esse movimento
Anônimo intelectual ainda estava restrito às
elites. Outros meios de circulação de
12 ideias ganharam relevância, como os
panfletos e os jornais.
TL – 60;
593 palavras;
9,9 palavras por linha Nesse contexto, surge a chamada
“Geração de 1870”. Esse movimento
O Segundo Reinado foi um é antecedido por outro de viés mais
momento de ebulição de ideias, seja progressista, agregado em torno do
pela produção intelectual nacional, chamado “Clube Radical”, criado em
seja pelo “bando de ideias novas” 1868 como uma reação à queda do
que vinham de além-mar. Duas gabinete Zacarias, de cunho liberal.
instituições criadas na regência Essa agremiação advogava o fim de
tiveram destaque no reinado tiveram instituições como o Senado Vitalício, o
destaque no reinado de Dom Pedro Conselho de Estado e, principalmente, da
II: o Colégio Pedro II e o Instituto escravidão o mais brevemente possível.
Histórico e Geográf ico Brasileiro O grupo passou a promover suas ideias
(IHGB). O IHGB, em especial, foi pela imprensa mas também fez uso de
fundamental para as discussões comícios públicos, método que seria
acerca da construção da identidade replicado pela geração de 1870.
nacional, como nos trabalhos de
Von Martius sobre as três raças A geração de 1870, como aponta
e de Adolpho de Varnhagen e a Ângela Alonso, não estava preparado
importância da herança portuguesa. para discutir as ideias vindas da
Outras instituições de ensino Europa. Em sua maioria, não era
também foram relevantes, como as um corpo de intelectuais, mas sim
escolas de direito de São Paulo e de políticos que se apropriavam do
de Recife (antes Olinda), de matriz discurso e o moldavam ao seu melhor
coimbrã e que serviram para a servir. O abolicionismo, central para o
homogeneização das elites, como Clube Radical, não entrou com vigor
pondera José Murilo de Carvalho. na pauta da geração de 1870, porém
Ademais, havia as escolas de ideias como o positivismo e outras
medicina do Rio de Janeiro e de doutrinas socio-políticas sim. Alguns
Salvador, de minas e farmácia em abraçaram conceitos da frenologia
Ouro Preto e as escolas de matriz e corruptelas do evolucionismo para
militar, como a Politécnica e a descartar a manumissão de escravos
Escola Militar, de grande relevância como um ato de dignidade humana e
a partir dos anos 1870 como difusora torná-lo um objetivo ”gradual”.
das ideias positivistas, ensinadas
tanto a civis quanto a militares por O primeiro grande documento dessa
Benjamin Constant. geração é o Manifesto Republicano
de 1870. Difundido pelos jornais,
O Imperador atuou como um inova em relação aos radicais de 1868
mecenas da atividade científ ica e ao defender essa forma de governo.
literária no Brasil. Escritores como Defende uma centralização de poder
Gonçalves de Magalhães e José de em nível mais aprofundado do que o
Alencar tiveram obras patrocinadas prezado pelos radicais.
pelo monarca, que também trouxe ao
Brasil inovações tecnológicas, como o

124
A geração de 1870 é composta
por prof issionais liberais em menor
número do que a sua antecessora.
Em compensação, há o crescimento
da importância da elite cafeicultora
paulista, que em 1873 fundaria o
Partido Republicano Paulista em
Itu. Destaca-se também a influência
que o positivismo exerce sobre os
militares lotados no Rio Grande
do Sul, especialmente. Esses
grupos terão influência decisiva na
queda da monarquia ao buscarem
alternativas ao sistema centralizador.
Assim, as crises da monarquia
podem ser entendidas como uma
combinação de insatisfação militar,
desejo por maior poder pelos
civis eleitos democraticamente e
descontentamento com a forma
pela qual foi conduzida a questão
abolicionista, em especial pelas
elites escravocratas (republicanos
do 14 de maio, como rotulados por
José do Patrocínio).

125
em sua origem, antinômicos e
Questão 04 irreconciliáveis - a Monarquia
hereditária e a soberania nacional, o

poder pela graça de Deus, o poder pela
Relatório de notas
Média Ampla Concorrência: 13,2 vontade coletiva, livre e soberana de
Média Pessoas com Deficiência: 12,5 todos os cidadãos.
Média Candidatos Negros: 9,8
MANIFESTO REPUBLICANO DE 1870. In: MELO, Américo
Brasiliense de Almeida e. Os programas dos partidos
e o Segundo Império. São Paulo: Typ. De Jorge Seckler,
1878, pp. 68-69, 81, com adaptações.

Considerando que o excerto


apresentado tem caráter meramente
MÉDIAS POR QUESITO
motivador, redija um texto dissertativo
a respeito das características sociais,
políticas e institucionais do contexto
da Proclamação da República.
Aborde, necessariamente, os
seguintes tópicos:

as transformações sociopolíticas,
intelectuais e ideológicas da segunda
metade do século 19;

a criação, a difusão e a recepção do


Partido Republicano e do Manifesto
Republicano; e

os debates públicos nos anos finais


Leia, com atenção, o da Monarquia no Brasil.
excerto a seguir.

Ainda quando não prevalecessem


essas condições, ainda quando se
presumisse a independência e a
liberdade na escolha dos mandatários Extensão do texto: até 60 linhas
do povo, ainda quando, ao lado do poder [valor: 20,00 pontos]
que impõe pela força, não existisse o
poder que corrompe pelo favoritismo,
bastava a existência do Poder
Moderador, com as faculdades que
lhe dá a Carta, com o veto secundado
pela dissolução, para nulificar de fato
o elemento democrático.

Esse sistema misto é uma utopia,


porque é utopia ligar, de modo
sólido e perdurável, dois elementos
heterogêneos, dois poderes diversos

126
PADRÃO DE RESPOSTA Q6. Cabe examinar os efeitos das
causas políticas republicanas à luz da
Espera-se que o candidato redija dinâmica eleitoral, indicando, entre
o texto considerando os aspectos a outros aspectos possíveis, a formação
seguir. de um partido efetivo em São Paulo, a
ser descrito com base nos grupos sociais
Q1. O surgimento de uma alternativa que fizeram parte dele, e a força política
política republicana relaciona-se eleitoral das ideias republicanas em
diretamente a um período de profundas províncias como Rio Grande do Sul, Rio
transformações sociopolíticas no Brasil. de Janeiro e Minas Gerais.
É necessário indicar as características
desse processo a partir de exemplos – Q7. Outro fenômeno a discutir
a Guerra do Paraguai, as disputas em é a transformação paulatina do
torno da escravidão, a Lei de Terras, vocabulário político ao longo da década
entre outros. de 1880, com o sucesso da propaganda
republicana em af irmar a ideia de
Q2. Deve-se contextualizar, igualmente, uma equivalência entre democracia e
as transformações intelectuais e república a partir do ideal, defendido
ideológicas, discutindo perspectivas por várias correntes, de uma extensão
dissidentes, reformistas ou mesmo da cidadania.
revolucionárias, que ganharam força no
debate público, especialmente a partir Q8. A questão dos grupos sociais que
da década de 1870. aderiram ao republicanismo deve
ser correlacionada à centralidade do
Q3. No plano político, esse contexto debate abolicionista, com a finalidade
torna viável a alternativa republicana, de mostrar as ambiguidades no
cabendo discutir episódios como a posicionamento e o pragmatismo
queda do gabinete Zacarias, a formação amiúde adotado em relação a esse
do Partido Republicano e os debates na tema, tendo em vista a necessidade
imprensa, de forma a enfatizar, no caso de conciliar os interesses de grupos
desta última, seu caráter estratégico urbanos e rurais.
para a ação política.
Q9. O contexto também foi marcado
Q4.Éimprescindívelapontaraimportância pelo aumento das tensões entre
do Manifesto Republicano, percorrendo militares e o governo, exemplificadas,
suas principais críticas e propostas, a entre outros fatores a serem elencados,
exemplo dos questionamentos ligados ao pelas demandas dos militares pelo
Poder Moderador, à noção de “monarquia direito em discutir abertamente temas
temperada” e à defesa do federalismo. que considerassem de interesse.
Espera-se que o candidato discuta,
Q5. Também cumpre discorrer a ainda, como algumas lideranças,
respeito das consequências imediatas a exemplo de Benjamin Constant,
e de médio prazo da criação do Partido buscaram se aproximar da direção do
Republicano e da publicação do Partido Republicano, e vice-versa.
Manifesto, a exemplo do estímulo à
criação e conversão de clubes à causa Q10. Deve-se mostrar também que as
dos republicanos, bem como demarcar críticas intensas à acefalia do poder
graus de adesão e diferenças no bojo perante a fragilidade do imperador
da agenda republicana segundo as tomaram parte dos debates públicos,
províncias do Império e (ou) correntes dando margem à construção de
ideológicas. uma imagem de apatia nacional.

127
Por outro lado, as agitações nas ruas Ana Cecília
da Corte instigavam a manifestação
de um discurso em nome da ordem, Sabbá Colares
servindo de justificativa, segundo 17,5
certos atores políticos, para uma
transição politicamente mediada TL - 60;
rumo à República. 758 palavras;
12,6 palavras por linha
Referências:
MELLO, Maria Tereza Chaves. A República consentida.
Rio de Janeiro: Editora FGV / Edur, 2007.
O 15 de novembro de 1889 teve
ALONSO, Angela. Ideias em Movimento: a geração início com a promulgação da Lei
1870 na crise do Brasil-Império. São Paulo: Paz e Terra,
2002.
Eusébio de Queiroz (1850), pondo
fim ao tráfico de escravos, e com
a Lei de Terras (1850), provendo a
regulamentação das propriedades
rurais. A Lei de Terras, apesar de
“ter sofrido o veto dos barões” (José
Murilo de Carvalho), representa um
primeiro choque do Imperador com
a sua base cafeicultora, agravado
pelo fim do tráfico negreiro. Ao
longo dos anos que se seguiram,
outras transformações sociopolíticas
e intelectuais na sociedade levariam
ao inexorável fim da Monarquia e à
Proclamação da República.

Se, em 1845, “nada mais Saquarema


do que um luzia no poder” (Holanda
Cavalcante), a partir dos anos 1860, tal
premissa passa a ser cada vez menos
verdadeira. Os liberais, no processo do
“renascer liberal”, passam a retomar
demandas históricas, como a crítica ao
Poder Moderador, ao senado vitalício,
à lei de reforma do CPC. Ademais, a
recorrência das fraudes eleitorais e a
insatisfação mesmo de conservadores
moderados fazem com que membros
do próprio Partido Conservador
passem a concordar com algumas
demandas liberais. É nesse contexto
que surge a Liga Progressista, sob o
comando dos liberais, e que Teófilo
Otoni e Zacarias Góes de Vasconcelos
publicam manifestos atacando
f rontalmente o Poder Moderador
e, ainda assim, são chamados ao
gabinete. D. Pedro II entendia a
magnitude das transformações que
estavam ocorrendo. Leis eleitorais

128
tentando reverter o avanço liberal, a pela oposição (“reform mongering”),
exemplo da Segunda Lei dos Círculos, sem que para isso fosse necessária a
não foram capazes de conter o mudança de regime, a exemplo das
movimento. O f im da escravidão reformas judicial e militar.
nos mais diversos países também
influenciava nas transformações Os debates nos anos finais da
ideológicas pelas quais passava a Monarquia no Brasil voltaram-se,
sociedade a respeito do tema. portanto, a quais outras reformas
o governo imperial deveria ou não
Nesse contexto de críticas ao realizar, assumindo o debate sobre
regime, começam a tomar cada vez a abolição da escravidão uma
mais ímpeto as ideias republicanas, e importância fulcral. Pela primeira vez
assim é criado o Partido Republicano, na história, segundo José Murilo de
dentro do movimento liberal. Vale Carvalho, a população se organizou
notar, contudo, que o movimento em caráter não reativo, mas para
republicano nunca chegou a ter apoiar a bandeira da abolição: fugas
abrangência nacional, com atuação e atividades de grupos como os
adstrita ao Centro-Sul, em particular, caifazes eram toleradas, a população
Rio de Janeiro e São Paulo. Havia, comprava camélias e abrigava
ainda, importantes diferenças entre os escravos fugidos. Outro debate
partidos dessas duas cidades: no Rio de público relevante era a respeito da
Janeiro, composto majoritariamente fraude eleitoral, com a Lei Saraiva
por camadas médias urbanas; em São tentando pôr fim ao problema com
Paulo, o Partido Republicano Paulista a vedação dos votos dos analfabetos.
foi fundado por cafeicultores do Oeste Discutia-se, ainda, a questão do
paulista, que buscavam concertar Senado vitalício, do papel do Exército
posições para a criação de um novo (que não se sentia prestigiado
regime, no qual seu poder econômico o suficiente após a Guerra do
fosse refletido, em igual magnitude, Paraguai), e a permanência do
em poder político. Os republicanos não Poder Moderador. A fim de manter-
necessariamente eram abolicionistas, se no poder, D. Pedro II convocou
ou vice-versa, e, enquanto durou gabinetes para implementar parte
a escravidão, o Partido ficou, em dessa agenda, a exemplo do gabinete
grande medida, adstrito às fazendas Ouro Preto, já no final do Império, e
de café de São Paulo e ao debate da tentativa de pôr fim ao senado
acadêmico-político – não atingiu as vitalício. Sem apoio no parlamento,
massas, que “assistiram bestializadas a impossibilidade de consecução de
ao golpe”. O Manifesto Republicano reformas mais substantivas nos anos
também surge nesse contexto de 1880 levou ao agravamento da crise.
crise da Monarquia. Única monarquia
entre diversas repúblicas, por meio O fim da escravidão foi o estopim
do Manifesto, o Brasil dizia: “somos da para o fim do regime. Se a Lei
América e queremos ser americanos”, Eusébio de Queiroz, por um lado,
mas, assim como o Partido representou a consolidação do
Republicano, não obteve muito apoio Estado Saquarema e foi, ao mesmo
popular. Especialmente após a edição tempo, um prelúdio da sua crise,
da Lei Saraiva, a população participava a Lei Áurea confirmou que, com a
muito pouco da política. Contudo, o adesão dos “republicanos do 14 de
Manifesto Republicano teve o condão maio” ao movimento republicano, o
de impelir o governo a tentar realizar Império não teria mais sustentação.
algumas reformas demandadas

129
Felipe Pereira emancipação dos escravos. De forma
a “sequestrar a agenda liberal”, o
17,5 gabinete Rio Branco, o mais longevo
do 2º Reinado, entabulou reformas
TL – 60;
da Guarda Nacional, Lei dos Terços
932 palavras;
15,5 palavras por linha (1875) e a Lei do Ventre Livre, esta
tendo levado a cisão forte entre
O fim do 2º Reinado brasileiro, conservadores “emperrados” (contra
em 1989, decorreu, entre diversos qualquer flexibilização na questão
aspectos, devido a mudanças na servil) e conservadores moderados.
composição de forças político-sociais As relações entre partidos, Poder
cujas origens remetem à Guerra do Moderador e gabinete foram
Paraguai e à disputa entre os partidos expostos por J. Nabuco, no discurso
conservadores e liberal. Após a de “Sorites”.
Trindade Saquarema (1849-53), houve
período da Conciliação de Carneiro Não obstante também eram
Leão, revelando a fratura no partido verificadas mudanças na mentalidade
conservador, de sorte que a facção das elites, a “Geração de 1870”,
mais moderada aceitava compor influenciada pelo “Bando de Ideias”
gabinete com liberais moderados, (darwinismo social, positivismo,
chegando-se a concluir projeto racialismo), tentou conformar, em tese,
que permitia melhor composição ordem política mais atualizada a seus
com elites provinciais (Lei de tempos. A Escola de Recife propugnava
Círculos, 1855). Após divergências o branqueamento racial da sociedade
quanto à conciliação e período de brasileira, Benjamin Constant com as
conservadores puros, foi a vez da ideias positivistas de August Comte
Liga Progressista assumir o poder, advogam por positivismo e maior
em 1862, e logo dragado foi para as atuação da caserna “científ ica” na
divergências no Prata. A Guerra do política brasileira, e emancipacionistas
Paraguai (1864-70) revelou que havia avaliavam a necessidade de aumentar
contradições sociais profundas na a migração europeia, como Argentina
sociedade brasileira. A luta armada e EUA já faziam. Nesse contexto, surgiu
envolvendo escravizados demonstrou o Manifesto do Partido Republicano
para o Exército imperial o seu valor, (1870) pelo que seria o Partido
bem como adensava o sentimento Republicano Paulista, de Prudente
em prol da emancipação. Não à toa, de Morais. O Manifesto apregoava
Dom Pedro II solicitou 5 projetos de o fim do Poder Moderador, fim da
emancipação ao Conselho de Estado, vitaliciedade do Senado, federalismo,
levando a questão inclusive na “Fala voto direto, “comunhão de espírito”
do Trono”, em 1866. Além disso, por com outros países das Américas, não
divergências quanto à condução falava em abolição da escravidão. O
da guerra por Caxias (conservador), Manifesto não foi recebido com muito
Zacarias Góes abriu mão do gabinete entusiasmo no cenário político, haja
“ligueiro”, levando a nova hegemonia vista a pouca relevância de liberais
conservadora (1868-78). A partir de exaltados na Câmara dos Deputados
então, verifica-se fratura no partido desde o período regencial. Do
liberal, tendo sido consolidado o mesmo modo, havia outros projetos
Clube da Reforma, com restrições ao republicanos, como de facções no
Conselho de Estado projetados, e o Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul
Clube Radical, prevendo, inclusive, a (PRR, este de viés mais autoritário).

130
Deve-se lembrar que o cenário recusavam-se a ser “capitães do mato”.
político também estava conturbado A organização de corpo do Exército
por outros aspectos. A Questão formados durante a Guerra do Paraguai
Religiosa, envolvendo os limites do demonstrava que os negros tinham
Padroado do beneplácito, levaram, enorme valor e não faziam sentido
segundo alguns autores, à queda perpetrar a lógica escravista existente.
de Rio Branco (1875). Esse era um Assim, após Ceará (1884) e Amazonas
período de exigências de direito decretaram o fim da escravidão nos
da “cidadania em negativo e em seus estados, e muitas discussões na
positivo”, segundo J. M. de Carvalho. Câmara, a Lei Áurea (1888) foi aprovada
Revolta do Vintém, Quebra-Quilos denotando abolição sem reforma
e a própria postergação do Censo agrária (como queria A. Rebouças), mas
de 1850 para 1872, demonstra as sem indenização (contra expectativa
limitações quanto ao Estado. O Censo dos latifundiários do Vale do Paraíba
de 1872, em particular, demonstrava, – RJ). Os “barões do café”, embora
além da composição racial (maioria monarquistas em geral, aproximavam-
somada de negros e miscigenados, se, com isso, do partido republicano
em relação a brancos) que as (“republicanos de última hora”). O
elites precisariam construir novas partido republicano já congregava os
formas de interação sociedade- “empresários do café” paulistas que
Estado. Quanto à “cidadania em se viam sub-representado na Câmara
positivo”, verifica-se, por outro dos Deputados e nos gabinetes. Modo
lado, confluência de movimentos geral, havia a expectativa de que fossem
organizados da sociedade civil indenizados pela Abolição. Assim, a
em torno de uma causa nacional congregação de forças políticas levou
(a abolição). Foram congregadas ao republicanismo ganhar força.
a Sociedade Abolicionista e a “Liberais à americana” uniram-se aos
Confederação Abolicionista (1885), tarimbeiros (Deodoro da Fonseca)
além de bancada congressual, sob e proclamaram a República em
liderança de Nabuco e seu livre correr novembro de 1889. Mesmo a tentativa
entre “salões e ruas”, apresentando de sequestro da agenda republicana
intelectualmente em O Abolicionista pelo Gabinete Ouro Preto foi incapaz
o projeto e os objetivos com o fim de ter mudado os rumos da História,
da escravidão. Porém, o processo foi que não teve participação popular (“os
consubstanciado por “flores, votos e bestializados”).
balas”. As discussões parlamentares
retardaram ao máximo a libertação
gradual, chegando-se à lei dos
Sexagenários (1885) com poucos
benefícios palpáveis. Nesse contexto,
intensificou-se a oposição junto a
processos de compra de alforrias e
emprego do Poder Judiciário (André
Rebouças) para fazer valer as leis
antiescravistas existentes.

Nessa seara, houve a organização de


fugas coletivas por caifazes, levando ao
ordenamento para o Exército recuperar
escravizados fugidos. Militares
tarimbeiros, como Sena Madureira,

131
Luiza Valladares Em relação às transformações
intelectuais e ideológicas, cabe
de Gouvêa destacar os movimentos que
17,5 progressivamente contestaram as
bases da monarquia. O “esvoaçar
TL – 60; de novas ideias” trazidas da Europa
760 palavras; pela geração de 1870 instigaram
12,6 palavras por linha não apenas o republicanismo,
mas também o cientif icismo. Este
Ainda que José Murilo de Carvalho contestava as bases divinas do poder
considere que o povo assistiu monárquico e incutia nas elites
bestializado à Proclamação da um ideal renovado de liberalismo.
República, a baixa participação Além disso, as teses racialistas de
popular no movimento de Campo branqueamento transformavam
de Santana não significa que não a relação com a mão de obra,
houve debates públicos nos anos acelerando a transição da imigração
finais da monarquia. Com efeito, europeia, por considerar ser superior
as transformações sociopolíticas, à africana, a partir de noções racistas
intelectuais e ideológicas da segunda da frenologia. Se a Europa inspirava
metade do século XIX indicam uma um novo vento liberal, manifestado
profunda inflexão na mentalidade nos Clubes e no Novo Partido Liberal, o
política do país, com a qual a americanismo crescia entre os adeptos
monarquia não foi capaz de lidar. do Republicanismo, que denunciavam
o isolamento internacional do
No campo sociopolítico, o fim Império e se f iliavam a uma ideia
do tráfico (com a Lei Eusébio de seminal de pan-americanismo, que
Queiroz) deu azo a transformações se consubstanciou na presença do
como a liberação de capitais, o Império na Conferência de Washington
tráfico interprovincial, a escassez de de 1889, apesar da orientação reticente
mão de obra. Como consequência, da delegação imperial em relação
foi dado impulso à imigração, à às propostas estado-unidenses.
urbanização e à industrialização, Outra transformação ideológica
sobretudo com a ascensão da elite é a formada pelo movimento
cafeicultora do Oeste Paulista. abolicionista, que ganhou força a partir
Outro marco da transformação de 1870, conformando verdadeira
sociopolítica do país foi a Guerra do solidariedade afro-brasileira, apesar
Paraguai. Além de ter fomentado o dos conservadores emperrados.
sentimento de nacionalismo, deu
impulso ao abolicionismo, sobretudo O Partido Republicano Paulista
no seio do Exército. A queda do (PRP) foi formado em 1873, em Itu,
gabinete Zacarias, em 1868, deu azo congregando cafeicultores receosos
às insatisfações dos liberais, que dos rumos Imperiais. Sua origem
culminaram nos Clubes da Reforma remonta ao Manifesto Republicano
Radical e no movimento republicano. de 1870, documento que denunciava
Portanto, pode-se identificar na o isolamento monárquico (“Somos da
imigração, no abolicionismo, na América e queremos ser americanos”)
industrialização e na urbanização e os arbítrios do Imperador. O
as principais transformações Manifesto foi obra do Clube Radical,
sociopolíticas da época. movimento que contestava as bases
da monarquia, o poder moderador,
o senado vitalício e o Conselho de

132
Estado. O Manifesto foi difundido via Revoltas populares evidenciavam
imprensa e folhetins, nos clubes e a “cidadania em negativo” e o
associações que os formavam pela alijamento do povo das decisões
oposição liberal ao Império, motivado políticas, a exemplo da Revolta dos
após a queda do gabinete Zacarias, Muckers, no RS, da Revolta dos
em 1868. As iniciativas da Coroa para Quebra-Quilos e da Revolta do Vintém,
a emancipação (Lei dos Sexagenários no RJ. O Republicanismo fulminou
e, posteriormente, em 1875 e 1888, as bases monárquicas advogando
as Leis do Ventre Livre e Áurea) a coisa pública (“res publica”) e a
contribuíam para que as oligarquias participação do povo via direitos
cafeicultoras cerrassem fileiras ao (ainda que não implementados
lado dos Republicanos. plenamente) em contraste com o
poder divino monárquico.
Cabe frisar, contudo, a
heterogeneidade do Republicanismo
nos estertores do Império. No Rio de
Janeiro, o movimento republicano era
composto de profissionais liberais e,
apesar de favoráveis ao abolicionismo,
capitanearam o Manifesto de 1870,
que não menciona a questão da mão
de obra. Em São Paulo, onde surge o
Partido Republicano, o movimento
era composto por cafeicultores
do Vale do Paraíba, contrários à
abolição e reticentes com as medidas
emancipacionistas imperiais. No
Exército, o republicanismo era
imbuído do positivismo, capitaneado
por Benjamin Constant, na Praia
Vermelha. Considerava-se que a
República seria um estágio social
evolutivo mais avançado. O Clube
Militar, formado em 1890, congregava
militares positivistas e históricos,
sob o comando de Deodoro da
Fonseca, fazendo convergir os
projetos republicanos civil e militar
que culminariam na Proclamação
da República. Cabe lembrar a
participação republicana política. Em
1890, foi eleito deputado republicano
na Câmara dos Deputados.

Apesar da articulação entre


elites e militares, no final da
Monarquia debates públicos sobre
o abolicionismo e a república
tomaram as ruas, com destaque para
a imprensa, para os folhetins e para
a literatura de Machado de Assis.

133
NOTA MÉDIA expressão clara dessa contestação.
André Delgado Freire Assinado em 1870 por algumas
dezenas de militares, profissionais
13 liberais, alguns poucos proprietários
de terras e políticos, principalmente
TL – 60; de São Paulo, o Manifesto apontava
733 palavras;
12,2 palavras por linha a incompatibilidade entre o Poder
Moderador, que considerava arbitrário
A dissolução do gabinete e antidemocrático, e o poder soberano
progressista pelo Imperador Dom do povo (entendido como o conjunto
Pedro II em 1868, fazendo uso do de cidadãos, os aptos a votar e serem
Poder Moderador de azo a uma votados). O Manifesto não era radical,
série de questionamentos acerca defendendo a instalação da República
das instituições monárquicas de modo pacífico e democrático, sem
no Brasil. Acompanhados de rupturas bruscas do tecido social.
grandes transformações nos Apesar do início modesto, o Partido
planos sociopolítico, intelectual e Republicano foi ganhando adeptos
ideológico, além do econômico, tais gradualmente e participando da
questionamentos comportam a vida política do país, chegando a
crise do Império que culminaria na eleger deputados para a Câmara e
Proclamação da República de 15 de expandindo-se para outras províncias.
novembro de 1889.
O Partido Republicano era visto pelo
Consolidado o Império, sua Imperador com estranha simpatia.
hegemonia regional e sistema Dom Pedro afirmava que se não o
econômico baseado no latifúndio, a quisessem mais, iria dar aulas no
Monarquia brasileira vive seu apogeu Colégio Dom Pedro. A adesão cresceu
nos anos 1870. É precisamente neste particularmente entre os militares da
cenário, todavia, que surgem as escola de cadetes, onde Benjamin
sementes de sua contestação. Alijados Constant tornou-se verdadeiro ídolo
do poder pela troca autoritária do e propagador da causa republicana e
gabinete Zacarias, os progressistas do positivismo de Auguste Comte. O
fundam, em finais de 1860 e início republicano ganhou muitos adeptos
da década seguinte, o Clube Radical de última hora quando da abolição
e o Partido Republicano, primeira da escravidão pela Lei Áurea, em
contestação aberta ao regime maio de 1888, vista como traição por
monárquico. A hegemonia dos boa parte dos proprietários rurais,
conservadores no poder até 1878 embora tenha sido amplamente
dá impulso aos debates públicos e celebrada nas ruas do Rio de Janeiro.
às novas ideias que proliferariam na
sociedade brasileira naquele tempo. O abolicionismo teve particular
Passariam a ser contestadas as bases impacto na crise da Monarquia,
da legitimidade imperial, desde o repercutindo na “questão militar” e
escravismo e a religião católica, até nas relações entre os grupos liberal e
suas instituições mais características, conservador no Parlamento. Com a Lei
como o Poder Moderador, o Conselho do Ventre Livre em 1871, aumentou o
de Estado e o Senado vitalício. número de libertos e impulsionou-se
o movimento abolicionista nos anos
O Manifesto Republicano e a 1880, que fazia grande barulho na
fundação do Partido Republicano são mídia e nos debates públicos. A recusa
dos oficiais do Exército em capturar

134
escravos fugidos foi o principal militar que, mais do que mera
elemento a incitar os militares contra quartelada, teve o envolvimento
a monarquia. Em 1885, a Lei dos expressivo de setores sociais
Sexagenários, aprovada, assim como relevantes, ainda que desprovida de
a do Ventre Livre, por um gabinete participação popular ampla.
conservador, incomodou os liberais,
pois fora subvertida por Cotegipe em
favor dos proprietários de escravos.

Outra transformação política


relevante da época foi a reforma
eleitoral aprovada em 1881. Na
contramão da democracia, a reforma
reduziu a franquia eleitoral ao proibir
o voto aos analfabetos, embora
instituísse o voto direto, eliminando
o colégio eleitoral que intermediava
a eleição dos deputados. Além disso,
no campo intelectual e ideológico,
as diversas “ideias novas” agitavam
o país. Além do republicanismo
e do positivismo, o darwinismo,
o evolucionismo, o naturalismo e
outros “ismos” encontravam no Brasil
terreno fértil para serem assimilados
e veiculados, conforme os interesses e
perspectivas de seus disseminadores.
A “questão religiosa”, que opôs o
projeto de romanização do clero ao
gabinete Rio Branco nos anos 1870,
acrescentara mais um elemento
à contestação da legitimidade da
monarquia. Todas essas questões
eram debatidas publicamente nos
anos 1880.

As características sociais – com


cerca de 700 mil escravizados e
milhões de libertos, além de uma
massa de analfabetos inaptos a votar
-, políticas - com aberta contestação
ao regime monárquico por parte
dos republicanos e da jovem
oficialidade militar-, e institucionais
– com órgãos anárquicos e
incapazes de responder à crise do
Império -, indicam que o contexto da
Proclamação da República em 1889
era de decadência e envelhecimento
do regime monárquico, finalmente
sepultado por uma conspiração

135
MENOR NOTA republicana era prioridade. Alguns
Anônimo de seus membros, como Rui Barbosa,
eram entusiastas do sistema
4,5 federativo norte-americano.

TL – 22; Ao mesmo tempo, expandiam-


247 palavras;
11,22 palavras por linha se, entre os militares, que haviam
voltado do conflito paraguaio, os
Na segunda metade do século 19, ideais positivistas, que também
evidenciou-se que o Brasil precisava pregavam a moralização da política e
de mudanças. No campo político, a modernização, mas de uma forma
o sistema monárquico mostrava-se
incapaz de se atualizar e de atender às
demandas da população. Do lado dos
liberais, existem propostas de reforma
constitucional que relativizassem
o poder do imperador, destacando
a moralização eleitoral, o fim do
Moderador, o fim do Senado vitalício
e a responsabilização de ministros.

Após o fim da Guerra do Paraguai,


D. Pedro II havia dissolvido o gabinete
progressista, composto por liberais
e conservadores moderados, e o
Partido Progressista chega ao fim.
Esses políticos, então, passam a
debater política fora do Parlamento,
com a criação do Clube da Reforma,
que defendia, principalmente, o
fortalecimento do Legislativo. O
setor liberal mais exaltado, composto
por alguns proprietários de terras
e por membros das classes médias
urbanas, compôs uma dissidência
e criou o Clube Republicano,
transformado, posteriormente, no
Partido Republicano.

Seu projeto de governo fez-se


público na publicação do Manifesto
Republicano, assinado por nomes
como Rui Barbosa e Quintino
Bocaiúva. Defendiam a modernização
do Brasil, a proclamação da
República, um sistema político mais
eficiente e menos concentrado.
Seus defensores, porém, não
necessariamente defendiam a
Abolição, entendendo que a causa

136
Geografia

137
do trabalho (BASSO, 2018) – não
Questão 01 se interrompem, tampouco as
expectativas dos emigrantes e dos

refugiados de buscarem melhores
Relatório de notas
Média Ampla Concorrência: 28,3 condições de vida ou de lutarem
Média Pessoas com Deficiência: 25,8 pela sobrevivência.
Média Candidatos Negros: 27,6
VILLEN, Patrícia. Impactos da crise na na migração
internacional no Brasil. In: BAPTISTA, Dulce Maria Tou-
rinho; MAGALHÃES, Luís Felipe Aires (orgs.). Migrações
em expansão no mundo em crise. São Paulo: EDUC/
PIPEq, 2020, com adaptações.

MÉDIAS POR QUESITO Considerando que o excerto


apresentado tem caráter meramente
motivador, redija um texto dissertativo
analisando o fenômeno migratório
no mundo e no Brasil. Aborde,
necessariamente, os seguintes
tópicos:

as tradicionais e novas motivações


que perpetuam as migrações,
citando pelo menos um exemplo;

o crescente número de refugiados


e apátridas em meio ao cenário das
migrações do século 21;

Leia, com atenção, o os efeitos sociais e culturais


das migrações nos países que
excerto a seguir. recepcionam esses grandes fluxos;

os países que mais recepcionam os


A ideia de que, em períodos de
fluxos e possuem pouca visibilidade;
crise, os fluxos imigratórios se
interrompem torna-se muito mais
a migração e as redes de tráfico
dif ícil de ser sustentada no início
humano;
do século 21, que é marcado de uma
forma sem precedentes na história
a atuação da comunidade
pelos fluxos migratórios dos mais
internacional e das agências
diversos tipos e compõe o que Castles
multilaterais diante do fenômeno,
e Miller (1993) chamaram de a “era
incluindo-se os refugiados;
das migrações”. Todavia, os fatores
de contradição do funcionamento
o quadro da migração internacional
do sistema econômico em escala
no Brasil no século 21; e
global – sobretudo a produção
das desigualdades, de conflitos e
a institucionalidade do tema no
guerras, os efeitos para a população
Estado brasileiro, incluindo-se as
da destruição do meio ambiente,
questões laborais e a abordagem
o desemprego e a degradação
legal.

138
PADRÃO DE RESPOSTA

Q1. Nos anos iniciais do século 21, a


Extensão do texto: até 60 linhas
[valor: 30,00 pontos] conflagração de guerras, nos mais
diversos pontos do planeta continuam
a movimentar grandes contingentes
de pessoas, a exemplo do que acontece
na Síria e, mais recentemente, na
Ucrânia. Adicionalmente, as nações
que se encontram em profundas
crises econômicas, tais como aquelas
localizadas na América Central, como
Guatemala e Honduras, também
continuam a ser fatores de deslocamento
das populações. Além disso, mudanças
de regimes, como aquele ocorrido
recentemente no Afeganistão, geram
fluxos consideráveis, em face do caráter
político-religioso do grupo que assumiu
o poder no país. Ainda outro motivo a
considerar é que o fator religioso tem
se mostrado um impulsionador de
fluxos migratórios forçados, a exemplo
do que se observou com os rohingyas,
em Bangladesh.

Q2. Além dos fatores de ordem


política, econômica e das guerras,
mais recentemente há um novo tipo
de migrante, aquele que se desloca
em face das questões ambientais que,
embora ainda sejam fluxos incipientes
e pouco estimados, vem adquirindo
espaço nos debates, pois são uma nova
categoria de deslocados que, muitas
vezes internamente, não encontram
condições de sobrevivência em seus
lugares de origem. Bangladesh é um
desse países com grande quantidade
de pessoas que se deslocam, em face
das questões ambientais nas suas áreas
litorâneas e vão se instalar nas favelas
de suas maiores cidades, como Daca.
Outra nova categoria de migrantes,
não forçados, são os trabalhadores
do conhecimento, caracterizados por
indivíduos com alta escolaridade e
qualificação profissional que transitam
pelo mundo ocupando cargos e posições
em organizações públicas e privadas,
além de organismos multilaterais.

139
Q3. Esse complexo quadro de Q6. Apesar da visibilidade que a mídia
deslocados que mescla migrações confere aos problemas dos fluxos
espontâneas e outras diásporas que migratórios nos países do norte global,
ocorrem por crises resultou em um notadamente nos Estados Unidos da
grande contingente daquilo que se América e na Europa Ocidental, não é
denomina refugiados ou apátridas. São nessas regiões que se encontra maior
pessoas que não têm sua nacionalidade número de deslocados, mas sim na
reconhecida por nenhum país. A Turquia, no Paquistão e em Uganda
apatridia ocorre por várias razões, que, juntos, já receberam mais de 6
uma delas é a discriminação contra milhões de pessoas em situação de
minorias na legislação nacional, não refúgio. Há outros países fortemente
reconhece todos os residentes do país impactados pelos fluxos, a exemplo da
como cidadãos. Jordânia que recebeu mais de 500 mil
refugiados da guerra da Síria em seus
Q4. Atualmente há uma ampla enormes campos de abrigamento.
discussão a respeito dos efeitos
social e cultural desses grandes Q7. Um dos efeitos perversos dos
deslocamentos nos países receptores, deslocamentos forçados são as redes
sendo a xenofobia o traço mais de tráfico humano que se viabilizam
evidente, por uma série de fatores, que em função da vulnerabilidade
vão desde o ambiente de instabilidade dos indivíduos e estão associadas,
econômica de alguns desses países sobretudo, à exploração sexual, ao
que, sequer têm assegurado emprego trabalho forçado, a práticas de servidão
para seus nacionais, o que resulta ou à remoção de órgãos. Além disso,
em um sentimento de insegurança há uma economia ilegal que se vale
econômica por parte das suas dessas diásporas, notadamente, aquela
populações, que vislumbram os que viabiliza o ingresso, de forma ilegal,
migrantes como aqueles que lhes dos migrantes/refugiados nos países
tirariam oportunidades. Algumas receptores. Popularmente a f igura
dessas nações, inclusive, adotam rígidas mais conhecida dessas redes, são os
políticas que dif icultam a entrada chamados coiotes, que acompanham
dos migrantes e sua permanência, os migrantes na travessia das fronteiras,
promovendo retornos maciços desses mas quase sempre eles são apenas uma
refugiados para seus países de origem. das peças da complexa engrenagem
que alimenta tais organizações.
Q5. Em face desse sentimento, são As formas para assegurar o acesso
comuns os episódios de xenofobia, expõem, na maior parte das vezes, os
reforçados, muitas vezes, por visões migrantes a situações de perigo e, não
distorcidas de grupos sociais que são raras as tragédias, que resultam em
adotam posturas pré-concebidas dos dezenas de mortes, sejam elas durante
povos, notadamente, de algumas a travessia de grandes extensões de
religiões ou de determinados grupos água, ou ainda pelo confinamento em
étnico-raciais, o que, por vezes, leva lugares inadequados.
a eclosão de tensões entre grupos
nacionalistas e migrantes e ao Q8. Diante desse cenário, diversas
surgimento de movimentos políticos instituições têm atuado não apenas
que alçam posições nos governos e no acolhimento desses refugiados,
nas casas legislativas de determinados sejam elas não governamentais ou
países, defendendo as pautas multilaterais, sendo a Organização
nacionalistas e contrárias às migrações. Internacional para as Migrações (OIM)
e o Alto Comissariado das Nações

140
Unidas para Refugiados (ACNUR), no o tema vem sendo tratado pelo Conselho
âmbito do sistema das Nações Unidas Nacional de Imigração (CNIg) do
(ONU), as principais unidades que Ministério da Justiça, a quem compete
atuam com o tema. Nesse segmento, tratar da política nacional de migração,
a OIM é o principal organismo bem como orientar as questões laborais
intergovernamental no campo da dos migrantes que ingressam no Brasil
migração que trabalha e atua em solicitando permanência.
rede com parceiros governamentais,
e não-governamentais, e o ACNUR Será avaliada a capacidade do
possui um direcionamento mais candidato de estabelecer uma tese e
específico voltado para os refugiados, sustentá-la coerentemente. A avaliação
e sua atuação é centrada em assegurar seguirá o critério comparativo (i.e.). A
direitos elementares no processo de avaliação individual será feita de acordo
reintegração desses indivíduos aos com a comparação do nível de outros
países que os receberam. exercícios. Nesse sentido, embora
o candidato possa ter respondido
Q9. O Brasil possui longa tradição de de forma correta, abrangendo os
receber migrantes, desde o século 19, requisitos anteriormente indicados,
sobretudo com japoneses e europeus. sua nota poderá ser menor do que
Em tempos recentes, esse perfil se a atribuída a outros que f izerem
aproximou mais dos nacionais da o exercício com maior qualidade
porção latina do continente americano, intelectual, acadêmica e formal.
com distintas motivações, como os
Referência: VILLEN, Patrícia. Impactos da crise na
bolivianos que migram em função da migração internacional no Brasil. In: BAPTISTA, Dulce
estagnação econômica do seu país, ou Maria Tourinho; MAGALHÃES, Luís Felipe Aires. (Orgs.)
Migrações em expansão no mundo em crise. São Pau-
ainda os haitianos que fogem da crise lo: EDUC/PIPEq, 2020.
econômica, política, agravada pela
grande catástrofe que foi o terremoto
que atingiu o país, em 2010, além
dos venezuelanos que deixaram seu
país em face da crise econômica e de
problemas de ordem política.

Q10. Ainda se tratando do Brasil, sob o


aspecto legal, o tema vem sendo tratado
pela nova Lei de Migração (LDM), Lei
no 13.445/2017, que se apresenta como
um importante marco na resposta do
Estado brasileiro diante das tendências
da migração contemporânea. Observa-
se que em seu viés “principiológico”, ao
contrário do Estatuto do Estrangeiro, a
LDM faz explícita referência aos direitos
humanos, pautando o repúdio à
discriminação e a não criminalização de
migrantes que estão de modo irregular
no País, na igualdade de direitos,
incluindo a liberdade de associação
sindical e política, e a impossibilidade
de expulsão ou deportação coletivas. No
âmbito da estrutura do Estado brasileiro,

141
Adriana Medeiros redes migratórias, explicando que as
migrações criam redes de contatos,
de Gabinio expectativas e oportunidades que
30 relacionam famílias, grupos e cidades.
Exemplos notáveis são a migração de
TL – 60; mineiros de Governador Valadares para
1047 palavras; Massachussets, ou das relações entre
17,4 palavras/linha
nacionalidades e setores econômicos
(a lavanderia do chinês, a banca de
Segundo o Relatório de 2019 World revista do italiano). Outra explicação
Population Prospects, o mundo vive importante para a perpetuação das
quatro megatrends neste século, entre migrações é a migração circular,
o quais, a migração internacional. De que relaciona lugares de partida e
acordo com Max Sorré, as migrações chegada, especialmente notável nas
são intrínsecas à vida humana. Não migrações internas.
obstante, a recente intensif icação
do fenômeno justif ica chamar o No século XXI, o fenômeno das
tempo atual de “era das migrações” migrações forçadas se aprofundou
(Castles e Miller). Essa ideia é ratificada notavelmente, em razão da proliferação
pelo recente Global Trends (UNFPA, e maior escala de conflitos armados,
2021), que calcula que 270 milhões inclusive intraestatais. Destacam-se,
de pessoas são migrantes – e, entre nesse sentido, a guerra no Afeganistão,
esses, 80 milhões são deslocados a guerra civil síria e, mais recentemente,
forçados. Ao todo, estima-se que 3,5% a instabilidade e crise econômico-
da população global faz parte do política na Venezuela. Com isso, aos
fenômeno migratório atual. migrantes que buscam melhores
condições de vida, somam-se enorme
No final do XIX, Ravenstein tentou contingente de deslocados forçados.
explicar as motivações dos migrantes Como um dos efetivos colaterais,
em suas “leis da migração”, relacionando eleva-se o problema da apatridia, que
o deslocamento com questões de sexo alcança hoje cerca de 20 milhões de
e idade. Atualmente, porém, percebe- pessoas, segundo ACNUR, visto que,
se a explicação de Ravenstein como não raro, critérios de nacionalidade
insuf iciente, especialmente após (por solo e por sangue) geram
estudos de Zipf e Lee: para o primeiro, conflito negativo para crianças filhos
as migrações possuem relação de pais migrantes, cujo status não é
inversa com a distância, enquanto plenamente reconhecido em muitos
o segundo adiciona os “obstáculos países. Exemplo disso tem atingido
intervenientes” dif iculdades legais, refugiados sírios, pois o registro
identificação cultural). Ainda, Harris e de nacionalidade síria demanda
Todaro acrescentaram a importância presença dos pais (por vezes, engajado
das expectativas de renda como na guerra civil), enquanto o país de
elemento da decisão de migrar – o refúgio (Turquia, Alemanha, França)
que explicaria fenômenos como não lhes reconhece nacionalidade por
downgrade (em que um indivíduo jus soli.
em qualif icação se desloca para
outro país, trabalhando em setor de De forma geral, os fluxos migratórios
menor qualificação – comum entre mais representativos ocorrem entre
países do Leste Europeu para Europa países em desenvolvimento (fluxo
Ocidental). Finalmente, nos anos Sul-Sul), e são regulares (“legais”).
1990, Massey apresentou a teoria das Por isso, os países que mais recebem

142
fluxos migratórios atualmente são menos atendidos pela comunidade
países do sul global. Em termos de internacional. Diferentemente do
migrações forçadas, destacam-se tráfico de migrantes, em que redes de
Turquia, Colômbia e Paquistão. Em grupos criminosos transferem pessoas
termos gerais, os EUA são o maior de um país a outro, por meios ilícitos,
receptor de fluxos migratórios, o tráfico de seres humanos inclui
sendo grande parte dos imigrantes problemas como escravidão sexual,
latino-americanos (especialmente trabalhos forçados, entre outros crimes.
mexicanos). Em termos proporcionais,
países do Oriente Médio produtores A fim de amparar os migrantes e
de petróleo, como Emirados Árabes elevar as condições mínimas de direitos
Unidos, destacam-se pela recepção humanos, a comunidade internacional
de trabalhadores do Sudeste Asiático empenha-se, há décadas, através de
para setores como construção civil. Os iniciativas como Passaporte Nanser
efeitos sociais e culturais são múltiplos: (para apátridas, Liga das Nações), mas
primeiramente, a importância das especialmente após o fim da Segunda
remessas de renda para países de Guerra Mundial, com o Estatuto dos
saída desses migrantes tende a ser Refugiados (1951), dos Apátridas (1954),
considerável para a economia (por ACNUR, Organização Internacional
exemplo, Porto Rico); em segundo de Migrações, bem como iniciativas,
lugar, pode-se apontar a tendência exemplo do “I Belong” (para apatridia).
de concentração espacial de grupos Com esses esforços, a comunidade
nacionais em determinado bairro internacional busca maior amparo
(como Chinatown ou Livramento, de aos migrantes, sendo o esforço mais
chineses, em Nova Iorque e São Paulo); recente os Pactos Globais de 2018
finalmente, questões como xenofobia para Refugiados e para Migração
podem-se manifestar, especialmente Segura, Ordenada e Regular. Apesar
em contextos de crise, como se de ter-se desengajado do último
observou recentemente na África do documento em 2019, o Brasil figura
Sul, contra imigrantes nigerianos. como país de recepção e envio de
migrantes internacionais, sendo
É de se destacar, nesse contexto, que reconhecido pelo ACNUR em seus
embora menos midiatizados que os esforços na Operação Acolhida, que,
fluxos sul-norte, os fluxos sul-sul são desde 2018, recebe, apoia e interioriza
numericamente mais representativos. venezuelanos que chegam ao Brasil
Por isso, alguns dos países que com reconhecido status de refugiado.
recepcionam maiores fluxos e recebem
pouca visibilidade têm sido – além Ademais dos mencionados
do Paquistão, que conforma destino documentos internacionais, a
de refugiados afegãos – Bangladesh Constituição Federal e a Lei de
(que recebe refugiados rohingya do Migração, bem como Lei de Refúgio,
Mianmar), Colômbia (que recebe garantem aos imigrantes no Brasil
maior número de venezuelanos direitos de acesso à saúde, trabalho,
deslocados no exterior) e Uganda inclusive associação sindical, exercício
(que recebe refugiados do Sudão do de toda atividade lícita, bem como
Sul). A pouca visibilidade desses fluxos processo facilitado de naturalização
pode aprofundar outro problema, qual em caso de apatridia. Após retorno
seja, o das redes de tráfico humano, de parte da comunidade brasileira
que atinge em especial contingentes no exterior na década de 2000-2010,
populacionais já vulneráveis, como o Brasil vive atualmente momento
mulheres e crianças, em circuitos de “diáspora”, estimando o MRE em

143
2,4 milhões de brasileiros expatriados, André Delgado Freire
localizados sobretudo nos EUA,
Portugal, Paraguai, Reino Unido e 30
Japão. Em relação aos imigrantes,
TL – 60;
destacam-se bolivianos, portugueses
852 palavras;
e espanhóis, bem como, com visto 14,2 palavras/linha
humanitário, haitianos, e, em situação
de refúgio, venezuelanos. As migrações internacionais
constituem fenômeno complexo,
com uma multiplicidade de causas e
repercussões nos campos econômico,
político, social, cultural, jurídico e
diplomático. A intensif icação dos
deslocamentos, voluntários e forçados,
é marca do século XXI, consequência
da evolução dos meios de transporte
e de comunicação, mas também da
persistência de conflitos em diversas
regiões e da intensif icação das
desigualdades estruturais do mundo
globalizado. Novas motivações para
deslocamentos forçados também
ganham destaque nas últimas décadas.
No Brasil, o tratamento do tema sofreu
grande inovação a partir de 2017.

Para além dos migrantes


econômicos que buscam trabalho e
melhores condições de vida em países
desenvolvidos, geralmente vindos
do sul global (é notória a diáspora
mexicana nos Estados Unidos ou
o grande número de af ricanos
morando na França, por exemplo),
vem aumentando também o número
de deslocamentos forçados através
de fronteiras internacionais. Milhões
de pessoas são forçadas a deixarem
seus locais em virtude de conflitos
armados, civis ou internacionais, por
exemplo na Síria, no Afeganistão,
na Líbia ou no Sudão do Sul. Outros
tantos milhões acabam expulsos por
crises políticas que levam a violações
maciças dos Direitos Humanos,
como no caso da Venezuela, onde o
colapso econômico dos últimos anos
levou mais de 5 milhões de pessoas
a deixarem o país, ou de Myanmar,
onde a perseguição à minoria étnico-

144
religiosa Rohingya produziu milhões migrantes caiam vítimas de redes de
de refugiados e de apátridas. Além das tráfico humano, com atravessadores
tradicionais, no século XXI sobrelevam prometendo facilitar seu transporte ou
novas motivações para deslocamentos entrada nos países de destino. É notória
forçados, como a crise climática, que a atuação dos “coiotes” na fronteira
já deteriora as condições de produção, entre o México e os EUA, causadora
por exemplo, nas franjas do Saara, de frequentes incidentes de morte e
e expulsa populações de regiões embates com as autoridades migratórias
costeiras e insulares com o aumento norte-americanas. O combate a esse
do nível no mar, além das catástrofes crime tem sido uma das prioridades da
intensificadas, como deslizamentos comunidade internacional nos últimos
de terra, ciclones e inundações. anos acerca das migrações.

Os números de refugiados atingem Diferentes agências e organizações


os 26 milhões e de apátridas, cerca internacionais, como a OIM ou o ACNUR,
de 10 milhões, conforme os relatórios além da UNRWA, atuam diante do
mais recentes, batendo novos fenômeno, assistindo os países e os
recordes a cada ano. O crescente fluxo migrantes, além de fomentarem a
de migrantes irregulares coloca sob adoção de normas internacionais sobre
pressão os sistemas sociais dos países a matéria. Em 2018, a Assembleia Geral
receptores, em geral desenvolvidos da ONU aprovou o Pacto Global para
no caso das migrações econômicas, os Refugiados e o Pacto Global para
mas cada vez mais entre os países Migrações, tendo o Brasil se retirado deste
em desenvolvimento, que atraem os último, embora faça parte do primeiro.
deslocados forçados em virtude da A comunidade internacional busca
proximidade geográfica. Os efeitos atenuar o sofrimento dos refugiados
sociais podem ser sentidos nos índices e apátridas por meio da aplicação
de violência, no aumento da xenofobia da Convenções sobre apatridia e do
e no colapso localizado de sistemas Estatuto dos Refugiados, promovendo
de acolhimento, como ocorrido uma distribuição mais equitativa dos
no Brasil em Pacaraima, f ronteira ônus e dificuldades de sua recepção.
com a Venezuela. Culturalmente,
os migrantes podem trazer grande O Brasil é um emissor líquido de
aporte, mas muitas vezes são vistos migrantes, embora tenha crescido
como uma ameaça à identidade a recepção de refugiados, apátridas
nacional, aumentando o rechaço, e migrantes voluntários nos últimos
como nos EUA ou na França, com anos. Estima-se em mais de 3 milhões
sérias repercussões políticas. o número de brasileiros morando no
exterior, com grande concentração nos
Na medida em que os deslocados EUA (mais de 1 milhão), mas grandes
forçados tendem a sair às pressas em diásporas brasileiras também no
caso de conflitos armados ou desastres Paraguai, no Japão, em Portugal, no
naturais, os fluxos se direcionam para Reino Unido, na Itália e na Alemanha.
países vizinhos. Estão entre os maiores Enquanto país de destino, o Brasil
receptores de migrantes países como é grande receptor de bolivianos,
Uganda, Bangladesh, Colômbia haitianos e venezuelanos, aos quais a
e Paquistão, embora esses fluxos Operação Acolhida busca recepcionar,
recebam menos atenção midiática do assistir e promover sua interiorização,
que aqueles direcionados à Europa ou merecendo o reconhecimento da
aos EUA. Nessas situações de extrema comunidade internacional.
vulnerabilidade, é comum que os

145
Em consonância com a Constituição Raíssa Guimarães
Federal, a legislação nacional (Lei de
Migrações, Lei do Refúgio e diversas Carvalho
normas infralegais) pautam-se pelo 30
respeito aos direitos humanos, pela
não criminalização da migração, TL – 60;
pelo repúdio à xenofobia e pela 812 palavras;
promoção da integração social dos 13,5 palavras/linha
migrantes. É assegurado o acesso
igualitário aos serviços públicos e ao O aumento da intensidade dos fluxos
direito ao trabalho, entendido como migratórios durante o início do século
a melhor forma de assimilação do XXI compõe o que Castles e Miller
migrante. Portarias ministeriais têm chamam de a “era das migrações”.
autorizado a concessão de vistos Segundo Bauman, o fenômeno das
de acolhida humanitária para sírios, migrações se intensif icou com o
afegãos, haitianos e ucranianos, desenvolvimento dos transportes
enquanto o CONARE, órgão com e dos meios de comunicações e
composição tripartite, é o responsável tornou-se uma questão global. O
pelo reconhecimento da condição migrante pode ser def inido como
de refugiado no país. O fenômeno aquele que deixa sua residência
migratório suscita diferentes habitual – geralmente seu país natal
abordagens, sendo o caso brasileiro - , para constituir residência em um
digno de nota. outro país. De acordo com teóricos
liberais, os fatores que geram os fluxos
migratórios se dividem em fatores de
repulsão e de atração. Tradicionais
fatores de repulsão são as guerras, as
perseguições políticas ou por origem
e problemas socioeconômicos, como
desemprego e violência. Um exemplo
são as migrações de países da América
Central rumo aos EUA. Um novo
fator de repulsão são os desastres
ambientais, a exemplo de habitantes
de ilhas ameaçadas pelo aquecimento
global. Já os fatores de atração são
aqueles que motivam a escolha de
um país novo para se habitar, como
a busca de melhores empregos e
sistema de saúde.

Nesse cenário, o recente relatório do


ACNUR apontou o aumento nos fluxos
de refugiados e de apátridas. Apátridas
são aqueles que não possuem
nacionalidade, e os refugiados, de
acordo com a Convenção no tema
de 1951 são aqueles que sof rem
perseguição por origem, religião ou
por pertencimento a um grupo social
ou político. O aumento do número

146
de conflitos intraestatais foi uma O crescimento dos fluxos migratórios
das razões para esse cenário, além e o apoio a restrição e a medidas
do aumento de deslocados internos. legais para impedir o ingresso de
Destacaram-se o número de refugiados imigrantes (principalmente em
do Sudão, do Afeganistão, da Síria e países desenvolvidos) tiveram como
da Venezuela. Diferentemente dos consequência o aumento das redes
“migrantes econômicos”, há razões de imigração irregular e de tráfico
imperiosas de violência e de segurança humano. São exemplos as ações de
que originaram esses fluxos. “coiotes” nas regiões de fronteira com
os EUA e também as embarcações que
Vários efeitos sociais e culturais realizam irregularmente a travessia de
podem ser apontados nos países que imigrantes no Mar Mediterrâneo. Por
recepcionam esses grandes fluxos. Por meio da Operação Sofia, os países da
um lado, há ganhos em intercâmbio EU buscavam impedir essas ações.
cultural, com a emergência de novas A mitigação das redes de tráf ico
expressões artísticas influenciadas humano também é um dos objetivos
pelos migrantes. Nota-se também da Convenção de Palermo, a qual o
constatável ganho acadêmico, a Brasil faz parte.
exemplo do fluxo de indianos que
migram aos EUA para estudar nas Como um problema global, os
universidades norte-americanos. No fluxos migratórios, incluindo os de
entanto, alguns possíveis impactos refugiados, são objeto de atuação
negativos também podem ser da comunidade internacional e
apontados, como o fortalecimento de diversas agências multilaterais.
de movimentos xenófobos, de Em seu aspecto legal, destacam-se
intolerância religiosa e de extremismo a Convenção para Refugiados de
violento. Parte da sociedade dos 1951 e seus protocolos, a Declaração
países receptores pode vislumbrar o de Cartagena e a Convenção para
imigrante como potencial ameaça à trabalhadores migrantes. No âmbito
identidade nacional e à segurança de da ONU, há, desde 2016, a atuação
seu país. da Organização Internacional para
Migrações (OIM). Destaca-se também
Entre os fluxos que recebem maior o ACNUR, para refugiados, criado
visibilidade, estão os fluxos Sul-Norte, em 1951. Outras agências podem ser
correspondentes a fluxos de origem apontadas, como a UNRWA, para
de países em desenvolvimento para refugiados palestinos, e o UNFPA. O
países desenvolvidos. No entanto, tema também é tratado em outras
os fluxos Sul-Sul estão entre os mais organizações, como a OEA, bem
significativos e não recebem tamanha como em arranjos multilaterais como
visibilidade. Por exemplo, destaca-se o o BRICS. O objetivo é impulsionar a
fluxo de africanos rumo aos Emirados migração segura, ordenada e regular.
Árabes e a outros países do Golfo por
motivações econômicas. Também O Brasil é um país em que se
se destacou o grande número de constata um equilíbrio entre os fluxos
refugiados sírios no Líbano e na de emigração e de imigração. O país é
Turquia. Outro exemplo de destaque signatário da Convenção de 1951 sobre
foram os refugiados rohingyas de refugiados, do Protocolo de 1967 que
Mianmar em Bangladesh. estende sua aplicação geográfica e da
Declaração de Cartagena (1984), que
amplia as hipóteses de concessão de
refúgio. A partir da nova lei de migração

147
de 2017, que põe fim ao Estatuto do NOTA MÉDIA
Estrangeiro de 1980, a abordagem Bruno Brito da
da migração passa a ter como foco
o respeito aos direitos humanos, de Cruz Abaurre
acordo com a Constituição de 1988. 28
Dessa forma, o imigrante não é
mais visto como “potencial inimigo”. TL – 60;
Destacam-se também a atuação do 778 palavras;
CONARE, às facilitações para concessão 13 palavras/linha
de nacionalidade a apátridas, e à
concessão de vistos temporários a As migrações internacionais não são
venezuelanos e haitianos. Com esses um fenômeno particularmente recente;
vistos, essas pessoas podem habitar e em países de colonização europeia
trabalhar regularmente no país. como Brasil e EUA, a imigração foi
componente importante na formação
do território e do tecido social. A
migração é o resultado de uma análise
comparativa entre os fatores de atração
e de repulsão entre o lugar de origem e
de destino, bem como a distância entre
os dois pontos, o que a globalização não
tornou irrelevante.

A migração mais usualmente


retratada na mídia é a econômica, do
sul para o norte. Está exemplificada
pelos migrantes que vão da África
para países da Europa Ocidental, como
a Espanha. Mais recentemente, tem-
se falado dos emigrantes climáticos,
que se deslocam devido a mudanças
e catástrofes ambientais, de que são
exemplo os emigrados do Haiti após os
terremotos de 2021. Além disso, também
há migração norte-sul (típica dos
expatriados para subsidiárias) e norte-
norte, representativa da globalização, a
ideia (falsa) do “mundo sem fronteiras”.
Por fim, há também as migrações
sul-sul, fortemente influenciadas pela
distância.

Os conflitos internacionais e as
instabilidades internas desde o início
dos anos 2000 provocaram desde
então aumento signif icativo das
migrações. Afegãos, depois iraquianos,
sudaneses, sírios, birmaneses e mais
recentemente ucranianos se viram
diante de tamanhos elementos de
repulsão, que precisaram se deslocar,

148
por vezes internacionalmente. A maior na crise da Síria, a partir de 2014, recebeu
parte desses migrantes vai para países 1 milhão de migrantes, o que equivale a
próximos, a maioria deles também no 20% de sua população. O mesmo se pode
sul global; é o caso dos venezuelanos na dizer dos migrantes venezuelanos na
Colômbia e dos sírios na Turquia. Colômbia. Esses países estão sob enorme
pressão, mas recebem menos atenção na
Diante desse quadro, as instituições mídia que os EUA e a UE, por exemplo.
multilaterais têm se voltado para esse
tema. Em 2018, no âmbito da ONU, O Brasil é, ao mesmo tempo, um país
foi acordado o Pacto Internacional que envia emigrantes e que recebe
de Migrações, que não é um tratado imigrantes, o que está em linha com sua
internacional, mas ainda assim foi natureza de potência média. Entre os
rechaçado pelos EUA, e abandonado pelo milhões de brasileiros vivendo no exterior,
Brasil. Na mesma ocasião, foi celebrado o a maioria deles está nos EUA, onde a rede
Pacto para Refugiados, do qual o Brasil dos que chegaram antes contribui para
efetivamente participa. O assunto dos a manutenção do fluxo. Em seguida,
refugiados é endereçado pelo ACNUR, e vêm Portugal, Paraguai, Reino Unido e
a ONU conta com órgão específico para Japão (decasséguis). Por outro lado, o
os refugiados palestinos. Esse cuidado Brasil também é um país de recepção,
especial é importante, sobretudo pela com grande presença de bolivianos,
especial vulnerabilidade dos refugiados, venezuelanos, haitianos e congoleses.
que podem ser vítimas de “coiotes”. Além dos compromissos internacionais
O Brasil, por exemplo, recentemente já mencionados, é a Lei de Migração o
criminalizou esta prática. principal instrumento legal que trata
dessa questão no Brasil. Essa norma,
Apesar de muitas vezes migrarem aliás, ampliou o conceito de refugiados,
por razões humanitárias, essas pessoas para abranger aqueles que deixaram seu
frequentemente enfrentam resistência país em razão de calamidade pública
nos países de chegada. A construções de ou estado de guerra. Com isso, passou-
muros e campos para recebê-los, além se a atribuir a condição de refugiado a
de acordos para limitar a sua quantidade, imigrantes venezuelanos, o que facilita a
simboliza a resistência à globalização pela sua empregabilidade, dada a autorização
via do nacionalismo, por vezes xenófobo. E de residência conferida automaticamente
isso mesmo quando a imigração poderia a refugiados. A LM também facilita
ser positiva para o país. É o caso de países a residência e até a naturalização de
da Europa Ocidental como a Alemanha e apátridas. Especificamente quanto
do Japão, cujas pirâmides demográficas aos venezuelanos, que chegam
caminham para uma maior razão de majoritariamente por Roraima, foi criada
dependência dos velhos para com a PEA, a Operação Acolhida para organizar a
de modo que receber jovens e famílias chegada e sua distribuição pelo território.
numerosas seria vantajoso. Os EUA são O assassinato de um imigrante congolês
um exemplo de criminalização e exclusão no Rio levou Itamaraty e Min. da Justiça a
dos imigrantes, o que não mudou se voltarem para a situação deles.
substancialmente no governo Biden.
Em suma, a globalização não eliminou
Os efeitos sociais da imigração podem as distâncias nem as discrepâncias
ser efetivamente deletérios para países econômicas e securitárias que levam
do sul global que não contam com as pessoas a migrar. O alto número de
infraestrutura econômica e social migrantes preocupa.
adequada para receber migrantes em
grandes números. É o caso do Líbano, que

149
MENOR NOTA para extorqui-los, transportá-los em
Anônimo condições insalubres e inseri-los nas
redes de tráfico de pessoas e tráfico
23 sexual, com especial vulnerabilidade
de mulheres e crianças.
TL – 60;
645 palavras;
10,7 palavras/linha Em tempos de crises econômicas e
políticas, os efeitos sociais e culturais
A migração está presente em das migrações, já normalmente
toda a história da humanidade. O complicados, f icam ainda mais
homem sempre migrou em busca intensos. Ocorre uma ascensão de uma
de melhores condições de vida. retórica e uma política protecionista,
Como afirma o teórico de migrações xenófoba e racista. Exemplos
Ernest Ravenstein, a migração ocorre importantes são as resistências
devido às assimetrias entre as regiões. europeias aos refugiados sírios, ou
Tradicionalmente, as pessoas migram os ataques às populações migrantes
em busca de oportunidades e trabalho, chinesas no contexto da pandemia
como foi o caso dos japoneses que de Covid-19. Na busca de respostas
vieram a bordo do Kasato Maru fáceis, o imigrante, sendo o “outro”,
para o Brasil em 1908, ou mesmo a passa a ser o culpado das mazelas da
migração nordestina para São Paulo sociedade. No entanto, ao contrário
em meados do século XX em função do que diz o senso comum, não são
da industrialização pujante da capital os países mais ricos que recepcionam
paulista. Há, ainda, novas motivações o maior número de imigrantes.
que tornam, hoje, mais complexos Proximidade física e cultural são fatores
os movimentos migratórios globais, extremamente importantes, de modo
como o fenômeno das mudanças que os principais locais de recepção
climáticas, que, por exemplo, está são os mais próximos. Refugiados
afundando determinadas ilhas do venezuelanos vão principalmente
Pacífico, tornando suas populações para a Colômbia, sírios vão para a
em refugiados ambientais. Turquia e a Jordânia, ucranianos vão
para a Polônia, entre muitos outros
Vivemos o período de maior exemplos, de modo que a migração
migração da história da humanidade. intra-continental é muito superior à
As novas tecnologias de transporte e inter-continental. Não raro, os países
comunicações tornam a migração que mais recepcionam são pobres,
muito mais acessível do que em com poucas condições de integrar
outros tempos, e questões como o migrante e com pouco suporte da
miséria, mudanças climáticas e comunidade internacional.
grandes conflitos tornam ela muito
mais necessária. Nos últimos anos Ex i s te m d i ve rs a s agências
o mundo viu um forte crescimento internacionais que buscam coordenar a
do número de refugiados no mundo questão da migração e dos refugiados,
devido à instabilidade política na como a OIM, a ACNUR, além de ser
Venezuela e aos conflitos na Síria debate f requente em organismos
e na Ucrânia, além do aumento de amplos como a Assembleia Geral
apátridas em razão de conflitos das Nações Unidas ou em foros de
étnicos e genocídios. Além disso, Direitos Humanos onde se discute
criminosos aproveitam da situação de o direito a migrar e os direitos dos
vulnerabilidade de muitos migrantes migrantes. Busca-se, também, uma
melhor coordenação das políticas

150
migratórias no âmbito da União
Europeia, principalmente depois do
conflito na Ucrânia.

No Brasil, foi publicada a Lei de


Migração em 2017, que mudou a
maneira como o tema é tratado,
com foco nos direitos humanos dos
migrantes e não como questão de
segurança nacional, como era até
então. O país passou a ser importante
receptor de migrantes e refugiados,
como haitianos, venezuelanos e
ucranianos, notadamente com as
operações acolhida. A coordenação do
tema fica à cargo principalmente dos
Ministérios da Justiça e das Relações
Exteriores, tendo um órgão específico
para a questão do refúgio, o CONARE.
Ao refugiado é dado condições de
acolhimento melhores do que aos
demais migrantes, incluindo facilitação
para emissão de documentação e para
a concessão do direito de trabalhar.

Os migrantes brasileiros vão em


sua maioria para países ricos em
busca de melhores condições de
vida, notadamente para os Estados
Unidos, Portugal, Reino Unido e Japão
(fenômeno dekassegui). Há, ainda,
importante população de brasileiros
no Paraguai, em razão das conexões
f ronteiriças entre ambos países,
chamados “brasiguaios”.

151
journals.openedition.org/confins/11376>. DOI: <https://
doi.org/10.4000/confins.11376>. Acesso em: 29 abr. 2022,
Questão 02 com adaptações.


Considerando que o excerto
Relatório de notas
Média Ampla Concorrência: 24,9 apresentado tem caráter meramente
Média Pessoas com Deficiência: 22,3 motivador, redija um texto dissertativo
Média Candidatos Negros: 24 analisando as dinâmicas relacionadas às
cidades médias na Amazônia brasileira
e suas funcionalidades. Aborde,
necessariamente, os seguintes tópicos:

conceituação de cidade média nos


estudos a respeito de rede urbana no
MÉDIAS POR QUESITO Brasil;

cidades médias na Amazônia e


suas relações com a rede fluvial e
rodoviária;

relações entre cidades médias na


Amazônia e as frentes de ocupação
versus modernização do território; e

desigualdades socioespaciais e
cidades médias na Amazônia.

Leia, com atenção, o


excerto a seguir. Extensão do texto: até 60 linhas
[valor: 30,00 pontos]

As atuais dinâmicas socioespaciais


do território brasileiro indicam que as
maiores cidades continuarão a crescer
paralelamente à constituição de novas
centralidades urbanas intermediárias.
Tais fenômenos, aparentemente
contraditórios, são, na verdade,
complementares. O que ocorre é uma
reorganização dos espaços e da rede
urbana do País, que acompanha uma
nova divisão territorial do trabalho
(SANTOS, 2009).

NUNES, Débora Aquino; TRINDADE JR., Saint-Clair


Cordeiro da; TRINDADE, Gesiane Oliveira da. Cida-
des médias na Amazônia brasileira: da centralida-
de econômica à centralidade política de Marabá e
Santarém (Estado do Pará). Confins [On-line], 29 | 2016,
posto on-line no dia 25 de novembro de 2021, consul-
tado em 29 de abril de 2022. Disponível em: <http://

152
PADRÃO DE RESPOSTA principais bacias hidrográficas, outras
cidades foram constituídas a partir da
Q1. Longe de ser um consenso entre os conexão com as rodovias, outras cidades
estudiosos, a noção de “cidade média” tem essa dupla localização às margens de
envolve uma série de interpretações rios e rodovias como Altamira e Itaituba
e conceituações. O primeiro enfoque no Pará, Porto Velho e Rio Branco, entre
relacionado a essa classificação tem outras.
como base o tamanho populacional
das cidades entre 100.000 e 500.000 Q5. No contexto amazônico, esse debate
habitantes. Atualmente, instituições guarda especificidades que precisam
of iciais, ainda adotam essa ser levadas em consideração. As cidades
característica como central. médias brasileiras são comumente
associadas à modernização econômica de
Q2. Apesar da importância que a definição espaços onde as relações capitalistas já se
de cidade média tem nos estudos mostram mais consolidadas, e também
brasileiros, o patamar demográfico serve ao melhor índice de qualidade de vida
apenas como primeira aproximação de seus habitantes, quando comparado
para compreender tais cidades, pois ao de outros centros urbanos, como
não há relação direta entre o tamanho as metrópoles. Porém, na Amazônia,
da população de uma cidade e seu papel cidades como Marabá e Santarém
na rede urbana (SPOSITO, 2001). A partir tendem a se diferenciar das demais, pois
dessas considerações, outro enfoque consistem em espaços que nem sempre
surge dentro dos estudos relacionados revelam a incorporação dos processos
às cidades médias, o qual incorpora de acumulação de capitais, possuindo
elementos qualitativos, tendo em vista traços de dinâmicas concernentes a
uma nova forma de abordá-las. Sposito frentes pioneiras, agropastoris e minerais,
(2001) considera as cidades médias como e baixos índices de qualidade de vida
aquelas de expressiva importância na (TRINDADE JR.; PEREIRA, 2007) quando
estrutura urbana regional. comparados aos de outras regiões do
País.
Q3. A cidade média é fenômeno recente
na Amazônia, que somente adquiriu Q6. A importância das cidades
importância após as mudanças ocorridas médias amazônicas chama a atenção,
a partir da década de 1960, visto que principalmente no que se refere às
anteriormente este tipo de cidade era suas relações econômicas, políticas e
quase inexistente. Logo, houve a ascensão socioterritoriais com as sub-regiões
das cidades médias na rede urbana, as das quais fazem parte. Essas cidades
quais passaram a desempenhar papéis parecem apontar elementos para se
econômicos e a ser destino do fluxo de pensar a particularidade de centros
migrantes, mas foram as metrópoles que urbanos intermediários para além da
mantiveram papel central e de comando centralidade econômica, normalmente
da rede urbana, tornando-se uma considerada na definição das cidades
tendência que acompanha a dinâmica médias. Uma referência à centralidade
urbana nacional. política, caracterizada pela presença de
instituições e órgãos oficiais, estaduais
Q4. As cidades médias apresentam e federais, ligados às decisões políticas
relações distintas no que diz respeito que nelas se fazem presentes, e pelo fato
a sua localização e vinculações com os de sediarem importantes forças políticas,
sistemas de transporte. Na Amazônia, associações, movimentos sociais, sindicais
existem cidades que foram criadas e categorias sociais diversas.
a partir da localização em relação às

153
Q7. As políticas de reordenamento na multiplicação, na criação e no
territorial promovidas pelo Estado, para revigoramento dos núcleos urbanos;
inserção da Amazônia no processo de b) Mudança na estrutura urbana e
expansão capitalista, a partir da segunda no povoamento, expressando, assim,
metade do século 20, ocasionaram forte desconcentração urbana com
transformações econômicas, sociais e importante participação das cidades
na rede urbana regional. Neste contexto, médias; c) Incorporação dos valores
atribuíram às cidades funções econômicas rurais ao urbano, demonstrando,
de acumulação, comandando uma desse modo, estreitas vinculações
rede de municípios em seu entorno, por entre o campo e a cidade; d) Grande
meio da distribuição de bens e serviços variedade quanto à situação de
e controle da produção primária para crescimento, tamanho e estrutura
exportação, papel que também passou dos núcleos urbanos, expressando
a ser desempenhado por um tipo de distintos modelos ou padrões
cidade até então inexistente da rede de urbanização; e) Carências
urbana: as cidades médias. generalizadas de equipamentos e
serviços urbanos, mostrando forte
Q8. Pode-se afirmar que, o processo ausência de infraestrutura urbana dos
de urbanização suscitou para essas núcleos urbanos; f) Presença de uma
cidades inúmeros “ problemas economia instável e informal, expondo
urbanos”, como são observados nos as populações à dependência direta
indicadores de saneamento, emprego, de empregos públicos, revelando
migração e transporte. problemas com a informalidade.. Será
avaliada a capacidade do candidato
Q9. Mais da metade da população de estabelecer uma tese e sustentá-la
amazônica reside nas cidades, sentindo coerentemente. A avaliação seguirá o
com isso os mesmos problemas urbanos critério comparativo (i.e.). A avaliação
que afetam a maioria da população individual será feita de acordo com
brasileira que vive em centros urbanos. a comparação do nível de outros
As cidades, são lugares privilegiados exercícios. Nesse sentido, embora
de reprodução das interações sociais e o candidato possa ter respondido
se constituem bases para a realização de forma correta, abrangendo os
ampliada da intervenção direta do requisitos anteriormente indicados,
Estado na produção do espaço e na sua nota poderá ser menor do que
ligação de pontos que possibilitam a a atribuída a outros que f izerem
expansão de novas formas de relações o exercício com maior qualidade
de produção na região. Tanto no passado intelectual, acadêmica e formal.
como no presente, este processo
não tem ocorrido sem sobressaltos,
representando uma espacialização
essencial ao desenvolvimento do capital.
Tal processo não se dá isento de conflitos,
Referências:
pois está imbricado de múltiplos NUNES Débora Aquino; JÚNIOR, Saint-Clair Cordeiro
agentes portadores de diferentes da Trindade; TRINDADE, Gesiane Oliveira da. Cidades
médias na Amazônia brasileira: da centralidade eco-
práticas socioespaciais, torna as cidades nômica à centralidade política de Marabá e Santarém
amazônicas o lugar por excelência das (Estado do Pará). Confins [On-line], 29 | 2016. Disponível
em: <http://journals.openedition.org/confins/11376>.
lutas sociais. Acesso em: 29 abr. 2022.
Q10. Becker (2003) sugere alguns OLIVEIRA, V.L. TRINDADE, J.R. As cidades médias do
hinterland amazônico paraense: urbanização e de-
elementos. São eles: a) Ritmo acelerado senvolvimento em período recente. Belém, Cadernos
da urbanização que se efetiva em razão CEPEC, UFPA, volume 2, no 3, 2013.
do crescimento urbano, repercutindo

154
Guilherme de Augusto presente, as rodovias, por permitirem
a ocupação contínua, incluindo
Baldan Costa Neves ramais, atuam como forte indutor de
29 desmatamento.

TL – 60; Esse mais recente surto urbanizador


785 palavras; foi associado ao crescimento das
13 palavras/linha
cidades médias, que podem ser
entendidas como capazes de exercer
A Amazônia foi definida por Berta funções intermediárias numa rede
Becker como Floresta urbanizada. urbana, definidas, por sua vez, como um
Com efeito, a região apresenta taxas conjunto funcionalmente articulado de
de urbanização superiores a 70%, cidades. A expansão das cidades médias,
aproximando-se da taxa observada em geral, enseja a formação de redes
na Europa – embora abaixo da taxa mais equilibradas (redes christalerianas),
nacional de 84%. Ao mesmo tempo, a ao promo-repartição mais eficiente de
rede urbana amazônica é macrocefálica, funções. Nesse sentido, o crescimento
marcada pelo isolamento de diversos de cidades como Santarém e Ji-Paraná,
de seus municípios, e precária. permite que seja aliviada alguma da
pressão exercida sobre os antigos polos
A urbanização amazônica remonta, de Belém e Manaus, para o que também
sobretudo, ao ciclo da borracha, na contribui o crescimento de capitais
virada dos séculos XIX e XX. Antes, já havia como Porto Velho e Rio Branco, estas
cidades e vilas, voltadas à exploração ainda associadas ao padrão fluviais de
das drogas do sertão e à proteção das ocupação. As cidades médias, marcadas,
fronteiras, mas o ciclo da borracha gerou ainda, pela população mais baixa do
o primeiro grande surto urbanizador. que os grandes centros regionais,
Nesse período, as principais cidades, reúnem indústrias de produção de
com destaque para Manaus e Belém, insumos e processamento da produção
situavam-se ao longo dos rios, de forma agropecuária, à medida que boi, soja
a facilitar o escoamento da produção. e milho se expandem no sentido da
Ao fim do surto da borracha, seguiu- floresta. Essas cidades situam-se ou às
se um período de estagnação urbana, proximidades das rodovias ou em locais
já que extintos os impulsos exógenos. em que possam estimular a conexão
A urbanização tornou a ganhar força de modais, ligando rodovias à ampla
com o período militar, com a criação rede hidrográfica amazônica. Em seu
de grandes projetos de exploração de entorno, desdobra-se desmatamento
recursos naturais (incluindo energia expressivo, como aquele observado
hidrelétrica), a facilitação relativa do no chamado arco do desmatamento,
acesso à terra, a instalação da SUDAM e que cruza a região do norte do Pará até
da Zona Franca de Manaus e a abertura Rondônia, atravessando o Mato Grosso.
de ferrovias, tudo isso associado a um
projeto de ocupação voltado a afastar Em paralelo a esse processo de
os “ventos desenfreados da cobiça”. modernização agrícola, são implantadas
A abertura de rodovias transformou cada vez mais próteses humanas no
de forma significativa o padrão de território. A modernização contribui
ocupação urbana: as cidades podiam para o aumento da produção e das
afastar-se dos rios e passavam a situar- exportações, tendo as cidades médias
se nas margens das novas rotas de como ponto de apoio fundamental.
transporte, como a Belém-Brasília e Além das máquinas, dos insumos
a Transamazônica. Com efeito, até o (fertilizantes, adubos, por exemplo),

155
aquelas cidades são ponto de Lucas Godoy
reunião e difusão de informações,
input fundamental da produção Vilela Barbosa
crescentemente submetida ao meio 29
técnico-científico-informacional. Ao
mesmo tempo, essa modernização TL – 60;
agrava disputas por terra, expulsa 842 palavras;
14 palavras/linha
trabalhadores do meio rural ou força
sua crescente proletarização e estimula
a degradação ambiental. Deve-se notar Não há consenso na conceituação
que o desenvolvimento amazônico, de cidade média. Pode-se usar por
além dos graves efeitos sobre a própria critério a demografia, pois existiria
região, pode afetar o regime de chuvas um contingente populacional mínimo
em partes significativas do território do capaz de abrigar uma maior densidade
Brasil, em particular, e da América do técnica territorializada. Há o critério
Sul, em geral, deteriorando as condições de localização, que situa a cidade
produtivas em vastas áreas. média entre uma cidade maior e outra
menor. Por fim, há o critério funcional,
As cidades médias da Amazônia são, segundo o qual as cidades médias
cada vez mais, cenários de desigualdade, são assim def inidas pelas funções
com a pujança e a miséria coexistindo intermediárias que desempenham
lado a lado. Partes não negligenciáveis na rede. O último critério parece ser
da população dessas cidades são o mais adequado, pois a difusão do
compostas por trabalhadores de baixa meio técnico-científico-informacional
qualif icação e precária formação (MTCI) pelo território possibilitou
educacional que foram expulsos de uma nova distribuição territorial do
suas terras, sem condições de arcar com trabalho, em um centrifuguismo que
os novos custos produtivos de forma levou atividades produtivas para as
competitiva. Dessa forma, formam-se cidades médias e um centripetismo
bolsões de indivíduos desempregados que concentrou o comando nas
ou precariamente inseridos no mercado metrópoles, que controlam os aspectos
de trabalho. Seus locais de residência políticos da produção, enquanto as
são, em sentido similar, esquecidos cidades médias controlam os aspectos
pelo capital e poder público. Com técnicos. Essa nova dinâmica fortalece
efeito, estima-se que somente cerca e adensa a rede urbana nacional. As
de 10% de todas as residências da cidades médias oferecem economias
região Norte cumpram os requisitos de de aglomeração que guiam as
habitação de qualidade do IBGE, que decisões locacionais das empresas
inclui aspectos como acesso à rede de e apresentam, no Brasil, maior
esgoto e a água filtrada, cenário ainda crescimento que as metrópoles.
mais dramático nas cidades médias.
Além disso, há profundas carências no Ao estudar a rede urbana da
que se refere ao sistema de saúde e Amazônia, Bertha Becker apontou a
ao acesso à educação. Deve-se notar, centralidade das cidades para a política
ainda, que a rede urbana amazônica territorial de ocupação da região,
continua marcada pela existência de de modo que se pode falar de uma
diversos municipais rurais e isolados Floresta Urbanizada na Amazônia.
(principal marca dessa rede), incapazes Tradicionalmente, seguiu-se o padrão
de estabelecer relações externas e de circulação pelo rio e de ocupação
dependentes de transferências externas das várzeas. Essa dinâmica deu origem
de renda. a uma rede urbana dendítrica, com

156
centros de maior hierarquia destinados em direção ao Terminal da Ponta da
a escoar a produção extrativa pelos Madeira, no Porto de Itaqui. A poucos
rios, de modo que a hidrografia é o quilômetros, Marabá (PA) processa a
principal fator explicativo das cidades bauxita de Oriximiná e exporta alumínio
de ocupação antiga. Alguns núcleos para o mundo, por meio do porto de
dessa rede se refuncionalizaram com o Barcarena. A cidade de Altamira (PA)
avanço do MTCI à Amazônia. A cidade abriga a UHE Belo Monte, uma das cinco
de Oriximiná (PA) implantou polo de maiores UHE do mundo. Como se vê,
mineração de bauxita, e Santarém as cidades médias da rede amazônica
(PA) passou a receber grãos do Centro- funcionam como elos entre a produção
Oeste escoados via BR-163 ou vindos de extrativa local e a reprodução do capital
Itaituba, pela Estação de Transbordo global, em relações técnicas densas e
de Cargas. Assim, refuncionalizam-se por meio de redes que se comunicam
núcleos tradicionais de ocupação e de forma seletiva com outros nós,
constituem-se novas cidades médias, nacionais e locais. Há igualmente outras
integradas em redes lineares (com cidades médias na frente de ocupação
Belém ou Manaus, as metrópoles litorânea, mas em geral elas adquirem
da região) ou perpendiculares (com maior centralidade após se inserirem
o Centro-Oeste). Nesse modelo, em elos mais inovadores da produção,
também se inclui Itacoatiara (AM). como Santarém e Itacoatiara. O
avanço da modernização no território é
Na segunda metade do século XX, contemporâneo ao avanço da fronteira
houve maior intervenção estatal por agrícola na região, com efeitos negativos
meio de políticas territoriais na região, para a desigualdade na região.
sobretudo a partir da criação da
SUDAM, em 1966. Foram estimuladas a As cidades médias da Amazônia, ao
ocupação do território e a colonização implantar nova funcionalização do
de terras públicas, em uma dinâmica espaço e inserir o núcleo urbano em
preocupada com a garantia de uma nova divisão territorial do trabalho,
integridade territorial e soberania. O provocam desterritorialização de
novo padrão tinha a circulação por alguns habitantes, que perdem o
rodovias e ocupação da terra firma. acesso simbólico ou material que
Foram construídas, no regime militar, antes possuíam. É o caso dos indígenas
a rodovia Transamazônica e a BR-163 deslocados para a construção de Belo
até Santarém, numa rede urbana Monte, por exemplo. Além de gerar
axial. Nesse modelo, as cidades desigualdades espaciais internas, que
cumpriam a função de distribuir bens levam a aglomerados de exclusão, as
e serviços de forma contígua a seu cidades médias na região também
entorno, garantindo o abastecimento estabelecem desigualdade em
dos colonizadores. A nova frente de relação aos outros elementos da
ocupação rodoviária possibilitou o rede. A concentração de próteses no
surgimento de cidades de médio porte território (como portos e depósitos
ou cidades intermediárias que, com a de cereais) em Santarém posicionou
modernização do território, tornaram- esta cidade em relação desigual às
se cidades médias. outras cidades da BR-163, como Novo
Progresso (PA). O avanço produtivo
A cidade de Parauapebas (PA) abriga propiciado pelas cidades médias,
a sede da Vale, que tem na região o ademais, fomenta disputa pelo uso do
maior investimento privado do Brasil território, levando a conflitos por terra
em mineração, a mina S11D. Dela, na região. Por fim, ao concentrarem
parte uma rede ferrovia duplicada, pessoal técnico bem remunerado

157
apto para gerir os aspectos técnicos de Pedro Guilherme Bastos
uma produção altamente tecnificada,
de um lado, e abrigar expressivo Menezes de Almeida
contingente populacional com baixa 29
qualif icação e remuneração, as
cidades médias da Amazônia são loci TL – 60;
de considerável desigualdade social 667 palavras;
interna, ostentando altos indicadores 11 palavras/linha
no Índice de Gini.
A urbanização do Brasil coincide com
As cidades médias da Amazônia a noção de “urbanização periférica”,
lograram estabelecer fluxos com redes própria de países latino-americanos
de comando e gestão que ultrapassam e africanos e que concentrou, rápida
a hinterlândia de Belém e Manaus, e desordenadamente, grandes
adensando a rede urbana da região. populações em poucos aglomerados
urbanos. Recentemente, porém,
o país apresenta o fenômeno da
“desmetropolização”: embora as
metrópoles brasileiras continuem a
crescer, as cidades médias crescem
a ritmo superior, em particular nos
arredores de metrópoles ou nas
frentes pioneiras da Amazônia.

Cidades médias são aquelas cuja


população varia entre 100 mil e 500 mil
habitantes, segundo critérios do REGIC
2018, estudo do IBGE que estabelece
a hierarquia dos centros urbanos
brasileiros e suas zonas de influência.
As cidades médias na Amazônia, com
destaque para Marabá e Santarém,
apresentam algumas das maiores
taxas de crescimento urbano do país.
A ocupação mais intensa da região foi
planejada, segundo B. Becker, entre
os anos 1930 e 1966, com a criação
da SPVEA (1953) e a inauguração da
primeira porção da rodovia Belém-
Brasília (1959). Sua execução ocorreu
entre 1966, com a criação da SUDAM,
e 1985, e englobou ações estatais tal
qual a criação da Suframa, do PIN, do
INCRA e do Polamazônia. Segundo
Porto-Gonçalves, os governos militares
suplantaram o modelo estrada-cidade-
subsolo ao modelo anterior, rio-várzea-
floresta, o que equivale dizer que
buscou-se integrar o espaço amazônico
às outras “penínsulas” do país (de acordo
com Golberi de Couto e Silva), a partir de

158
uma lógica rodoviarista e extrativista, A distância da região amazônica da
de que os maiores exemplos são a core area brasileira impõe dificuldades
Transamazônica e o Projeto Grande ao seu desenvolvimento, em particular
Carajás. Em particular nas cidades devido às suas vicissitudes próprias e
médias, é possível observar um sistema devido à questão ambiental. A bacia
híbrido (e por vezes precário) das redes amazônica possui o maior potencial
fluvial e rodoviária como forma de hidrelétrico não aproveitado do país,
deslocamento de pessoas e bens, o que assim como sof re particularmente
vai de encontro com a noção de espaço no setor elétrico - Macapá sof reu
geográfico de Milton Santos, qual seja, recentemente com interrupções
a de uma “acumulação desigual de em seu fornecimento elétrico, e Boa
tempos”. Exemplo prático foi a recente Vista é a única capital do país a não
dificuldade de acesso às vacinas contra fazer parte do SIN, sendo abastecida
a COVID-19 por parte de habitantes pela Venezuela. As desigualdades
da região amazônica, em particular socioespaciais fazem-se presentes não
em pequenas e médias cidades, mas apenas nas metrópoles amazônicas,
também em Manaus, no que se refere mas também nas cidades médias,
a equipamentos médicos. onde se observa número relevante
de aglomeração subnormais,
Embora haja certa polarização de limitações no provimento de serviços
influências advindas de Manaus e públicos, assim como processo de
Belém, o atual modelo informacional de periferização, paralelo ao processo
influências entre cidades faz com que as de desmetropolização. Assim como
cidades médias orbitem, paralelamente, em outras cidades médias brasileiras,
outros centros urbanos relevantes. percebe-se igualmente expressões
As cidades médias na Amazônia são de segregação espacial de diferentes
irradiadoras de demandas por bens e matizes, além de signif icativas
serviços, e mantêm relações significativas taxas de violência urbana. Tal
com as frentes de ocupação no Arco é a heterogeneidade da região
Adensado de Povoamento, assim como amazônica, que Porto-Gonçalves
na Amazônia Central. A agroindústria, em sugere a utilização de seu nome no
plena expansão e detentora de amplo plural, de modo a não perder em vista
capital, é a principal impulsionadora suas desigualdades - “Amazônias”.
de projetos como a Ferrogrão ou
o asfaltamento da rodovia Cuiabá-
Santarém. O crescimento das cidades
médias da Amazônia e a expansão da
moderna agricultura estão no centro
do que B. Becker chamou de “incógnita
do Heartland”, ou seja, a coexistência de
medidas ambientais protetivas (como
estabelecimento de reservas ambientais
e indígenas) e de transformações de vetor
economicista (mineração, agronegócio
e construção de hidrelétricas) a partir
dos anos 1985, que a autora considera
como sendo um período de transição
de modelo - da noção de “fronteira de
recursos” para “fronteira socioambiental”,
parte do processo de modernização do
território brasileiro.

159
NOTA MÉDIA A Amazônia possui metrópoles,
Dandara Miranda como Belém e Manaus, porém o
crescimento das cidades médias tem
Teixeira de Lima sido notável, como Marabá e Santarém,
24,5 principalmente devido à importância
de suas relações com a rede fluvial
TL – 58; e rodoviária da região. A Amazônia,
589 palavras; por ser composta por diversos rios e
10 palavras/linha afluentes, demanda o desenvolvimento
de aparatos logísticos tanto para a
A urbanização brasileira é circulação de pessoas, como ocorrem
historicamente caracterizada pelo com as migrações pendulares, quanto
fenômeno da metropolização e da para integrar a rede de escoamento da
macrocefalia urbana, concentrando produção nacional, proveniente tanto
grandes contingentes de pessoas em da produção de soja de cidades do
cidades grandes, como São Paulo. Nos norte do Mato Grosso, como Sorriso,
últimos [anos] (sic.), paralelamente a quanto de cidades produtoras de partes
esse processo, há também o fenômeno do Matopiba. Ademais, destaca-se o
da desmetropolização, que consiste escoamento da produção de minério,
na desaceleração do crescimento das de Carajás, e da Zona Franca de Manaus,
grandes metrópoles e no deslocamento voltada à exportação, principalmente.
de empresas e pessoas para as cidades
médias. Esses processos não são O ganho de importância das cidades
contraditórios, mas complementares, pois médias na Amazônia, sobretudo para
refletem a desconcentração concentrada f ins logísticos, tem reacendido o
que dá a origem a uma reorganização debate sobre expansão de sua frente
da rede urbana. Com a busca por de ocupação. A Amazônia, formada
diminuição de custos, por partes das pela parte Ocidental, mas preservada
empresas, as cidades médias tornam-se pela parte Central e pelo Arco do Fogo,
mais atrativas, pois oferecem mão-de- é cada vez mais ocupada na sua parte
obra qualificada e ainda estão próximas Central, como evidencia a construção
aos centros de serviços especializados. das ferrovias Norte-Sul e Ferrogrão e a
Ademais, a deterioração das condições de inauguração de faixas da BR que ligam
habitabilidade das grandes metrópoles, Santarém nos últimos anos. Essas
denominada involução metropolitana, frentes de ocupação contrapõem-se
também gera a busca por melhores à modernização efetiva do território,
condições de vida por parte da classe pois são realizadas de forma não
média, fenômeno também conhecido planejada e sem aproveitamento
como suburbanização ampliada. Nesse otimizado das terras ocupadas,
sentido, as cidades médias tendem a definidas sobretudo pelos interesses
crescer, como ocorreu com Campinas, de grandes empresários.
atual metrópole, e com Ribeirão Preto,
que já é capital regional, nos termos A expansão das cidades médias
do novo Regic. As grandes metrópoles na Amazônia não tem sido, contudo,
não carecem de importância devido à simétrica. A Amazônia é uma das
desmetropolização, pois continuam regiões com maior número de favelas,
concentrando as funções de comando da que correspondem à metade da cidade
rede produtiva e os serviços especializados de Belém. A desmetropolização na
necessários, sobretudo, informacionais. Amazônia consiste no crescimento de
algumas cidades médias, como Marabá
e Santarém, como complementação

160
à cadeira produtiva e de escoamento MENOR NOTA
definidas pelas grandes metrópoles. Anônimo
Outras cidades médias tendem a ser
marginalizadas. Ademais, sendo um 20
processo de urbanização não planejado
e definido de “cima para baixo”, há TL – 60;
598 palavras;
grandes desigualdades socioespaciais 10 palavras/linha
nos seus territórios, com ocupação por
mão-de-obra de outros Estados e com Embora não haja um critério oficial
desprestígio da população local, das do IBGE a conceituar cidade média
comunidades tradicionais e do seu (a divisão do Instituto segmenta as
modo de viver. As mudanças atuais unidades urbanas em cinco categorias:
na Amazônia já suscitam grandes metrópole, capital regional, centro
manifestações de contingentes regional, centro de zona e centros
populacionais prejudicados, além de locais), pode-se defini-la a partir de
críticas no contexto internacional pelo três critérios: populacional, econômico
não cumprimento das obrigações de e papel na rede urbana. Em termo
desenvolvimento sustentável. populacionais, essas cidades teriam
entre 100 mil e 1 milhão de habitantes,
A Amazônia, conforme Bertha sendo destacadas as entre 200 mil
Becker alega, consiste em floresta e 500 mil como as aglomerações
urbana em que o vetor protecionista, médias paradigmáticas. Esses núcleos
inaugurado principalmente a partir da concentram atividades econômicas
década 1970, se contrapõe à política de diversificadas e são capazes de exercer
ocupação ou predatória realizada no competências de comando em seu
governo militar, que implementava. entorno. Entre 2000 e 2012, esses
municípios foram os que apresentaram
o maior crescimento populacional
no país, de aproximadamente 2% ao
ano, enquanto as metrópoles acima
de 1 milhão de habitantes viram seu
crescimento desacelerar, razão pela
qual Milton Santos defende que há
uma desmetropolização em curso no
Brasil, não por estarem em declínio
absoluto e sim pela queda em seu
peso relativo.

As cidades médias exercem um


importante papel de coordenação
dentro da região menos “metropolizada”
do país: a Amazônia. Com apenas
Belém e Manaus superando a barreira
do 1 milhão de habitantes e quase
40% do território nacional em seus
limites, a Amazônia apresenta uma
rede urbana fragmentada e, muitas
vezes, atomizada. Em alguns locais,
a “Amazônia dos rios” descrita por
Bertha Becker prepondera sobre o

161
espaço mecanizado. Não obstante, acelerado em razão das obras para
deve-se atentar ao crescimento de a construção de Belo Monte e não
capitais estaduais com características conseguiram atingir um grau de
de cidades médias, como Porto Velho diversificação econômica suficiente
e Boa Vista, e também de importantes para assegurar boa qualidade de
aglomerações como Santarém, Marabá vida à população, sofrendo com altos
e Sinop. Boa parte desses núcleos índices de violência e pobreza. Isso
urbanos encontram-se na fronteira contrasta com o desenvolvimento
de expansão agrícola ou em áreas de Sinop, no centro do eixo da
mineradoras e são importantes pontos economia dinâmica impulsionada
logísticos para escoamento de produtos pelo moderno agronegócio.
para o mercado externo, integrando—
se a cadeias globais de valor. Além do eixo norte-sul, há o leste-
oeste, formando basicamente pelo
Santarém é o melhor exemplo rio Amazonas e pela incompleta
de cidade média na Amazônia rodovia transamazônica. Manaus e seu
integrada ao meio técnico--científico- entorno contam com uma estrutura
informacional, descrito por Milton portuária moderna e capaz de atender
Santos. É o ponto radial do chamado às demandas de escoamento da Zona
“Arco Norte”, atualmente um dos Franca. A Transamazônica, contudo,
principais eixos de escoamento ainda é uma prótese não concluída
de grãos do país. Santarém está no território, sendo incapaz de gerar
conectada por via terrestre com o mesmo dinamismo proporcionado
a rodovia BR 163, que passa por pelas integrações das rodovias sentido
Miritituba, importante ponto [ou porto, norte-sul.
difícil de ler] graneleiro e que, muitas
vezes, utiliza balsas para transporte
de mercadorias que serão transferidas
para navios maiores, em terminais
que suportam embarcações de maior
calado (como Santarém e Barcarena,
porto da Vila do Conde). Também
há projetos para conectar Santarém
à região produtora de grãos por via
férrea. No momento, essa integração
ocorre preponderantemente por
rodovias, seguindo para os portos do
Arco Norte e de navio pelas bacias do
Tapajós e Amazonas rumo ao Atlântico.

No entanto, esse processo não


ocorre de forma homogênea. As
cidades médias fora dos principais
eixos de ocupação sofrem com a falta
de integração (Macapá não conta com
conexão rodoviária a outros estados
e Boa Vista não está interligada
ao sistema elétrico nacional de
transmissão de energia). Outras
cidades, como Altamira, passaram
por um processo de crescimento

162
Questão 03 A evolução das ciências do homem
e da sociedade, por conseguinte, é

marcada, ao mesmo tempo, pela
Relatório de notas
Média Ampla Concorrência: 14,5 transformação daquelas que existem
Média Pessoas com Deficiência: 12,5 há muito tempo – o estudo das línguas,
Média Candidatos Negros: 13,7 a história e a geografia -, pelo reforço
daquelas que nasceram na época das
luzes – a economia política – e pelo
aparecimento da sociologia e psicologia.
CLAVAL, Paul. Epistemologia da Geografia. Florianó-
polis: EDUFSC, 2014.

MÉDIAS POR QUESITO


Considerando que essa figura, a qual
ilustra um dos principais símbolos
do conhecimento geográf ico, o
mapa e o excerto apresentado,
que contextualiza o nascimento da
geograf ia como corpo científ ico
sistematizado e com método próprio,
têm caráter meramente motivador,
redija um texto dissertativo abordando
os seguintes tópicos:

conhecimentos geográf icos que


antecedem a geografia como ciência;

origens da geografia e da escola


determinista;

Observe a figura e leia, com o possibilismo como reação à escola


atenção, o excerto a seguir. determinista;

o paradigma regional nos estudos


da geografia;

a emergência da nova geografia e


sua aplicação;

o despontar da geografia crítica e


seu engajamento político; e

novas abordagens da geografia sob a


perspectiva cultural e fenomenológica.

Mapa Theatrum Orbis Terrarum (Teatro do Mundo), de


Abraham Ortelius. Disponível em: <https://www.mag-
nusmundi.com/a-evolucao-do-mapa-mundi/>. Acesso
em: 30 abr. 2022.

Extensão do texto: até 40 linhas


[valor: 20,00 pontos]

163
PADRÃO DE RESPOSTA na geograf ia: o determinismo. O
determinismo geográfico partia do
Q1. O conhecimento geográfico, a entendimento de que o ambiente
saber, é tão antigo quanto a história estabelece os padrões da cultura
da humanidade. Pode-se dizer humana de determinado local e seu
que tais conhecimentos dispersos desenvolvimento social, considerando
desenvolveram-se na Grécia Antiga. Esse principalmente os fatores físicos, como
acervo de conhecimentos manifestou- formas de relevo e clima.
se por meio de estudos dispersos,
relatos de lugares e elaboração de Q4. Como reação ao determinismo
mapas com pouca precisão. Na Idade alemão, emergiu, na França, o
Média, sob o feudalismo, ocorreu pouco possibilismo, corrente que teve em
desenvolvimentos da geograf ia, e Vidal de La Blache seu maior expoente,
grande parte de seus estudos foram consolidando a Escola Francesa
influenciados pela Igreja com base de Geograf ia. Os defensores do
nos conhecimentos teológicos. Já possibilismo entendiam que o homem
sob o capitalismo mercantil, a corrida era apresentado como um agente
expansionista das metrópoles europeias ativo, ao invés de passivo, como na visão
em direção a novas terras possibilitou determinista. A partir dessa premissa,
a sistematização de conhecimentos o objeto de estudo da Geografia, nessa
geográficos, a partir dos navegadores e concepção, era a superfície da Terra e
de especialistas que os acompanhavam os fenômenos que nela se produzem.
em suas empreitadas.
Q5. Ainda ao longo da primeira metade
Q2. Assim, no início do século 19, o do século 20, emergiu a geograf ia
conjunto de pressupostos para a regional, que adquiriu notoriedade, nos
sistematização da geografia já estava anos de 1940, com Richard Hartshorne
posto. A Terra estava toda conhecida. e Alf red Hettner. Trata-se de uma
A Europa articulava um espaço de corrente que defende a criação de
relações econômicas mundializado. referenciais de análise por meio da
As metrópoles detinham informações comparação dos lugares, enfatizando a
dos mais variados lugares da superfície aplicação do princípio da analogia, isto
terrestre. As representações do Globo é, da comparação entre duas situações,
terrestre estavam desenvolvidas e dois locais ou duas circunstâncias.
difundidas pelo uso cada vez maior de Essa corrente busca a separação
mapas. A fé na razão humana, colocada e a segregação de características
pela filosofia, abria a possibilidade de conforme áreas específicas, ou regiões,
uma explicação racional para qualquer como forma de entender o espaço e as
fenômeno da realidade. interações sociais dentro dele. Foram
essas duas escolas que exerceram
Q3. A partir de então, pode-se dizer que a maior influência no decorrer da
a geografia emergiu como ciência na geografia tradicional, que alcançou a
Alemanha. Os autores considerados metade do século 20.
como os pais da ciência geográfica
são os alemães Humboldt e Ritter. Q6. A partir da metade do século 20,
Foi na Alemanha que apareceram ocorreram movimentos de renovação
os primeiros institutos e as primeiras da geografia. Nesse contexto, surgiu a
cátedras dedicadas a essa disciplina, geografia teórico-quantitativa, que se
bem como as primeiras propostas destacou por utilizar, em larga escala,
metodológicas, foi lá que se formou modelos matemático-estatísticos. Uma
a primeira corrente de pensamento vertente dessa corrente intitulou-se

164
teorética, com a finalidade de romper populares e a paisagem cultural e suas
qualquer vínculo com os trabalhos representações. Nos últimos anos, as
empíricos que marcavam as escolas investigações dedicadas às religiões,
tradicionais, comprometendo-se, às percepções, aos sentimentos de
exclusivamente, com a reflexão teórica. pertença, às identidades culturais, às
representações e às interpretações de
Q7. No final dos anos de 1960, mas, textos passaram a ser trabalhadas e
sobretudo, na década de 1970 do divulgadas, amplamente, pelo campo
século 20, o campo de conhecimento da geografia.
geográfico deu os primeiros sinais para
uma mudança mais radical, adotando Será avaliada a capacidade do candidato
uma postura mais crítica e engajada de estabelecer uma tese e sustentá-la
politicamente nas grandes causas coerentemente. A avaliação seguirá o
sociais do mundo e em seus reflexos critério comparativo (i.e.). A avaliação
espaciais. Nessa corrente, o método individual será feita de acordo com
mais adequado para a compreensão a comparação do nível de outros
da complexidade espacial era o exercícios. Nesse sentido, embora
materialismo histórico dialético. o candidato possa ter respondido
de forma correta, abrangendo os
Q8. No Brasil, a geograf ia crítica requisitos anteriormente indicados,
instaurou-se como paradigma nas sua nota poderá ser menor do que
instituições de ensino superior em a atribuída a outros que f izerem
fins dos anos de 1970 e teve em Milton o exercício com maior qualidade
Santos um dos seus maiores expoentes. intelectual, acadêmica e formal.
Nessa perspectiva, a geograf ia
Referência:
adquiria um papel de ciência ativa, CLAVAL, Paul. Epistemologia da Geografia. Florianó-
que servia para denunciar os grandes polis: EDUFSC, 2014.
problemas sociais e suas expressões
espaciais, buscando a transformação
da realidade.

Q9. Embora os primeiros estudos que


levam em conta a dimensão cultural
tenham vindo do final do século 19 e já
no século 20, com a Escola de Berkley
e Cal Sauer, o paradigma da geografia
cultural adquiriu maior expressividade
nos anos finais do século, sob a égide
de teóricos como Yi-Fu Tuan, Anne
Buttimer, Edward Relph e Mercer e
Powell. Tal paradigma é centrado na
valorização da percepção do indivíduo
e do grupo social na busca de se
compreender a forma de sentir das
pessoas em relação aos seus lugares.

Q10. Também se denomina geografia


humanística a geograf ia cultural
que mescla os aspectos materiais
e imateriais, tais como práticas de
consumo e produção culinária, culturas

165
Leonardo Maciura Em reação, o possibilismo de
Paul Vidal de la Blache visava, ao
Beltrame mesmo tempo, deslegitimar o
19 expansionismo alemão e legitimar o
expansionismo francês, após a Guerra
TL – 40; Franco-Prussiana – a vitória alemã foi
709 palavras; creditada, em parte, à superioridade
17,7 palavras/linha do conhecimento geográfico alemão.
Assim, La Blache formula o conceito
O conhecimento geográf ico é de “gêneros de vida”: a população e
milenar. Com efeito, é impossível relegar os recursos formariam um acervo de
as contribuições, na antiguidade, de técnicas construídas historicamente,
autores como Estrabão e Ptolomeu, de modo que a invasão por uma
as quais permitiram, já naquela potência estrangeira seria uma
época, que se medisse a extensão da usurpação de tal acervo. Por sua
circunferência da Terra com precisão vez, em suas colônias, a França
espantosa para a época. Na época das estaria apenas levando a civilização
Grandes Navegações, foram elaborados a povos que ainda não tinham
mapas e instrumentos de imensurável desenvolvido essa interação e esse
importância prática, como o astrolábio. conjunto de técnicas. Ao contrário
Já no século XVIII, Immanuel Kant de Ratzel, para La Blache a natureza
despontava como um autor e professor oferece possibilidades, cabendo
que valorizava o saber geográfico, ao ser humano fazer uso delas. O
por meio do estudo da natureza e da possibilismo valorizava, sobretudo,
diferenciação entre as áreas. os conceitos de paisagem e região.

No entanto, a Geografia surge como O Método Regional surgiu na primeira


ciência, como um corpo de estudos metade do século XX e teve no norte-
sistematizados, apenas no século americano Richard Hartshorne o seu
XIX, na Alemanha, onde pensar o principal expoente. Aqui, o objetivo
espaço era central. Identif icam-se, era estudar a diferenciação das áreas
como pais da Geografia, Alexander da superfície terrestre, de modo que
von Humboldt, que enunciou o o conceito de região era central. Para
princípio da causalidade e estudava essa corrente, a prevalência do ser
o todo, sem privilegiar o homem, e humano ou da natureza dependeria
Karl Ritter, com sua Geografia regional do local que se estuda. O método
e antropocêntrica. Posteriormente, utilizado por Hartshorne era o indutivo,
Friedrich Ratzel fundou a primeira do particular para o geral.
escola, a determinista. Ratzel é
considerado o pai da Geopolítica, pois A Nova Geograf ia, Geograf ia
formulou o conceito de “espaço vital”, Pagmática ou Geografia Teorético-
segundo o qual caberia a um povo Quantitativa surgiu após o f inal
se expandir se aquele território não da Segunda Guerra Mundial, em
mais atendesse às suas necessidades. contexto de intensa industrialização
Assim, Ratzel acabava por legitimar o e urbanização, sob o paradigma
expansionismo alemão, com grande fordista de produção. Calcada em
ênfase nos conceitos de território e de autores como Christaller e Dimatteis,
espaço geográfico. Segundo Ratzel, a Nova Geografia promoveu relevante
as condições naturais determinavam mudança metodológica, priorizando o
o comportamento humano. levantamento de dados e estatísticas
para a ação do Estado. Fez uso intenso

166
da matemática, e privilegiou métodos Paloma Scroccaro
dedutivos de cunho positivista. Tratou-
se de uma Geografia eminentemente Costa
oficial, aplicada para fornecer subsídios 18
a políticas governamentais, sem
muitos questionamentos. TL – 40;
572 palavras;
Desponta, como consequência, a 14,3 palavras/linha
Geografia Crítica, que considerava
que, enquanto a Geografia Tradicional A geografia moderna nasce, como
(determinismo, possibilismo e Método ciência, no início do século XIX. Nessa
Regional) não conseguia explicar o época, o positivismo fomenta a
mundo de forma satisfatória, a Nova diferenciação dos objetos de estudo,
Geografia não queria fazê-lo. Esta ainda que haja diálogo entre as áreas
última seria, além de alienada, alienante, da sociedade, como a história e o
dado o seu descolamento do substrato estudo das línguas. O saber geográfico,
social. Assim, autores como Milton portanto, tem suas primeiras fontes nos
Santos e Yves Lacoste defenderam uma filósofos, cartógrafos e matemáticos
Geografia engajada, com profunda que construíam mapas e realizavam
influência marxista. A Geografia Crítica expedições para catalogar o território
considerava que o mundo é um e entender os fenômenos da natureza.
sistema só, com repercussões distintas. Destacam-se, pois, as primeiras tentativas
Defendia que o estudo geográfico deve de mensurar o tamanho da Terra ou as
levar em consideração problemáticas pesquisas geológicas de classificação
sociais, como o conflito pelo uso do dos animais e suas características. A
território, a segregação espacial e a geografia tradicional, no entanto, surge
gentrificação. Valorizava o conceito de na Prússia, em meados do século XIX,
espaço geográfico. sob a liderança, principalmente, de
Humboldt e de Ritter. O primeiro, viajante
As n ova s a b o rd a g e n s da naturalista, desenvolve seus estudos a
Geografia sob a perspectiva cultural partir da análise e da classificação dos
e fenomenológica inserem-se, espaços e das regiões. Financiado por
sobretudo, dentro do âmbito da uma herança significativa, o estudioso
Geografia Humanista. Autores como chega a realizar expedições até mesmo
Yi-Fu Tuan colocam especial relevo no na América. Ritter, por sua vez, fazia parte
conceito de lugar, extensão carregada da cátedra de Berlim e lançará as bases
de significações, com destaque para os do que viria a ser o determinismo. Não é à
laços afetivos e emocionais que ligam toa que a geografia esteve associada aos
um indivíduo a determinada porção prussianos, já que o dimensionamento
do território. O espaço geográf ico, do território estava relacionado ao poder
para essa corrente, é entendido como do Estado alemão, que nascia em 1871.
espaço vivido, dando-se atenção para Sendo assim, Ratzel vai identificar
o elemento do uso. Dentro dessas o Estado com um organismo vivo,
novas abordagens, também é possível que precisava crescer e possuir um
destacar preocupações de cunho pós- “espaço vital” para a sua sobrevivência.
positivista, feminista e antropológico. As condições naturais seriam, pois,
Ao contrário da Geograf ia Crítica, determinantes no aproveitamento
não consideram que o mundo é um do território e de seus usos para o
sistema só; privilegiam, portanto, as desenvolvimento da civilização.
diferenças e a afetividade.

167
A Guerra Franco-Prussiana foi crucial Na década de 1990, outra abordagem,
para o estímulo da geografia francesa dessa vez humanista, ganha destaque.
regional, notadamente sob a liderança Nesse contexto, Yi-Fu Tuan vai ressaltar
de La Blache. Após a derrota na guerra, o conceito de lugar e suas relações
o f rancês buscará deslegitimar o psicológicas e subjetivas entre os grupos
expansionismo alemão, enquanto que nele habitam. Nessa perspectiva,
assegurará o avanço dos territórios a vivência cultural ganha relevância
f ranceses, com base na escola do na identificação das pessoas com o
possibilismo e na noção de “gênero ambiente. Essa Geografia Humanista
de vida”. As condições naturais não tem, em certa medida, ganhado novos
seriam mais um imperativo, mas contornos, na contemporaneidade,
uma possibilidade para os Estados. com a incorporação de estudos sobre
Nesse contexto, Hartshorne, nos EUA, grupos minoritários. Ressalta-se, por
também se destaca pelo método exemplo, a corrente latino-americana
regional, de acordo com o qual essa que valoriza o papel cultural da mulher
divisão espacial dos fenômenos e das (Pacha Mama), associada à perspectiva
características f ísicas viabilizaria o fenomenológica da natureza e às suas
entendimento geográfico e a criação interações com a sociedade.
de um objeto estruturado de estudos.

Em meados do século XX, associada


à urbanização, ao fim da Segunda
Guerra Mundial e ao avanço das
indústrias, surge, então, a Nova
Geografia (ou Geografia Quantitativa
ou Teorética). Essa revolução do saber
geográf ico, da qual protagonizou
Dematteis, criticava a falta de bases
científicas nas correntes anteriores.
Sendo assim, a priorização de cálculos
matemáticos, a catalogação de
dados e a quantificação das regiões
facilitariam a aplicação de políticas
públicas e urbanísticas, bem como a
construção de estudos probabilísticos
e prospectivos no espaço geográfico.
Na década de 1960, surge, então,
a Geograf ia Crítica, associadas a
ideologias marxistas e às críticas
em torno do tecnicismo excessivo
da “New Geography”. Autores como
David Harvey e, no Brasil, Milton
Santos advogam “por uma geografia
nova”, propugnando o engajamento
político dos estudos geográficos e
sua correlação com as desigualdades
socioeconômicas.

168
Andrea Kakitani Carbone de La Blache também serviram ao seu
Estado de origem, pois justificavam a
16,5 formação do Império colonial francês,
compreendido como uma “colcha de
TL – 40; retalhos” de regiões diferentes entre
553 palavras; si, mas harmônicas. Esse geógrafo
13,8 palavras/linha
f icou conhecido como Pai da
Geografia Regional, pois privilegiava
Antes da geograf ia tornar-se, o estudo dos elementos das regiões.
efetivamente, uma ciência, os estudos O Método Regional, popularizado pelo
geográf icos eram caracterizados estadunidense Hartshorne, surgiu no
pelo empirismo, pela observação fim do século 19 e início do 20. Seu
e pelos relatos de viagem. São conceito de região diferia daquele de
emblemáticos, nesse contexto, os La Blache, pois Hartshorne acreditava
estudos cartográficos de europeus que que a pesquisa de diferenciação
viajavam às colônias de seus países, pois de regiões era o produto supremo
auxiliavam na orientação da ocupação da geograf ia: tratava-se de áreas
dos novos territórios. A pesquisa intrinsicamente diferentes entre si.
geográfica mesclava-se com outras La Blache, por sua vez, analisava as
áreas, como a astronomia e a botânica. possibilidades proporcionadas por
Os germânicos Ritter e Humboldt cada região.
foram precursores da geograf ia
enquanto ciência, no contexto de A Geografia Tradicional de Ratzel, La
formação da identidade alemã, no Blache e Método Regional mostrou-
início do século 19. É com a difusão se insuf iciente para o estudo de
do Iluminismo e do positivismo que um mundo urbano, integrado
a geografia adota método próprio, mundialmente e em industrialização.
na segunda metade do século 19. Surgiu, assim, uma Nova Geografia,
A escola determinista de Ratzel orientada para os desafios do século
teve papel central nesse processo. XX. Na primeira metade do século
Esse autor privilegiava a análise passado, emergiu a geograf ia
da relação sociedade-natureza, pragmática, a qual buscava atualizar
estando a primeira subordinada à os métodos da Geografia Tradicional,
segunda. Ele criou, assim, a noção de mas não sua essência. Inspirados
espaço vital, o território necessário pelo neopositivismo, esses geógrafos
para que a sociedade supra as suas utilizaram métodos matemáticos
necessidades. Perder território, nessa para analisar o espaço e formular
lógica, significava retroceder. Ratzel, orientações para a atuação do Estado
então, justif icava, pela geograf ia, em sua empresa capitalista (diferente
a consolidação e a expansão do dos estudos anteriores, voltados para
Império Alemão. a análise do passado). No Brasil, essa
vertente estava presente na geografia
Em reação ao determinismo de quantitativa ou teorética.
Ratzel, Vidal de La Blache formulou a
geografia possibilista: a natureza, por Nos anos 1960/1970, surgiu a
meio dos “gêneros de vida” oferecia geograf ia crítica, de inspiração
possibilidades para o desenvolvimento marxista e terceiro-mundista.
da sociedade. O geógrafo f rancês Para esse geógrafo, o espaço não
rechaçava a geografia ideologizada era estático, como na geograf ia
de Ratzel, de modo que pregava maior pragmática, mas um produto e
cientificismo. No entanto, os estudos um produtor da sociedade. Eles

169
privilegiavam os estudos da divisão NOTA MÉDIA
internacional do trabalho, com
destaque para as consequências Bruno Brito da
sociais, econômicas e culturais da Cruz Abaurre
produção do espaço geográf ico.
A geograf ia era, nesse sentido,
14
uma forma de resistência. Nesse
TL – 40;
grupo, destacam-se Milton Santos
551 palavras;
e David Harvey. Nos anos 1970/1980, 12,7 palavras/linha
criou-se a geografia humanista, de
inspiração cultural e fenomenológica. Embora a geograf ia tenha se
Assim como a geograf ia crítica, institucionalizado enquanto ciência
negava o paradigma tradicional no no século XIX, ela não nasceu no
seu todo, mas também rechaçava vácuo. Com efeito, conhecimentos de
o economicismo das geograf ias natureza geográfica eram produzidos
crítica e pragmática. Por meio da desde muito tempo antes. Como
noção de espaço vivido, valorizava- exemplo, é possível citar as sociedades
se o sentimento de pertencimento científicas britânicas, a preocupação
aos lugares. Além disso, analisava as portuguesa com cartografia no século
ideias de topofilia/topofobia. XVIII (eg, Mapa das Cortes), o trabalho
de civilizações pré-colombianas
em agricultura e na construção
de suas cidades. Contudo, foram
os “pais da geograf ia”, Humboldt
e Ritter, que a institucionalizaram.
Aquele, preocupado sobretudo
com a geografia física; por exemplo,
explicando o Deserto do Atacama
com base na corrente fria do Pacífico.
Ritter, voltado para as relações entre
sociedade e espaço.

Como se pode observar, a geografia


nasce na Alemanha, exatamente no
contexto de unificação do país, o que
não foi coincidência. O determinismo
geográfico, baseado nas ideias do
também alemão Ratzel, foi usado
como justificativa para a formação
de uma grande nação alemã. Dado
que as características naturais
determinam as características da
sociedade, o povo alemão precisava
obter o “espaço vital” para assegurar
seu próprio desenvolvimento.

O possibilismo do f rancês Paul


Vidal de la Blache surge como uma
reação à interpretação causal entre
meio e homem estabelecida pelo

170
determinismo. Segundo ele, o meio pelas comunidades pelos lugares
oferece possibilidades; as sociedades, onde vivem. A noção de paisagem,
nas regiões, estabelecem seu meio de inclusive a cultural, é importante
vida. Em outras palavras, o possibilismo para essa corrente, na medida em
francês é a origem do regionalismo, que revela a atuação do homem
pautado pela exaustiva análise das sobre a paisagem, e os efeitos dela
características físicas dos lugares. sobre ele. Nasce aqui a ideia de “não
lugar”: um espaço com função tão
A Nova Geograf ia, surgida em específ ica, que normalmente não
meados do século XX, foi uma resposta enseja a formação de afetos. Embora
à Geografia Tradicional e foi mais forte relativamente recente, a geografia
nos EUA. Essa corrente voltava-se certamente continuará a evoluir, em
contra a falta de “cientificidade” dos novas correntes.
primeiros geógrafos. A sua ideia de
ciência pautava-se pela eliminação
daquilo que fosse particular; pretendia-
se resumir tudo ao binômio localização-
distância. Isso porque o binômio
permitia a aplicação pragmática
do conhecimento geográfica sobre
qualquer território. A nova geografia
foi usada para planejamento urbano e
por agentes econômicos; por exemplo,
para estabelecer os limites mínimos
que os diferentes estabelecimentos
precisavam alcançar e o limite máximo
que podiam alcançar, com base em
localização e distância.

A geografia crítica tece críticas


ao baixo cientificismo da geografia
tradicional, mas também ao conteúdo
da nova geografia. Para autores como
Yves Lacoste e Milton Santos, que
escreveram a partir dos anos 1960, a nova
geografia não contemplava as questões
do espaço da periferia do capitalismo.
Pelo contrário, a nova geografia teria se
vendido ao mercado, em vez de buscar
examinar a exclusão, que a geografia
evidenciava, causada pelo capitalismo.
Nesse sentido, a geografia crítica era
politicamente engajada.

De 1980 em diante, têm surgido


correntes geográficas preocupadas
particularmente com a cultura.
Com efeito, a geografia humanista
critica o economicismo da geografia
crítica, porque se volta para os afetos
(positivos e negativos) construídos

171
MENOR NOTA De acordo com essa lógica, cabia a
Anônimo natureza apenas “dispor”, enquanto
o homem poderia “propor”. Os
11,5 gêneros de vida seriam o conjunto
de práticas adotadas em relação em
TL – 40; meio compartilhadas por um grupo
558 palavras; humano. Embora de la Blache criticasse
14 palavras/linha o pensamento de Ratzel como
uma justif icativa do imperialismo,
A estruturação da geografia como seu próprio pensamento, de forma
disciplina científica remonta à segunda mais velada, servia aos interesses
metade do século XIX, na Alemanha, no colonialistas, ao indicar que o contato
contexto de sua unificação. A questão entre gêneros seria benéfico mesmo
espacial torna-se particularmente para o grupo inferior.
importante naquela conjuntura, mas
não se podem ignorar as contribuições O paradigma regional também
que precediam aquele momento, em é associado à geograf ia f rancesa.
particular as obras de Humboldt e Esse pensamento é profundamente
Ritter, acadêmicos influenciados por associado à preferência pelo empirismo
Kant. Suas obras divergiam quanto e pelo descritivismo (marcas, também,
a debates que se tornariam comuns da geografai tradicional) e pela
na geograf ia, mas convergiam na prioridade aos conceitos de região e
percepção de suas obras como esforço paisagem, dedicando-se a explicar
de síntese. Ademais, antes mesmo de que maneira se formaram dadas
da estruturação da geografia como manifestações morfológicas visíveis
ciência, gregos e alemães deixaram aos olhos.
legado cartográfico de alta qualidade.
A nova geograf ia era
Friederich Ratzel é geralmente tido profundamente crítica ao empirismo
como pai da geografia tradicional. e ao determinismo; faltava à
Dedicando-se ao estudo das relações geograf ia, naquela concepção,
entre o ser humano e seu meio, ficou estatuto verdadeiramente científico
associado ao determinismo. Nessa e capacidade de generalização. Para
lógica, o ser humano jamais seria solucionar o problema, sugeria o
capaz de libertar-se plenamente uso maciço de métodos positivistas
das condições impostas pelo meio. e modelos matemático-científicos,
Ainda assim, os grupos humanos a partir dos quais seria possível
diferenciam-se entre si pela capacidade formular verdadeiras leis da natureza.
de converter ou não aquilo que o meio O conceito privilegiado era o espaço,
fornecia em progresso: povos culturais mas reduzido a seus aspectos
seriam aqueles de maior sucesso; quantificáveis, como localização e
povos naturais permaneceriam distância, sem conteúdo social.
plenamente submetidos ao império
da natureza. Ratzel propugnava uma A geograf ia crítica, por sua vez,
tendência expansionista dos Estados, repudiava tanto o empirismo quanto
assemelhados a seres vivos, em busca os modelos da nova geograf ia, os
dos recursos necessários para sua denunciando como voltados aos
sobrevivência (lebensraum). países do Norte e à manutenção
do status quo. Essa escola rompe
O possibilismo surge associado o isolamento auto-imposto em
ao francês Paul Vidal de la Blache. relação à política e, aproximando-se

172
do pensamento marxista, enfatiza
a geograf ia como instrumento de
libertação e transformação social,
como se depreende pelo título do
livre de Lefebvre, “la géographie
ça sert d’abord à faire la guerre”. O
espaço passa a ser visto como forma-
conteúdo, como produção e meio
de produção, se tornando pleno de
conteúdo social.

A geograf ia humanista critica o


economicismo das duas vertentes
anteriores e passa a enfatizar o
subjetivismo, a produção de valores e
significados sobre o espaço. Trata-se
de perspectiva fortemente centrada
no ser humano, que alça a cultura a
papel central na formação do espaço,
o que poderia explicar como se
formam manifestações diferentes dos
dois lados de uma fronteira, apesar
do compartilhamento. Enfatizam-se
os sentimentos projetados sobre o
espaço e por ele projetados.

173
comerciais leves, caminhões e
Questão 04 ônibus somaram 2,119 milhões de
unidades em 2021, apenas 3% acima

do resultado do ano anterior.
Relatório de notas
Média Ampla Concorrência: 15 Disponível em: <https://www.otempo.com.br>. Acesso
Média Pessoas com Deficiência: 14 em: 28 abr. 2022, com adaptações.
Média Candidatos Negros: 13,3

Considerando que os excertos


apresentados têm caráter meramente
motivador, em relação à produção
global de chips eletrônicos, redija
um texto dissertativo analisando a
MÉDIAS POR QUESITO globalização e a divisão internacional
do trabalho e os impactos da
pandemia da Covid-19 na economia
mundial. Aborde, necessariamente,
os seguintes tópicos:

a reestruturação produtiva da
economia globalizada;

a reestruturação produtiva e a
desconcentração industrial no Brasil;

a divisão internacional do trabalho


no setor de chips e de componentes
eletrônicos; e
Leia, com atenção, os
os impactos econômicos da
excertos a seguir. pandemia da Covid-19 sobre a
produção de chips e de componentes
Os chips estão presentes em todos eletrônicos.
os aparelhos eletrônicos – do celular
ao computador, do eletrodoméstico
ao automóvel. É importante ter em
mente que existem tipos diferentes
de chips, com funções diversas, como
os para processamento de dados e os
para armazenagem de informação, Extensão do texto: até 40 linhas
[valor: 20,00 pontos]
por exemplo. Apesar disso, a produção
deles é muito semelhante.
Disponível em: <http://revistagalileu.globo.com>. Aces-
so em: 28 abr. 2022, com adaptações.

No ano marcado pela falta de


microchips, problema que afetou a
indústria global e, no Brasil, impediu
a produção de cerca de 300 mil
veículos, as vendas de automóveis,

174
PADRÃO DE RESPOSTA Q5. A reestruturação produtiva no
Brasil acontece em um contexto de
Q1. A reestruturação produtiva recessão, desemprego, instabilidade
representa transformações que vêm econômica e abertura comercial. Esse
ocorrendo na indústria, seja de ordem processo inicialmente ocorreu no setor
técnica, seja do ponto de vista do automobilístico e, mais tarde, no setor
trabalho e também na lógica espacial. bancário, atingindo quase a totalidade
A reestruturação é dinâmica, um dos ramos produtivos e serviços, com
processo dialético, em que elementos alterações significativas nos empregos.
do “novo” e do “velho” coexistem na
mesma empresa. Q6. No início da década de 1990, a indústria
eletroeletrônica chinesa encontrava-se
Q2. Nesse sentido, cada empresa tecnologicamente atrasada e contava
tem temporalidade diferente. com a produção de bens eletrônicos
“Algumas conseguem mais inovações, de consumo e pequena produção de
processamento de informações mais componentes semicondutores. A mão
rápida, assegurando o gerenciamento de obra abundante e barata, mais os
flexível – o tempo não é apenas subsídios do governo, via política fiscal,
comprimido: é processado” (CASTELLS, atraíram investimentos provenientes do
2001). Enquanto isso, em outras Japão, de Taiwan e de Hong Kong. Nos
empresas, esse processo ocorre de últimos 15 anos, os investimentos neste
forma mais lenta, o que se deve às setor proporcionaram a formação de
condições das quais se apropriam, da uma base
inovação, da informação e do capital
investido. Q7. Grande parte da produção
doméstica chinesa do setor
Q3. Um processo de desconcentração eletroeletrônico é realizada por joint
industrial é caracterizado pela ventures formadas entre capitais
relocalização industrial, em que muitas estrangeiros e nacionais.
empresas se deslocaram de São Paulo
para os estados do Ceará, da Bahia, de Q8. Com a crise, observou-se perdas em
Minas Gerais, do Rio de Janeiro, do Rio diversos setores. A título de exemplo,
Grande do Sul, de Goiás e do Paraná. no setor automotivo: depois do tombo
de 26% registrado em 2020 após a
Q4. No setor automobilístico, houve chegada da pandemia da Covid-19 ao
um movimento de reespacialização País, quando foram vendidos 2,058
geográfica da produção. A título de milhões de veículos, o setor esperava
exemplo, com a Volkswagen, em uma recuperação de pelo menos 15%.
Resende (Rio de Janeiro); Peugeot/ Somente o segmento de automóveis
Citroën, em Porto Real (Rio de Janeiro); e comerciais leves, o mais afetado pela
Honda, em Sumaré (São Paulo); Toyota, escassez de semicondutores, teve
em Indaiatuba (São Paulo); Iveco-Fiat, em desempenho ainda pior, com vendas
Sete Lagoas (Minas Gerais); Mercedes- de 1,984 milhão de unidades em
Benz, em Juiz de Fora (Minas Gerais); 2021, apenas 1,4% acima do resultado
General Motors, em Gravataí (Rio Grande de 2020. No início do ano passado,
do Sul); Renault, em São José dos Pinhais a projeção das montadoras era de
(Região Metropolitana de Curitiba, no crescer também 15% nesse mercado.
Paraná); Nissan, em Curitiba (Paraná); A alta de 3% foi puxada pelo segmento
Ford, em Camaçari (Bahia); Hyundai, em de caminhões, cujas vendas cresceram
Aratu (Bahia); e Mitsubishi, em Catalão mais de 30%.
(Goiás), entre outras.
175
Q9. Com a crise, observou-se quebras Referências:
DENG, B. L; DENG, B. S. A economia política da indús-
nas cadeias produtivas em diversos tria de semicondutores e o recente desenvolvimento
setores. A título de exemplo, no setor limitado da República Popular da China (2014-2021).
Revista de Economia Contemporânea (2022) 26: p. 1-25
automotivo: as fabricantes de veículos, (Journal of Contemporary Economics) ISSN 1980-5527.
contudo, foram atropeladas pela crise GOMES, M. T. S. O debate sobre reestruturação pro-
dutiva no Brasil. RA´E GA 21 (2011), p. 51-77, Curitiba,
dos semicondutores, problemas de Departamento de Geografia – UFPR ISSN: 2177-2738.
logística (falta de navios e contêineres MEDEIROS, C. A.; CINTRA, M. R. V. P. Impacto da ascen-
são chinesa sobre os países latino-americanos. Revista
para trazer peças importadas) e pela de Economia Política, vol. 35, n. 1 (138), pp. 28-42, janei-
alta de preços de matérias-primas, que ro-março/2015.
PARANHOS JÚNIOR, C. p. Produção de componen-
foi repassada ao consumidor local. tes eletrônicos: necessidade estratégica para defesa,
segurança e desenvolvimento no Brasil. Rio de Janeiro,
ESG, 2017.
Q10. Como consequência do choque de
oferta, registrou-se aumento de preços
nos setores afetados pela crise. A título
de exemplo, no setor automotivo: sem
oferta suficiente nas concessionárias,
o mercado de carros usados atraiu o
consumidor que buscava modelos zero
quilômetro e cresceu 18%, em 2021,
no comparativo com o ano anterior.
Foram comercializados 11,244 milhões
de automóveis e comerciais leves
seminovos (com até três anos de uso) e
usados mais antigos, ou seja, quase seis
unidades para cada novo vendido. Será
avaliada a capacidade do candidato
de estabelecer uma tese e sustentá-la
coerentemente. A avaliação seguirá o
critério comparativo (i.e.). A avaliação
individual será feita de acordo com
a comparação do nível de outros
exercícios. Nesse sentido, embora
o candidato possa ter respondido
de forma correta, abrangendo os
requisitos anteriormente indicados,
sua nota poderá ser menor do que
a atribuída a outros que f izerem
o exercício com maior qualidade
intelectual, acadêmica e formal.

176
Guilherme Augusto a região metropolitana e o estado de
São Paulo, em função das deseconomias
Baldan Costa Neves de aglomeração (alugueis altos,
18 infraestrutura sobrecarregada, por
exemplo) e deslocou-se, sobretudo, para
TL – 40; o interior do polígono de concentração
564 palavras; industrial de Clélio Campolina, ainda
14 palavras/linha majoritariamente no Centro-Sul do país.
Fora do polígono foram beneficiadas,
A economia globalizada moderna sobretudo, as metrópoles nordestinas.
caracteriza-se pelo espraiamento Outros fatores de desconcentração
espacial da produção, que se torna foram os grandes projetos de exploração
possível com o desenvolvimento de recursos naturais (como Carajás) e
das tecnologias de comunicação e o desenvolvimento do complexo agro-
informação e com o desenvolvimento industrial no Centro-Oeste, fomentando
de sistema de transporte ágeis e de industrialização e urbanização fora da
longo alcance. Esses desdobramentos Região Concentrada. Em contraste, SP
permitem – embora seletivamente, permaneceu o principal polo do mandar.
como enfatiza Milton Santos, uma vez
que o acesso às diferentes tecnologias Os chips e componentes eletrônicos
é diferenciado – uma compressão do são partes fundamentais da economia
binômio espaço-tempo, que o grande digital, que já responde por cerca de
capital busca explorar, a fim de obter 22% do PIB global e deve continuar a
uma saída à sua crise de lucros. A crescer. A cadeia internacional de chips
economia globalizada repousa, ainda, é altamente complexa, exigindo grande
sobre a flexibilidade do processo inteligência de mercado das firmas que
produtivo e das relações trabalhistas nele operam. A cadeia pode ser dividida
(num contexto de desmantelamento em três etapas: projeção, design e
de proteção e perda de poder sindical), financiamento, atividades de alto valor,
de forma a adaptar-se rapidamente a concentrada na UE e, sobretudo, nos
uma demanda volátil. Ao mesmo tempo, EUA; fabricação, concentrada em países
a descentralização produtiva não se asiáticos, com destaque para Coreia
fez acompanhar de desconcentração do Sul, Taiwan e China; e integração ao
de poder: os setores dependentes de produto final e testagem, que ocorre,
mão de obra pouco qualificada, como principalmente, na China.
as indústrias, deslocam-se para a
periferia, de forma a explorar o trabalho A complexidade dessas cadeias
a custos mais baixos ou se beneficiar as torna particularmente sensível a
se legislações (ambientais, trabalhistas, perturbações. Trata-se, também, de
sociais) mais frouxas; enquanto as cadeia altamente concentrada, no que
atividades de maior valor agregado, se refere à produção: as cinco maiores
como planejamento, design, pesquisa e empresas em termos de produção
financiamento, permanecem nos países respondem por 90% dos chips. Nesse
centrais, verdadeiros polos do mandar. sentido, as perturbações causadas pela
pandemia foram significativas. Do lado
No Brasil, ocorreu semelhante difusão da demanda, o aumento da pobreza e
da produção, não acompanhada de do desemprego fragilizou a demanda
difusão do poder. Ao longo dos anos por celulares, computadores, carros
1970, a produção começou a afastar-se e máquinas indústrias e, portanto,
do principal polo produtivo até então, derrubou a demanda por chips. Pelo
lado da oferta, as restrições colocadas

177
por diferentes países às atividades Paloma Scroccaro
produtivas comprometeram a
produção, o que se torna ainda mais Costa
grave em função de alto grau de 18
produção. A redução da demanda
e a queda da oferta, contudo, não TL – 40;
coexistem temporalmente. Dessa 623 palavras;
forma, a demanda já se recuperou, 15,6 palavras/linha
em alguma medida, em vários lugares,
mas a oferta ainda não se regulou. A noção de globalização, como
No caso brasileiro, como a produção entendida hodiernamente, ganhou
doméstica de semicondutores atende destaque a partir da década de 1980,
apenas 10% da demanda, os brasileiros ainda que esse fenômeno já pudesse
enfrentam preços mais altos para os ser identificado nos primeiros fomentos
diversos produtos que dependem à integração logística entre os países. A
desses componentes. estrutura produtiva fordista caracterizava-
se pela centralização geográfica da
produção, baseada em vantagens
locacionais e em proximidades com
as matérias-primas, em um processo
especializado que propiciava os ganhos
de escala. O modelo flexível de produção,
do período pós-fordista, veio, então, alterar
a divisão internacional do trabalho (DIT).
Segundo Manuel Castells, a globalização
não ensejava mais uma disputa entre
países, mas entre agentes econômicos
que buscavam no espaço geográfico
a melhor maneira de produzir e de
lucrar. Nos termos de Georges Benko, o
fordismo periférico seria a distribuição da
DIT para países com mão de obra barata,
vantagens tributárias ou alfandegárias e
amplo acesso a recursos naturais. Criar-
se-íam, portanto, espaços de “mandar”,
com capital e tecnologia, sobretudo
no hemisfério norte, como nos EUA, e
espaços de “obedecer”, característicos do
hemisfério sul, principalmente, como na
América Latina ou no Sudeste Asiático.

No Brasil, a primeira fase da


industrialização - que se baseou no
modelo de substituição de importações
-, poderia ser temporalmente
identificada entre as décadas de 1930
e 1970, quando se faziam notar tanto
a condição arquipélago da produção
nacional quanto a concentração
das principais indústrias em São
Paulo. A partir de 1970, então, houve

178
gradual desconcentração da É em função dessa logística, baseada
produção, favorecida por incentivos em transportes marítimos e acessos
governamentais, como a mudança alfandegários, que a pandemia colocou
da capital para Brasília, em 1960, e à prova o tradicional funcionamento
os projetos militares de “integração das Cadeias Globais de Valor (CGVs).
dos anecúmenos”. Clélio Campolina As restrições sanitárias impuseram o
destaca, no entanto, que esse fechamento das fronteiras e o controle
processo foi “poligonal”, ocasionando, mais severo dos fluxos comerciais,
na prática, uma desconcentração levando à escassez da oferta desses
concentrada, como se nota nas componentes eletrônicos em países
dimensões geográficas e econômicas que dependem, essencialmente, de
das metrópoles do Sul e do Sudeste. sua importação. Surgiu, assim, um
Nesse contexto, a guerra fiscal entre movimento de “renacionalizarão” da
os Estados favoreceu o deslocamento produção dessa nova matéria-prima,
de certas indústrias, como a calçadista, em um processo que o economista
para o Nordeste. O crescimento dos Walden Bello descreve como uma
complexos agroindustriais e das cidades espécie de “desglobalização”,
médias também propiciou a integração na qual os Estados buscariam
à montante e à jusante no Centro- direcionar essas fabricações para
Oeste, como demonstra a existência dentro de suas f ronteiras. Os
de uma Zona de Processamento para impactos imediatos da pandemia,
Exportação em Uberaba. nesse sentido, foram observados
na inflação, na falta de peças
Nessa lógica capitalista de automotivas e nos conflitos entre
aproveitamento dos espaços, a os setores industriais e os governos
produção mundial de chips e para a concessão de subsídios ou
componentes eletrônicos segue a proteção da indústria doméstica.
algumas tendências e apresenta A longo prazo, isso pode signif icar
certas peculiaridades. A produção um arrefecimento da distribuição
de lítio, essencial para a fabricarão global de setores estratégicos,
desses chips, encontra-se considerando que a soberania
geograficamente concentrada ainda, produtiva é um fator determinante
como exemplif icam as grandes na geopolítica moderna.
reservas bolivianas, nos desertos
de sal. Nesses lugares, é comum a
presença de empresas estrangeiras
de grande porte, que fazem a extração
e o envio para outras regiões, para a
confecção dos microcomponentes,
que demandam alto grau de
especialização e conhecimento
técnico. A China, por exemplo, tem-
se destacado pela ampla escala de
produção de semicondutores que são
enviados para os demais países, como
os EUA e os países europeus, para a
montagem de carros, placas solares
e celulares de alta tecnologia.

179
Aline Freitas de estados do norte e do nordeste. Entre
as iniciativas federais bem-sucedidas,
Paula e Silva destaca-se a Zona franca de Manaus,
17 que garante isenção fiscal para as
montadoras ali localizadas.
TL – 40;
493 palavras; O setor de chips é bastante
12,3 palavras/linha exemplif icativo das vantagens
e vulnerabilidades da divisão
A globalização e a divisão internacional do trabalho. A produção
internacional do trabalho resultaram de waffers de silício é altamente
em uma redistribuição produtiva custosa, requer o uso de equipamentos
radical em comparação com o modelo caríssimos, mão de obra especializada
fordista. A separação geográf ica e ambiente controlado, pois qualquer
entre os processos de gestão, design, perturbação pode danificar a produção
produção de insumos e montagem dos cristais. Por isso, no Vale do Silício,
dos produtos deu às empresas na Califórnia, acontecem as etapas de
transnacionais a possibilidade de gestão das empresas de tecnologia e
desfrutarem de diversas vantagens de design dos chips, já a ´produção
comparativas, aumentando, assim, é terceirizada para empresas no
suas margens de lucro. Essa criação de sudeste asiático, especialmente em
cadeias globais de valor foi possibilitada Taiwan. A produção de componentes
pela redução dos custos do transporte eletrônico em geral também é
marítima graças à conteinerização. A bastante concentrada nessa região,
economia globalizada reestruturou- com destaque para o papel da China
se sem alterar significativamente os (notadamente Shenzhen) e Coreia do
padrões de acumulação de capital, Sul.
pois o maio-valor continuou a ser
transferido para os países centrais, A pandemia de Covid-19 expôs as
responsáveis pelas etapas de gestão vulnerabilidades desse modelo de
e design e origem dos investimentos produção, os lockdowns realizados
diretos e de portifólio. para conter o vírus resultaram em
interrupções e choques nas cadeias
No Brasil, a região sudeste produtivas. A política chinesa de
concentrou a produção industrial ao tolerância zero com a Covid e a
longo do processo de industrialização manutenção dos lockdowns por
por substituição de importações. longos períodos intensif icou a
Na regionalização proposta por desorganização das cadeias de
Milton Santos, o sul e o sudeste produção. Um agravante, que decorre
correspondem à região concentrada dessa desorganização, é o aumento dos
pela disponibilidade do meio técnico preços dos fretes marítimos, pois o fluxo
científico informacional. Os esforços de carga e descarga de contêineres
federais para desconcentrar a produção entre os principais portos do mundo foi
tiveram resultado limitado e, até os dias desajustado. Ao interromper o acesso
atuais, o sudeste, e principalmente à serviços, a pandemia aumentou
São Paulo, sedia a maior parte das a demanda por bens de consumo
empresas brasileiras. Na década de duráveis, como automóveis, celulares
1950, deu-se início a uma verdadeira e computadores, os chips são insumos
“guerra de lugares”, uma guerra fiscal indispensáveis para todos esses bens e,
para oferecer vantagens para que por isso, houve um aumento no preço
as indústrias se estabelecessem em de aparelhos eletrônicos em geral. Essa

180
crise tem motivado os países centrais a NOTA MÉDIA
repensarem esse modelo de produção
e a estimularem a fixação de indústrias Mateus de Andrade
estratégicas em seus territórios para Kuntzler
reduzir a dependência externa.
14,5
TL – 40;
521 palavras;
13 palavras/linha

Antes de 1945, a economia


internacional tinha seus locais de
produção def inidos pelo modelo
fordista de produção, que impunha
a rigidez da produção, da tarefa
executada pelo trabalhador e do local
de produção. Logo, havia uma divisão
tradicional do trabalho, na qual países
centrais exportavam bens industriais
e países periféricos exportavam
bens primários. Tal regra passou a
sofrer exceções a partir de 1930 e,
principalmente, durante a Guerra
Fria, em função da substituição de
importações, que ensejou o fordismo
periférico; e da criação de plataformas
de exportação em países asiáticos,
como Taiwan e Coreia do Sul.

O advento do Meio Técnico-


Cinetíf ico-Informacional (MTCI)
possibilitaria a aceleração dos fluxos
culturais, econômicos e políticos
em um processo de globalização. A
globalização e o avanço da técnica
permitiriam a proliferação de
multinacionais; a complexif icação
das cadeias globais de valor; e uma
economia de rede, com valores
permeando os territórios. Surgia o
modelo de produção pós-fordista,
caracterizado pela flexibilidade da
produção, do trabalhador e do local de
trabalho. Isso, contudo, não significou
uma homogeneização do espaço,
que seguia desigual, fragmentado e
compartimentado. Ademais, o Estado
mantinha sua importância, definindo
políticas de ordenamento territorial. Em
função do pós-fordismo, as metrópoles

181
industriais, que concentravam a como a circulação preside a produção,
produção e a população por meio da é “indispensável colocar a produção
horizontalidade, tornavam-se cidades em movimento”. Logo, os entraves
globais, perdendo sua produção e logísticos à produção e à exportação
sua população em termos relativos de chips, levaram a problemas na
(em função de deseconomias de produção nos setores primário,
aglomeração), mas coordenando a secundário e terciário de todos os
economia mundial e nacional por países, visto que o chip é essencial
meio da verticalidade (cityness). a qualquer produção que envolva o
mínimo de tecnologia. Esse problema
O Brasil não fugiria à regra do na oferta de chips levaria à inflação
pós-fordismo, e viveria um processo mundial de oferta. Ademais, geraria
de desconcentração concentrada maior interesse geopolítico da China
segundo Clelio Campolina. As na produção de microchips taiwanesa.
indústrias de maior valor agregado
deixariam São Paulo, que concentrava
a produção, mas se manteriam na
macrorregião concentrada (SP-
RJ-ES-MG-PR-SC-RS), como fez a
Embraer. Já as indústrias intensivas
em mão-de-obra sairiam da área de
desenvolvimento poligonal, dirigindo-
se ao Nordeste, como fez a Grendene.
São Paulo, porém, “seguiria em todo
lugar”, mantendo-se como “metrópole
irrecusável do Brasil”. Prova do
comando paulista sob a produção é
o REGIC de 2018.

Manuel Castells divide a nova divisão


internacional do trabalho em 4 posições:
locais de trabalho informacional,
extremamente valorizado; de trabalho
industrial, de baixo custo; de trabalho
intensivo em recursos naturais; e de
trabalho desvalorizado. Em função da
complexificação das cadeias globais
de valor, causada pela globalização,
a produção de chips e componentes
eletrônicos, que mescla o trabalho
informacional e o trabalho industrial, se
concentraria nas antigas plataformas de
exportação da Ásia (Taiwan e Coreia do Sul).
Isso é a prova de que mesmo no modelo
pós-fordista, ainda há uma localização
vantajosa para a produção de um bem.
Logo, o espaço não é homogêneo.

A covid-19, porém, levou os Estados


a restringirem a circulação de bens e
pessoas. Porém, no mundo globalizado,

182
MENOR NOTA de globalização e de fechamento
de setores considerados estratégico
Anônimo pelos Estados, no interior de suas
12 fronteiras nacionais.

TL – 40; O Brasil apresenta um processo


543 palavras; de desconcentração industrial
13,5 palavras/linha denominado “desconcentração
concentrada”, em que a produção
A pandemia de Cov i d -1 9 industrial deixa de concentrar-se nos
desarticulou as cadeias produtivas e centros tradicionais, mormente São
afetou, sobremaneira, o processo de Paulo, mas ubica-se em novos polos,
globalização. Há significativos hiatos seja por incentivos estatais, como
entre a oferta e a demanda globais, e Camaçari (BA), seja por serem polos
alguns Estados já planejam aumentar tecnológicos modernos, como São
o protecionismo e renacionalizar José dos Campos e Campinas. Dessa
estruturas produtivas, como a França forma, São Paulo deixa de ser o único
com a indústria “Le Coq Sportif”, o que polo industrial brasileiro, convivendo
afeta ainda mais as cadeias globais com demais centros que também
de valor. Nesse contexto, a produção polarizam a produção. Do mesmo
de chips e semicondutores ganha modo, a reestruturação produtiva
relevo, por serem um componente brasileira passa a valorizar o complexo
fundamental da produção industrial. agroindustrial, que já representa 25%
do PIB e é dependente de insumos
A reestruturação produtiva da tecnológicos sofisticados, como chips
economia globalizada já vinha e semicondutores. Nesse contexto, foi
ocorrendo antes da pandemia, aprovada a desestatização da fábrica
como demonstram as tentativas de nacional de semicondutores, o que
renacionalizar plantas industriais pode aumentar a competitividade no
que haviam se instalado em outros setor, bem como atrair investimentos,
países, como exemplifica a defesa da mas também pode afetar a autonomia
indústria siderúrgica estadunidense tecnológica nacional em uma área
pelo governo Trump. No que se refere sensível e em um momento de choque
a chips, os prolongados lockdowns de oferta desses componentes. Assim
em países como a China, Taiwan e sendo, o Brasil não está indiferente
Vietnam, que abrigam muito da aos processos de reestruturação
produção de semicondutores fizeram produtiva, de desconcentração
com que houvesse um considerável industrial, sem a desarticulação das
choque de oferta dessa mercadoria cadeias produtivas globais.
no mercado global, encarecendo os
custos de produção. Dessa forma, A divisão internacional do trabalho
países como os EUA e a Alemanha, no setor de chips e de componentes
que dependem desses insumos eletrônicos respeita o paradigma
tecnológicos em suas cadeias das cadeias globais de valor. Dessa
produtivas, buscam o retorno da maneira, enquanto países periféricos
produção desses componentes inserem-se agregando pouco valor,
em seu território, para evitar novas como a indústria extrativa do silício,
desarticulações como a causada outros países, como o Vietnam
pela pandemia de Covid-19. Esse e Taiwan, agregam mais valor
fenômeno se insere em um contexto produzindo esses componentes e
maior de arrefecimento do processo outros Estados, ainda, como Alemanha

183
e EUA, estão no topo dessas cadeias
produtivas, pois projetam esses chips e
componentes eletrônicos produzidos
em outras regiões do mundo. Nesse
sentido, há espaços de mandar nos
países centrais, dotados de alta
tecnologia, e de obedecer, nos países
periféricos, que agregam o valor do
trabalho e das matérias-primas. Nada
obstante, a pandemia de Covid-19
desarticulou essa divisão internacional
da produção, ensejando gargalos de
oferta e prejuízos às transnacionais
dos países centrais, o que engendrou
um processo de reestruturação
produtiva, em que plantas de chips
e componentes eletrônicos podem
ser desterritorializados para serem
reterritorializados nos países centrais.

184
Política
I nternacional
185
entendimento mútuo e estabelecer
Questão 01 um apoio forte à responsabilidade
de proteger como uma ferramenta

de proteção e prevenção. [...] Neste
Relatório de notas
Média Ampla Concorrência: 19,5 momento de desaf ios extremos,
Média Pessoas com Deficiência: 13 não devemos abandonar tal
Média Candidatos Negros: 18,5 responsabilidade e nem a deixar
em estado de animação suspensa,
finamente articulada em palavras, mas
violada, por vezes, na prática.
GUTERRES, António. Remarks to the General Assem-
bly debate on the responsibility to protect. United
Nations, Secretary-General, Jun. 25, 2018. Disponível
em: <https://www.un.org/sg/en/content/sg/spee-
MÉDIAS POR QUESITO ches/2018-06-25/responsibility-protect-remarks-gene-
ral-assembly>. Acesso em: 28 abr. 2022 (tradução livre),
com adaptações.

Em 2018, a Assembleia Geral das


Nações Unidas (AGNU) retomou
o debate a respeito do princípio
da responsabilidade de proteger
(responsibility to protect – R2P).
Nessa ocasião, o secretário-geral das
Nações Unidas, António Guterres,
se pronunciou para manifestar
preocupações com relação ao
emprego desse princípio e, ao mesmo
Leia, com atenção, o tempo, para reforçá-lo. Se, por um
excerto a seguir. lado, há desconf ianças quanto à
ef icácia da responsabilidade de
proteger, por outro, as alternativas a
Os líderes globais endossaram
ele parecem ter perdido espaço na
unanimemente a responsabilidade
agenda onusiana. Considerando que
de proteger na Cúpula Mundial de
o excerto apresentado tem caráter
2005. Após [...] um tempo de divisões
meramente motivador, redija um texto
globais profundas, isto foi um avanço. O
dissertativo acerca do princípio da
imperativo estava claro: fazer mais para
responsabilidade de proteger. Aborde,
proteger as pessoas, e fazê-lo como
necessariamente, os seguintes tópicos:
uma comunidade internacional unida.
No entanto, hoje ainda há o receio
o surgimento do princípio da
de que o princípio possa ser usado
responsabilidade de proteger no
para realizar ações coletivas voltadas
âmbito da construção do argumento
a outros propósitos além daqueles
humanitário a partir dos anos de 1980
acordados nessa cúpula. Há também
até 2005;
preocupações acerca de possíveis
padrões duplos e do uso seletivo do
a contestação do princípio da
princípio no passado. É por isso que
responsabilidade de proteger na
esses diálogos abertos e francos são
Cúpula Mundial de 2005;
necessários para dissipar equívocos e
desconfianças. Temos que forjar um
186
os pilares do princípio da PADRÃO DE RESPOSTA
responsabilidade de proteger; e
Espera-se que o candidato redija
a adoção do princípio da o texto considerando os aspectos a
responsabilidade de proteger no caso seguir.
da Líbia, em 2011, e suas implicações
para situações posteriores. No primeiro tópico, espera-se que o
candidato demonstre conhecimento
em relação à evolução histórica da
construção do argumento humanitário
em torno da responsabilidade
internacional da proteção de civis, com
ênfase no dilema entre, de um lado, a
Extensão do texto: até 90 linhas
intervenção por razões humanitárias e
[valor: 30,00 pontos]
o direito à assistência humanitária e, do
outro, a soberania estatal. Inicialmente,
nos anos de 1980, o dever de ingerência
foi o termo que pautou a construção
desse argumento.

Q1. Esse termo dizia respeito à atuação


de organizações não governamentais
(ONGs), principalmente a dos Médicos
sem Fronteiras, em emergências
humanitárias e em conflitos armados
–, com a f inalidade de ajudar às
populações carentes e de remediar o
sofrimento delas, por meio de ações
como assistência médica, tratamento
de doentes ou feridos e outros. Em
seguida, nos anos 1990, o argumento
passou a se estruturar em torno
da intervenção humanitária. (Q2)
– Ao contrário do termo anterior, a
intervenção humanitária pressupunha
a atuação de governos nacionais
em territórios estrangeiros com o
propósito de proteger – se necessário,
por meio do uso da força militar – as
populações contra graves violações
dos direitos humanos. Ainda nessa
década, considerando a gravidade de
tais violações em situações como na
Somália, em Ruanda, na Bósnia, em
Kosovo, entre outras, surgiram outros
termos e iniciativas correlatos com
a intervenção humanitária, como a
segurança humana, a Doutrina Blair,
a soberania como responsabilidade e
a soberania individual.

187
Os termos e as iniciativas mencionados, exemplos desses países: China, Cuba,
em particular a soberania como Egito, Irã, Paquistão, Rússia, Venezuela,
responsabilidade, foram examinados Vietnã e Malásia. Na sequência, é
pelo relatório da Comissão Internacional preciso selecionar pelo dois desses
sobre Intervenção e Soberania Estatal países e apresentar a sua respectiva
(ICISS, na sigla em inglês) intitulado posição (Q5). Para exemplificar, China
“The Responsibility to Protect: Report e Malásia rejeitaram parcialmente esse
of the International Commission on princípio por causa da importância
Intervention and State Sovereignty” e de discutir mais a respeito dele,
publicado em 2001. Uma das principais enquanto Cuba rejeitou totalmente
contribuições desse relatório, que por o considerar como um pretexto
passou a pautar o debate no início do para a intervenção de superpotências
século 21, foi propor a substituição do em assuntos domésticos. Ainda nesse
termo intervenção humanitária, ou segundo tópico, é preciso conferir
direito de intervir, por responsabilidade maior pontuação às respostas que,
de proteger (Q3), na tentativa de comparativamente, apresentem maior
reconciliar as posições divergentes entre número de países e suas posições.
os países do Sul e do Norte a respeito
da redefinição da soberania. Além disso, No terceiro tópico, é desejável
esse relatório também distinguiu três que o candidato mencione que
dimensões dessa responsabilidade – os três pilares do princípio da
responsabilidade de prevenir, de agir e responsabilidade de proteger foram
de reconstruir –, entre outras questões, estabelecidos no relatório do então
que pautariam as discussões do termo secretário-geral das Nações Unidas,
na agenda onusiana. Ban Ki-moon, apresentado à AGNU
em 2009 – documento este intitulado
Na Cúpula Mundial de 2005, Implementing the Responsibility to
a Assembleia Geral das Nações Protect: Report of the Secretary-General
Unidas (AGNU) adotou a resolução (A/63/677). O primeiro pilar é que os
A/RES/60/1, por meio da qual a Estados detêm a responsabilidade
organização incorporou o conceito primária de proteger a própria
de responsabilidade de proteger população, nacionais ou não, contra o
(Q4). Nesse documento, reconheceu- genocídio, crimes de guerra, limpeza
se que, tanto os estados quanto a étnica e crimes contra a humanidade,
comunidade internacional, por meio assim como qualquer incentivo a essas
da Organização das Nações Unidas, transgressões (Q6). O segundo pilar
teriam a responsabilidade de proteger é que a comunidade internacional
as populações contra o genocídio, detém a responsabilidade de encorajar
crimes de guerra, limpeza étnica e e auxiliar os Estados a cumprirem a sua
crimes contra a humanidade. Com responsabilidade primária, sobretudo,
base nessas considerações, o candidato por meio da cooperação e da
deve já tratar do segundo tópico implementação de uma estratégia de
solicitado na questão. Nesse tópico, prevenção (Q7). E, finalmente, o último
é preciso demonstrar conhecimento pilar é que essa comunidade deve estar
acerca do debate em torno do princípio preparada para agir coletivamente, de
da responsabilidade de proteger no acordo com a Carta das Nações Unidas
decorrer da cúpula. Primeiramente, – em particular com os Capítulos VI, VII
faz-se necessária a identificação de e VIII –, quando um Estado falhar em
países que se opuseram, total ou proteger a própria população contra as
parcialmente a esse princípio, e as transgressões citadas anteriormente
posições assumidas por eles. São (Q8).

188
Finalmente, no último tópico, o possibilidade de o princípio ter padrões
candidato deve demonstrar capacidade duplos e ser usado seletivamente: a
de análise da adoção controversa responsabilidade de proteger poderia
do princípio de responsabilidade de legitimar intervenções de grandes
proteger quando se deu a intervenção potências e da OTAN, mesmo que sob
na Líbia em 2011 e argumentar que essa a retórica humanitária, para atender
adoção, por um lado, trouxe novamente os próprios interesses, a exemplo da
à tona as preocupações demonstradas mudança de regime na Líbia. Dessa
por países na Cúpula Mundial de 2005 forma, diversos países, como China e
e, por outro, inviabilizou que esse Brasil, mostraram-se céticos em adotar
princípio fosse utilizado em situações esse princípio para pautar a atuação da
posteriores, como na guerra civil comunidade internacional na Síria e no
na Síria. As Resoluções de 1970 e de Sudão do Sul, por exemplo, com o receio
1973 do Conselho de Segurança das de que os resultados malsucedidos
Nações Unidas (CSNU), adotadas no ocorressem novamente (Q10).
início de 2011, foram as primeiras a
fazer referência a esse princípio, e a Será avaliada a capacidade do
segunda autorizou, pela primeira vez, candidato de estabelecer uma tese e
o uso da força para fins de proteção sustentá-la coerentemente. A avaliação
humanitária contra um Estado em seguirá o critério comparativo (i.e.). A
pleno funcionamento. A comunidade avaliação individual será feita de acordo
internacional, por meio do CSNU e sob com a comparação do nível de outros
a liderança da Organização do Tratado exercícios. Nesse sentido, embora
do Atlântico Norte (Otan), decidiu o candidato possa ter respondido
intervir na Líbia diante da resposta do de forma correta, abrangendo os
governo de Muammar Kadafi à revolta requisitos anteriormente indicados,
popular que ocorreu no contexto da sua nota poderá ser menor do que
Primavera Árabe. A intervenção se deu a atribuída a outros que f izerem
sob os auspícios da Resolução de 1973, a o exercício com maior qualidade
qual determinou que fossem tomadas intelectual, acadêmica e formal.
as medidas necessárias para proteger
civis ameaçados em território líbio e, Referências:
entre essas medidas, se estabeleceu BELLAMY, Alex J. Responsibility to protect. Cambridge:
Polity Press, 2009.
a ambígua zona de exclusão aérea. EVANS, Gareth J. The Responsibility to protect: ending
Essa medida possibilitou o uso de mass atrocity crimes once and for all. Washington,
D.C.: Brookings, 2008.
uma força militar robusta sob a retórica FONSECA JR, Gelson. Dever de Proteger ou Nova
humanitária, porém a implementação Forma de Intervencionismo? In: JOBIM, Nelson A.,
ETCHEGOYEN, Sergio W. e ALSINA, João Paulo (Org.)
dessa medida acabou favorecendo os Segurança Internacional: perspectivas brasileiras. Rio
rebeldes e levou à mudança de regime, de Janeiro: Ed. FGV, 2010, pp. 175-192.
PUREZA, José M. As ambiguidades da responsabilida-
com a queda e morte de Kadafi (Q9). de de proteger: o caso da Líbia. Carta Internacional,
Países que se abstiveram na votação Belo Horizonte, v. 7, n. 1, jan. /jun. 2012, p. 3-19.
RIBEIRO, Mikelli M. L. A. Soberania e responsabilidade
da Resolução de 1973, como a Índia, internacional humanitária: avaliando o processo de
questionaram o fato de que o uso ajuste normativo no âmbito da ONU. Revista Brasilei-
ra de Ciência Política, Brasília, n. 30, set. /dez. 2019, p.
do princípio da responsabilidade de 199-234.
proteger não foi condizente com o UN. United Nations. Implementing the responsibility to
protect: report of the Secretary-General. A/63/677, Jan.
mandato conferido pelo documento. 12, 2009. Disponível em: <https://www.un.org/ruleoflaw/
Além disso, a experiência negativa do files/SG_reportA_63_677_en.pdf>. Acesso em: 28 abr.
2022.
caso líbio elucida as preocupações já UN. United Nations. Resolution adopted by the General
apresentadas por países, como Cuba, Assembly on 16 September 2005. A/RES/60/1. Disponível
em: <https://www.un.org/en/development/desa/popula-
na Cúpula Mundial de 2005 e por tion/migration/generalassembly/docs/globalcompac-
António Guterres, especificamente a t/A_RES_60_1.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2022.

189
André Novo Viccini associada à dissolução URSS, como no
leste europeu e nos Balcãs, mas também
27 em outras regiões, como na África.
Ao mesmo tempo, o fim da Guerra
TL – 90; Fria permite um “descongelamento”
1112 palavras; do CSNU, que passa a aprovar mais
12,4 palavras/linha
resoluções, e coloca em voga o tema
dos direitos humanos, de que é
O princípio da responsabilidade ilustração a Conferência de Viena de
de proteger (R2P) foi resultado de 1993, mas não só. A ONU envia, assim,
uma elaboração da comunidade missões a Somália, Ruanda, Iugoslávia
internacional a partir dos anos 1980. e outros países. Contudo, sua atuação
Nessa época, com a aproximação sob o Capítulo VI da Carta e a demora
do fim da Guerra Fria, os conflitos em tomar ações mais efetivas não são
violentos passam por uma mudança capazes de impedir os massacres na
de natureza em âmbito geral, no Bósnia e em Ruando, gerando críticas
sentido em que passam a predominar internacionais à sua inação em proteger
aqueles de natureza interestatal os civis de genocídios e crimes contra
em detrimento dos interestatais, a humanidade perpetrados com
embora estes continuem a ocorrer. fins de limpeza étnica nesses países.
Nesse contexto, constrói-se um Essas críticas, somadas à experiência
argumento humanitário a partir do f racassada dos EUA na Somália,
descongelamento da bipolaridade onde foi derrubado helicóptero
no final dos anos 1980. Operações norte-americano em missão de paz,
de paz mais robustas, a partir de acarretam uma retração relativa nas
então, passam a ser aprovadas pelo operações com fins de proteger civis.
CSNU, muito embora ainda sob o Nesse contexto, Boutros-Ghali elabora
capítulo VI da Carta da ONU, como a Agenda para a Paz, em 1993, e seu
aquelas em Angola (UNAVEM) e suplemento, em 1995, onde constam,
Moçambique (ONUMOZ), em que há entre os tipos de operação de paz,
maior componente médico e policial, aquelas de pacificação por meio de
com fins humanitários. Na concepção imposição da paz (peace enforcement).
do Conselho, era preciso proteger e Relativiza-se, assim, o princípio do
auxiliar a população civil de países que consenso dos Estados, acrescentando-
passavam por conflitos domésticos, lhe o princípio de uso da força não só
com base na promoção da dignidade em legítima defesa, mas também
humana e nos direitos internacionais em proteção do mandato da missão,
dos indivíduos. É nesse período incluindo a proteção a civis. Desse modo,
também que se começa a elaborar no final dos anos 1990, o argumento
a noção de “dever de proteger”, em humanitário passa a informar as
um sentido mesmo de ingerência operações de paz da ONU, como
da comunidade internacional, como aquelas no Kosovo (UNMIK) e no Timor
elaborado no seio do Médicos sem Leste (UNTAET e sucessoras), em que
Fronteiras na época, em consonância se instalam, nos países, administrações
com concepções, então em voga, de de território pelas Nações Unidas, e, no
shared commons. início dos anos 2000, missões robustas
com autorização de uso da força, como
Nos anos 1990, a nova espécie a MINUSTAH, sendo que algumas delas
de conflitos se intensif ica, com a com atuação ativa de forças militares,
propagação da violência étnica no como a MONUSCO.
interior dos Estados, muitas vezes

190
Nesse contexto, e com uma Assim, em 2011, pela Res. CSNU
intensificação de conflitos em áreas 1973, o princípio da responsabilidade
geopoliticamente estratégicas no de proteger foi aplicado no caso das
período, algumas vezes associados violações cometidas pelo governo de
pelas principais potências ao terrorismo Muammar Gaddafi, na Líbia, contra os
internacional após os ataques de 11 direitos humanos de sua população.
de setembro aos EUA pela Al-Qaeda, Na ocasião, alguns países, entre eles,
a Cúpula Mundial da ONU de 2005 fizeram ressalvas quanto ao modo de
endossa unanimemente o princípio aplicação do princípio. Com efeito,
da responsabilidade de proteger. a atuação das forças militares da
Contudo, diversos países, entre eles OTAN, mandatadas pelo CSNU, foram
o Brasil, fazem ressalvas quanto utilizadas, sob o pretexto de proteger
aos limites e ao modo de aplicação os civis, para a destituição de Gaddafi,
desse princípio. Em primeiro lugar, cujo governo não agradava aos EUA e
não deveria ele ser usado com fins seus aliados. Nesse contexto, o Brasil
políticos (por exemplo, para destituir propôs o conceito de responsabilidade
governos), em violação ao princípio de ao proteger (RWP). De acordo com
não intervenção consagrado no artigo ele, os mandatos do CSNU deveriam
2(7) da Carta da ONU e no costume ser suficientemente claros, de modo a
internacional. Em segundo lugar, não limitar na prática as possibilidades de
deveria obedecer a padrões duplos, usos políticos do conceito. Ademais, a
aplicando-se seletivamente a uns atuação das forças militares no terreno
países e não a outros. Desse modo, deveria ser objeto de constante e estrito
estabeleceram-se os pilares do princípio monitoramento pela comunidade
da responsabilidade de proteger para internacional, de modo a verificar se não
que fosse aplicado conformemente ao estariam extrapolando seu mandato.
Direito Internacional e respeitando- Ainda, dever-se-ia dar mais ênfase à
se a soberania, a independência, a prevenção de conflitos, por meio de
integridade territorial e a igualdade mais intensa atividade diplomática e
jurídica entre os Estados. O primeiro cooperação internacional.
pilar é que ele deveria ser aplicado
apenas em casos de genocídio, crimes A implementação equivocada do
contra a humanidade e limpeza étnica, R2P na Líbia, porém, não deixou
limitando-se assim a arbitrariedade de ter implicações para conflitos
em seu uso. O segundo pilar é que posteriores. No mesmo ano de 2011,
a responsabilidade primária de Rússia e China vetam a resolução
proteger a população cabe ao Estado do CSNU que autorizaria o uso da
com jurisdição territorial sobre ela. força na Síria, por temer que o R2P
O terceiro pilar consiste em que a seria utilizado politicamente no
comunidade internacional (ou seja, o caso para derrubar o governo de
Conselho de Segurança, e não estados Bashar al-Assad. Na ocasião, o Brasil
particulares ou alianças militares novamente fez ressalvas ao projeto
não mandatadas) deve antes buscar de resolução. A China acabaria por
cooperar com o Estado para tentar pôr elaborar conceito semelhante ao
fim às violações, devendo agir somente RWP, mas, assim como este, sem
após demonstrada a incapacidade do maiores implicações de longo prazo
Estado em fazê-lo ou sua não vontade até o momento. No conflito no leste
ou mesmo sua colaboração. da Ucrânia tampouco foi aplicado o
R2P, nem em outros conflitos que
envolveram interesses estratégicos
de membros do CSNU. Por outro

191
lado, vemos sua aplicação na João Pedro Portella
constituição de missões de paz na
RDC (MONUSCO), na RCA (MINUSCA), Ribeiro Cardoso
no Sudão do Sul (UNMISS) e em 27
outros países da África, o que, de um
lado, demonstra as possibilidades TL – 90;
de proteção dos direitos humanos, 1270 palavras;
mas de outro revela a seletividade 14,1 palavras/linha
no uso da R2P.
Na forma da Carta das Nações
Unidas, o direito à não intervenção
em assuntos internos e a vedação ao
uso da força constituem pilares da
ordem internacional. Nesse sentido,
esses princípios somente podem
ser excepcionados pelo Conselho
de Segurança, no exercício de sua
competência de órgão mantenedor
da paz e da segurança internacionais.
Usualmente, o CSNU exerce esse poder
na presença de conflitos armados ou
outras ameaças à paz internacional.
Contudo, a partir das décadas finais do
séc. XX, diante da paralisia do Conselho
em face de situações graves de violência
e desrespeito aos direitos humanos,
começou a desenvolver-se o argumento
da “intervenção humanitária” enquanto
justificativa legítima para intervenções,
muitas vezes por meio da força, em
contextos domésticos de Estados
conflagrados. Hoje, esse argumento toma
a forma contestada de “responsabilidade
de proteger”.

Ao fim da Guerra Fria, o Conselho


de Segurança retomou um papel
mais ativo e ampliou seu escopo de
atuação. Não mais bloqueado pelos
impasses entre EUA e URSS, típicos da
bipolaridade, que haviam impedido
ação efetiva contra situações conflitivas,
o Conselho teve papel de destaque
na bem-sucedida “Operação Desert
Storm”, que respondeu à agressão ilícita
perpetrada pelo Iraque contra o Kwait.
Tido como momento de êxito do sistema
multilateral de segurança, o episódio
levou as Nações Unidas a expandir seus
métodos de ação nesse campo. Em 1992,
o relatório “Uma Agenda para a Paz” é

192
lançado pela Organização, ampliando eventuais unilateralismos, as Nações
as formas e funções das operações de Unidas passaram a discutir a temática
paz organizadas pela ONU e incluindo no quadro do multilateralismo. Surge,
a possibilidade de intervenções à revelia assim, o conceito de “responsabilidade
do consentimento das partes. Assim, de proteger”, que dá nome a relatório
ao longo dos anos 1990, multiplicam- editado pelo Secretário-Geral da
se as chamadas operações de “peace Organização. Segundo esse relatório, a
enforcement”, como as enviadas para responsabilidade de proteger consiste
Somália, Ruanda e Iugoslávia. Nessas no dever, por parte da comunidade
operações, raramente havia uma paz internacional, de empreender
ou consenso mínimo a ser protegido, ações coletivas contra situações
e os capacetes azuis pareciam fazer, de graves violações humanitárias.
eles mesmos, a guerra contra grupos Assim, excepcionando-se a não
armados locais. Na Somália, as tropas da intervenção em assuntos internos, a
ONU viram-se em confronto aberto com ONU, notadamente pelo Conselho
milícias armadas; em Ruanda, pouco de Segurança, poderia intervir em
fizeram para impedir o genocídio; na Estados que perdessem a capacidade
Iugoslávia, foram feitas de reféns pelos de proteger seus nacionais, ou que,
sérvios de modo a prevenir um ataque mais gravemente, fossem diretamente
aéreo da OTAN. Especialmente nesse responsáveis por atacar seus próprios
caso, o argumento da intervenção cidadãos. Objetivava-se, assim, evitar a
humanitária ganhou força. Mesmo sem repetição do que ocorrera em Ruanda
autorização expressa do CSNU, a OTAN e na ex-Iugoslávia, sem dar margem
interviu no conflito unilateralmente ao unilateralismo.
contra Milosevic, argumentando que,
em situações de violação generalizada A exposição do conceito foi realizada na
de direitos humanos, o uso da força Cúpula Mundial de 2005. Não foi, porém,
não seria vedado pela Carta da ONU, o amplamente aceito. Países como Rússia
que, segundo esse argumento, só seria e China, além de relevante contigente
proibido se voltado a agredir a soberania, de Estados do Sul global, contestaram a
independência ou integridade territorial ideia, que violaria, ou ao menos facilitaria
de outro Estado. Rússia e China, no CSNU, a violação da soberania, independência
rejeitaram o argumento. e integridade de Estados mais frágeis.
Criticava-se a instrumentalização
O intervencionismo acentuado das dos direitos humanos como forma
operações de peace enforcement foi de fundamentar ações militares
contido após essas experiências, com potencialmente lesivas aos Estados
a edição do “suplemento à agenda que as sofressem. A responsabilidade
para a paz”. Contudo, o argumento da de proteger assomava, assim, como
intervenção humanitária não perdeu arma retórica de agressão dos Estados
força, pois se encaixava na doutrina mais poderosos contra Estados mais
da política exterior dos EUA. Para fracos. A conduta adequada das Nações
Washington, a existência de “failed Unidas, em contextos de graves crises
states”, isto é, estados falidos, que humanitárias internas, não deveria ser
supostamente não seriam capazes a intervenção armada, mas o auxílio
de garantir a segurança de seus humanitário e o diálogo diplomático.
nacionais, justif icaria intervenções Mesmo quando essa intervenção se
externas, ainda que acompanhadas fizesse necessária, deveria ser submetida
de iniciativas de construção da paz a critérios objetivos, e decidida no foro
pós-conflito e desenvolvimento da competente das Nações Unidas.
institucionalidade. De modo a conter

193
Apesar das contestações, o princípio, do país mediante o envio de missão
que ganhou o apelido de “R2P”, passou política especial, as forças de oposição
a integrar o léxico das Nações Unidas a Gaddafi não encontraram consenso
e do Conselho de Segurança. Em 2011, e, em 2014, iniciou-se uma guerra civil
assumiu destacada relevância no entre o governo de Trípoli, apoiado
contexto da intervenção na Líbia. Desde politicamente pelo CSNU, e forças
o início da Primavera Árabe, o Oriente militares sediadas em Tobruk. A
Médio vinha passando por intensas guerra, apesar de alguns pactos de
convulsões internas, com a derrubada cessar-fogo, ainda não foi encerrada
de governos ditatoriais ou o início de e produziu ampla devastação no país,
guerras civis. Na Líbia, o mandatário com imensos fluxos de refugiados e
Gaddafi reprimiu as manifestações deslocados internos. Diante desse
contra seu governo, fazendo uso, aparente f racasso do bombardeio
inclusive, da força. Com a deterioração aéreo da OTAN e da responsabilidade
da situação interna, surgiram relatos de proteger, o Brasil propôs, como
de que Gaddafi estaria assassinando complemento, o conceito de
civis envolvidos com a resistência a seu responsabilidade ao proteger (RwP).
regime. O tema chegou ao Conselho
de Segurança das Nações Unidas, A responsabilidade de proteger
que pautou intervenção no país sob foi mal recebida após o ocorrido na
os auspícios da responsabilidade Líbia, tendo Rússia e China bloqueado
de proteger. Nesse contexto, duas ações semelhantes no conflito sírio.
resoluções foram votadas. A primeira A ideia de responsabilidade ao
condenava o governo de Gaddaf i proteger, proposta pelo Brasil, visa
pelas agressões a civis e violações a complementar o conceito e evitar
flagrantes do direito humanitário. seus abusos. Assim, a intervenção
A segunda criava uma “no-fly zone” humanitária deveria ser um último
(zona de exclusão aérea) sobre a Líbia recurso, privilegiando-se a diplomacia
e autorizava a ação da OTAN no país, preventiva e o desenvolvimento
sob fundamento do desrespeito de humano como meios de evitar o
Gaddafi às determinações da primeira conflito. A intervenção deveria ocorrer
resolução. Naquele momento, o Brasil, apenas se não piorasse a situação
juntamente com os demais membros e deveria ter como prioridade a
do BRICS (Rússia, Índia, China e África proteção dos civis, que não poderiam
do Sul), ocupava assento no Conselho. ser vitimados pela ação externa. Ainda,
O Brasil votou favoravelmente à a intervenção, quando necessária,
primeira resolução, mas absteve-se deveria ocorrer sob mandato claro
quanto à segunda, pois duvidava da do CSNU, com objetivos e métodos
eficácia que uma intervenção externa detalhadamente delineados, além de
poderia ter na resolução pacífica do contar com mecanismos seguros de
conflito líbio. Os demais membros fiscalização e monitoramento. Por fim,
do BRICS seguiram essa abstenção, deveria ser acompanhada de medidas
manifestando sua preocupação com abrangentes de reconstrução pós-
a proteção de civis. conflito, com garantia de direitos
humanos, eleições e instituições.
De todo modo, a intervenção da Essas medidas deveriam ser prévias
OTAN na Líbia foi aprovada e, ainda ou concomitantes à ação da ONU, e
em 2011, Gaddaf i foi capturado e não apenas posteriores.
linchado por forças da oposição.
Contudo, apesar das tentativas do
CSNU de colaborar na reconstrução

194
Fernanda Brandão ECOSOC em 1966. Em face desses
processos concomitantes e, por
de Souza vezes, contraditórios, a construção
26,5 do argumento humanitário não teve
chances de prosperar até as décadas
TL - 90 linhas; de 1980 e 1990.
1074 palavras;
11,9 palavras/linha Na década de 1980 e, sobretudo, na de
1990, a decadência da União Soviética e a
O princípio da responsabilidade de formação de um mundo “uni-multipolar”
proteger (R2P) foi gestado ao longo permitiram maiores desenvolvimentos do
das últimas duas décadas do século argumento humanitário. A atmosfera de
XX e ratif icado, formalmente, na otimismo e o destravamento de pautas
Cúpula Mundial de 2005. O período de segurança internacional relevantes
de formação desse princípio foi no âmbito do CSNU possibilitaram que
marcado pelo debate acerca das a comunidade internacional chegasse
implicações e da legitimidade de a maiores consensos acerca de quais
intervenções humanitárias em face questões de violações estatais de
da soberania estatal. Com efeito, ao direitos humanos deveriam ser objeto
longo da Guerra Fria, sobretudo nos de intervenções humanitárias, sem que
momentos de maior tensionamento isso significasse violações de soberania.
nas relações entre as superpotências, Atrocidades cometidas, à época, no âmbito
intervenções militares efetuadas com de conflitos internos, como o genocídio
base no argumento humanitário de Ruanda, em 1994, e o massacre de
eram, f requentemente, acusadas Srebrenica, no contexto da Guerra da
de serem violações à soberania e à Bósnia e da dissolução da Iugoslávia,
independência dos Estados afetados evidenciaram à comunidade internacional
e interferências em assuntos internos, que a resistência ou a demora em
as quais eram condenadas pelo bloco intervir poderia gerar grandes desastres
rival, no contexto da bipolaridade. humanitários. Por essa razão, resistências
Muitas dessas condenações ocorriam relacionadas à Linha de Mogadíscio
no âmbito do próprio Conselho de precisavam ser equacionadas, a fim de
Segurança das Nações Unidas (CSNU), garantir que violações humanitárias de
o qual se encontrava paralisado ante tamanha magnitude não voltassem a
as divergências entre seus membros ocorrer da mesma maneira. A rápida
permanentes e com “poder de veto”. intervenção multinacional no Kosovo, no
Não obstante, a percepção de que finaldadécadade1990,constituiuevidência
direitos humanos eram um bem cuja de que, gradualmente, a comunidade
proteção, dada sua relevância, não se internacional e, particularmente, o
poderia restringir à jurisdição exclusiva CSNU chegavam a acordos acerca da
dos Estados assumia proeminência responsabilidade internacional de proteger.
cada vez maior, nos debates
internacionais, desde a Segunda A Cúpula Mundial de 2005
Guerra Mundial. O direito internacional consistiu, finalmente, no momento
humanitário, mediante a formulação de consagração da R2P; a adoção
dos direitos de Genebra, da Haia e desse princípio não sobreveio,
de Nova York, ganhava relevância no contudo, sem contestações. Indagou-
cenário internacional, em conjunto se, por exemplo, que intervenções
com pactos regionais e globais humanitárias pautadas pela R2P
atinentes aos direitos humanos, como poderiam agravar conjunturas de
o PIDCP e o PIDESC, concluídos pelo violações de direitos humanos,

195
sobretudo se realizadas em desacordo Em que pese o estabelecimento
com os mandatos autorizados desses pilares e dessas
pelo CSNU. Além disso, houve condicionalidades na aplicação da
desconfianças concernentes à real R2P, a concretização desse princípio
eficácia da R2P no sentido de minorar esteve sujeita a arbitrariedades e a
sofrimentos humanos e divergências condutas equivocadas por parte de
relativas à discricionaridade do CSNU seus executores. Essa implicação foi
no estabelecimento de critérios para a particularmente evidente no caso da
implementação dessas intervenções. Líbia, em 2011. Diante das recorrentes
Nessa perspectiva, o então Secretário- acusações de violações de direitos
Geral da ONU, Kofi Annan, solicitou humanos perpetradas pelo então
ao CSNU, após a Cúpula de 2005, ditador líbio Muammar Khadaffi, o CSNU
o esclarecimento acerca de quais autorizou que forças multinacionais
critérios seriam utilizados para interviessem na Líbia, pautadas pelo
determinar ou autorizar intervenções princípio da R2P, consoante com o
fundamentadas na R2P. Em resposta, mandato estabelecido pela resolução
o CSNU preferiu não adotar critérios 1973 do Conselho. As forças foram
estáticos e objetivos, procedendo à autorizadas a realizar bloqueio aéreo
aplicação da R2P de forma casuística. no espaço líbio. Apesar de oposições
Essa interpretação conferida pelo expressivas de países da comunidade
CSNU apresenta, portanto, o potencial internacional, como o próprio Brasil,
de acarretar arbitrariedades na que estava ocupando assento não
implementação da R2P, o que, de todo permanente no CSNU em 2011 e que
modo, não impediu a adoção desse não votou favoravelmente à referida
princípio em resolução da Assembleia resolução, a intervenção ocorreu,
Geral da ONU (AGNU) e a sua aceitação culminando na deposição de Khadaffi.
no âmbito do CSNU. As forças multinacionais acabaram
extrapolando o mandato autorizado
Desse modo, foram estabelecidos os pelo CSNU e provocando uma situação
pilares do princípio da responsabilidade de extrema instabilidade na Líbia, de
de proteger. Primeiramente, acordou-se modo que, até os dias atuais, inexiste
que era responsabilidade primária do um Estado plenamente funcional no
Estado a proteção de seus nacionais; país, capaz de assegurar os direitos e
no entanto, caso o Estado não lograsse o bem-estar da população.
garantir essa proteção, seja pela
incapacidade ou pela ineficiência Nesse contexto, sob a chancelaria
estatal em proteger, seja pela ação de Antonio Patriota, o Brasil
comissiva do Estado na violação dos apresentou à AGNU o conceito de
direitos humanos de seus nacionais, “responsabilidade ao proteger”, que
caberia à comunidade internacional a complementaria a R2P. Nesse sentido,
responsabilidade de garantir a proteção além de proteger, a comunidade
desses nacionais. Adicionalmente, internacional deveria assumir certas
intervenções humanitárias deveriam ser responsabilidades em casos de
autorizadas pelo CSNU, e a R2P deveria ser intervenção humanitária, como ater-
aplicada em casos de crimes de guerra, se estritamente ao mandato do CSNU,
crimes contra humanidade, genocídio restringir suas medidas apenas ao
e limpeza étnica. A R2P pauta-se, por que for estritamente necessário para
fim, pela compreensão de que a vida a garantia da paz e da segurança dos
humana é o valor último a ser preservado nacionais, evitar sofrimentos humanos
e protegido pela comunidade e pelo e prestar contas em relação às ações
direito internacionais. efetuadas. A “responsibility while

196
protecting” foi, posteriormente, uma NOTA MÉDIA
ideia desenvolvida em documentos
no CSNU, mas jamais chegou a ser Felipe Pereira
incorporada ao arcabouço normativo 18,5
da ONU. Nessa perspectiva, é relevante
que o Secretário-Geral António TL – 90;
Guterres tenha suscitado, mais uma 1075 palavras;
vez, a pauta da R2P na AGNU. Isso 11,9 palavras/linha
demonstra que, embora a R2P seja
princípio consolidado no âmbito das Durante a Guerra Fria, o conflito
Nações Unidas, ainda há diversas geopolítico, ideológico e bipolar
contribuições a serem realizadas para impedia uma atuação mais ampla da
a melhoria dessa ideia, de modo a Organização das Nações Unidas (ONU)
evitar condutas arbitrárias, a incluir e do Conselho de Segurança (CSNU)
grandes potências na R2P a proteger em missões de paz. Com o ocaso da
vidas e direitos humanos. União Soviética (1991), observou-se a
abertura de possibilidade de atuação
na criação de missões de operações
de paz. Assim, no início da década
de 1990, verificou-se consenso para
criar missões de paz (“Capítulo Seis
e Meio”), em Angola (UNAVEM-I e
II) e em outros países, de modo a
preservar o engajamento solicitado
por esses países, de forma neutra e
uso da força somente em legítima
defesa das tropas. Essas missões de
1ª geração foram contrapostas com
o relatório “Uma Agenda para a Paz”
(1992) de Boutros Gali, identificando
novas possibilidades de atuação
(peaceenforcing e peacebuilding),
de modo que o consentimento para
operação de missões de paz, passou
a ser flexibilizado. Nesse contexto,
surgem as operações de paz de 2ª
geração, sendo o momento mais
notório o da Somália, em que se
observou desestruturação política
intensa e fracionamento de poderio
e diálogo em inúmeros clãs. A falha
da operação levou a desengajamento
posterior dos EUA em outros conflitos
no exterior. Nesse contexto, observou-
se o conflito genocida (hutus v. tutsis),
cuja mortandade exagerada levou
à percepção de que a comunidade
internacional não poderia se abster
de situações de graves violações de
direitos humanos, como em Ruanda.
Mesmo com o Relatório Brahimi

197
(2000), apregoando o reengajamento ao incremento de atuações unilaterais,
de operações de paz, houve a sob a lógica de vulnerabilidade das
necessidade de concertação política f ronteiras dos EUA na “Guerra ao
mais multilateral para observar os Terror”, e impusesse ações interventivas
limites da atuação internacional. como no caso das interpretações
extensivas de resolução do Capítulo
Na Cúpula Mundial de 2005, foram VII aprovadas pelo CSNU, em relação
estabelecidas diversas iniciativas em ao Afeganistão (2001) e ao Iraque
prol de paz e segurança internacional. (2003). A hipótese de que o R2P fosse
Houve a abertura de negociações utilizado para fins políticos internos
intergovernamentais para a expansão dos EUA ou de países europeus
do número de membros permanentes deterioraria, inclusive, as organizações
do CSNU (gestação do G4) em internacionais, atribuindo viés de
reformas abrangentes da ONU, bem atuação ao CSNU. Assim, a lógica de
como a criação da Comissão de missões multidimensionais para a
Consolidação da Paz (CCP). Além disso, construção de capacidades estatais,
houve a formulação dos princípios da como no Timor Leste (UNTAET), de 3ª
responsabilidade de proteger (R2P). geração pareciam mais adequadas.
Nele, elencava-se que os Estados
eram os principais responsáveis pela Mesmo com o Relatório Capstone
manutenção da ordem em suas (2008), houve missões de paz
f ronteiras, porém, caso falhassem adotadas com o princípio R2P. Patente
em sua atuação de forma omissa, a é o caso, durante a Primavera Árabe,
comunidade internacional como um de autorização de “todos os meios
todo teria a competência por atuar necessários” na Líbia pelo CSNU. O
em contraposição a tais ameaças Brasil se absteve de Resolução, em 2011,
à paz, segurança e estabilidade enquanto membro não permanente
internacionais. Embora não seja um no biênio 2011-12, sob o governo Dilma
costume, tratado ou princípios de Rousseff, na Líbia. A queda de Khadafi
jus cogens, ele balizaria as decisões e a desestruturação social, formando
futuras do CSNU. A responsabilidade milícias de diversas facções em
seria atribuída em casos de omissão Benghazi e Trípoli, denotavam que a
estatal deliberada no cometimento paz deveria ser construída de forma
de crimes de genocídio, lesa- duradoura, não sem consentimento
humanidade, de guerra e de limpeza das partes (não à toa, até hoje, o
étnica (de agressão não). conflito na Líbia permanece). O Brasil
advogou, e ainda advoga, o princípio
Não obstante, o R2P foi criticado por da Responsabilidade AO Proteger
países em desenvolvimento que viam a (RWP), ou seja, quando a comunidade
possibilidade de atuação de potências internacional atuasse, ela deveria
ocidentais contra sua soberania, seguir os direitos humanos e atuar para
independência política e integridade resolver o conflito, não para agravá-
territorial, em patente desrespeito ao lo. É necessária responsabilidade na
art. 2º da Carta da ONU (1945) e da atuação de tropas, seja por capacetes
DUDH (1948). Esses países avaliavam azuis, seja por forças multinacionais
que agrupamentos regionais, com (OTAN) ou regionais. Deve-se buscar
discursos de intervenção humanitárias resolver as causas profundas dos
e democráticas, haviam se excedido conflitos em associação do trinômio
no uso da força (caso da OTAN, na ex- paz, segurança e desenvolvimento,
Iugoslávia). Além disso, temiam que de sorte que o diálogo político seja
o momento unipolar dos EUA levasse privilegiado ao uso da força.

198
Apesar disso, houve autorização do envolvendo a perspectiva de gênero
uso da força na Líbia, contra o princípio (Agenda Mulheres, Paz e Segurança)
de RWP, em prol do R2P, em 2011. e na prevenção de conflitos, sob
Desde então, a situação na Líbia só se lógica de paz positiva, e projetos de
deteriorou, com quebra de confiança cooperação técnica e humanitárias.
das partes quanto a um diálogo
político avançado pelos próprios líbios.
Houve a acusação de cometimento
de excessos e possíveis crimes de
guerra pelas forças internacionais que
deveriam buscar o oposto. Naquele
momento, houve consenso entre as
potências permanentes do CSNU (P5).
Desde então, percebe-se redução de
consenso dos membros com poder
de veto para estabelecer missões sob
R2P com os termos declarados em
2011. Embora algumas outras missões
de paz e autorização de uso da força
tenham sido acordadas no âmbito do
CSNU, desde 2011, com em Abiye (Sudão
do Sul), e em outros países africanos,
observa-se maior comedimento
quanto ao engajamento em lógica
R2P. Pode-se dizer, inclusive, que,
crescentemente, tem havido aceitação
tácita do princípio RWP (embora este
não seja mutuamente excludente ao
R2P, mas, sim, complementar).

Para alguns analistas, há descrédito


crescente de organizações
internacionais e o emprego de
resoluções como em 2011 tem influência
nessa tendência. O Brasil tem atuado,
desde então, no fortalecimento de
missões de paz e de presença na CCP,
vide o apoio às estratégias A4P e A4P+
e participação desde sua criação no
C.34, em configurações específicas
para Guiné-Bissau e Golfo da Guiné. As
missões de paz autorizadas têm levado
em consideração características
regionais e ampliação de uso da força
híbridas (missões de 4ª geração, junto
com a União Africana). Além de se
buscar o trinômio desenvolvimento-
paz-segurança, o Brasil atua no
sistema de prontidão da CCP (nível 2
para Exército e nível 3 para a Marinha),
em treinamento de tropas e staff,

199
MENOR NOTA de força de paz internacional. Em
2000, é publicado o Relatório Brahimi,
Anônimo que reforça a necessidade de proteção
8,5 às pessoas e ao direito humanitário
em operações de paz. Forma-se o
TL – 89; caldo perfeito para uma reabertura
846 palavras; da discussão sobre a responsabilidade
9,5 palavras/linha de proteger.

A responsabilidade de proteger é O país a trazer à tona o tema foi o


um princípio advogado sobretudo por Canadá, com uma responsabilidade de
países do Norte global que entendem proteger ampla e com interpretações
haver um dever de qualquer nação demasiadamente extensivas. A
e, do concerto das nações, de intervir responsabilidade de proteger passou
em situações nas quais o direito a ser vista por países do Norte quase
humanitário seja violado. Esse princípio como um corolário do princípio da
entende que é admissível violar a jurisdição universal, o qual a Bélgica
soberania de um país para proteção tentava aplicar em relação ao caso
do elemento humano, sendo esse um Yerodia. Ademais, o princípio trazia
de seus pilares. Isso não significa que nuanças de uma espécie de legítima
tais operações não necessitem ser defesa de terceiros, o que acabaria
aprovadas pelas Nações Unidas, porém por excluir da apreciação das Nações
flexibiliza as possibilidades nas quais os Unidas, ao menos no curto prazo, a
Estados estão legitimados a agir. legitimidade do ato. Seria o equivalente
à legitima defesa prevista na Carta
O tema entrou na agenda nos das Nações Unidas, que pode ser
anos 1980 em especial pela atuação exercida individual ou coletivamente
da França, que defendia haver um e imediatamente comunicada ao
dever de atuação de forças externas Conselho de Segurança.
dentro de um país soberano, sem seu
consentimento, a fim de proteger o Essa perspectiva desagradou aos
direito humanitário, entendido como países do Sul global, que já eram o
jus cogens. Essa discussão acabou principal ponto focal de operações
não prosperando pela falta de apoio de paz e de investigações pelo recém
de outras potências à França, como criado Tribunal Penal Internacional.
a União Soviética, engajada em sua Esses países entendiam esse modelo
desastrosa campanha no Afeganistão, de responsabilidade de proteger como
por exemplo; mas a ideia não foi seletivo e passível de usos espúrios,
completamente abandonada. para além dos propósitos legítimos
de proteção de civis e militares.
Nos anos 1990, há a emergência Serviria, portanto, para a alteração
de diversos conflitos domésticos e de regimes. Assim, foi convocada
espalhados por diversos continentes. a Cúpula Mundial de 2005 para se
A comunidade global passa a criticar discutir quais seriam os limites da
as organizações internacionais pela responsabilidade de proteger. Na
sua inação f rente aos genocídios Cúpula a responsabilidade de proteger
perpetrados em Ruanda e Burundi. foi reconhecida pelos países como um
Também há problematizações acerca princípio válido, desde que utilizado
da atuação nas guerras balcânicas, dentro de determinados parâmetros.
com o massacre em Srebnica e os O primeiro pilar é o de não seletividade,
estupros coletivos em áreas de atuação ou seja, não se pode analisar situações

200
análogas com viéses diferentes apenas instância e com o respaldo das Nações
com base nos atores envolvidos. O Unidas. Ademais, apoia os trabalhos
segundo é o do uso estrito para a da Comissão de Consolidação da Paz
proteção de pessoas e dotação de como instância na qual poder-se-ia
efetividade ao direito humanitário, discutir os limites da R2P. O Brasil não
sendo vedada qualquer ação voltada é contrário à R2P (inclusive é signatário
à alteração da configuração do poder das quatro convenções de Genebra de
político do país, sendo respeitada a 1949 e dos três protocolos adicionais),
autodeterminação dos povos. entretanto entende como necessária
a definição de parâmetros mais claros
O próprio Conselho de Segurança de atuação e dentro dos marcos da
da ONU abraçou o conceito e passou Carta da ONU.
a utilizá-lo em suas resoluções. Um
dos casos mais emblemáticos foi o da
invasão à Líbia, em 2011. A resolução
do Conselho aprovou que a OTAN
interviesse no país, que passava por
um processos de desestabilização
causada pela chamada “Primavera
Árabe”. Na ocasião, o Brasil apresentou
o conceito de “Responsabilidade ao
Proteger”, o qual serviria como um
corolário ao R2P (sigla em inglês da
responsabilidade de proteger) ao
definir parâmetros para a intervenção,
que acabou não sendo acatado.

O desfecho é que a Líbia acabou se


fragmentando ainda mais e a atuação
das forças da OTAN causaram um efeito
spill-over ao desestabilizar países do
entorno. A Líbia continua a ser um país
em conflito 11 anoss após a ação militar
externa (embora no momento haja um
esforço conjunto para sua pacificação
via política). O fato é que os países do Sul
Global, em grande parte, acusaram a ação
como intervencionismo em assuntos
internos (derrubada de Ghadafi) e que
a R@P nada mais era que uma desculpa
para essa e novas operações. Guterres,
em sua proposta de reforma de algumas
instituições onusianas, trouxe à baila o
assunto em 2018, porém a AGNU ainda
não firmou posição.

O Brasil tem como princípios


das relações internacionais a não
intervenção e a autodeterminação dos
povos, defendendo que o uso da força
apenas pode ser efetivado como última

201
ALLISON, Graham. A caminho da guerra: os Estados
Unidos e a China conseguirão escapar da Armadilha
Questão 02 de Tucídides? Rio de Janeiro: Intrínseca, 2017.


Relatório de notas Na obra A Caminho da Guerra, o
Média Ampla Concorrência: 23 cientista político norte-americano
Média Pessoas com Deficiência: 21,3 Graham Allison apresenta a dinâmica
Média Candidatos Negros: 20,1
conhecida como “Armadilha de
Tucídides”, segundo a qual a
ameaça percebida pela potência
hegemônica em relação aos desafios
representados pela emergência
de uma nova potência no sistema
internacional estimula a competição
MÉDIAS POR QUESITO entre elas, podendo resultar, no fim
das contas, em um conflito sistêmico.
Tendo a máxima do historiador grego
e o conceito formulado por Allison
como referências, e considerando
que os excertos apresentados têm
caráter meramente motivador, redija
um texto dissertativo a respeito
do relacionamento entre Estados
Unidos da América e China no período
contemporâneo.

Leia, com atenção, os


excertos a seguir. Extensão do texto: até 90 linhas
[valor: 30,00 pontos]

Foi a ascensão de Atenas e o medo que


isso inspirou em Esparta que tornou o
conflito inevitável”. (Tucídides, historiador
grego aproximadamente 460-400 a.C.).

ALLISON, Graham. A caminho da guerra: os Estados


Unidos e a China conseguirão escapar da Armadilha de
Tucídides? Rio de Janeiro: Intrínseca, 2017.

[Q]uando uma potência em ascensão


ameaça tomar o lugar de uma potência
dominante, a tensão estrutural resultante
torna um confronto violento a norma, e
não a exceção. Aconteceu entre Atenas e
Esparta no século V a.C., entre Alemanha
e Grã-Bretanha um século atrás e quase
levou União Soviética e Estados Unidos
à guerra nos anos de 1950 e 1960.

202
PADRÃO DE RESPOSTA o “rapprochement” conduzido pelo
ex-presidente norte-americano
Espera-se que o candidato redija Richard Nixon e por seu conselheiro
o texto considerando os aspectos a de Segurança Nacional/secretário de
seguir. Estado, Henry Kissinger, com a China
maoísta, que transformou o tabuleiro
O candidato deve aplicar uma geopolítico internacional nos anos de
moldura teórico-conceitual 1970 (item v), culminando, décadas
(competição entre grandes potências depois, nas fricções entre os dois países
em um cenário internacional no período do Governo do ex-presidente
anárquico/concorrência hegemônica) Donald Trump e do presidente Joe
em uma situação política concreta Biden, do lado norte-americano, e do
e contemporânea (relacionamento presidente Xi Jinping, do lado chinês;
bilateral China-EUA). O candidato será aqui oportuno contrastar a atitude
deverá inicialmente demonstrar dos Governos Trump e Biden frente à
familiaridade com a contribuição de China (item vi).
Tucídides – historiador do conflito
entre Atenas e Esparta no século O complexo relacionamento entre
VI a.C. – para disciplina de Relações os dois países deve ser explorado
Internacionais; em particular, a pelo candidato demonstrando
descrição da dinâmica entre potências conhecimento a respeito das áreas de
concorrentes pela primazia no sistema convergência e complementaridade
internacional (item i). É indispensável entre os dois países – por exemplos,
ter conhecimento prévio da obra volume de intercâmbio comercial,
supracitada de Graham Allison, o que integração produtiva e das cadeias de
o cientista político norte-americano suprimento, dívida norte-americana
define como “Armadilha de Tucídides” com a China e a cooperação em temas
–, muito em particular o relacionamento como mudanças climáticas (item vii)
contemporâneo entre Washington – e os irritantes no relacionamento,
e Pequim (item ii). Com base nessas como competição comercial e
referências, caberá ao candidato narrar escalada tarifária; competição
a ascensão internacional da China científ ico-tecnológica e disputa
no último meio século e descrever acerca de propriedade intelectual;
a distribuição do poder nas relações estranhamentos no Mar do Sul da China
internacionais do pós-Guerra Fria (reivindicações chinesas); aliança sino-
(1991-), da chamada “unipolaridade” à russa, inclusive no contexto do conflito
multipolaridade, propondo discussão na Ucrânia; altercações quanto à gestão
acerca do surgimento de hipotética da pandemia da Covid-19 (item viii).
nova bipolaridade, desta vez entre Essa complexidade – isto é, o fato de
EUA e China – não se espera que o que o relacionamento não se presta a
candidato emita juízo def initivo simplificações – deverá ser explorada
quanto à questão, senão que apresente pelo candidato , que poderá recorrer
os contornos da discussão (item iii). ao conceito de “interdependência
Para isso, será necessário comparar complexa”, desenvolvida pelos teóricos
a dinâmica bipolar que caracterizou norte-americanos Joseph Nye e Robert
a disputa ideológica e por zonas de Keohane, para demonstrar por que as
influência entre EUA e União Soviética múltiplas conexões entre EUA e China –
no período da Guerra Fria (1945-2011) especialmente o entrelaçamento entre
e o atual relacionamento entre EUA e as duas economias – poderiam tornar
China Popular. (item iv). O candidato um conflito armado direto entre essas
deve recorrer à história para retraçar duas potências menos provável do que

203
poderia sugerir a elaboração conceitual Será avaliada a capacidade do
de Allison; neste caso, a demonstração candidato de estabelecer uma tese e
de um paralelo com a dinâmica entre sustentá-la coerentemente. A avaliação
Alemanha imperial e Grã Bretanha às seguirá o critério comparativo (i.e.). A
vésperas da Primeira Guerra Mundial avaliação individual será feita de acordo
será bem acolhida (item ix). Finalmente, com a comparação do nível de outros
espera-se que o candidato apresente exercícios. Nesse sentido, embora
argumentação referente à inclinação o candidato possa ter respondido
de respectivamente China e EUA para de forma correta, abrangendo os
o conflito armado, tendo em vista o requisitos anteriormente indicados,
histórico de política externa e segurança sua nota poderá ser menor do que
e defesa das duas potências (item X). a atribuída a outros que f izerem
o exercício com maior qualidade
Q1. Abordar a contribuição de intelectual, acadêmica e formal.
Tucídides para o campo das Relações
Referências:
Internacionais. ALLISON, Graham. A caminho da guerra: os Estados
Unidos e a China conseguirão escapar da Armadilha
de Tucídides? 1. ed. Rio de Janeiro: Ed. Intrínseca, 2017.
Q2. Explorar o conceito de “Armadilha KISSINGER, Henry. White House Years: The first volume
de Tucídides” apresentado nas of his classic memoirs. New York: Simon & Schuster,
2011.
epígrafes. KISSINGER, Henry. Years of Renewal: The concluding
volume of his memoirs. New York: Simon & Schuster,
2011.
Q3. Descrever ascensão internacional KISSINGER, Henry. Years of Upheaval: The second volu-
da China e a distribuição de me of his classic memoirs. New York: Simon & Schuster,
2011.
poder nas relações internacionais KISSINGER, Henry. Sobre a China. 1. ed. Rio de Janeiro:
contemporâneas. Objetiva, 2011.

Q4. Comparar a dinâmica EUA versus


China à dinâmica EUA versus União
Soviética no decurso da Guerra Fria.

Q5. Apresentar histórico do


relacionamento EUA-China.

Q6. Descrever estado atual do


relacionamento EUA-China.

Q7. Apresentar os pontos de


convergência na referida relação
bilateral. Q8. Enumerar os irritantes no
relacionamento sino-americano.

Q9. Explicar por que o conceito de


“interdependência complexa” tornaria
mais improvável um conflito armado.
Q10. Contrastar a inclinação das
políticas externas da China e dos EUA
para um conflito armado.

204
Renato de ao modelo capitalista, poderia levar a
uma transição democrática no país.
Mendonça Neves Além disso, após o cisma sino-soviético,
29 a aproximação seria estratégica par
isolar a URSS no contexto da Guerra
TL – 90; Fria. A diplomacia do pingue-pongue
1235 palavras; a visita de Deng Xiaoping aos EUA são
13,7 palavras/linha indicativos do período.

A crescente rivalidade entre a De fato, com Deng Xiaoping, a china


República Popular da China (RPC e os instituía as Quatro modernizações,
Estados Unidos se desenha para ser o no intuito de ampliar o potencial
grande conflito geopolítico do século econômico chinês, com abertura parcial
XXI. Segundo a lógica da Armadilha de ao molde do “socialismo com feições
Tucídides, a célere ascensão econômica chinesas”. Contudo, eventos como o
e militar chinesa ameaçaria a posição massacre da praça da Paz Celestial,
hegemônica dos EUA, resultando, em duramente criticado pelos EUA e pelo
última medida, em um conflito direto. Ocidente, mostram que o controle
As relações sino-americanas vem político do PCC permanecia firme.
sofrendo tensionamentos crescentes
nos últimos anos, com clara mudança Mesmo assim, presidentes pós-Nixon
de postura americana em relação à mantiveram a postura de aproximação,
Doutrina Nixon adotada nos 1970. na crença da transição democrática.
Durante Clinton e George W. Bush,
A posição americana em relação à aceitou-se a adesão da China à OMC,
China era distinta no pós-Segunda bem como o reconhecimento do
Guerra. Com a vitória dos Aliados, país como economia de mercado. As
retomou-se a guerra civil chinesa, economias americanas e chinesa iam
f indando em 1949 com a vitória gradativamente complementando-
do Partido Comunista na China se, com o aproveitamento da mão de
Continental e o isolamento do obra barata chinesa para a montagem
Kuomitang em Taiwan. Os EUA, bem e fornecimento de componentes
como a ONU, não reconheceram o eletrônicos dos manufaturados
governo comunista, mantendo-se americanos. A postura também era
relações com Taiwan, que preservou benéfica para a China, que crescia e
o assento no Conselho de Segurança. modernizava-se com base na doutrina
Houve tensões entre EUA e a China de ascensão pacífica.
Continental no contexto da Guerra da
Coreia, em que os países apoiavam A crise financeira de 2009 expôs
facções opostas. elementos de fragilidade na economia
americana, com efeitos negativos
A partir dos anos 1970, iniciou-se espalhando-se especialmente nas
movimento de reconhecimento da economias centrais. Ao mesmo
RPC. Adotando-se a política de Uma Só tempo, China e demais emergentes
China, países passaram a reconhecer foram menos afetados, aumentando
o governo comunista em detrimento sua importância econômica e política
de Taiwan. A RPC também retoma o relativa, por organismos como o BRICS
assento permanente no CSNU. Nos e o G20 financeiro. A célere ascensão
EUA, estabelece-se a Doutrina Nixon, chinesa torna o país, inclusive,
segundo a qual a aproximação com a principal parceiro comercial em países
RPC, com a experimentação chinesa que tinham os EUA como principal

205
parceiro. Politicamente, dissidências lidera um bloco antagonista aos
em questões como a guerra civil síria EUA: sua política externa baseia-se
demonstram a crescente influência na promoção do multilateralismo
chinesa para além do seu entorno. Em e em princípios de não ingerência
seu segundo governo, Barack Obama e respeito à soberania, adotando-
adota a estratégia do Pivô Asiático, a se postura de nova convivência
fim de conter a influência chinesa, harmônica. Apesar disso, a China
porém sem o conf ronto direto. sob Xi tem adotado postura de
Iniciativas como o TPP buscavam aumento do seu poderio militar, em
atrair economicamente países do especial em seu entorno no Mar do
entorno chinês, isolando-a. Ao mesmo Sul da China, a fim de garantir sua
tempo, o presidente Xi Jinping banca a soberania sobre a chamada “linha
iniciativa Cinturão e Rota, cujos capitais dos nove traços”, algo que não é
de quase US$ 1 trilhão almejam dar reconhecido mundialmente. Além
novo salto qualitativo na participação disso, a China também expandiu
chinesa no globo. seu poder econômico na América
Latina e África, regiões de habitual
Com o governo Trump (2016-2020) influência americana.
adota-se postura clara de inflexão
contra a RPC. Como mostra a tese Com base nessa configuração de
de Allison Graham, a parceria sino- ameaça, Trump adotou várias posturas
americana não pareceu modificar o reativas e de enfrentamento à China.
regime chinês. Pelo contrário: haveria Na economia, iniciou o processo de
possivelmente ameaça à segurança “decoupling”, orientando empresas
americana. É nesse sentido que a reduzirem sua participação na
Trump classifica a China e a Rússia China e retornar suas estruturas
como potências rivais no Relatório de para o território americano. Adotou
Segurança, inaugurando uma nova imposições tarifárias, iniciando uma
era de “competição entre grandes guerra comercial com efeitos em todo
potências”. Alguns teóricos chegam mundo. E acusou a China de violações
a tratar a rivalidade sino-americana generalizadas de direitos humanos,
como uma “nova Guerra Fria”. De em especial no Tibet, em Hong Kong
fato, há paralelos: trata-se de embate e em Xijiang, onde o secretário de
entre uma nação capitalista e uma Estado Mike Pompeo classificou as
comunista; ambas são nuclearmente políticas chinesas como genocidas.
armadas; há diferenças culturais Em sua chegada ao governo, o
relevantes entre Ocidente e Oriente. democrata Joe Biden não adotou
Contudo, muitos fatores tornam a o mesmo tom de enf rentamento
conjuntura atual especialmente direto, mas manteve as políticas de
delicada: apesar de comunista a isolamento econômico e político. Além
China é amplamente integrada ao disso, Joe Biden vale-se do sistema
mercado global, sendo, inclusive, de alianças americanas para conter a
o principal parceiro econômico China no Pacífico, há estratégias como
americano, o que nunca foi o caso o Quad, o “diamante democrático” de
da URSS. O arsenal nuclear chinês, contenção com EUA, Índia, Japão e
ademais, é efetivamente muito Austrália; e a Aliança AUKUS, recém-
menor que o americano e o russo, anunciada entre EUA, Reino Unido e
o que faz a China se recusar a ser Austrália, prevendo o fornecimento
incluída na revisão de acordos de de submarinos nucleares americanos
desarmamento, como o de mísseis para a Austrália, no lugar dos franceses.
intermediários. A China tampouco Na União Europeia, os EUA lograram

206
convencer diversos países a não Anônimo
adotar a tecnologia 5G chinesa, sob
acusação de risco de espionagem. Os 27
EUA também acusam os chineses de
roubar propriedade intelectual em TL – 90;
seus programas tecnológicos. 1047 palavras;
11,6 palavras/linha
Com o crescente afastamento
entre EUA e RPC, cresce o risco de A Armadilha de Tucídides é um
que a “Armadilha de Tucídides” se importante conceito realista para
torne uma profecia autorrealizável. analisar o comportamento de uma
Sem mecanismos do diálogo entre potência hegemônica (Estados Unidos)
as duas potências, como existiam na em relação à emergência de uma nova
Guerra Fria (o “telefone vermelho”), potência no sistema internacional
riscos menores podem escalonar (China). Com o fim da Guerra Fria,
rapidamente. Além disso, com a os Estados Unidos emergiram como
postura americana de isolamento grande potência vencedora do ponto
da China, cresce sua aproximação da de vista político, com a consagração
Rússia, ameaçando a criação de um do modelo liberal-democrático, e
bloco antagônico sino-russo. O recente do ponto de vista econômico, com a
conflito na Ucrânia, no qual a China afirmação do capitalismo de mercado,
apoia a Rússia tacitamente, aumenta perfazendo uma ordem que alguns
os temores de que Pequim realize analistas chamaram de uni-multipolar.
incursão militar de reanexação de Embora os EUA tenham-se sagrado
Taiwan. Esse é atualmente o principal uma potência hegemônica, deve-se
ponto de tensão entre os dois países, ressaltar que sua ordem passou a
com os EUA fornecendo armamento ser progressivamente questionada
à ilha e mantendo contatos próximos por países emergentes no final da
com a presidente taiwanesa, o que gera década de 1990 e até o início dos anos
reações de Pequim. Os EUA mantêm 2010, como a Índia, Rússia, Brasil e
postura dúbia se reagiriam a uma China. Esta logrou, por meio de êxitos
invasão de Taiwan, apesar de haver lei econômicos, científicos, políticos e
americana sobre o tema. Ainda não é militares, afirmar-se como verdadeira
claro se haverá um conflito direto entre potência em ascensão e encontra-se
EUA e China, mas a atual conjuntura de apta a contestar a posição americana
tensões prejudica a segurança global, consolidada em diversos domínios
afetando o bom funcionamento do como o geoestratégico, na defesa e
sistema internacional. O Brasil, como segurança, em ciência e tecnologia,
país que tem parceria estratégia com além do econômico.
ambos, deve exercer cautela com
os dois países, de modo a garantir a A emergência da China como
preservação dos interesses brasileiros potência revisionista, contudo, não
a preservação da paz e segurança. ocorreu imediatamente e, por muito
tempo, o seu desenvolvimento não
sofreu oposição americana, sendo até
mesmo incentivado. Com o final da
Segunda Guerra Mundial, os Estados
Unidos demoraram a reconhecer a
China continental como a verdadeira
detentora da personalidade jurídica
internacional do Estado que deveria

207
ocupar o assento no CSNU. Esta entrada de diversos produtos chineses
posição será ocupada pela China em solo americano, sendo em seguida
Insular (Taiwan) até precisamente retaliado pela sua contraparte asiática,
a mudança da posição americana, em episódio que f icou conhecido
advinda de constrangimentos do como Guerra Comercial (2019). Ainda
Cisma Sino-Soviético e da “diplomacia na dimensão econômica é possível
do ping-pong” de Nixon, a qual recordar as acusações americanas aos
via como oportuna a aproximação chineses de promoverem espionagem
com os chineses como contraponto industrial, fato que motivou a prisão
aos soviéticos. Dessa aproximação de empresária chinesa da Huawei no
inicialmente política, mas Canadá. As tentativas de formação
posteriormente deveras econômica, de blocos ou coalizões econômicas
a partir do governo de Deng Xiaoping, pelos EUA com países europeus e
que promoveu uma parcial abertura aliados são também uma relevante
ao capital estrangeiro, resulta que dimensão da estratégia americana em
diversas empresas americanas, sejam conter economicamente que a China
elas indústrias ou do setor de serviços capitaneie iniciativas de integração
e f inanças foram paulatinamente como a RCEP.
instalando-se em território chinês. Os
incentivos fornecidos pelo governo de No plano geoestratégico, os países
Pequim, além da mão de obra barata, competem por zonas de influência ao
estimularam maciços investimentos redor do mundo, como o Indo-Pacífico,
americanos no país. a África e a América Latina. Quanto
ao primeiro, espaço de disputa EUA-
A dimensão econômica do China por excelência, é possível citar
relacionamento é, assim, um dos uma série de iniciativas de ambos os
eixos centrais para compreender a lados. Os Estados Unidos têm firmado
sua dinâmica. Como primeira (EUA) e diversas parcerias com países da
segunda (China) economias mundiais, região ou que lá possuem territórios
os países detêm estoques enormes de para assegurar a cooperação em
investimentos um no outro. A China defesa e inteligência, com a finalidade
é, atualmente, o maior investidor alegada de manter um Indo-Pacífico
nos EUA, enquanto este também o livre. Entre elas incluem-se o QUAD
é para a China. O comércio bilateral (Índia, Austrália, Japão e EUA), além
também é expressivo, com os dois das iniciativas de inteligência com
países contando com quase 30% dos países anglófonos com o “five eyes”
fluxos mundiais. Há, portanto, uma e o AUKUS. A articulação americana
significativa dependência econômica com países da região do Mar do Sul
recíproca entre EUA e China. Contudo, da China, como Filipinas, Malásia,
apesar desse vultoso relacionamento Taiwan e Indonésia também faz parte
econômico e comercial, recentemente, da estratégia americana de contenção
aspectos sensíveis dessa dimensão têm chinesa em uma área historicamente
levantado preocupações em ambos disputa, mas encontra obstáculos na
os lados. Os EUA preocupam-se com relevância das trocas comerciais com
a dimensão de seu déficit comercial os chineses na balança comercial
com a China (o maior que possuem) e desses países. A China, por outro lado,
com a grande quantidade de “bonds” tem pretendido reclamar soberania
do governo americano detidos por sobre essa região (Spratly e Parecel),
Pequim. O desequilíbrio comercial tem além de exibir importantes projetos
sido tão grande que o ex-presidente econômicos para a região. Nesse
Donald Trump proibiu ou sobretaxou a tocante, deve-se ressaltar o projeto

208
Cinturão e Estrada (BRI), apelidado fornecedora de vacinas. Tecidas
de “nova rota da seda”, como essas considerações, o conceito de
grande iniciativa de investimentos “armadilha de Tucídides”, de Grahan
e inf raestrutura, cuja pretensão é Allison, revela-se deveras apropriado
construir uma rede de projetos de para descrever o relacionamento EUA-
infraestrutura do Extremo Oriente à China, embora não se deva esquecer
Europa (embora existam projetos na que os países detêm economias
África e na América Latina). interdependentes e importante
cooperação climática.
No que se refere à Áf rica como
palco de disputa, deve-se recordar os
maciços investimentos chineses em
inf raestrutura de países af ricanos,
os quais por muito tempo foram
negligenciados pelos EUA em função
das inseguranças políticas e sociais
do continente. Em contrapartida, há
a alegação americana de que a China
promove a “diplomacia da dívida”
junto a esses países, visando a exercer
maior influência. Já no que se refere
à América Latina, tradicional área
de influência americana, é possível
identif icar a China como principal
parceiro comercial de vários países da
região, como o Brasil. Com relação a
este, especificamente, a questão do
leilão da tecnologia 5G, entre 2019 e
2021, ilustra a disputa de interesses
entre China (querendo, através da
Huawei, aumentar seu mercado)
e Estados Unidos (com receio de
que a tecnologia seja utilizada para
espionagem).

Finalmente, há de se citar que o


relacionamento EUA-China se tem
revestido, no campo militar e de defesa,
como verdadeira Guerra Fria 2.0. Os
EUA têm pressionado para que os
chineses se vinculem a instrumentos
de não proliferação de armamentos. O
país também tem apoiado Taiwan em
seu pleito de soberania e Hong Kong
de autonomia. A China, por outro lado,
tem estabelecido relações próximas
com a Rússia, como manifestado
em comunicado sobre “parceria
duradoura”, além de se aproximar do
Paquistão (rival estratégico da Índia) e
de ter-se colocado como importante

209
Raíssa Guimarães “diplomacia do pingue-pongue”, H.
Kissinger buscou a reaproximação
Carvalho entre os países - tensionada após a
27 revolução comunista de 1949 -, com a
estratégia de se contrapor à URSS no
TL – 86; sistema internacional. Apesar de os
1071 palavras; EUA terem votado contra a RPC como
12,4 palavras/linha representante no CSNU, iniciou-se um
período de melhora no relacionamento,
As dinâmicas do relacionamento entre mesmo com divergências, como o caso
EUA e China são de extrema relevância de Taiwan. Posteriormente, durante
para as relações internacionais, por se o governo de Bill Clinton, em uma
tratar das duas maiores economias perspectiva liberal, buscou-se apoiar
do globo, membros permanentes do a integração da China às instituições
Conselho de Segurança da ONU e internacionais, a exemplo do apoio à
detentores de duas das maiores forças entrada da China na OMC. Essa postura
militares do mundo. Sob a ótica realista, será posteriormente revista por outros
a ascensão de uma potência contra- governos norte-americanos seguintes,
hegemônica poderá engendrar em como o de Donald Trump.
um conflito bélico com a potência
declinante, em um contexto que se Desde o processo de modernização
convencionou como “Armadilha de impulsionado por Deng Xiaoping, a
Tucídides”, por fazer referência ao China tem defendido a ideia de “um
conflito entre Esparta e Atenas. De fato, país, dois sistemas”, que propiciou sua
a rivalidade crescente entre Alemanha e ascensão econômica e geopolítica.
Grã-Bretanha foi um condicionante da Em recente discurso para o PCC, Xi
1a. GM, assim como a disputa entre EUA Jinping asseverou que a China obteve
e URSS, durante o período da Guerra êxito em seu primeiro objetivo - de
Fria, que quase resultou em um conflito ter uma economia capaz de propiciar
armado entre essas potências. Deve-se uma vida digna aos chineses -, de
pontuar, porém, que o relacionamento modo que o país almeja ser a maior
entre EUA e China é mais complexo economia do mundo em 2050 (o país
do que esses episódios anteriores, por já é em termos de poder de compra).
se tratar de potências que possuem Essa postura tenderá a exacerbar a
pontos de divergência, mas também rivalidade econômica entre EUA e
de convergência no relacionamento China. Ademais, a “diplomacia do
bilateral. Deve-se também asseverar lobo guerreiro”, utilizado pela China
que o encrudescimento de ao optar por um discurso diplomático
desconfianças, sob a perspectiva do mais altivo, principalmente durante
“Dilema de Segurança” de Herz, pode a pandemia de COVID-19, também
ocasionar a deterioração da dinâmica poderá ser um fator para o acirramento
entre esses países. Ademais, como de tensões entre EUA e China.
pontuou Mearsheimer, um provável
declínio chinês também pode resultar Durante o governo Obama, os EUA
no acirramento de tensões. Entre os procurou reorientar sua política externa
antecedentes do relacionamento para a Ásia, no que se convencionou
contemporâneo entre EUA e China, de “Pivot to Asia”. Obama almejou
está a aproximação bilateral ocorrida o fortalecimento de alianças com
durante a década de 1970, no governo países da região, a exemplo do
do presidente norte-americano apoio ao arranjo de cooperação
Nixon. No que se denominou de QUAD, entre Estados Unidos, Japão,

210
Índia e Austrália. Ademais, o acordo sobre os uighures. Além disso, sobre a
comercial TPP também teria como perspectiva de contenção à expansão
objetivo contrabalancear o avanço comercial chinesa, principalmente
econômico chinês sobre os países após a entrada em vigor do acordo
da região. Com o início do Governo comercial RCEP, o qual a China faz
Trump, os EUA adquirem uma postura parte, Biden recentemente anunciou
de maior confronto à China. Os EUA a negociação de um novo acordo
se retiram do TPP e passam a aplicar comercial com países da Ásia.
sanções a China, inaugurando uma
“guerra comercial” entre os países. A busca por uma contraposição à
Havia espacial atenção aos crescentes presença chinesa na Ásia também
déficits comerciais dos EUA em relação teve como resultado a recente aliança
à China. O governo Trump fazia críticas chamada AUKUS, entre Austrália,
à política comercial chinesa, que Reino Unido e Estados Unidos, para
utilizaria de um câmbio artificial, uso gerar ganhos em cooperação militar e
indevido de subsídios e de empresas a venda de armamentos bélicos entre
estatais e de violação de direitos de esses países. Biden também apoia o
propriedade intelectual acordados reforço ao arranjo QUAD, como forma
no TRIPS, no arcabouço da OMC. de contraposição à China.
Em 2020, os países chegaram a um
acordo a fim de equilibrar a dinâmica O relacionamento bilateral entre China
comercial bilateral. Trump também e EUA também sofreu deterioração após
fez críticas à China relacionadas ao a invasão russa à Ucrânia em fevereiro
início da pandemia de COVID. de 2022. Putin anunciava uma grande
aliança entre Rússia e China, o que foi
No governo Biden, a China continua interpretado pelos países ocidentais,
a ser considerada um país com principalmente por Biden, por uma
rivalidades econômicas e sistêmicas carta branca chinesa às ações de Putin.
face aos EUA. Biden não arrefece A China acusa os EUA de ter acirrado
as críticas dos EUA face às práticas as tensões sobre a questão ucraniana e
comerciais chinesas e defende uma critica a imposição unilateral de sanções,
reforma da OMC que revise pontos como sem a aprovação do CSNU, à Rússia.
o TED a países em desenvolvimento Para a China, as ações dos EUA apenas
e a reforma do órgão de apelação. exacerbam o conflito.
Ademais, permanecem as críticas
em relação à iniciativa chinesa “One Algumas convergências podem
Belt One Road” e a incursão chinesa também ser pontuadas. Há uma
em países africanos, o que os poderia grande presença de empresas norte-
colocar em uma “armadilha de dívida”. americanos na China e um grande fluxo
Em relação à Taiwan, apesar de os de investimentos chineses dos EUA, além
EUA tradicionalmente adotarem uma da detenção de títulos de dívida pública
postura de “ambiguidade estratégica”, norte-americana pelo governo chinês.
Biden recentemente afirmou que os Ademais, se a Rússia apresenta-se como
EUA poderiam intervir na ilha caso a ator que se opõe à ordem internacional
China autorizasse uma operação militar vigente, a China é mormente um ator
para reintegrar Taiwan ao território que busca reformá-la, como a revisão
chinês. Biden também reiterou críticas de cotas do FMI, a criação do AIIB e do
acerca das ações sobre Hong Kong NBD, no âmbito dos BRICS.
e sobre a província de Xinjiang, sob
a qual há acusação de violações de A relação entre China e EUA é
direitos humanos do regime chinês potencialmente conflituosa.

211
NOTA MÉDIA ocidentais. Contudo, a unipolaridade
do Sistema Internacional foi contestada
Liz Pinhata de Souza no século XXI, especialmente após
22,5 a Crise de 2008, com a emergência
da China como potência global e a
TL – 88; assertividade militar da Rússia no
968 palavras; espaço pós-soviético.
11 palavras/linha
Em termos econômicos, a China
EUA e China estão em uma disputa ameaça a hegemonia norte-americana
pela hegemonia global. A análise que sobre o comércio internacional. China
Tucídides fez da guerra entre Atenas e e EUA são os principais parceiros
Esparta foi uma das inspirações para o econômicos um do outro, e a relação
desenvolvimento da Teoria Realista das é deficitária para os EUA. Isso motivou
Relações Internacionais. Nos anos 1990, a escalada tarifária mútua no governo
a Teoria Neorrealista de Mearsheimer de Donald Trump. Tendo começado
preconizou que a paz é mantida pela como plataforma de exportações,
existência de um hegemon, nesse caso, hoje, a China produz tecnologia de
os EUA. Assim, a emergência da China ponta, domina o importante mercado
como potência econômica, política de semicondutores e faz pesados
e, crescentemente, militar estaria investimentos em tecnologia verde.
fadada a dar origem a um conflito O PIB por poder de compra chinês já
sistêmico, cujos polos seriam esses ultrapassa o dos EUA. Os investimentos
dois países. Até o presente momento, chineses no exterior crescem,
no entanto, a relação entre China e principalmente na Áf rica, mercado
EUA é marcada por críticas mútuas com enorme potencial de expansão, o
e conflitos comerciais que ainda não que gera as críticas americanas sobre
alcançaram temas de segurança. possíveis “armadilhas da dívida”. A
One Belt One Road Initiative tem
A relação entre EUA e República potencial para aumentar a influência
Popular da China (RPC) já começou chinesa – por meio de investimentos –
conflituosa. A RPC é resultado da sobre países de todos os continentes,
revolução comunista que alcançou o incluindo a América, tradicionalmente
poder nos primeiros anos da Guerra dentro da esfera de influência dos
Fria. Nessa época, sua existência EUA. A inciativa tem potencial para
motivou o envolvimento dos EUA aumentar a conectividade dentro
nas guerras da Coreia e do Vietnã, na do território chinês – favorecendo a
tentativa de impedir a formação de produtividade do país – e a capacidade
uma “cortina de bambu” semelhante de escoamento internacional da
à “cortina de ferro” na Europa. Em produção chinesa. A tentativa dos EUA
1971, os EUA, assim como o Brasil, de reduzir a influência da iniciativa
votaram contra a entrada da RPC na chinesa, o programa America Grows,
ONU e, somente em 1979, aquele país falhou, pois há países que participam
estabeleceu relações com a China. Nos das duas. A Nova Rota da Seda Digital,
anos 1990, em um contexto no qual baseada na tecnologia 5G chinesa,
parecia ter triunfado a teoria do “fim desencadeou a defesa, por parte dos
da história”, de Francis Fukuyama, os EUA, de empresas de 5G de seus
EUA incentivaram a entrada da China aliados, como a sueca Ericsson, para
em organismos multilaterais, como a tentar barrar a influência da China no
OMC, com o intuito de influenciá-la a campo da tecnologia.
adotar a democracia liberal nos moldes

212
China e EUA tecem críticas mútuas sua “amizade sem limites”, China e
um ao outro. Em organismos Rússia frequentemente promovem
multilaterais, os EUA criticam a exercícios militares conjuntos e
China por não seguirem as normas adotam posicionamentos comuns em
estabelecidas, como as relativas relação a conflitos estrangeiros, como
à transparência na OMC e na OMS a Guerra da Síria e a Crise Venezuelana.
(COVID-19). A China, em contrapartida, O fortalecimento do eixo Beijing-
d e fe n d e o “ m u l t i l a te ra l i s m o Moscou condiz com a ênfase que a
real”, mais inclusivo em relação a Rússia passou a conferir aos países
posicionamentos e interesses não asiáticos, como reação à expansão da
ocidentais. Os EUA denunciam UE sobre a Europa do Leste. A possível
as violações de direitos humanos oposição de uma enorme coalização
perpetradas pelo Estado chinês em euroasiática – que inclua o heartland
Xinjiang (perseguição a uigures), de Mackinder, o rimland de Spykeman
Taiwan e Hong Kong. A China defende, e o novo poder marítimo chinês, nos
tradicionalmente, a não intervenção, termos de Mahan – aos EUA têm
e sua diplomacia torna-se mais potencial para desencadear uma
assertiva (wolf warrior diplomacy). segunda Guerra Fria, a qual, segundo
alguns autores, já existe.
O incremento das forças armadas
chinesas preocupa os EUA . A emergência da China, potência
Tradicionalmente uma potência estatista não ocidental, surpreendeu
terrestre, a China hoje possui uma os defensores da hegemonia
das maiores marinhas do mundo. política, econômico e militar dos
O exercício chinês de poder sobre o EUA sobre o mundo. Nos últimos
Mar do Sul da China é criticado pelos anos, os EUA seguem influentes
EUA, que regularmente enviam internacionalmente, como a maior
navios militares para a região. A economia e maior potência militar do
mudança climática, e o consequente planeta. No entanto, suas tentativas de
descongelamento do Ártico, é um reduzir a influência da China sobre o
ponto de tensão na relação dos dois Sistema Internacional, a exemplo da
países, interessados em explorar “guerra comercial”, têm-se mostrado
recursos minerais e estabelecer ineficazes. Ainda não é possível afirmar
rotas de comércio na região. Os EUA se os desentendimentos ideológicos
tentaram, sem sucesso, a inclusão da e comerciais entre os dois países
China nas negociações sobre o Novo desencadearão um conflito, como
START, tratado de limitação de poder previsto por Mearsheimer, ou se a
nuclear com a Rússia. transição para a bipolaridade – ou até
unipolaridade chinesa – será pacífica.
A crescente aproximação entre China
e Rússia ameaça a hegemonia militar
e estratégica dos EUA. China e Rússia
convergem sobre a necessidade de
reforma da governança global, com
base no binômio representação-
eficácia, atuando juntas no BRICS e
no RIC. O relacionamento comercial
entre esses países é importante,
tendendo a crescer com a construção
(recentemente acordada) de gasodutos
e oleodutos entre eles. No âmbito de

213
MENOR NOTA assim, a China manteve fechamento
político, como evidenciou o Massacre
Anônimo na Praça da Paz Celestial na década
15,5 de 1990. Atualmente, contudo, o
crescimento da China tem sido
TL – 90; surpreendente e rivalizado fortemente
1082 palavras; com a economia americana. A China
12 palavras/linha é grande investidora, importadora
e exportadora mundial, além
O relacionamento entre Estados de ter obtido êxito em utilizar o
Unidos e China no período multilateralismo como estratégia
contemporâneo tem sido marcado de soft power e de diversif icação
por grandes disputas. Por um lado, de parcerias, sem alinhamentos
os Estados Unidos, desde meados do propriamente ideológicos.
século XX, principalmente após as
duas guerras mundiais, consagrou- A “Armadilha de Tucídites”,
se como a maior potência mundial, fortemente relacionada a teoria realista
tanto no aspecto econômico – como de relações internacionais, explica, em
evidenciam as conferências de grande parte, o incômodo dos Estados
Bretton Woods e a dominância do Unidos com o crescimento econômico
dólar – quanto no aspecto política e de e a ascensão política chinesa. Não
segurança. Após o fim da Guerra Fria, obstante, a competição por poder
a ordem mundial liberal e o modelo hegemônico não é suficiente para
democrático foram estabelecidos abarcar todos os elementos em jogo. O
como referência para o mundo, em que há é uma disputa sobre o modelo
lugar do sistema socialista e da política da nova ordem internacional, já que
autoritária. A vitória do liberalismo o fim da Guerra Fria havia decretado
endossou a tese neoliberal das relações a vitória das democracias, como
internacionais. Por outro lado, a China modelo propício ao desenvolvimento
percorreu caminho antagônico ao econômico, e da ordem liberal
dos Estados Unidos. A Revolução internacional, com maior abertura
Chinesa, em 1943, dividiu a China em econômica (a exemplo do Consenso de
República Popular da China, sob o Washington) e com menor intervenção
comando de Mao Tsé-Tung, e o Estado do Estado. A China, sendo governo
da China, representado por Taiwan. autoritário, com forte intervenção
Nas décadas seguintes, a RPC sofreu na economia e com supressão de
forte influência do socialismo russo, liberdades civis é, contudo, evidência
mas adotou o maoísmo como sistema contrária ao estabelecido no status
particular com foco na agricultura. A quo, sob liderança dos Estados Unidos.
partir da década de 1970, contudo,
as quatro revoluções econômicas A rivalidade entre Estados Unidos
da China (agricultura, comércio, e China abrange diversos âmbitos
energia, defesa) e a política de portas na atualidade. Quanto ao aspecto
abertas, concretizada pela criação de econômico, é notável que os países
zonas especiais de produção, gerou são os maiores parceiros comerciais
grande desenvolvimento na RPC, um do outro na contemporaneidade.
que também passou a estabelecer Contudo, o ex-presidente D. Trump
relações com os Estados Unidos, contestava a balança comercial
1974, com o Brasil, 1974, e ser aceita predominantemente negativa para
no Conselho de Segurança da ONU os Estados Unidos nos últimos anos.
como membro permanente. Ainda Esse entendimento gerou a atual

214
guerra comercial entre os países, critica a aproximação entre China e
que findavam a negociação da fase 1, Rússia, atentando para a formação de
para reequilibrar a balança comercial. um bloco euroasiático que mudaria a
Outrossim, cabe enfatizar a crítica dos configuração de poder. Por essa razão,
Estados Unidos à Organização Mundial os EUA tem (sic.) buscado cooperação
do Comércio, que não foi efetiva em crescente com o entorno asiático,
monitorar as medidas de liberalização em consonância com o pensamento
da China. Na verdade, a participação de Rimland, com países do Sudeste
chinesa no órgão, a partir de 2001, Asiático, Coreia do Sul, Austrália e
seria para uma função “pedagógica”, Japão. O Quad é representativo desse
para que a China deixasse de intervir movimento. Há também confronto
na economia. Isso não aconteceu e a em relação à delimitação do mar do
China vincula a instalação de empresas Sul da China. Desde o “Pivô Asiático”
no país à transferência de tecnologia. de Obama, o governo americano
Os EUA também criticam as vantagens defende a livre navegação no mar e se
dos países em desenvolvimento no propõe a defendê-lo, em consonância
órgão, já que nem todos eles estão no com a política “Estratégia Diamante”
mesmo patamar de desenvolvimento, do Shinzu Habe (sic.) [Shinzu Abe, ex-
mas aferem vantagens semelhantes. Primeiro Ministro do Japão. No aspecto
A rivalidade também abrange os político, o (sic.) Estados Unidos também
acordos megarregionais. A Parceria critica a diminuição da soberania
Transpacíf ica servia ao propósito relativa de Hong Kong, que tem sido
de aproximar os EUA dos países da alvo da política de integração territorial
ASEAN e do Sudeste Asiático, sem (“Uma só China”) chinesa. Ademais,
intromissão da China. Trump, contudo, critica a ausência de condenação mais
retirou os EUA do Acordo e a China, assertiva da China à Rússia, na recente
em contrapartida, firmou a Parceria guerra na Ucrânia, e se contrapõe ao
Regional Abrangente na região. apoio chinês a Maduro, na Venezuela.
Atualmente, o presidente Biden busca A China não reconhece Juan Guaidó
reverter essa situação propondo novo como líder do país. As controvérsias
acordo. Ainda nesse aspecto, os EUA também ocorrem no Conselho de
criticam a concentração produtiva Segurança, em que China e Rússia
concentrada (sic.) na China, decorrente tem vetado possíveis intervenções na
das cadeias globais de valor. Esse Síria, Venezuela e Ucrânia.
fator tornou os postos asiáticos mais
importantes que os do Atlântico e a No aspecto da segurança, os países
pandemia evidenciou ainda mais o têm rivalizado quanto a necessidade
risco de desindustrialização. Não à toa, o de comprometimento da China em
ex-presidente Donald Trump defendia acordos trilaterais de redução de
o retorno da produção industrial. armas nucleares. Esse foi um dos
motivos (sic.) que o ex-Presidente
Os EUA e a China também tem Trump usou para denunciar acordos
(sic.) discordado em outros âmbitos. de NFT com a Rússia e o de Arranha-
Os EUA criticam a Iniciativa Belt and Céus. Ademais, há fortes críticas às
Road chinesa, que visa a integração violações de direitos humanos na
intercontinental com Europa e China, principalmente à minoria uigu
África. Além de atrair os vizinhos do (sic.). Por fim, há também oposição
Atlântico, alerta sobre a “armadilha à adoção da rede 5G da Hawai (sic.),
do endividamento”, que tornaria os pois a China intervém fortemente na
países africanos mais dependentes da economia e pode colher dados dos
China. Ademais, no âmbito político, cidadãos americanos. Há iniciativa

215
entre EUA, Japão e Brasil, o JPED,
para fortalecer a democracia e
segurança-tecnológica. Assim, as
rivalidades entre China e EUA são uma
realidade no contexto internacional
contemporâneo e oferecem riscos à
estabilidade mundial.

216
o papel das relações com a África
Questão 03 na construção do paradigma
universalista da atuação internacional

do Brasil a partir dos anos de 1960;
Relatório de notas
Média Ampla Concorrência: 15,5
Média Pessoas com Deficiência: 16,3 os objetivos do Brasil nas relações
Média Candidatos Negros: 15,8 com os países do continente africano;

quatro formas de cooperação


em defesa presentes no Acordo
de Cooperação entre a República
Federativa do Brasil e a República
de Angola, no Domínio da Defesa, de
junho de 2010; e
MÉDIAS POR QUESITO
como as relações com a África estão
manifestadas na Política Nacional de
Defesa e na Estratégia Nacional de
Defesa de 2012.

Extensão do texto: até 60 linhas


[valor: 20,00 pontos]

Leia, com atenção, o


excerto a seguir.

A percepção de que a África poderia


representar uma dimensão privilegiada
para a política externa brasileira
emerge de forma emblemática na
década de 1960 [...].

RIBEIRO, Claudio Oliveira. As relações Brasil-África entre


os governos Collor e Itamar Franco. In: Revista Brasileira
de Ciência Política, 2009, pp. 289-329.

Tendo em vista a política externa


brasileira em relação aos países do
continente africano e considerando
que o excerto apresentado tem
caráter meramente motivador, redija
um texto dissertativo abordando,
necessariamente, os seguintes tópicos:

217
PADRÃO DE RESPOSTA Q4 e Q5. Além dos aspectos
mencionados, entre os objetivos do
Espera-se que o candidato redija Brasil nas relações com os países
o texto considerando os aspectos a do continente af ricano estão:
seguir. internacionalização de empresas
brasileiras, ampliação de exportações,
Q1 e Q2. As relações com países da estreitamento de laços políticos,
África, a partir dos anos de 1960, econômicos e culturais, fornceimento
foram relevantes para a construção de assistência de cooperação técnica,
do paradigma universalista da política para o desenvolvimento, apoio
externa brasileira, contribuindo para para projetos de política externa e
a diversificação e a ampliação do para candidaturas em organismos
alcance da inserção internacional do internacionais, assim como cooperação
País. Também, para o desenvolvimento em defesa.
de uma matriz de política externa
embasada na ideia de parcerias não Q6 e Q7. As formas de cooperação
excludentes com vistas à promoção da em defesa presentes no Acordo
própria autonomia. A cooperação com de Cooperação entre a República
países que apresentam problemas Federativa do Brasil e a República de
e vulnerabilidades relativamente Angola, no Domínio da Defesa, são:
similares contribuiu para ampliação a) visitas mútuas, entre as Partes, de
da capacidade de ação do Brasil, no delegações de alto nível, à entidades
sistema internacional, em conjunto civis e militares; b) reuniões entre
com desdobramentos do contexto instituições de defesa equivalentes;
internacional da segunda metade do e) formação de quadros e pessoal
século 20. As relações com os países técnico-militar, nos estabelecimentos
do continente africano representavam de ensino das Partes; d) intercâmbio
também um esforço no sentido de de instrutores e de estudantes de
diversificar as parcerias comerciais do País instituições militares; e) promoção de
e de autonomia no sistema internacional, ações conjuntas de treino e instrução
dimensões igualmente constitutivas do militar, exercícios militares conjuntos,
universalismo. Esses objetivos passaram a bem como a correspondente troca
integrar a atuação internacional do Brasil, de informação; f) participação em
ainda que com variações, e assumindo cursos teóricos e práticos, estágios,
formas específicas de acordo com conferências, seminários, debates
políticas e orientações de governos. e simpósios de interesse da defesa;
g) consultoria no domínio da
Q3. Com a Política Externa potenciação, emprego do armamento
Independente, o Brasil buscou ampliar e de técnica militar, como também
a sua base de relacionamentos para outras áreas de interesse militar e
além de seus eixos “tradicionais” técnico-militar; h) implementação
(América do Sul, Europa Ocidental e desenvolvimento de programas e
e Estados Unidos da América). O projetos de aplicação de tecnologia
País passou a abrir novas frentes de de defesa, com a possibilidade da
atuação internacional, na África, na participação de entidades militares
Ásia e no Oriente Médio – regiões em e civis de nível estratégico; i)
que, naquele momento, muitos países fornecimento, manutenção, reparação
acabavam de conquistar ou estavam e modernização de armamento
em processo de conquista de sua e técnica militar; j) realização de
independência formal na esteira do pesquisas científicas e trabalhos de
processo de descolonização. construção experimental para a criação,

218
produção de armamento e técnica Portuguesa (CPLP). O documento
militar; k) facilitação de iniciativas aponta que o Brasil atribui prioridade,
comerciais relativas a materiais e entre outros, aos países da África, em
serviços relacionados à área da defesa; especial aos da África Ocidental e
1) participação como observadores, em aos de língua portuguesa, buscando
manobras e outros exercícios militares aprofundar seus laços com esses países.
nacionais; m) visitas de navios de guerra
e aeronaves militares; n ) intercâmbio Será avaliada a capacidade do
de delegações e troca de experiências; candidato de estabelecer uma tese e
o ) organização e participação em sustentá-la coerentemente. A avaliação
eventos culturais e desportivos. seguirá o critério comparativo (i.e.). A
avaliação individual será feita de acordo
Q8. A Política Nacional de Defesa com a comparação do nível de outros
(PND) f ixa os objetivos da Defesa exercícios. Nesse sentido, embora
Nacional e orienta o Estado quanto o candidato possa ter respondido
ao que fazer para alcançá-los. A de forma correta, abrangendo os
Estratégia Nacional de Defesa (END) requisitos anteriormente indicados,
dispõe a respeito de como fazer o que sua nota poderá ser menor do que
foi estabelecido pela Política. A PND a atribuída a outros que f izerem
é o documento condicionante do o exercício com maior qualidade
planejamento de ações destinadas à intelectual, acadêmica e formal.
defesa nacional. Os termos do modelo
Referências:
de defesa propostos nos documentos BRASIL. Acordo de Cooperação entre a República Fe-
consideram a intensif icação da derativa do Brasil e a República de Angola no domínio
da Defesa. Brasília, 23 de junho. MRE. 2010b.
projeção do Brasil no concerto das BRASIL. Política Nacional de Defesa. Estratégia Nacio-
nações e sua maior inserção em nal de Defesa. Brasília, 2012.
OLIVEIRA, Henrique Altemani de. Política Externa Bra-
processos decisórios internacionais. sileira. São Paulo: Saraiva, 2005.
A edição de 2012 da PND e da END foi RIBEIRO, Claudio Oliveira. As relações Brasil-África
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realizada de maneira conjunta. sileira de Ciência Política, n. 1, 2009, pp. 289-329.
SEABRA, Pedro. A harder edge: reframing Brazil´s
power relation with Africa. Revista Brasileira de Políti-
Q9 e Q10. A Política Nacional de Defesa ca Internacional. v. 57, n. 1, 2014.
e a Estratégia Nacional de Defesa,
ambas de 2012, indicam que o País
visualiza um entorno estratégico que
extrapola a Região Sul-Americana
e inclui o Atlântico Sul e os países
lindeiros da África. Aponta que entre
os fatores que contribuem para
reduzir a possibilidade de conflitos no
entorno estratégico e de incremento
à participação brasileira no cenário
internacional estão: a intensificação da
cooperação e do comércio com países
da África, a consolidação da Zona de
Paz e de Cooperação do Atlântico Sul
(ZOPACAS), o diálogo continuado nas
mesas de interação inter-regionais em
instâncias como a Cúpula América do
Sul-África (ASA), no Fórum de Diálogo
Índia-Brasil-África do Sul (IBAS) e a
Comunidade de Países de Língua

219
Ana Cecília Sabbá brasileiros na região, e o aumento das
rotas marítimas e aéreas com a África
Colares do Sul.
18,5
É na década de 1970, no entanto,
TL – 60; que o paradigma africanista do Brasil
905 palavras; realmente se fortalece. No governo
15,1 palavras/linha Médici, o Brasil cria comissão de
comércio com a África do Sul, o périplo
Até 1960, as relações do Brasil com africano do chanceler Mario Gibson
a Áf rica eram difusas e de baixo Barboza entabula diversos acordos de
perf il. O paradigma af ricanista da cooperação técnica e cultural com os
PEB tem início com a Política Externa países visitados, e empresas brasileiras
Independente (PEI) e, desde então, começam a internacionalizar-se em
apesar de breves interrupções, a Angola. O governo Geisel representa a
importância das relações com a retomada definitiva do universalismo
África tem se mantido constante na da PEB e, nesse contexto, a África
diplomacia brasileira. assume relevância fulcral. O Brasil
abandona de vez a posição “zigue-
A PEI inaugura a “natural vocação zague” com relação ao colonialismo
africana” do Brasil e busca implementar português na ONU e a condenação do
relações mais robustas com os apartheid, e se aproxima com maior
países africanos, fundamental para intensidade da África negra. Ao dotar
a concretização de uma diplomacia postura pró-Palestina em momentos
mais autônoma e universalista, que como a votação da Resolução 3379,
o Brasil buscava adotar a partir de aproxima-se, também, dos países
então. Data do período a primeira árabes, e o comércio com a África
visita de um chanceler brasileiro, atinge novos patamares. Cabe notar
Afonso Arinos, ao continente, a ainda que, desde 1960, a concertação
criação da Divisão da África no MRE e com os países africanos em prol do
a nomeação de Raimundo de Souza desenvolvimento sempre aproximou
Dantas, o primeiro embaixador negro, o Brasil da Áf rica, realidade que
para chefiar a embaixada em Gana, se estende até os dias atuais. O
além de aberturas de embaixadas em universalismo da PEB se manteve
países como Senegal, Etiópia e Nigéria. no governo Figueiredo, mas, autores
Apesar do abandono da política como Amado Cervo caracterizam
af ricanista pelo governo Castello os anos 1990 como anos de
Branco (“passo fora da cadência”), e da “afropressimismo”, tendo em vista a
visão da África como relevante apenas relativa perda de importância africana
na proteção do “hemiciclo interior” do na balança comercial do Brasil. Os
Brasil, ainda no final dos anos 1960, no anos 2000, por sua vez, retomam a
governo Costa e Silva, são retomadas importância do continente para a PEB,
algumas medidas de aproximação do como revela a abertura de inúmeras
continente, que passam a reafirmar embaixadas, diversas visitas de alto
que o paradigma universalista da PEB nível ao continente, o crescimento do
tornar-se-ia política de Estado. Como comércio e a formação de inúmeras
exemplos dessa aproximação, pode- coalizões de geometria variável,
se citar abertura de embaixada no a exemplo do IBAS. O paradigma
Quênia, consultas junto à Comissão universalista, e o papel da África nisso,
Econômica para a África na ONU, a nunca mais foi posto de lado.
fim de aumentar os investimentos

220
Sombra Saraiva caracteriza as de Defesa, de 2012. O Atlântico Sul
relações do Brasil com o continente e os países atlânticos fazem parte
como “atlantismo brasileiro”, fazendo do entorno estratégico brasileiro, e
referência à forma diferenciada do país qualquer política de defesa do território
de manter relação com os africanos, não pode desconsiderar a proteção da
com base na cooperação, nas trocas imensa costa brasileira e da Amazônia
comerciais, na horizontalidade e na Azul. Assim, as relações com a África
concertação política. Assim, dentre os devem servir ao propósito também
objetivos do Brasil na sua relação com de proteger a f ronteira marítima
os países africanos estão a promoção do Brasil, e a produção de mísseis
ao desenvolvimento, o combate à A-Darter, em conjunto com a África
fome (por meio de programas como o do Sul, e exercícios militares conjuntos,
Fundo IBAS), a concertação em órgãos no âmbito do IBSAMAR, buscam servir
multilaterais, a cooperação Sul-Sul, a a esse propósito. O fato de a ZOPACAS
expansão do comércio (por meio da ter criado na região uma zona livre
assinatura de acordos de investimento, de armas nucleares e de o Brasil
de maior integração entre o Mercosul “construir cada vez mais pontes sobre
e os blocos africanos e da atuação do o Atlântico”, tornando-o gradualmente
setor privado nacional), e a consecução “mais Mediterrâneo” concretiza a
de projetos de defesa no entorno ideia da Política Nacional de Defesa
estratégico brasileiro, em especial, no em prol de um Atlântico Sul seguro
Atlântico Sul. e sem ameaças, como as existentes
atualmente no Golfo da Guiné.
Quanto ao tema de defesa, cabe
destaque o Acordo de Cooperação na
matéria com Angola, de 2010. O Acordo
prevê diversas formas de cooperação,
dentre as quais, o combate a crimes
no Atlântico do Sul, como tráf ico
de drogas e pirataria, exercícios
militares conjuntos, intercâmbios
entre of iciais da Marinha dos dois
países nas respectivas escolas navais
(à semelhança da formação de mais
de mil militares da Namíbia na escola
naval brasileira), compartilhamento
de informações e ajuda mútua para
o levantamento das plataformas
continentais. Nesse contexto, cabe
destaque o acesso gratuito outorgado
pelo Brasil das imagens dos satélites
CBERS a países af ricanos, que
pode em muito contribuir para o
compartilhamento de informações e
combate ao crime.

As relações com a África assumem,


assim, importância fundamental
na estratégia de defesa do Brasil, tal
como manifestado na Política Nacional
de Defesa e na Estratégia Nacional

221
Gabriela Barcelos conflitos na região do Atlântico Sul. Nos
anos 1990, houve a criação da CPLP,
Tamoio Costa junto a países de língua portuguesa
18,5 e que, dessa forma, compartilham
importante passado histórico com
TL – 60; o Brasil. Nos anos 2000, houve a
639 palavras; criação do IBAS, que reúne Índia,
10,6 palavras/linha Brasil e África do Sul na coordenação
de posições em defesa do meio
De fato, como af irma Claudio ambiente. Mais recentemente, a África
Ribeiro, as relações entre Brasil e África do Sul foi incorporada ao BRICS como
ganham uma dimensão privilegiada representante do continente africano
na política externa brasileira a partir e importante potência emergência do
dos anos 1960. O Brasil, no contexto continente. Dadas essas iniciativas,
da política externa independente, pode-se dizer que os objetivos do
buscava a diversificação de parcerias, Brasil nas relações com a África são
aumentar o nível de autonomia tão variados quanto são os países que
nacional e, assim, tomar decisões mais compõem o continente. De forma
independentes em termos de política geral, há a coordenação política e
externa. Aproveitou-se, no período, cultural, a intensificação do comércio,
do lançamento do Movimento dos a cooperação técnica, a defesa do
Países Não-Alinhados, e, embora o Atlântico Sul e o estreitamento de
Brasil não fizesse parte, o movimento relações para a busca de posições
proporcionou certa margem de comuns em foros internacionais, todos
manobra ao país. Assim, há a visita podem ser considerados objetivos do
a países af ricanos e a criação do Brasil na relação com a África.
Departamento de África no Itamaraty,
durante o governo João Goulart. A cooperação em defesa é uma
Tal postura vai ser aprofundada no das modalidades mais importantes
período do Pragmatismo Responsável nas relações Brasil-África, do que é
e Ecumênico, com votos a favor das exemplo a formação e estruturação
independências de Angola e Guiné- da Marinha da Namíbia, realizada com
Bissau – a despeito da postura o apoio da Marinha do Brasil. Outro
portuguesa – e com o voto de importante exemplo de cooperação
condenação do apartheid e do em defesa é aquela estabelecida entre
sionismo, na ONU. Todas essas medidas Brasil e Angola, em 2010. O Acordo de
colaboraram para o estreitamento Cooperação estabelece quatro formas
de laços com países do continente de cooperação em defesa, quais sejam,
af ricano e para a construção de a cooperação técnica na formação de
confiança mútua entre os governos. oficiais e no estabelecimento de boas
Abria-se, com as relações africanas, práticas, o treinamento conjunto de
uma f rente não só de comércio algumas tropas dadas as similaridades
internacional, mas também de apoio territoriais e geográf icas entre os
na defesa de posições conjuntas em países, o reforço das estruturas de
foros internacionais. defesa do Atlântico Sul, notadamente,
a ZOPACAS, e a coordenação de
Desde então, as relações vêm se estratégias no tocante à região do
diversificando. Houve, nos anos 1980, Atlântico Sul.
o estabelecimento da ZOPACAS, por
resolução da ONU, que estabelece a
cooperação em defesa e ausência de

222
Dado o histórico de relações e a Vinicius Henrique
importância do continente africano
para o entorno estratégico brasileiro, a Fontana
África comparece de forma relevante 18,5
na Política Nacional de Defesa e na
Estratégia Nacional de Defesa de 2012. TL – 59;
O primeiro, mais antigo, é documento 550 palavras;
amplo que traça as orientações, as 9,3 palavras/linha
grandes linhas, da política de defesa
brasileira. O segundo, já revisado Até os anos 1960, o tratamento
algumas vezes, detalha como os que a política externa brasileira
grandes objetivos serão atingidos, dava aos países af ricanos era
é documento mais técnico voltado guiada pela percepção de uma
propriamente à estratégia militar. mera convergência histórico -
Na Política Nacional de Defesa, a cultural e pelo lusotropicalismo
África, mais especialmente a costa (valorização da sociedade criada
atlântica africana, aparece como uma pelos portugueses nos trópicos)
das regiões do entorno estratégico associados ao lobby português. Com
brasileiro, assim como o Atlântico Sul, a Política Externa Independente
que embora não se resuma à relação (PEI), idealizada no governo Jânio
com a África, tem nela importante Quadros por Afonso Arinos, o Brasil
elemento. Na Estratégia Nacional passa a defender a independência
de Defesa, são elencados os meios de países africanos com o discurso
de garantir a defesa do entorno de descolonização. O chanceler faz
estratégico, o que, no caso da África, um périplo pelo continente africano
passa pelo estreitamento das relações e o primeiro embaixador negro é
e cooperação militar, missões de nomeado para um posto em Gana
treino conjunto, reforço da ZOPACAS (Raimundo Dantas). A África passa a
e cooperação técnica. ser entendida como uma potencial
aliada em questões multilaterais e
como uma parceira comercial.

Entretanto, a política universalista


da PEI falha ao manter a defesa (ao
menos tácita, por meio da abstenção)
do colonialismo português. Essa
mudança virá com o Pragmatismo
Ecumênico e Responsável de Ernesto
Geisel e Azeredo da Silveira, que irão
reconhecer as independências de
Angola e Moçambique, mesmo com
governo comunistas e com o não
reconhecimento português, já que
as negociações ainda estavam em
andamento. Também há uma nova
condenação ao regime do apartheid
na resolução 3379 da AGNU, a qual, por
uma infelicidade histórica, também
condenou o sionismo como forma
de racismo, sendo revogada em 1991.
O Brasil lutou contra o regime do

223
apartheid apoiando outras resoluções O Acordo de Cooperação em Defesa
e negando-se a elevar sua legação em entre Angola e Brasil prevê uma série
Pretória ao status de embaixada. de formas de cooperação, dentre
elas: fornecimento de material bélico,
As aproximações com a Áf rica treinamento de tropas, exercícios
continuaram constantes ao longo dos conjuntos e troca de inteligência e
últimos anos, embora o fluxo comercial informações.
tenha arrefecido na última década. O
Brasil e seis países africanos fazem parte Em conclusão, os países do
da CPLP (juntamente com Portugal e continente africano são fundamentais
Timor-Leste), bem como há o arranjo para os objetivos brasileiros de defesa,
de cúpulas entre países da América do segurança, comércio e também
Sul e África (AFRAS), em processo de construção de capital político, já que
reativação. Com a África do Sul, o Brasil ocupam 54 assentos nas Nações
articula-se dentro dos BRICS, como Unidas e seriam fundamentais para
fórum de debates mais amplo, do IBAS garantir os dois terços necessários a
(inclusive com o projeto IBAS Ocean, uma reforma da Carta.
voltado à cooperação militar) e do BASIC
(voltado a negociações climáticas). O
continente africano é o maior destino de
cooperação enviada pelo brasil por meio
da ABC, como a fazenda experimental
da Embrapa no Mali e intercâmbios
técnicos como o Cotton-4.

Com relação à área de defesa,


o entorno brasileiro compreende
também a costa oeste da Áf rica,
como definido na Política Nacional de
Defesa. Assim, é necessário securitizar
a área, atuando contra ilícitos e
valorizando o status de área livre de
armas nucleares, reforçando a Zona
de Paz do Atlântico Sul (ZOPACAS),
criada por resolução da AGNU. Já a
Estratégia Nacional de Defesa, que
operacionaliza a PND, def ine três
domínios estratégicos: nuclear (para
fins pacíficos), espacial e cibernético.
Além disso, prevê a realização de
exercícios militares conjuntos com
países af ricanos, além de oferecer
treinamento a esses contingentes,
já que esses países são vistos como
parceiros no combate à ilícitos, como
a pirataria no golfo da Guiné e outras
áreas do Atlântico Sul.

224
NOTA MÉDIA ainda que tenha evitado as colônias
portuguesas para não melindrar o
André Delgado Freire relacionamento com Lisboa. Sob Geisel
15,5 e Silveira, já em 1974 o Brasil se livrou da
hipoteca do colonialismo português
TL – 60; e consolidou a virada af ricanista,
747 palavras; sendo pioneiro no reconhecimento
12,5 palavras/linha das independências da Guiné, de
Angola e de Moçambique. No período,
A política externa brasileira esteve, foram abertas diversas embaixadas
por muito tempo, afastada da África, em países africanos, abrindo as portas
mantida sob o jugo da colonização do continente para a política externa
europeia até meados do século brasileira e firmando o paradigma
XX. O continente africano, todavia, universalista em nossa atuação
representa hoje uma dimensão internacional. Os governos seguintes
privilegiada de nossa diplomacia, mantiveram sempre a África entre as
tendo em vista os laços históricos, prioridades do Brasil no exterior.
culturais e humanos que unem os dois
lados do Atlântico. Hodiernamente, as relações do Brasil
com os países africanos orientam-se
No contexto dos processos de por três eixos principais: promoção
descolonização afro-asiáticos nos anos dos laços econômicos-comerciais,
190 e 1960, abriram-se novas rentes cooperação em múltiplas áreas e
de atuação para a política externa coordenação política. O primeiro eixo
do Brasil. As relações com a África envolve a promoção do comércio
tiveram papel crucial na construção bilateral e dos investimentos mútuos. Os
do paradigma universalista da atuação mercados emergentes africanos têm
internacional brasileira. A Política grande potencial para a absorção de
Externa Independente propugnada produtos brasileiros e várias empresas
por Jânio Quadros e levada a cabo nacionais já possuem investimentos
pelos chanceleres Afonso Arinos signif icativos em países de Áf rica.
Melo Franco, San Tiago Dantas e O Acordo de Comércio Preferencial
Araújo Castro foi árdua defensora MERCOSUL-SACU converge com esse
da autodeterminação dos povos objetivo, bem como aquele de livre
africanos, explicitando essa posição comércio com o Egito firmado pelo
na Assembleia Geral da ONU. Durante bloco sul-americano.
a PEI, houve troca de visitas oficiais
entre o Brasil e líderes africanos coo Em termos de cooperação, o
Leopold Senghor do Senegal. Brasil é importante fornecedor de
cooperação técnica para países da
A curta duração da PEI e as África, com exemplos no campo da
turbulências políticas no Brasil agricultura, da saúde, educação e
atrasaram a consolidação de uma muitos outros coordenados pela
política africanista sólida. Foi somente ABC, em formato bi ou trilateral. Vale
nos anos 1970, com a atuação do lembrar o fornecimento recente de
chanceler Mario Gibson Barboza e, imagens satelitais à Moçambique
depois, de Azeredo da Silveira, que em auxílio à resposta às enchentes
se afirmou em definitivo uma “virada ocorridas naquele país, os projetos de
africanista” em nossa política externa. cotonicultura em países do Sahel ou
Gibson realizou em 1972 um “périplo”, a produção de medicamentos pela
em que visitou nove capitais africanas, Fiocruz também em Moçambique.

225
Na área da administração pública, o contribui para a segurança nacional.
Brasil é referência para muitos países O fortalecimento da ZOPACAS é
africanos. mencionado, reforçando a importância
da África para a defesa e para a política
Dentro da coordenação política, o externa do país.
Brasil visa promover a democracia
e o Estado de Direito, bem como o
respeito aos direitos humanos na
África. A participação brasileira em
missões de observação eleitoral
atesta essa atuação. A coordenação
militar expressa-se, por exemplo,
na construção da marinha da
Namíbia com apoio do Brasil ou no
desenvolvimento dos mísseis A-Darter
em conjunto com a África do Sul. A
CPLP é instrumento primordial de
coordenação com os seis países de
língua portuguesa no continente e
a dimensão da defesa está presente
na participação plena do Brasil no
Grupo G7++, voltando ao combate à
pirataria no Golfo da Guiné, bem como
no Acordo de Cooperação em Defesa
com Angola, de 2010.

O Acordo será revisado e


aprofundado, ao que tudo indica,
na próxima reunião de alto nível do
mecanismo Brasil-Angola, a ocorrer
em data próxima ainda em 2022. O
Tratado prevê cooperação em defesa
na forma de exercícios militares
conjuntos, compartilhamento de
informações de inteligência, inclusive
via Centro de Análises Estratégicas
da CPLP, intercâmbio de alunos em
formação nas respectivas escolas
militares e facilitação de serviços de
parte a parte na área militar.

As previsões do Acordo e a atuação


da política externa brasileira em
relação à África coadunam-se com os
objetivos e conceitos estabelecidos na
PND e na END de 2012. Os documentos
estruturantes da Defesa no Brasil
preveem a África e o Atlântico Sul
como partes do entorno estratégico
brasileiro, no qual a construção
de laços de conf iança e amizade

226
MENOR NOTA solidariedade ativa, perdoando dívidas
externas de países africanos, e Dilma
Anônimo defendeu o RWP e o IBAS na atuação
11,5 de missões de paz. Temer manteve a
lógica universalista com ampliação de
TL – 61; contatos para acesso a mercados da
910 palavras; África do Sul, por exemplo.
14,9 palavras/linha
Atualmente, a política externa
Sombra Saraiva descreve que as brasileira (PEB) pautada também
relações Brasil-África de 1950 a 1973 pelo paradigma universalista busca
foram caracterizadas por “ziguezague”, o desenvolvimento inter-regional
haja vista o balanceamento [sic] de conjunto. Participa de iniciativas
interesses com Portugal (salazarista) de defesa na lógica de paz positiva
e a África do Sul e os demais países (IBSAMAR), d e s e n vo l v i m e n to
do continente. Durante a Política tecnológico (míssil DART com África
Externa Independente (PEI), de Jânio do Sul), monitoramento de eleições
Quadros e Jango, houve a criação do (preside a conf iguração específ ica
Departamento de África, aprovação para Guiné-Bissau na CCP/ONU),
e voto favorável à Resolução 1514 na além de iniciativas multilaterais
ONU em prol da descolonização, de paz e segurança (monitorar o
missão do navio Custódio de Melo, Golfo da Guiné). É o país com mais
sob a lógica de afinidade histórico- embaixadas af ricanas da América
cultural, mas abstenção de resoluções Latina (mais de 30) e conta com
condenatórias específ icas ao decidido apoio na CPLP para difusão
apartheid. Castelo Branco fortalece e promoção da língua portuguesa,
relações comerciais com o continente sendo Luanda escolhida para uma das
em envio de missão comercial. Sob sedes do Instituto Guimarães Rosa.
lógica universalista, derivada também Em termos comerciais, o Brasil busca
do discurso dos 3Ds, de Araújo Castro diversificar suas fontes de suprimento
(1963), Costa e Silva engajou-se com de fertilizantes (Marrocos), além de
af ricanos em foros multilaterais reforçar parcerias tradicionais quanto
(UNCTAD), embora mantivesse o à exportação de bens da indústria
apoio ao colonialismo português de transformação e importação
veladamente. Em Médici, Gibson de óleos combustíveis (Argélia). O
Barboza protagonizou o Périplo para a continente é fonte estratégica de
África, sem visitar PALOPs. A mudança internacionalização de empresas
estrutural ocorreu de fato com brasileiras (Marcopolo e WEG, na África
Geisel, no Pragmatismo Responsável do Sul) e construção de infraestrutura
e Ecumênico, após a Revolução (corredor de Nacala e aeroporto de
dos Cravos (1974), ao ser o 1º país a Maputo, Moçambique). Além disso,
reconhecer as independências de em projeto de cooperação bilateral e
Guiné-Bissau, Moçambique e Angola trilateral constrói capacidades estatais
(Missão Ítalo Zappa), fugindo da lógica em experiências autorreplicáveis,
bipolar e em busca de novos mercados horizontais, demand-driven (exemplo
e fontes de petróleo. Figueiredo do PROSAVANA com Moçambique e
refutou a hipótese de construir uma Japão). Além disso, está presente em
OTAS, enquanto Sarney adotou 5 missões de paz no continente, com
sanções ao regime do apartheid, um force commander (MONUSCO),
propugnou pela criação da ZOPACAS cooperando na Agenda Mulheres,
e do IILP (1989). Lula teve postura de Paz e Segurança, além de concertar

227
esforços para a reforma do CSNU, costa da Namíbia até Benin). Além
ao apoiar a Declaração de Sirte, e disso, a escalada de conflitos pode
fortalecer a UA (apoio à ZCLCA). ocasionar aumento no número de
refugiados, utilizando a rota atlântica,
Haja vista a cooperação militar aumentando a necessidade de
tradicional brasileira com Angola, aquisição de informações. Ademais,
inclusive em missões de paz (UNAVEM-I rotas marítimas relevantes para o
e II), o Brasil coopera de diversas formas Brasil que margem a costa ocidental
com o governo de Luanda. Primeiro, africana podem ser afetados em caso
ele recebe of iciais angolanos para de distúrbios no patrulhamento da
treinamento de operações de paz, no defesa desses países. Assim, a atuação
âmbito dos centros de treinamento do IBSAMAR (“a onça, o leão e o tigre”)
do Exército e da Marinha. Segundo, serve como mecanismo dissuasório.
atua no provimento de insumos para Finalmente, o aumento da presença
a formação de police troops. Terceiro, de grupos terroristas (Boko Haram e
ajuda a fornecer insumos para o Estado Islâmico do Grande Saara) gera
patrulhamento de águas angolanas maciças violações de direitos humanos.
em exercícios militares com a África do Isso, aliado a redes de tráf icos de
Sul (IBSAMAR). Quarto, busca fortalecer pessoas, armas e animais, aumenta
a f ronteira nordeste angolana em o poder de grupos paraestatais que
vista da desestruturação fronteiriça podem prejudicar o funcionamento
do lado congolês. Quinto, apresenta estatal eficiente. Assim, verifica-se a
na formação de staff doutrinas de importância e prioridade atribuída
engajamento em conflitos. pela diplomacia e órgãos de defesa,
inclusive em composições 2+2, para
Conforme a Política Nacional de instar projetos de cooperação técnica,
Defesa (PND), a Estratégia Nacional humanitária e de defesa conjuntas
de Defesa (END) e o Livro Branco (A4P+), tendo sido as forças do Exército
de Defesa, o “entorno estratégico e Marinha indicadas para nível 2 e 3 do
brasileiro” é composto para além das sistema de prontidão CCP.
f ronteiras terrestres, das f ronteiras
molhadas do Atlântico Sul (“um rio
chamado Atlântico”) e da fronteira
oriental (que é formada pela costa
ocidental africana). Assim, é relevante
que o Brasil auxilie os países da África
Ocidental (Cedeao) e Austral (SACU,
além de Angola), pois a desestabilização
política nesses países pode levar a
reflexos negativos para o Brasil. A
pirataria no Golfo da Guiné, com desvio
e roubo de cargas, aumenta os custos
de f rete internacional, reduzindo
as perspectivas de fornecimento
sustentado de petróleo para o Brasil.
A atuação criminosa pode confluir
para o embaraço de operações em
plataformas de petróleo pós-sal e
pré-sal af ricana (o ridge atlântico
evidencia grandes reservas de hidratos
de metano e hidrocarbonetos na

228
NAÇÕES Unidas no Brasil. Brasileiros das forças de paz
concluem missão no Líbano após uma década de par-
Questão 04 ticipação. Centro de Imprensa das Nações Unidas no
Brasil. 2 de dezembro de 2020. Disponível em: <brasil.
un.org>. Acesso em: 30 abr. 2022.
Relatório de notas
Média Ampla Concorrência: 10,7 Considerando que o excerto
Média Pessoas com Deficiência: 8,5 apresentado tem caráter meramente
Média Candidatos Negros: 9,8
motivador, com base na conjuntura
mencionada, redija um texto
dissertativo comentando acerca do
papel desempenhado pelo Brasil
na FMT-UNIFIL, entre 2011 e 2020,
enquadrando-o no histórico brasileiro
de participação em operações de
MÉDIAS POR QUESITO manutenção da paz das Nações
Unidas, e elenque as prioridades
brasileiras em matéria de cooperação
naval e segurança marítima após a
retirada do contingente brasileiro da
missão da Organização das Nações
Unidas no Líbano.

Extensão do texto: até 60 linhas


[valor: 20,00 pontos]

Leia, com atenção, o


excerto a seguir.

Depois de quase uma década de


serviço na Força-Tarefa Marítima da
Força Interina das Nações Unidas no
Líbano (UNIFIL, na sigla em inglês)
auxiliando a Marinha Libanesa na
proteção das vastas águas territoriais
do país, os integrantes das forças de
paz da tripulação do navio da Marinha
do Brasil concluíram sua missão
com a UNIFIL e retornam para suas
casas nesta quarta-feira (2). Também
concluindo a missão da UNIFIL,
junto com mais de 200 marinheiros
brasileiros, estava o Navio-Capitânia da
FTM-UNIFIL, a Fragata Independência,
após nove meses de serviço.

229
PADRÃO DE RESPOSTA internacionais, com base na preferência
pela solução pacífica das controvérsias,
Espera-se que o candidato redija no respeito ao Direito Internacional
o texto considerando os aspectos a – obrigações contidas no art. 4 da
seguir. Constituição Federal de 1988, que
dispõe sobre os princípios que regem
A questão busca identif icar o as relações internacionais do Brasil – e
conhecimento do candidato em na opção pelo multilateralismo (item
relação ao protagonismo brasileiro v). É nesse contexto que o (a) candidato
desempenhado frente à Força-Tarefa (a) deverá fazer uma reconstituição da
Marítima (FMT) da Força Interina das participação brasileira em operações
Nações Unidas, no Líbano (UNIFIL), de manutenção da paz das Nações
entre 2011 e 2021, além de verificar se Unidas, destacando o emprego de
os postulantes à carreira diplomata trocas nas operações desdobradas
compreendem a importância da em Suez, Angola, Moçambique, Timor-
segurança marítima no Atlântico Sul Leste, Haiti e República Democrática
para a política externa. O (a) candidato do Congo (item vi). O Brasil é lar
(a) deverá contextualizar a criação da principal e mais numerosa
da UNIFIL no período da Guerra diáspora no mundo, contando com
Civil Libanesa (1975-1990) e o tenso aproximadamente sete a 10 milhões
relacionamento entre Líbano e Israel, de descendentes de libaneses em sua
que ocupou o Sul do país entre 1985 população. Essa dimensão humana do
e 2000 (item i). Na sequência, deverá relacionamento bilateral deverá ser
apontar a ampliação do mandato da ressaltada como elemento importante,
missão, por intermédio da Resolução no justificando a presença da Marinha
1.701/2006 do Conselho de Segurança do Brasil por prolongado período na
das Nações Unidas (CSNU), criando a FMT-UNIFIL (item vii). Finalmente, o (a)
FMT, após novas altercações na porção candidato deverá se referir à retirada
setentrional do território libanês entre, dos militares brasileiros do Líbano, no
de um lado, as Forças de Defesa início de 2020, após praticamente uma
de Israel (FDI) e, de outro, a milícia década ininterrupta, comandando o
Hezbollah, no verão de 2006 (item ii). componente naval da UNIFIL (item viii),
A FMT-UNIFIL é o único componente demonstrando a mudança de foco da
naval em operações de manutenção Marinha do Brasil para a cooperação
da paz em toda história da modalidade, naval, a segurança marítima e o
o que comprova seu caráter único combate aos ilícitos transnacionais no
e extraordinário, característica que Atlântico Sul (por exemplo, pirataria,
caberá ao(à) candidato(a) demonstrar tráfico de armas, narcóticos e pessoas;
(item iii). Aqui, deverá se referir à cessão pesca ilegal, não documentada e não
de meios navais – especialmente da regulamentada) – def inida como
nau-capitânia da Força-Tarefa, além parte integral do “entorno estratégico
de 200 militares da Marinha do Brasil brasileiro” pela Estratégia Nacional
– para patrulhar as áreas jurisdicionais de Defesa (END) (item ix). É exemplo
libanesas com vistas, principalmente, dessa mudança de foco a criação da
a coibir o contrabando de armas para Operação GUINEX-I (Golfo da Guiné),
o território do Líbano, contribuindo, que se vale dos mesmos meios navais
assim, para a estabilização do país anteriormente desdobrados na FMT-
(item iv). Deverá situar a disposição em UNIFIL (item x).
assumir a liderança da FMT-UNIFIL na
tradição brasileira em contribuir para
a manutenção da paz e da segurança

230
Q1. Contextualizar a criação da UNIFIL avaliação individual será feita de acordo
(1978) no contexto da Guerra Civil com a comparação do nível de outros
Libanesa. exercícios. Nesse sentido, embora
o candidato possa ter respondido
Q2. Abordar a ampliação do mandato de forma correta, abrangendo os
da UNIFIL após guerra no sul do Líbano requisitos anteriormente indicados,
(2006). sua nota poderá ser menor do que
a atribuída a outros que f izerem
Q3. Ressaltar o caráter único do o exercício com maior qualidade
componente naval da UNIFIL entre intelectual, acadêmica e formal.
outras operações de manutenção da
Referências:
paz das Nações Unidas. KENKEL, Kai Michael; MORAES, Rodrigo Fracalossi de.
O Brasil e as operações de paz em um mundo globali-
zado. 1. ed. Brasília: IPEA, 2012.
Q4. Descrever o papel desempenhado GOULART, Felipe Haddock Lobo; SCHERER, Lígia
pela Marinha do Brasil no Maria; VELOSO, Pedro Augusto Franco. Brasil-Líbano:
legado e futuro. 1. ed. Brasília: FUNAG, 2017.
patrulhamento das águas entre Líbano FISK, Robert. Pobre Nação. As Guerras Do Líbano No
e Israel no período. Século XX. 1. ed. Rio de Janeiro: Record, 2007.

Q5. Inserir protagonismo na FMT-


UNIFIL no histórico brasileiro de
contribuições com a manutenção da
paz e da segurança internacionais.

Q6. Apresentar a tradição brasileira


em Operações de manutenção da paz
das Nações Unidas, com referências
às operações empregadas em Suez,
Angola, Moçambique, Timor-Leste, Haiti
e República Democrática do Congo.

Q7. Aludir às relações históricas entre o


Brasil e o Líbano, especialmente diante
da importante diáspora libanesa no
Brasil.

Q8. Contextualizar a decisão de retirada


dos militares brasileiros da UNIFIL.

Q9. Comentar a mudança de foco


de atuação para o Atlântico do Sul.
Crescimento das atividades ilícitas no
Golfo da Guiné (pirataria, narcotráfico,
pesca ilegal).

Q10. Referir-se à criação da Operação


GUINEX-I.

Será avaliada a capacidade do


candidato de estabelecer uma tese e
sustentá-la coerentemente. A avaliação
seguirá o critério comparativo (i.e.). A

231
Felipe Pereira a lógica do A4P e A4P+, tendo sido
indicado para análise da configuração
15 específ ica para Guiné-Bissau e do
Golfo da Guiné.
TL – 60;
915 palavras; Em relação à FMT-UNIFIL, ela foi
15,3 palavras/linha
relevante, desde 2011, haja vista a
situação de guerra civil de 1975 a
A atuação brasileira em missões de 1990 no Líbano, desestruturação de
paz remonta a UNEF-I (1956). Desde infraestrutura, atuação estrangeira em
então, as Forças Armadas brasileiras lados opostos (Israel e Síria), elevado
têm aperfeiçoado a Doutrina de Defesa número de refugiados palestinos e,
Nacional e a Estratégia Nacional desde 2011, de sírios, além de atuação
de Defesa (END) para realidade do Hezbolá, considerado por alguns
contemporânea, de sorte que a atuação Estados europeus como terroristas.
da Força-Tarefa Marítima da Força A FMT-UNIFIL reforçou os laços
Interina das Nações Unidas (UNIFIL) humanitários históricos entre Brasil-
reflete o comprometimento brasileiro Líbano, sendo o Brasil o detentor da
com o trinômio paz, segurança e maior comunidade de descendentes
desenvolvimento. O Brasil se engajou libaneses do mundo, com raízes
em operações de paz em praticamente migratórias desde 1880 (cristãos em
todos os continentes ao longo de sua maioria) e da guerra civil (sobretudo
história. Com a descolonização africana, muçulmanos). A FMT-UNIFIL atuou para
atuou nas missões multidimensionais, a vigilância de águas mediterrâneas
do “Capítulo 6 e Meio” da Carta da ONU, e acesso livre e desimpedido de
autorizadas, em lógica da 1ª geração mercadorias e alimentos ao porto de
de missões de paz, que envolvem o Beirute. A FMT-UNIFIL patrulhou águas
consentimento das partes e uso da de modo a atuar como ferramental
fora somente em legítima defesa, dissuasório e ameaças terroristas
como no caso de Angola (UNAVEM (Estado Islâmico, Frente Al-Nusra),
I e II) e Moçambique (UNMOC), na identificação de minas subaquáticas
década de 1990. Atuou na construção e eventual desminagem, e dissuadir
de capacidades e instituições estatais pirataria internacional do Golfo de
no Timor Leste (UNTAET), com atuação Áden e Chifre da África. A FMT-UNIFIL
de Sérgio Vieira, no campo político atuou como intermediária para a
dessa missão de 3ª geração. Em cooperação humanitária, identificando
missões envolvendo desestruturação e analisando ameaças, como a
sociopolítica e ambiental, o Brasil contestação política na Revolução de
participou na MINUSTAH e MINUJUST 2019 e explosão do porto de Beirute em
no Haiti com emprego de milhares 2020. Mesmo com o fim da missão, a
de tropas. Tradicionalmente, o force Marinha brasileira continuou auxiliando
commander da MONUSCO, da o recebimento de alimentos, remédios
República Democrática do Congo, é e doações para o Líbano, de sorte que
brasileiro. Atualmente, o Brasil tem o desabastecimento e encarecimento
pessoal técnico, staff, em 5 missões de insumos básicos não prejudicasse
na África, participação com tropas em ainda mais Beirute.
missão da ONU no Chipre e esforço no
Líbano, mesmo com o fim da UNIFIL, Com o fim da FMT-UNIFIL, seguindo
em 2020. Além disso, o Brasil participa a END, as forças navais brasileiras
ativamente da CCP, desde sua criação devem fortalecer sua presença no
em 2005, na composição C.34, sob “entorno estratégico brasileiro”.

232
Para além da f ronteira terrestre, o e Príncipe e Angola. Além disso, a
entorno estratégico é conformado segurança marítima é relevante para
pelo Atlântico Sul (“um rio chamado se evitar que deposições de governo
Atlântico”) e pela fronteira leste (costa ganhem dimensões internacionais,
ocidental da África). No âmbito do destinando-se inclusive apoio para a
Atlântico Sul, há reforço à proteção estabilidade política em Guiné-Bissau.
da biodiversidade e enorme potencial
energético (eólico offshore, pré-sal Assim, observa-se que os laços
e reservas de hidratos de metano) e Brasil-África podem ser adensados,
mineral (terras raras) da Amazônia lembrando-se da iniciativa do
Azul. Do mesmo modo, o setor crítico navio Custódio de Melo, durante a
nuclear é relevante para atuação da década de 1960, para fortalecer as
Marinha, na construção do submarino relações comerciais inter-regionais.
nuclear (PROSUB), com cooperação A segurança marítima para a defesa
f rancesa e argentina, garantia do das rotas comerciais brasileiras no
tratado de TLATELOLCO (Atlântico Sul Atlântico Sul (para Caribe, América
como área livre de armas nucleares) do Norte, Ásia, Europa e Áf rica) é
e da ZOPACAS. A cooperação com o fundamental. Igualmente, as missões
IBAS em exercícios navais conjuntos científicas em apoio ao PROANTAR
(IBASMAR, “a onça, o tigre e o leão”) evidenciam a vontade de manutenção
ajuda a demonstrar o efeito dissuasório e cooperação científica em todos os
naval Além disso, há treinamento de continentes. O apoio de cooperação
pessoal para missões de paz (centro com a Marinha argentina também
de treinamento CoOpPazMar), auxilia na conformação de identidade
formando oficiais e tropas em doutrina sul-americana fortalecida, bem como
de engajamento de paz positiva. A no MERCOSUL.
def inição de força da Marinha em
nível 3 do sistema de prontidão da
CCP revela o esforço de melhoria de
portos e estratégias de mobilização.
Além disso, iniciativas de diálogo
bilateral 2+2 com países africanos pode
ser boa estratégia para avaliação de
desafios comuns na África Ocidental
(CEDEAO) e Austral (SACU, além de
Angola). A cooperação naval é sentida
em estratégias de modernização da
Marinha da Namíbia e para o combate
ao tráfico marítimo de armas, pessoas
e animais, além de combater a pirataria
no Golfo da Guiné. Do mesmo modo,
é relevante que a cooperação técnico-
militar esteja aliada a estratégias de
desenvolvimento nacional, evitando-
se que mais pessoas venham a aderir a
movimentos terroristas, como do Boko
Haram e Estado Islâmico do Grande
Saara. A cooperação naval tem sido
aventada em diálogo da CPLP, para
eventual modernização de Marinhas
e atuação em Cabo Verde, São Tomé

233
André Novo Viccini na posição do país, elevando muito seu
perfil na área da paz e da segurança
14,5 internacionais, constituindo a primeira
operação com mandato baseado no
TL – 58 linhas; Cap. VII da Carta da ONU de que o
656 palavras; Brasil participou. As justificativas para
11,3 palavras/linha
essa participação em operação robusta
concernem à preocupação primordial
A Força Interina das Nações Unidas da MINUSTAH com o desenvolvimento
no Líbano (UNIFIL) é uma operação de do Haiti e com a reconstrução do país
paz da ONU criada na década de 1970 após os conflitos e mesmo durante. O
no contexto dos conflitos no país entre Brasil mantém, assim, seus princípios de
facções civis, com envolvimento nesses não intervenção, de defesa da paz e de
conflitos de países vizinhos como Israel preocupação com o desenvolvimento
e Irã. Às tarefas de monitoramento ao participar de missões robustas
das fronteiras e verificação de retirada multidimensionais sob mandato do Cap.
de forças estrangeiras do território VII da Carta da ONU. A atuação do Brasil
libanês foram acrescidas, após novo em outras missões, como a MONUSCO
conflito envolvendo grupos rivais e (cujo comando militar exerceu de 2013
Israel, em 2006, funções mais robustas a 2015 e desde 2018), a MINUSCA, a
à missão, com significativo aumento UNFICYP, a UNMISS e a UNIFIL baseiam-
de efetivos militares e criação de uma se igualmente nessas premissas.
Força-Tarefa Marítima para patrulhar
as águas territoriais do Líbano. A À f rente da FTM-UNIFIL, o Brasil
FTM-UNIFIL esteve inicialmente sob atuou para o patrulhamento das águas
comando de países membros da territoriais libanesas, para a busca e
OTAN, mas, a partir de 2011, o Brasil apreensão de navios suspeitos de
envia nau-capitânia e efetivos militares carregar armamentos ilegais (quando
para assumir esse comando. autorizado) e para o exercício de
resgates humanitários, como no caso
O Brasil, até então, não participava da de naufrágios, inclusive envolvendo
UNIFIL, mas tinha atuação importante imigrantes. Na missão, não só as tropas
em diversas outras missões de paz, as foram de fundamental importância,
quais lhe forneceram a experiência senão também os especialistas e
necessária para uma ação bem- oficiais brasileiros. As naus-capitânias,
sucedida à frente da FTM, apesar de também, durante todo o período, foram
esta ser a primeira operação de paz com brasileiras. Chegou-se a contar com
componente marítimo da ONU. Com mais de 200 tropas na operação em
efeito, o Brasil participa de missões de determinados momentos, atingindo
paz desde que enviou o Batalhão de os milhares os participantes. É de notar
Suez, sob o comando de Paiva Chaves, a importância tanto do CCOPAB, o
à UNEF, em 1956. Atuou, depois disso, centro de operações de paz do Exército,
em diversas outras missões de paz, seja como do centro de operações de paz
de primeira (UNIPOM, UNFICYP, ONUC), naval brasileiro no treinamento e
de segunda (UNAVEM, ONUMOZ), de preparação desses efetivos.
terceira (UNTAET) ou de quarta geração
(MINUSTAH, MONUSCO, MINUSCA). A Com a retirada da nau-capitânia
participação na MINUSTAH, da qual do Brasil em dezembro de 2020, o
comandou o componente militar desde comando da FTM-UNIFIL passou,
sua criação, em 2004, até seu término, em no início de 2021, para a Alemanha.
2017, representou mudança importante A decisão brasileira justifica-se pela

234
necessidade de manutenção dos Fernanda Brandão
navios brasileiros e de sua concentração
no entorno estratégico do Atlântico de Souza
Sul, em contexto de restrições 13,5
orçamentárias. Após a retirada do
contingente, as prioridades do Brasil TL – 60;
passam a ser, assim, a defesa desse 555 palavras;
entorno, atuando contra a pirataria 9,25 palavras/linha
no Golfo da Guiné, garantindo o
comércio marítimo no Atlântico Sul, O Brasil participou ativamente dos
monitorando a Amazônia Azul, onde se esforços da Força-Tarefa Marítima da
situam grande quantidade de recursos Força Interina das Nações Unidas no
estratégicos vivos e minerais, como o Líbano (FTM-UNIFIL), ao longo dos anos
pré-sal, patrulhando a costa brasileira, entre 2011 e 2020. Mesmo após a retirada
para combater ilícitos e cooperando expressiva de tropas brasileiras, ainda
com países da costa africana, como a há presença residual de brasileiros na
Namíbia, a Guiné e Angola, inclusive UNIFIL, conforme consta nos registros
no âmbito de organismos como a das missões de paz no sítio eletrônico
CPLP, no qual se organizam exercícios da ONU. A UNIFIL iniciou suas ações de
marítimos como o Felino. Participa o manutenção da paz na região libanesa,
Brasil também de exercícios como com o intuito de manter cessar-fogo
o OBAMEXPRESS [sic] e o IBSAMAR, entre tropas israelenses e membros do
com vistas a garantir a segurança do Hezbolá, que se confrontavam no sul
Atlântico Sul. do Líbano. Em que pese esse mandato
inicial e precípuo, as atribuições da
missão logo se estenderam para ações
de combate à pirataria e de controle de
tráfico de armas nas águas territoriais
do país.

Nesse contexto, o Brasil atuou na


UNIFIL entre 2011 e 2020, na liderança de
sua força-tarefa marítima e contribuindo
por meio da concessão da Nau Capitânia.
As tropas brasileiras, portanto, auxiliaram
a Marinha Libanesa na manutenção do
cessar-fogo e nas atividades de combate
à pirataria, ao tráfico e a outros ilícitos
internacionais. A participação brasileira
na UNIFIL enquadra-se nos esforços do
país de preservar a paz e a segurança
internacionais e de auxiliar nações em
desenvolvimento a prosperarem em
contexto de maior estabilidade. Além
disso, a atuação brasileira concorre para
os esforços diplomáticos de manter a
relevância internacional do país como
um ator global e apto a ocupar um
assento permanente no Conselho de
Segurança das Nações Unidas.

235
Atualmente, o Brasil contribui a paz e, por conseguinte, viabiliza
com tropas para MONUSCO, UNIFA, o desenvolvimento de diversas
MINURSO, UNMISS, UNIFICYP e, nações emergentes que necessitam
residualmente, para a UNIFIL. Desse explorar recursos de fundo marinho
modo, apesar da retirada de agentes da e de estabilidade para promover seu
MINUSTAH, da qual o Brasil participou, progresso socioeconômico. Desse
na posição de liderança, entre 2004 modo, a cooperação naval e em missões
e 2017, a participação brasileira em de paz é vetor para a consecução do
missões de paz ainda é expressiva. fim último da diplomacia brasileira: a
A UNIFIL, nesse sentido, consistia promoção do desenvolvimento.
em mais um vetor da participação
brasileira na promoção da paz e da
segurança internacionais, com base
na Política Nacional de Defesa, na
Estratégia Nacional de Defesa e no
Livro Branco de Defesa Nacional.

A participação brasileira da UNIFIL


evidencia, ademais, o bom desempenho
dos militares nacionais e proporciona
a criação de laços socioculturais e a
projeção do “soft power” brasileiro.
Evidencia, adicionalmente, a prioridade
nacional em matéria de cooperação
naval. Hodiernamente, a cooperação
naval bilateral com países africanos
ou por meio da ZOPACAS (1986) é
fundamental para a promoção do
Atlântico Sul pacífico e livre de armas
nucleares. Além disso, possibilita o
combate à pirataria e ao tráfico no Golfo
da Guiné e em outras áreas sensíveis
em termos securitários. Outrossim, a
cooperação naval brasileira prioriza
a proteção dos recursos marinhos e
energéticos na plataforma continental
brasileira, a Amazônia Azul. Por isso, há
cooperação bilateral com a Namíbia
para a proteção de recursos comuns
relativos ao pré-sal.

Desse modo, em que pese a


retirada substantiva de tropas
brasileiras da UNIFIL, o Brasil ainda
apresenta forte atuação em matéria
de cooperação naval e de segurança
marítima no contexto regional e no
âmbito global. Realizar atividades que
favoreçam a segurança dos mares, a
preservação dos recursos marinhos
e dos recursos energéticos promove

236
NOTA MÉDIA entre Brasil e Líbano vão muito além
da presença da Marinha do Brasil,
Gabriela Barcelos sendo o Brasil país de escolha de vasto
Tamoio Costa contingente de migrantes libaneses.
10,5 Os militares brasileiros, por sua vez,
também foram muito bem acolhidos
no Líbano, tanto por seus habitantes
TL – 42;
quanto pela estrutura estabelecida
421 palavras;
10 palavras/linha pelo Itamaraty no país.

O Brasil destaca-se, historicamente, Assim, desde o f im da missão


por estar presente em diversas marítima no Líbano, a Marinha
operações de manutenção de paz brasileira tem trabalhado com ainda
da ONU. Desde a UNEF I, lançada mais intensidade na defesa da
no contexto da Crise de Suez, até Amazônia Azul, que equivale a quase
hodiernamente, com o Brasil sendo 50% do território brasileiro. A Marinha
parte em 7 das 12 operações de paz brasileira tem também colaborado
em curso, o país tem desempenhado com os vizinhos do Cone Sul em
importante papel. Particularmente exercícios conjuntos de treinamento,
após o fim da Guerra Fria, se, por um como o ocorrido no Uruguai. Há ainda
lado a quantidade de missões de paz o enfoque concedido ao Atlântico Sul e
da ONU aumentou expressivamente, aos parceiros no contexto da ZOPACAS
por outro, também a participação (Zona de Paz e Cooperação do
brasileira se tornou mais frequente. É Atlântico Sul), garantindo a segurança
reflexo da confiança na capacidade e do entorno estratégico brasileiro e do
conhecimento de campo desenvolvido Atlântico Sul como um todo. A Marinha
pelo Brasil a liderança militar no do Brasil também tem estabelecido
contexto da MINUSTAH. Tal liderança formas de cooperação para coibir o
foi exercida durante todo o período de tráfico e a pirataria no Golfo da Guiné.
implementação da missão, entre 2003
e 2017. Trata-se de missão complexa, O histórico de atuação da Marinha
envolvendo não apenas intervenção brasileira e do país como um todo é
militar, mas também todo um esforço importante trunfo para a credibilidade
de reconstrução das capacidades internacional do Brasil. A ação
políticas e sociais do país. em coerência com os princípios
estabelecidos na Constituição Federal
No contexto da UNIFIL, o Brasil foi de 1988 é uma forte credencial para
responsável pela liderança da Força- uma atuação brasileira ainda mais
Tarefa Marítima durante quase 10 anos. ativa no plano internacional.
A missão desempenhada pela força-
tarefa buscava proteger o litoral libanês
(aproximadamente 200km) e impedir
o tráfico de armas e entorpecentes.
Os militares brasileiros eram,
notadamente, parte de um esforço
mais amplo, no qual há também
forças terrestres estrategicamente
posicionadas em zonas propensas a
conflitos entre Líbano e Israel. Cabe,
no entanto, ressaltar, que as relações

237
MENOR NOTA o Brasil deveria privilegiar a segurança
interna, regional e hemisférica em um
Anônimo contexto de bipolaridade (teoria dos
6 círculos concêntricos). Nesse sentido, a
participação numérica absoluta do país
TL – 60; em operações de paz cairá, refletindo
606 palavras; as preocupações acima citadas.
10,1 palavras/linha
A Redemocratização, por sua
Desde a criação da ONU, e dos vez, imprimirá um novo ritmo na
debates que subsidiaram a existência inserção internacional do país e em
das operações de paz, o Brasil tem sua participação em operações de
exercido papel de relevância. Muito paz. Em um contexto de “renovação
embora as operações de paz não de credenciais” e de reflexões acerca
estejam expressamente previstas novas espécies de operações de paz,
na Carta da ONU, elas puderam ser como peace-keeping, peace-making,
concebidas pelo que o ex-Secretário peace-building e peace-enforcement,
Geral da ONU, Dag H., chamou de o país habilitou-se novamente a atuar
capítulo 6,5 da Carta da ONY. O próprio de maneira assertiva no sistema
início da atuação da ONU, e de seu internacional. Nesse diapasão, o país
CSNU, como garantes da manutenção procurará participar de operações
da paz e da segurança internacional condizentes com os seus interesses
confundem-se com o histórico das estratégicos. Serão emblemáticas
operações de paz e da atuação do dessa atitude as missões em Angola,
Brasil nessa seara. Moçambique e Timor-Leste (UNAVEM
I e II, UNITA I e II, além da UNITAET).
A primeira operação de paz de
que o Brasil participará será a UNEF O avanço dos anos 2000, além
I. A operação visava a supervisionar a das discussões a respeito da
trégua entre árabes e israelenses, no responsabilidade de proteger (R2P) na
contexto das guerras decorrentes da Cúpula Mundial em 2055, promoverão
instalação de um Estado judeu em um aprofundamento da participação
território historicamente palestino. do Brasil em operações de paz.
Para o Brasil, participar em tal operação A atuação do Brasil no comando
representava sobretudo um símbolo da MINUSTAH e futuramente sua
de que o país se encontrava apto par ticipação na MINUSJUSTH
a participar ativamente da ordem consagram o Brasil como importante
internacional do pós-Guerra. Haverá garante da paz e da estabilidade
um intenso engajamento do país nas nas Américas. A quase uma década
décadas seguintes com as operações de Serviço na Força-Tarefa Marítima
de paz, sobretudo no Oriente Médio. da UNIFIL também credenciaram o
Em âmbito interamericano, com a OEA, Brasil como importante player para a
o Brasil, por exemplo, participará da paz no Oriente Médio. Além disso, o
Força Interamericana de Paz (FIP), que Brasil passou a manter presença ativa
intervirá na República Dominicana. no continente af ricano, conforme
demonstram a MONUSCO, a MINUSCA,
O período do Regime Militar, a UNAMID, a UNMISS e a MINURSO,
contudo, promoverá uma inflexão na em países como Congo, República
participação do país em operações Centro-Africana, Sudão e Sudão do Sul.
de paz, tendo em vista razões de
política interna e a percepção de que

238
Após a retirada do contingente
brasileiro na UNFIL, o Brasil tem
afirmado uma série de prioridades
em matéria de cooperação naval e
segurança marítima. O Brasil tem sido
um colaborador ativo na segurança
e estabilidade na região do Golfo da
Guiné, local característico de pirataria.
O Brasil também tem realizado intensa
cooperação sob a égide da ZOPACAS,
com o objetivo de manter a segurança
no Atlântico Sul. São sintomáticos os
exercícios navais conjuntos com países
africanos (Namíbia e África do Sul).
Essas iniciativas demonstram que
manter o Atlântico Sul como uma zona
de paz é uma prioridade naval, assim
como a proteção da Amazônia Azul e
a estabilidade das rotas internacionais
de comércio (Golfo da Guiné). Não
se olvide, igualmente, a atuação na
plataforma continental (LEPLAC) com
a Namíbia.

239
Economia

240
Considerando que o excerto de
Questão 01 Simonsen e Werlang (1990) tem
caráter meramente motivador, redija

um texto dissertativo abordando,
Relatório de notas
Média Ampla Concorrência: 21 necessariamente, os seguintes
Média Pessoas com Deficiência: 13,5 tópicos:
Média Candidatos Negros: 14
as características da reciclagem
competitiva que os autores
mencionam;

o papel dos bancos privados


internacionais nesse processo;
MÉDIAS POR QUESITO os riscos percebidos desse tipo de
operação; e

os motivos para a formação de um


cartel de credores no início da década
de 1980.

Extensão do texto: até 60 linhas


[valor: 30,00 pontos]

Leia, com atenção, o


excerto a seguir.

A crise da dívida ocorreu no início


da década de 1980 e desestabilizou
muitas economias latino-americanas
e bancos privados internacionais.
Segundo Simonsen e Werlang
(1990, p. 460), “como a desfavorável
aritmética da dívida conduziu ao
colapso da reciclagem competitiva,
a sabedoria convencional diz que os
países devedores têm, agora, que
transferir recursos para o exterior
porque eles tomaram empréstimos
em excesso no final dos anos 70.”

SIMONSEN, M. H.; WERLANG, S. R. O problema da


dívida dos países em desenvolvimento: uma análise
via teoria dos jogos. In.: Revista Brasileira de Economia,
44(3), 1990, pp. 457-483, com adaptações.

241
PADRÃO DE RESPOSTA forma que dívidas privadas, o que
aumentou o risco para os credores.
Espera-se que o candidato redija
o texto considerando os aspectos a Q10. Por isso, foi estabelecido o cartel
seguir. de credores como forma de socializar
os riscos da operação de rolagem.
Q1. Ao longo das décadas de 1960 e
de 1970, a dívida externa de países Será avaliada a capacidade do
em desenvolvido era apontada candidato de estabelecer uma tese e
como sustentável. sustentá-la coerentemente. A avaliação
seguirá o critério comparativo (i.e.). A
Q2. Isso ocorria porque as taxas de avaliação individual será feita de acordo
crescimento das exportações dos com a comparação do nível de outros
países em desenvolvimento estavam exercícios. Nesse sentido, embora
acima das taxas de juros internacionais o candidato possa ter respondido
para os empréstimos a esses países. de forma correta, abrangendo os
requisitos anteriormente indicados,
Q3. O empréstimo oficial era percebido sua nota poderá ser menor do que
como lento e burocrático, de modo que a atribuída a outros que f izerem
o empréstimo bancário foi preferido o exercício com maior qualidade
pelos países e visto como de pouco intelectual, acadêmica e formal.
risco pelos bancos.
Referência: SIMONSEN, M. H.; WERLANG, S. R. O pro-
blema da dívida dos países em desenvolvimento: uma
Q4. Caso não tivessem contraído análise via teoria dos jogos. In.: Revista Brasileira de
Economia, 44(3), 1990, pp. 457-483.
esses empréstimos, os países em
desenvolvimento teriam sido forçados
a contrair suas importações de países
industriais, agravando a recessão após
o primeiro choque do petróleo.

Q5. Esse processo (de empréstimos


com bancos privados e rolagem
de dívida via tais bancos, e não por
canais oficiais) ficou conhecido como
reciclagem competitiva.

Q6. O aumento da taxa de juros em


dólar, que ocorreu nos anos de 1981 e
de 1982, modificou esse cenário.

Q7. Tal fato provocou o aumento das


relações juros versus exportação, em
1982, dos países em desenvolvimento.

Q8. O problema foi diagnosticado


como sendo de liquidez e não de
solvência, o que favorecia a rolagem
das dívidas.

Q9. Entretanto, dívida soberana não


apresenta efeito colateral da mesma
242
André Delgado Freire denominado reciclagem competitiva.
Nada mais era do que o sistema
29 financeiro funcionando como previsto,
direcionando os excessos de poupança
TL – 60; de alguns países para tomadores
838 palavras; de empréstimos interessados em
13,96 palavras/linha
investimentos externos para equilibrar
seus balanços de pagamentos e
Os anos 1970 viram o ápice do impulsionar seu crescimento.
modelo nacional-desenvolvimentista
baseado na industrialização por Os bancos privados, principalmente
substituição de importações no Brasil nos EUA e Europa, tiveram papel
e em toda a América Latina. O modelo, central nesse mecanismo. Em
baseado nas ideias cepalinas, segundo um ambiente de alta liquidez,
as quais a deterioração dos termos de emprestavam a juros baixos, porém
troca prejudicava o desenvolvimento flutuantes, para a América Latina,
dos países expor tadores de que então apresentava altas taxas de
commodities, pressupunha altas crescimento econômico. Os ativos do
taxas de investimento na indústria, sistema bancária em face dos países
muitas vezes superiores à capacidade latinos cresceu vertiginosamente ao
de poupança doméstica (pública e longo dos anos 1970. No Brasil, um
privada) desses países. O principal dos principais tomadores, estava em
entrave ao desenvolvimento durante curso o segundo Plano Nacional de
décadas havia sido a tendência Desenvolvimento (II PND) do governo
ao estrangulamento externo, Geisel, que colocou a economia em
decorrente da crescente necessidade “marcha forçada”, aumentando
de importação de bens de capital e aceleradamente o endividamento
insumos industriais. A solução para a externo, notadamente das empresas
escassez de divisas e de investimentos estatais, frente aos bancos privados
desde o final da década de 1960, vinha estrangeiros que intermediavam
na forma de poupança externa. a canalização dos petrodólares. Tal
endividamento acelerado continha
À alta liquidez do sistema financeiro riscos consideráveis, tanto pra credores
internacional somou-se, a partir de 1973, quanto para devedores.
o enorme volume de poupança obtido
pelos países da OPEP com o primeiro Os riscos percebidos desse tipo de
choque do petróleo. Ao quadriplicar o operação envolviam o fato de os juros
preço do barril, os países exportadores serem flutuantes, podendo levar ao
se viram diante de um grande volume aumento inesperado do custo das
de recursos, os chamados petrodólares. dívidas em caso de alteração das
Incapazes de absorver todo o excesso condições de liquidez internacional. O
de poupança em suas economias excesso de endividamento externo em
domésticas, tais países buscavam moeda estrangeira por parte de países
rentabilidade para esses recursos, em desenvolvimento ensejava riscos
aplicando-os nos bancos de países relacionados às variações cambiais
desenvolvidos, em franco processo em caso de desvalorização de suas
de internacionalização naquela moedas domésticas. O eventual aperto
mesma época. Os petrodólares eram, de liquidez poderia comprometer a
então, direcionados à empréstimos capacidade dos devedores de honrar
para os países em desenvolvimento seus compromissos com o serviço da
importadores de poupança, no processo dívida. Por fim, havia o risco sistêmico de

243
contaminação dos sistemas financeiros produto cartelizado, isto é, as dívidas.
nos países desenvolvidos em caso de Além disso, por meio da formação desse
insolvência e calote da dívida por parte cartel, reduziram seus riscos individuais
dos latinos, o que não seria exatamente associados ao calote dos devedores,
uma novidade na história. distribuindo entre si os prejuízos do
default e os custos das negociações.
Tais riscos se concretizaram a partir
de 1979 com o segundo choque do Conforme apontam Simonsen e
petróleo. O novo abrupto aumento Werlang, os países devedores tiveram
dos preços do barril desequilibrou que transferir recursos ao exterior, uma
rapidamente o setor externo de vez que haviam tomado empréstimos
diversos países, interrompendo o em excesso no final dos anos 1970. Os
projeto do II PND no Brasil. O primeiro a sacrifícios foram duradouros no caso do
decretar o calote foi o México em 1982, Brasil, que só equalizaria plenamente
espalhando o medo de contaminação sua dívida externa nos anos 2000,
e interrompendo abruptamente o quando se tornou um credor externo
fluxo de recursos aos países da região. líquido. A situação de outros países, a
Simultaneamente, o aumento das exemplo da Argentina, é reveladora
taxas de juros pelo FED de Paul Volcker, da desfavorável aritmética da dívida
com vistas a controle da inflação que e dos riscos da dívida externa.
afetava a economia norte-americana,
impôs custos adicionais à dívida
latino-americana, contraída, lembre-
se, a juros flutuantes. Nesse período,
o governo do presidente Figueiredo,
com Delfim Neto à frente da economia,
deu início a negociações com o FMI.
Em 1987, o governo Sarney decretaria
a moratória da dívida brasileira.

Diante da concretização do risco


sistêmico, dada a ameaça de defaults
generalizados, os bancos privados
credores organizaram-se no Clube de
Paris em um oligopólio cooperativo
de credores, visando a negociações
conjuntas. A formalização de um cartel
pressupõe um pequeno número de
ofertantes com controle de fatia
significativa do mercado e dispostos
a cooperar, em sua maioria, para
a manutenção de altos preços e a
garantia de lucros aos oligopolistas,
que passam a agir, em conjunto, com
o poder de um monopolista. No caso
da crise da dívida dos anos 1980, os
credores se uniram para assegurar
negociações vantajosas aos seus
interesses, mantendo sua capacidade
de extrair vantagens dos devedores
insolventes, os “consumidores” do

244
Ana Cecília Sabbá Nesse processo, como se pode
perceber, os bancos privados
Colares internacionais assumem importância
27,5 central, pois era por meio deles que
eram realizados os empréstimos. Com
TL – 52; pouca regulamentação e com baixa
617 palavras; (ou quase inexistente) avaliação de
11,86 palavras/linha risco, os bancos tornaram-se cada vez
mais vulneráveis ao não pagamento
A crise da dívida dos anos 1980 levou dos empréstimos e, quando a
à moratória de diversos países latino- impossibilidade de pagamento veio,
americanos nessa década, a exemplo ocasionada pelo 2º choque do
do México e do próprio Brasil. Pôs, ainda, petróleo, a necessidade de socorro aos
diversos bancos privados internacionais bancos levou ao próprio colapso do
em situação delicada e, até mesmo, sistema. Dessa primeira experiência,
pré-falimentar em determinados perceberam-se os riscos da aprovação
casos. Essa conjuntura econômica de empréstimos sem garantias, da
levou ao que Mario Simonsen e ausência de regulamentação bancária
Werlang caracterizam como “colapso sobre colchões mínimos de liquidez e
da reciclagem competitiva”. limites de alavancagem e da ausência
de agências de risco. Era preciso, pois,
A reciclagem competitiva consistia tornar os bancos mais resilientes a
em f inanciar o endividamento por crises, e data da década de 1980 a
meio de mais endividamento. Prática Convenção da Basileia I, que buscava
comum do Brasil ao menos desde servir a esse propósito. Ademais, o
o início da República, no contexto financiamento do endividamento por
do 1º choque do petróleo, de 1973, meio de mais empréstimos trouxe
foi a opção escolhida pelo país para à tona a vulnerabilidade do mundo
manter os níveis de crescimento em desenvolvimento a esse tipo de
econômico. Esse processo de operação, com crises inflacionárias que
reciclagem competitiva previa taxas se converteram em crises econômicas e
de juros flutuantes para os tomadores políticas, ao longo de toda a década de
de empréstimos e funcionou 1980, em diversos países do Sul Global.
enquanto ainda houve liquidez no
mercado f inanceiro internacional. Nesse contexto, formou-se um cartel
Era uma opção sobretudo dos de credores no início da década de
países em desenvolvimento, que 1980. O principal motivo que levou
podiam tomar empréstimos junto a essa formação foi o 2º choque
a bancos privados internacionais do petróleo, de 1979, tributário da
sem ter de dar muitas garantias ou diminuição da produção do produto
ter de se submeter às condições no Oriente Médio, devido à eclosão da
de austeridade f iscal normalmente Revolução Iraniana. A isso, somou-se
impostas pelo FMI para a tomada a decisão de Paul Volcker, à frente do
de empréstimos. O pagamento FED, de aumentar exponencialmente
dos juros e das amortizações a taxa de juros americana, a fim de
movimentavam o sistema financeiro controlar a inflação no país e voltar
e permitia que novos empréstimos a atrair investimentos externos.
fossem feitos, justif icando, assim, o A medida fez com que os juros
nome “reciclagem”. flutuantes das dívidas dos países em
desenvolvimento se multiplicassem, e
a dívida de muitos deles se tornassem

245
impagáveis, como foi o caso do Leonardo Maciura
Brasil. Assim, a impossibilidade de
pagamento (cunhada de “crise da Beltrame
dívida”), somada à falta de liquidez 27,5
do sistema financeiro internacional,
devido ao arrocho monetário do FED e TL – 60;
o fim da “reciclagem dos petrodólares”, 1023 palavras;
levou à falência de bancos privados 17,05 palavras/linha
internacionais e ao colapso do
sistema de reciclagem competitiva, A década de 1970 foi a origem de muitos
sendo requerido, dos países em problemas para países devedores,
desenvolvimento, que honrassem, especialmente países periféricos, os
então, com seus compromissos. Assim, quais sustentavam o seu processo de
surge um cartel de credores no início desenvolvimento em financiamentos
da década de 1980, que vai tentar impor internacionais. Conforme sustentam
regras mais rígidas para a contração Simonsen e Werlang, a crise da
de empréstimos, em especial, dos dívida da década de 1980 decorreu
países em desenvolvimento. da impossibilidade de se continuar
recorrendo à reciclagem competitiva,
A experiência da crise da dívida na convertendo a dependência externa
década de 1980 no Brasil colocou em em restrição externa.
pauta a viabilidade do crescimento por
meio do endividamento, assim como O fenômeno da reciclagem
a sustentabilidade dessa prática. Se a competitiva, amplamente utilizado
lição foi aprendida, talvez a década de durante a década de 1970, possui
1980 não tenha sido de todo “perdida”. algumas características peculiares.
Ao final da Guerra do Yom Kippur
(1973), os países árabes produtores
de petróleo resolveram restringir a
produção, o que ocasionou, em função
da alta demanda, grande aumento
nos preços. Muitas economias latino-
americanas, dentre as quais o Brasil,
adotavam políticas industrializantes de
substituição de importações, de modo
que eram altamente dependentes
da importação de petróleo e da
captação de empréstimos externos,
uma vez que havia ampla liquidez
no sistema financeiro internacional
no contexto do fim do padrão dólar-
ouro, decretado unilateralmente
pelos EUA em 1971. Com o 1º Choque
do Petróleo, o preço das importações
disparou, o que gerou deterioração
profunda no balanço de pagamentos
desses países. No entanto, ainda havia
muita liquidez no sistema financeiro
internacional, por conta da reciclagem
dos petrodólares, que possuía os
seguintes traços: países importadores

246
comparavam petróleo; países pedidos de socorro ao FMI. A moratória
produtores de petróleo depositavam mexicana contribuiu para agravar
os recursos advindo das exportações ainda mais a crise da dívida, devido ao
em bancos privados internacionais; “efeito contágio”. Os capitais sairiam
esses bancos emprestavam recursos maciçamente dos países periféricos,
aos países periféricos, para que retroalimentando a crise. Houve a
continuassem seus programas de quebra de muitos bancos privados
desenvolvimento. Essa situação se internacionais, enquanto alguns deles,
tornou insustentável no f inal da apoiados pelos governos nacionais,
década de 1970, com o 2º Choque sobreviveram e se tornariam grandes
do Petróleo e o aperto monetário credores dos países periféricos, aos
promovido pelo FED em 1979. Os países quais só restaria negociar planos de
devedores, a partir de então, passaram reestruturação da dívida, como o
a enfrentar dois grandes problemas: o Plano Brady, no caso do Brasil.
fim da liquidez no sistema financeiro
internacional e a alta dos juros de A re c i c l a g e m c o m p e t i t i va
forma quase generalizada. Como as apresentava muitos riscos percebidos.
dívidas eram a juros flutuantes, pós- De início, apostava na permanência
fixadas, a dívida externa se tornaria da liquidez no sistema f inanceiro
impagável. Além disso, a alta dos juros internacional, embora o sistema
nos EUA provocava fuga de capitais já desse sinais de desgaste. Além
dos países periféricos, ocasionando disso, confiava-se enormemente na
maior deterioração no balanço de maturação dos projetos industriais, os
pagamentos. A dependência externa quais tornariam os países periféricos
se convertia em restrição externa. exportadores de produtos de
maior valor agregado, revertendo
Os bancos privados internacionais, a tendência de déficit – esse foi o
como visto, tiveram papel central nesse caso, no Brasil, da “marcha forçada”
processo. Até o 2º Choque do Petróleo, de Geisel, em que se optou pelo
eram os principais destinos dos dólares crescimento com endividamento.
do petróleo e a principal origem dos Essa estratégia era arriscada porque
empréstimos para as economias a maturação seria um produto de
periféricas. Com o aperto monetário longo prazo, não impedindo as crises
e a alta dos juros, a dívida externa se da dívida. Outro risco diz respeito ao
tornaria impagável, culminando na colapso cambial, à desvalorização
crise da dívida na década de 1980, excessiva e ao incremento da inflação.
que f icou conhecida, em muitos Com efeito, a inflação, sobretudo de
países, como a “década perdida”. custos, foi um grande problema para
Subitamente, os bancos internacionais os países devedores, já que o preço
viam-se desestabilizados, pois dos insumos aumentava a passos
contavam com ativos e créditos largos. Para os bancos, os riscos eram,
podres que, aparentemente, não basicamente, de insolvência, o que
iriam recuperar. A expectativa era a tolhia a possibilidade de se fornecerem
de que a maturação no processo de créditos ilimitados. Por fim, voltando
ISI nos países devedores conduziria, aos países periféricos, a alta dos
eventualmente, ao pagamento de juros desestimulava o consumo e
empréstimos e ao reequilíbrio no o investimento e contribuía para o
balanço de pagamentos, mas, na ambiente de recessão, que tomou
prática, prevaleceu a moratória da conta dessas economias durante a
dívida externa, casos do México, década de 1980.
em 1982, e do Brasil, em 1987, e em

247
Em função desse cenário, os credores se a “década perdida” na América
internacionais optaram por formar um Latina, com sucessivas moratórias
cartel, no início da década de 1980. e calotes. No Brasil, Geisel optou
Um dos motivos para essa decisão foi pela “marcha forçada”, enquanto o
a possibilidade de adquirir maior força governo Figueiredo, após o fracasso
conjunta ante os países devedores, da estratégia de maxidesvalorização,
de modo a facilitar a imposição de teve de recorrer ao ajuste recessivo.
medidas mais rígidas e evitar que
alguns deles prejudicassem a outros
com posturas mais permissivas.
Outra razão é o fato de que muitos
desses bancos encontravam-se
enfraquecidos, à beira da insolvência,
de modo que não possuíam
alternativas senão negociar em
conjunto. Muitas dessas negociações
foram assumidas por governos e/
ou instituições internacionais, os
quais, a fim de reduzir os custos de
transação diante da multiplicidade
de credores, optaram pela formação
de um cartel de credores. Muitos
desses bancos privados internacionais,
nesse sentido, eram “too big to fail”
– a sua quebra ocasionaria danos
enormes no conjunto da economia.
Em contrapartida, os países devedores
também congregaram esforços
para negociar coletivamente o
ref inanciamento da dívida, com o
objetivo de ganhar força. Destaca-
se, com essa lógica, o Consenso de
Cartagena, de meados dos anos 1980,
formado por vários países latino-
americanos, dentre os quais o Brasil.

A reciclagem competitiva foi a


ferramenta utilizada por muitos países
latino-americanos na década de 1980
para financiarem os seus projetos de
desenvolvimento, especialmente após
o I Choque do Petróleo. No entanto,
ela pressupunha a existência de
ampla liquidez no sistema financeiro
internacional. Quando essa liquidez
deixou de existir, após o II Choque do
Petróleo e o aperto monetário do FED,
o resultado foi a crise da dívida, que
afetou também os bancos privados
internacionais, que efetuavam a
rolagem dessa dívida. Iniciava-

248
NOTA MÉDIA empresas e bancos privados fizessem
empréstimos diretos.
Paloma Scroccaro
Costa Houve, nesse período, sobre-
19,5 endividamento da economia, o que
se tornou ainda mais grave quando
as resoluções 432 e 320, por meio de
TL – 60;
hedges cambiais, estatizaram a dívida.
877 palavras;
14,61 palavras/linha Quando houve o Primeiro Choque do
Petróleo, em 1973, os países produtores
O endividamento público é um do Oriente Médio aumentaram
instrumento importante para a vertiginosamente os preços do barril,
distribuição intertemporal ótima gerando uma inflação significativa
das políticas públicas, tornando de custos nos países que, como o
possível dissociar, temporariamente, Brasil, dependiam da importação
a provisão de bens, por parte dos entes do produto. Foi nesse contexto que
governamentais, da arrecadação o ciclo de reciclagem competitiva
de tributos. Na década de 1960 e se instaurou. Os EUA reagiram a
de 1970, diversas economias latino- esse choque aumentando a oferta
americanas passavam pelo processo de divisas e diminuindo os juros. Os
de industrialização tardia por meio países que haviam tomado muitos
da substituição de importações. empréstimos se viram impulsionados
Segundo a concepção estruturalista a seguir investindo, como foi o caso
da escola da CEPAL, esse processo do II PND (1974) de Geisel. Como
seria necessário para que a economia os países produtores de petróleo
fosse capaz, posteriormente, de passaram a receber mais divisas,
produzir bens de capital por conta eles dispunham de mais recursos
própria. Para isso, a participação do para fazer investimentos. Esse ciclo
setor público, cumprindo sua função (enviar divisas para o pagamento de
alocativa, foi essencial no fomento petróleo e receber divisas para realizar
à indústria pesada e à construção investimentos) também foi chamado
de inf raestruturas que dessem o de reciclagem dos “petrodólares”. A
suporte energético adequado ao situação passou a esgotar-se quando
desenvolvimento. No Brasil, a década houve mais um Choque do Petróleo,
de 1960 passou por um período de em 1979, tendo como reação do FED
reformas estruturais no sistema a contração da política monetária e
f inanceiro, conhecido como PAEG. o aumento dos juros. Sendo assim, o
O grande problema da economia serviço da dívida dos bancos privados e
nacional, assim como em outros da economia passou a fundamentar a
países vizinhos, era a falta de um célebre “crise da dívida”, dos anos 1980.
sistema robusto de financiamento a Com os movimentos especulativos
longo prazo. A partir dessas reformas, dos investidores, em meio a esse
a década de 1970, sobretudo no início, cenário, houve, no México, o chamado
testemunhou uma fase de muitos “Setembro Negro”, em 1982, que
investimentos na construção civil e causou corte brusco no fluxo de
subsídios à agricultura. Isso foi possível capitais para os PEDs.
graças à abundância de liquidez no
sistema internacional e, no caso do O papel dos bancos privados
Brasil, graças à normativa 4.131 e à internacionais, nesse processo,
resolução 63, que permitiam que está relacionado à tomada de
empréstimos e ao fornecimento de

249
crédito para a realização de inversões O cartel caracteriza-se por ser um
no setor infraestrutural do país. Como tipo de oligopólio em que há acordo
mencionado, a falta de um sistema explícito (conluio) para a regulação
de f inanciamento de longo prazo dos preços. Essa prática é proibida
obrigou as economias a realizarem na maior parte das economias,
acordos e transações com bancos de como é o caso do Brasil, por meio
grande porte, sobretudo dos EUA e da do CADE. No mercado internacional
Europa, onde o sistema financeiro é, de crédito, o cartel que se formou na
tradicionalmente, mais estruturado. Há, década de 1980 esteve associado aos
ainda, a necessidade de conversão de grandes retornos de escala do setor
divisas para a realização de transações petrolífero. Exportadores do Golfo
comerciais, especialmente com o dólar. Pérsico, principalmente, usando seu
Sendo assim, sob o monitoramento poder de mercado, aumentaram seus
do Banco Mundial e os parâmetros lucros, em detrimento da redução
de estabilidade dos Acordos de da liquidez dos demais países. Sob a
Basileia, os bancos atuam garantindo instabilidade do contexto internacional
a movimentação necessária da liquidez e a política restritiva de Ronald
tanto para os Estados quanto para Reagan, os investidores também
entes privados nacionais. procuravam segurança nas moedas
mais fortes, como o dólar e o euro,
Nesse tipo de operação, Sargent principalmente. Todo esse cenário
& Wallace alertam para os riscos do impactou economias menores e criou
endividamento excessivo no que um virtual oligopólio caraterizado de
nomeiam Teoria Fiscal da Dívida. Estados e bancos privados que tinham
O aumento da emissão de títulos possibilidade de emprestar. Por
públicos associados a tomada de essa razão, economistas costumam
empréstimos, segundo os autores, advogar pela política de equilíbrio
possui um “potencial inflacionário orçamentário, de maneira que os
de longo prazo”. Isso porque o custo países possam reduzir os riscos fiscais,
da dívida vai-se tornando cada vez aumentar a credibilidade e diminuir a
maior, gerando a possibilidade de dependência dessas operações.
haver “default” do governo, caso a
dívida seja insustentável, aumentando
a fuga de divisas e pressionando
pela desvalorização/depreciação
da moeda nacional. Pelo lado da
segurança financeira internacional,
há também o risco de o hiato entre
o montante emprestado e a quantia
de reservas bancárias levar a crises
sistêmicas, especialmente sob ataques
especulativos, o que é normalmente
monitorado pela regulação preventiva,
que exige reservas mínimas
dos bancos, ou pela regulação
comportamental, que propugna por
transações transparentes com pleno
acesso a informações.

250
MENOR NOTA depositaram seus dólares em bancos
internacionais à espera de lucrativas
Anônimo oportunidades de investimento, são
6,5 os chamados petrodólares. Na medida
em que o lucro só se realiza quando
TL – 59; está em circulação, esses dólares
619 palavras; foram em grande parte reinvestidos,
10,5 palavras/linha emprestados, a países da América
Latina – que buscavam a todo custo
O co n ce i to d e re c i cl a g e m desenvolver-se no período -. No Brasil,
co m p e t i t i va m e n c i o n a d o p o r foi financiado o II Plano Nacional de
Simonsen e Werlang foi desenvolvido Desenvolvimento (II PND) durante o
para descrever a manutenção da governo Geisel, no qual buscava-se
competitividade de empresas e complementar o parque industrial
setores da economia com base em brasileiro antes da diminuição da
fatores outros que o retorno auferido liquidez internacional. Entre 1973 e
pela realização da venda de bens ou 1978, foram realizados importante
serviços. O conceito trata da atuação investimentos em tecnologia, com a
de elementos externos à f irma na criação da Embrapa, por exemplo, em
manutenção da competitividade, bens de capita, com o estabelecimento
podendo ser tanto empréstimos da Imbel, como ilustração, e em
realizados por agentes privados energia, com a construção da usina
quanto flexibilidades promovidas de Paulo Afonso, notadamente.
pelo poder público, como isenções
tarifárias e subsídios. Uma vez que A operação, no entanto, não era
esses auxílios às empresas são desprovida de riscos, do ponto de vista
cortados, suspensos, há o colapso dos credores internacionais. De fato,
da reciclagem competitiva, uma tratava-se de somas bastante elevadas
vez que as empresas não têm de capital a ser emprestado a países com
condições de manter o mesmo nível alto grau de endividamento adquirido
de competitividade e são, portanto, nos anos anteriores. Havia dúvidas sobre
abarcadas por empresas maiores a capacidade de solvência da dívida,
ou destruídas. Essa reciclagem tanto externa quanto interna e, embora
foi presente em vários países da a economia apresentasse crescimento,
América Latina durante o período como é o caso do Brasil, o parque
de auge do desenvolvimentismo, industrial continuava incompleto e a
por meio de vultosos empréstimos, economia mantinha elevado grau de
auxílio do governo, protecionismo e protecionismo. A pressão inflacionária
reservas de mercado. era também um risco de vinha se
avolumando devido ao alto grau de
Nesse contexto, os bancos privados endividamento público. Finalmente,
exerceram importante papel, uma cabe ressaltar o risco político, onde
vez que grande parcela do capital por um lado havia a possibilidade
utilizado pelas empresas para manter de moratória decretada por governo
suas atividades foi emprestado por ditatoriais, por outro, a queda do
esses bancos. Havia, no contexto governo que levaria a novo regime
internacional, sobretudo a partir da político. Todos esses fatores levaram à
crise do petróleo de 1973, uma situação adoção, pelos credores, de altas taxas
de alta liquidez. Governos do Golfo, para de juros pós-fixados, porquanto o alto
os quais fluiu intenso capital devido risco demanda maiores retornos, sob
ao aumento dos preços do petróleo, a perspectiva do capital.

251
Dada a eclosão da crise da dívida
nos anos 1980 na América Latina, os
bancos passaram a agira como um
cartel. O cartel é possível em uma
estrutura de mercado oligopolista, com
poucos fornecedores – no caso, bancos
–. Os ofertantes agem em conluio
para estabelecer um determinado
preço por seu produto e uma data
quantidade a ofertar. Essa articulação
entre os fornecedores permite sua
atuação como se fosse um mercado
monopolista, há uma oferta menor
e um preço mais alto do que em
mercado competitivo. Dessa forma, há
maiores cooptação do excedente do
consumidor em favor do monopolista.
Cabe ressaltar ainda que, dado o
contexto de urgente necessidade de
capital para pagamento da dívida, o
empréstimo torna-se um bem de baixa
elasticidade – considerando-se sua
essencialidade. Como consequência,
os bancos poderiam ser capazes de
cobrar valores ainda maiores pelos
empréstimos realizados.

252
Considerando o exposto e os
Questão 02 conhecimentos acerca de balanço
de pagamentos, redija um texto

dissertativo no qual explique o porquê
Relatório de notas
Média Ampla Concorrência: 18,9 de essa pessoa estar equivocada e de
Média Pessoas com Deficiência: 18 a proposta não ter como prosperar.
Média Candidatos Negros: 6,5

Extensão do texto: até 60 linhas


[valor: 30,00 pontos]
MÉDIAS POR QUESITO

Leia, com atenção, a


situação hipotética a
seguir.

Suponha que uma pessoa proponha


as seguintes medidas para avançar
o crescimento brasileiro: fomentar o
aumento das exportações de bens e
serviços gerando constantes superavits
em conta corrente; estimular a atração
do investimento externo, ano a ano,
levando a substantivos saldos nas
contas de capital e f inanceira; e
promover a diminuição das reservas
estrangeiras para reduzir o custo
fiscal. A esse respeito, ela argumenta
que as maiores economias do mundo
consistentemente adotam política
dessa natureza.

253
PADRÃO DE RESPOSTA transportes, viagens internacionais,
seguros e serviços governamentais.
Espera-se que o candidato redija o texto Em Rendas, são incluídas receitas
considerando os aspectos a seguir. advindas de salário e ordenado; lucros
e dividendos; e juro. Por último, as
Para verif icar que a proposta é transferências unilaterais correntes
contraditória, é necessário entender o são o resultado líquido dos seguintes
que é o balanço de pagamentos e seus tipos de operação: as recebidas por
componentes – a conta de transações residentes no Brasil têm valor positivo;
correntes, a conta de capital, a conta e as enviadas por residentes no Brasil,
financeira e a relação com os haveres valor negativo.
da autoridade monetária. Na definição
do Banco Central do Brasil, tem-se o A conta capital registra as
seguinte: “o balanço de pagamentos transferências de ativos não financeiros,
é o registro estatístico de todas as não produzidos, e transferências de
transações – fluxo de bens e direitos de capital (ativos reais e financeiros). A
valor econômico – entre os residentes de conta f inanceira registra fluxos de
uma economia e o restante do mundo, transações e de capital, e está dividida
ocorridos em determinado período de em investimento direto, investimento
tempo.” Cada uma dessas transações é em carteira, derivativos, e outros
classificada como transação corrente, investimentos. Pela def inição do
ou como transação de capital ou BPM6, “direct investment is a category
f inanceira, o que determina as of cross-border investment associated
contas que compõem o balanço de with a resident in one economy having
pagamentos. Para a organização das control or a signif icant degree of
estatísticas, o Banco Central do Brasil influence on the management of an
adota metodologia que se conforma enterprise that is resident in another
com a sexta edição do Manual de economy. […]”.
Balanço de Pagamentos e Posição
Internacional de Investimento (BPM6), A abertura de uma f ilial de uma
do Fundo Monetário Internacional empresa estrangeira no Brasil, os
(FMI), desde junho de 2015. empréstimos entre a matriz e as filiais
e a detenção do controle de empresas
A conta de transações correntes de países diferentes são exemplos de
traz a soma dos resultados da investimento direto. Investimentos em
balança comercial, da balança de carteira são a aquisição de ações e de
serviços, da balança de rendas e das outros títulos. Derivativos são contratos
transações unilaterais correntes. A cujo valor é determinado a partir de
balança comercial é o resultado das outro ativo (de onde “derivam”).
exportações menos as importações de
bens, os definidos como itens físicos e Finalizam os componentes do
produzidos, sobre os quais direitos de balanço de pagamentos os haveres
propriedade podem ser estabelecidos da autoridade monetária, que são as
e transferidos de uma unidade reservas internacionais sob controle
institucional para outra por meio de da administração. São considerados
transações. A balança de serviços é reservas nacionais ouro, direitos
calculada a partir do resultado dos especiais de saque (ativos emitidos
gastos de não residentes no Brasil, pelo FMI), posição de reservas no FMI,
menos os gastos dos residentes reservas em moeda estrangeira, além
no Brasil com serviços no exterior. de outros ativos de alta liquidez.
Entre os serviços apurados, citam-se

254
O cálculo do balanço de pagamentos internacionais não estarem incluídas
adota o princípio das partidas dobradas. nas contas f inanceira e de capital.
Por esse princípio, cada transação no Nesse caso, um país pode estar com
balanço de pagamentos será registrada saldo nas contas de capital e financeira,
duas vezes, uma como crédito (recursos mas se todo o saldo nas transações
que entram no País) e outra como débito correntes for compensado por
(recursos que saem do País). No caso da aquisição de reservas pela autoridade
exportação de soja, por exemplo, no valor monetária, será possível manter saldo
de 100, essa exportação será registrada positivo nos dois aspectos do balanço
como crédito em exportações, mas de pagamentos.
terá de representar débito em algum
outro item. Se o exportador recebeu Na prática, observa-se que países
dólares por sua exportação e os vendeu com superávits em transações
a um operador de câmbio, haverá um correntes tendem a apresentar déficit
aumento de ativo externo pelo operador em investimento externo líquido, e
de câmbio, o que representa débito. vice-versa. Com efeito, nem os Estados
Unidos da América (EUA) e nem a
Nesse contexto, a proposta de saldos China apresentam consistentemente
nas contas de transações correntes, de superavit em ambos. De maneira
capital e financeira sem aumento de geral, os EUA acumulam déficit em
reservas não pode prosperar porque transações correntes há décadas,
cada transação que tende a aumentar enquanto a China apresenta superavit.
o saldo em transações correntes Do ponto de vista dos investimentos
tende a reduzir o saldo nas contas externos, ocorre o inverso e, enquanto
de capital e financeira. Por exemplo: os EUA acumulam superavit, a China
uma exportação tem a tendência acumula déficit. Nesse caso, a política
de aumentar o saldo em transações chinesa incrementou o nível de reservas
correntes, porém deve haver um a até um pico de US$ 3,9 trilhões em
destino para a moeda estrangeira 2014, o que representou quase 40% do
adquirida pela exportação. Se ela for produto interno bruto chinês à época.
utilizada para adquirir bens ou serviços
do exterior, irá cancelar o efeito sobre Q1. Definir satisfatoriamente o que é o
as transações correntes, assim como balanço de pagamentos.
ocorrerá se o dinheiro for transferido
unilateralmente a um não residente. Q2. Citar os componentes principais
do balanço de pagamentos.
Se, porém, a moeda estrangeira for
utilizada para a compra de ativos no Q3. Mencionar as autoridades
exterior – ações ou títulos, por exemplo responsáveis pelo levantamento
– será aumentado investimento de das estatísticas no Brasil e pela
residentes brasileiros no exterior, o que padronização do sistema.
tende a reduzir o saldo do investimento
no Brasil, diminuindo o saldo da conta Q4. Elaborar os componentes da conta
de capital. de transações correntes.

Fica claro, portanto, que a tendência Q5. Elaborar os componentes da conta


de todo saldo em transação corrente capital.
é um deficit semelhante nas contas
financeira e de capital, e vice-versa. Q6. Elaborar os componentes da conta
A única exceção para essa tendência financeira.
advém do fato de as reservas

255
Q7. Explicar o princípio de partidas Fernanda Brandão
dobradas.
de Souza
Q8. Explicar como saldos em transações 30
correntes tendem a ser compensados
por deficits nas contas de capital e TL – 60;
financeira. 762 palavras;
12,7 palavras/linha
Q9 e Q10. Explicar como o balanço
de pagamentos de duas grandes A estrutura do Balanço de
economias diferem do que sugere o Pagamentos brasileiro, conforme as
enunciado, a exemplo China e EUA. recomendações do BPM6, constitui-se
pela Conta de Transações Correntes
Será avaliada a capacidade do (CTC), a qual se subdivide em Balança
candidato de estabelecer uma tese e Comercial (BC), que registra as
sustentá-la coerentemente. A avaliação exportações líquidas, em Balança de
seguirá o critério comparativo (i.e.). A Serviços (BS), que registra a troca de
avaliação individual será feita de acordo serviços com o exterior, em Rendas
com a comparação do nível de outros Primárias (RP), referentes às transações
exercícios. Nesse sentido, embora de fatores produtivos, e em Rendas
o candidato possa ter respondido Secundárias (RS), concernentes às
de forma correta, abrangendo os transações unilaterais de renda sem
requisitos anteriormente indicados, contrapartidas. A Conta Capital, por
sua nota poderá ser menor do que sua vez, registra ativos não produzidos,
a atribuída a outros que f izerem ao passo que a Conta Financeira
o exercício com maior qualidade (CFIN) elenca os ativos e passivos de
intelectual, acadêmica e formal. residentes referentes a investimento
diretos, investimentos em portfólio ou
Referências:
IMF (2009). Balance of Payments and International
em carteira e outros investimentos. A
Investment Position Manual. International Monetary Conta de Ativos de Reserva, por fim,
Fund.
BCB (2014). Estatísticas do Setor Externo – Adoção da
inserida na CFIN, registra a quantidade
6a Edição do Manual de Balanço de Pagamentos e de reservas que entram e que saem
Posição Internacional de Investimentos. Disponível em:
<https://www.bcb.gov.br/ftp/infecon/nm1bpm6p.pdf>.
do país, impactando a elevação ou
Acesso em: 30 abr 2022. a dedução da base monetária no
BCB (2015). Estatísticas do Setor Externo – Adoção da
6a Edição do Manual de Balanço de Pagamentos e
mesmo montante. Essa conformação
Posição Internacional de Investimentos (BPM6). Nota do Balanço de Pagamentos possibilita
Metodológica no 2 – Transações correntes. Disponível
em: . Acesso em: 30 abr 2022.
o registro das transações realizadas
BCB (2015). Estatísticas do Setor Externo – Adoção da entre residentes e não residentes
6a Edição do Manual de Balanço de Pagamentos e
Posição Internacional de Investimentos (BPM6). Nota
e permite avaliações consistentes
Metodológica no 3 – Investimentos diretos e renda pri- acerca de quais medidas são, de fato,
mária (lucros). Disponível em: <https://www.bcb.gov.br/
content/estatisticas/Documents/notas_metodologicas/
adequadas e pertinentes para avançar
balanco_pagamentos/bpm6/nm3bpm6p.pdf>. Acesso o crescimento brasileiro.
em: 30 abr 2022.

Com base no princípio das partidas


dobradas, é possível perceber que a
proposta enunciada no excerto da
questão é equivocada e contraditória,
de modo que não pode ser adotada
como estratégia para o crescimento
brasileiro. O saldo global do Balanço de
Pagamentos deve, sempre, ser igual a

256
zero, de sorte que a CFIN, incluindo a De todo modo, não se pode
Conta de Ativos de Reserva, deve ter considerar que a promoção da dedução
valor equivalente ao somatório das das reservas estrangeiras seja medida
receitas e das despesas da CTC e da eficaz para o crescimento econômico
Conta Capital, descontados eventuais sustentado ou para a redução do
Erros e Omissões. Desse modo, não seria custo fiscal. De fato, há um custo de
coerente haver constantes superávits carregamento associado à elevação de
na conta-corrente (CTC), sem que isso reservas, visto que essas poderiam ser
gerasse contrapartidas na CFIN. O utilizadas para outros fins, como, por
fomento a superávits e o aumento das exemplo, para realizar o pagamento do
exportações de bens e serviços geram, serviço da dívida ou de seu principal,
primeiramente, a elevação do saldo da deduzindo déf icits nominais que
Conta de Ativos de Reserva, da CFIN, o comprometem o resultado f iscal.
que contradiz a hipótese de que deveria Apesar disso, essa medida não afeta o
haver superávits em CTC, juntamente esforço orçamentário do governo, que
com a redução das reservas estrangeiras. é necessário para produzir superávits
Além disso, superávits em CTC tendem primários e, efetivamente, reduzir o
a gerar uma despoupança externa, custo fiscal. Além disso, a manutenção
o que reduz a capacidade de não de reservas pode ser importante
residentes de investirem no Brasil com para momentos de crise cambial ou
base em ativos financeiros advindos da de choques externos, em que o uso
poupança externa. Com efeito, o saldo dessas reservas pode ser adequado
da CTC, que consiste na dedução de para ancorar as expectativas dos
despesas em face das receitas, deve agentes, por meio das estabilidades
ter resultado equivalente ao da CFIN, cambial e monetária e por meio do
cujo saldo decorre da equação ativos crescimento sustentado.
menos passivos, haja vista que não são
feitas referências à Conta Capital ou a Finalmente, não se pode afirmar
Erros e Omissões. que as maiores economias do
mundo consistentemente adotem
O estímulo à atração de investimentos políticas dessa natureza. Os Estados
externos também se relaciona com Unidos, que apresentam o maior PIB
o saldo em conta-corrente e com o nominal do mundo, apresentaram,
montante das reservas estrangeiras. em sua trajetória, elevados déficits
Os investimentos externos estão gêmeos, enquanto a China, com o
relacionados, em grande medida, às maior PIB em paridade de poder de
taxas de juros domésticas, considerando compra, possui elevados valores em
também o risco do país e o risco de ativos de reservas estrangeiras. As
desvalorização cambial. Desse modo, transações registradas no Balanço
altas taxas de juros tendem a atrair de Pagamentos evidenciam que há
capitais de curto prazo (investimentos equilíbrios e contrapartidas nas trocas
em portfólio), ao passo que entre residentes e não residentes e
desincentivam o investimento direto que há complementaridade entre as
no país (IDP). Os investimentos diretos economias externas e domésticas, de
(IDP) podem acarretar reduções nas sorte que um jogo de soma-zero não
reservas estrangeiras devido às rendas é necessário para a consecução de
líquidas enviadas ao exterior (RLEE); crescimento econômico.
no entanto as reservas são ampliadas
com a atração de capitais de curto
prazo, o que, mais uma vez, demonstra
o equívoco da proposta analisada.

257
Otávio Forattini geral, o aumento das exportações de
bens e serviços não necessariamente
Lemos Igreja provoca superávits no saldo de
27,5 transações correntes, sendo o caso
brasileiro evidência dessa relação. De
TL – 60; todo modo, em uma economia aberta,
738 palavras; com alta mobilidade de capitais e
12,3 palavras/linha câmbio flutuante, tal como a economia
brasileira, os constantes superávits em
O Balanço de Pagamentos é o transações correntes significariam a
método do Banco Central para maior entrada de divisas estrangerias
medir as contas externas brasileiras. do que a saída, provocando processo
Atualmente, o cálculo utilizado é o de apreciação cambial. A apreciação
BPM6, que se baseia na análise de do Real diante da moeda estrangeira
fluxos. O sistema de contrapartidas aumentaria o preço do produto no
se mantém nesse modelo, e essas se mercado internacional, o que reduziria
concentram na Conta Financeira do a competitividade das exportações
Balanço. O cálculo é obtido pelo saldo brasileiras. Consequentemente,
da Conta Financeira, subtraindo o saldo haveria uma pressão contrária, de
da Conta Capital e subtraindo o Saldo diminuição das exportações, no
de Transações Correntes, para obter o cenário apresentado. Esse processo é
valor correspondente a erros e omissões, corroborado pelo uso do modelo IS-
preferencialmente próximo a zero. LM-BP, com expansão da curva IS, em
cenário de mobilidade de capitais e
O Saldo de Transações Correntes (STC) câmbio flutuante, seguindo de retorno
é obtido pela soma da Balança Comercial, em direção ao ponto inicial, a depender
que é a diferença de bens exportados e do grau de mobilidade de capitais.
importados, da Balança de Serviços, da
conta de Renda Primária e da Conta de O estímulo à atração de investimento
Renda Secundária. A Renda Primária externo levaria antes a um déficit na
se refere a juros, aluguéis e serviços, conta financeira, com a expansão de
enquanto a Renda Secundária se refere passivos da conta financeira, levando a
primordialmente a doações. Ambas as um desequilíbrio em relação ao saldo
contas são obtidas pela diferença da de transações correntes. O intenso
renda recebida no exterior com a renda investimento externo na economia
enviada ao exterior. A Conta Financeira é nacional também contribuiria para a
calculada pela diferença entre o saldo de apreciação cambial, prejudicando o
ativos (investimentos – desinvestimentos) cenário de crescimento proposto. A
e o saldo de passivos (investimentos – apreciação cambial desestimularia a
desinvestimentos) de fluxos financeiros, entrada de investimentos.
principalmente investimentos em
portfólio e investimento externo direto. Já a A sugestão de financiamento da
Conta Capital diz respeito a transferências política fiscal pelo uso das reservas
unilaterais. O Brasil costuma ser deficitário internacionais também é insustentável
em transações correntes, levemente para o crescimento brasileiro. A
superavitário na Conta Capital, e deficitário manutenção de expressivas reservas
na conta financeira. internacionais é importante para
eventuais desequilíbrios do balanço
Na proposta mencionada, os de pagamentos e para o contrapeso à
movimentos indicados não trariam dívida externa. A queima dessas divisas
os resultados esperados. De modo deixara o país sujeito a moratório

258
internacional e instabilidade externa, do tripé macroeconômico, demonstra
como já ocorreu na história econômica ser caminho mais eficaz para o país na
brasileira. A saúde f iscal nacional economia internacional.
deveria antes se basear na relação dos
gastos com a arrecadação tributária
e os espaços para crescimento da
demanda e da oferta agregada
nacional. O compromisso com o
tripé macroeconômico de metas de
superávit primário, metas de inflação
e câmbio flutuante impede o uso de
reservas para saneamento fiscal. O
país dispõe de outros instrumentos,
como o controle da carga tributária,
com aumento ou diminuição de
impostos, para a política fiscal.

O raciocínio da pessoa em questão


também se equivoca em argumentos
que esse modelo é utilizado de
forma consistente pelas maiores
economias mundiais. Países como o
Estados-Unidos, Alemanha e França
apresentam déficit em suas balanças
comerciais. O crescimento da China,
por exemplo, é mantido por ação em
todos os componentes do Produto
Interno Bruto, com estímulos à
poupança, ampla massa consumidora,
gastos governamentais e saldo positivo
da balança comercial.

De modo geral, aponta-se para o


componente da poupança como
principal limitador do crescimento
e do desenvolvimento nacional. O
aumento nos níveis de poupança
privada, governamental e externa
no Brasil estimularia o investimento
produtivo, com efeitos de longo
prazo sobre a oferta agregada
brasileira. Se o Brasil é abundante
em recursos naturais, ainda carece
de investimentos na qualificação da
mão de obra, no desenvolvimento
tecnológico e no capital produtivo. Uma
expansão do mercado consumidor
mediante aumento da massa salarial
acompanhada de proporcional
desenvolvimento tecnológico -
produtivo, dentro dos compromissos

259
Renato de Mendonça tendo sua contrapartida na conta de
reservas internacionais, que compõe
Neves a conta f inanceira. Mesmo que,
25,5 como a pessoa propõe, o país atraia
investimento externo, essa transação
TL – 60; será registrada como um passivo na
765 palavras; conta f inanceira, enquanto que a
12,75 palavras/linha entrada do valor será registrada como
uma variação positiva na conta de
A proposta da pessoa de acumular Ativos de Reserva. A proposta também
constantes superavits em conta se equivoca no entendimento da conta
corrente (TCC) e substantivos saldos Ativos de Reserva. Diferentemente
nas contas capital e financeira (CCF) das demais contas do BP, que são de
está equivocada porque vai contra a fluxo, a conta de Ativos de reserva é
própria composição do balanço de de estoque, onde se registra variações
pagamentos. A função do balanço nas reservas estrangeiras em poder
de pagamentos (BP) é registrar todas da autoridade monetárias. Aumentos
as transações que uma economia nas exportações, coeteris paribus,
efetua com o resto do mundo em levam a aumento nas reservas.
um período determinado. No modelo Igualmente, atração de investimento
BPM6, o registro é feito de transações externo também provoca aumentos
entre residentes e não residentes, de nas reservas. Logo, a proposta de
maneira que o somatório de todas as diminuir as reservas estrangeiras
transações deve ser zero. O saldo do é contraproducente com as duas
BP é dado pela equação TCC + CCF + primeiras medidas. O argumento de
Erros e omissões = 0. Se a economia que as maiores economias do mundo
acumula superavits em conta corrente consistentemente de desfazem de
e em conta financeira e capital, o saldo suas reservas tampouco se sustenta.
do BP estaria equivocado. China e Japão são as 2ª e 3ª economias
do mundo em PIB, respectivamente.
A conta de transações correntes Ambas detêm grandes contingentes
(TCC) é composta de três contas: a de reservas, em maioria obrigações
balança comercial de bens e serviços, junto ao Tesouro dos EUA. É fato que
que é formada por importações a maior economia global, os EUA,
e exportações; a conta de Renda tem baixo nível de reservas. Mas isso
Primária, que inclui a remuneração porque é uma situação à parte, já que
pelos setores de produção (lucros, ele detém o monopólio da emissão de
salários, juros e aluguéis); e a conta de dólares, principal ativo de reserva.
Renda Secundária, que inclui doações
e ajuda humanitária. A soma do saldo A proposta de acúmulo simultâneo
dessas três contas equivale ao saldo de superavit comercial e atração
em transações correntes, que compõe ode investimento externo também
a parte “acima da linha” do BP. não se coaduna com os princípios
macroeconômicos. A Atração de
Pelo princípio das partidas dobradas, investimento consiste em absorção de
transações registradas acima da linha poupança externa (SE). Essa prática é
devem ter sua contrapartida registrada comum em países com baixo estoque
na conta baixo da linha – ou seja, a de poupança doméstica. Há, contudo,
CCF. Caso um país venda um bem a equivalência entre poupança externa
para o exterior, essa transação será e o saldo em transações correntes com
registrada na conta de exportações, o sinal trocado (SE = -TC). A atração

260
de poupança externa serve, portanto, NOTA MÉDIA
para financiar déficits em transações
correntes. Se há superavit, não há razão Vinícius Henrique
para a tração de financiamento externo, Fontana
sob o ponto de vista do equilibro
do BP`. A exportação de poupança
17
doméstica pode, inclusive, ser um
TL – 58;
fator positivo para o país de origem:
561 palavras;
mediante investimento externo direto, 9,67 palavras/linha
o país de destino pode promover seu
crescimento interno, levando a maior O balanço de pagamentos de um
absorção de importações provenientes país reflete a situação deste perante o
do país de origem, o que enseja resto do mundo em termos de troca,
acúmulo de superavits comerciais para sendo que consiste em três contas
o país investidor. básicas: transações correntes, conta de
capital e conta financeira. O fomento
A proposta de acúmulo de superávits das exportações de bens e serviços
comerciais, saldo em investimento não necessariamente acarretará
eterno na conta capital e financeira superávits no saldo de transações
e concomitante redução de reservas correntes ou estimular o crescimento,
estrangeiras é incompatível com a isso porque ele consiste em apenas
estrutura do Balanço de Pagamentos. uma parcela da conta, bem como do
Em sua sexta versão (BPM6), o balanço PIB. A conta de transações correntes
apresenta inovações importantes, comporta quatro subdivisões:
como a transferência das transações exportações e importações de bens;
de royalties e propriedade intelectual exportação e importação de serviços;
para a conta da renda primária, em vez renda primária e renda secundária.
da conta capital. Além disso, há agora A renda primária consiste nas trocas
sessão para a Posição Internacional entre residentes e não residentes
de Investimentos – PII, onde se tendo como fator gerador a produção
pode visualizar com mais facilidade (juros, salários, etc.). Já a secundária
as obrigações passivas e ativas consiste em trocas sem contrapartida
assumidas pelos residentes com não na produção (como doações). Veja que
residentes. Cabe dizer que a gestão se houver um maciço contingente
de reservas internacionais, apesar de de investimento acumulado de não
apresentar custo de oportunidade residentes no país, é possível que a
à economia pode funcionar como saída de recursos por transferência
“colchão de liquidez em cenários de de renda primária supere os ingressos
choques internos e interrupção dos pelo fomento das exportações. Dentro
fluxos internacionais de investimento. desse cenário, em considerando como
É com base nesse entendimento que constante a transferência de renda
o Brasil possui, atualmente, mais de secundária, haveria déficit na conta
300 bilhões de dólares em reservas, de transações correntes.
alocadas sob os critérios de segurança,
liquidez e rentabilidade. O equilíbrio Eis o risco da segunda proposição,
no BP é fundamental para o bom de estímulo a investimentos externos.
funcionamento da economia. Há um equívoco em contabilizá-
los na conta de capital, já que os
investimentos diretos e em carteira
estão compreendidos na conta

261
f inanceira. O investimento não reservas estrangeiras para estimular
necessariamente melhora os termos setores econômicos, entretanto
de troca de um país, pois o seu produto acabará reduzindo sua capacidade
pode estar totalmente voltado ao de honrar compromissos com
consumo interno, portanto não há credores internacionais. As reservas,
relação necessária entre superávits contabilizadas na conta financeira,
e investimento externo, como já acabam sendo uma medida sobre as
mostrado anteriormente. relações de um país com o mundo,
sobretudo quando há superávit e
Por fim, outro equívoco e combinar as sendo utilizadas para recurso interno
propostas anteriores com a redução de ou pagar dívida externa. Quanto mais
reservas. Um aumento das exportações de longo prazo for o perfil da dívida,
e do aporte de investimentos, a princípio, ou seja, com melhores fundamentos
ocasionarão um aumento das reservas macroeconômicos - incluindo
internacionais do país. Caso essas reservas -, maior capacidade o país
reservas estejam disponíveis, haverá terá de atrair investidores e captar
uma melhora na liquidez da economia poupança externa.
em relação aos seus compromissos
internacionais, reduzindo o risco de
insolvência. Países com expressivos
superávits, como China, Japão e Arábia
Saudita, mantêm robustas reservas
para se blindar de choques externos,
garantindo liquidez (curto prazo) e
solvência (longo prazo). Portanto, não
faz sentido se desfazer de reservas - pelo
contrário, é necessário acumulá-las.

Ressalta-se que o balanço de


pagamentos retrata um fluxo anual
e não é a ferramenta mais adequada
para se analisar o crescimento de um
país. A medida mais aceita leva em
conta também fatores internos: o PIB.
Pela ótica do dispêndio, o PI consiste
em consumo, investimento, gastos do
governo e exportações líquidas. Um
aumento nas exportações, em tese,
aumentaria o PIB no referente ao setor
externo; contudo, há de se verificar os
impactos sobre o consumo interno, já
que parte das mercadorias poderia ser
deslocada para exportações, reduzindo
a oferta doméstica e o consumo,
apenas alterando o perfil do PIB.

É interessante perceber que as


reservas de um país podem ser
utilizadas como poupança, que nada
mais é do que o adiamento de um
gasto. O país pode utilizar as suas

262
MENOR NOTA e serviços e, dessa forma, da conta
corrente, tudo isso para garantir uma
Anônimo poupança externa desnecessária para
0 fechar o BP, pois há, como mencionado,
sobras na conta corrente do BP.
TL – 60;
837 palavras; Além disso, há a questão das
13,95 palavras/linha reservas. A subida dos juros para atrair
investimentos torna mais custosa a
Em um contexto de baixo manutenção de reservas em moeda
crescimento econômico, surgem forte, na medida em que elas não
muitas propostas para a rápida apresentam a mesma rentabilidade
elevação da renda. Sem embargo, dos títulos públicos em moeda nacional,
o conhecimento do funcionamento já que os juros subiram para atrair
da contabilidade nacional permite investimentos e, nessa conjuntura,
compreender as consequências da o governo gasta mais remunerando
proposta apresentada e criticá-la, o esses títulos vendidos a juros altos
que cabe fazer nesse momento. do que recebe aplicando as reservas
na média de juros internacional, que
Inicialmente, para aumentar é inferior a nacional, caso contrário
o saldo na balança de bens e não seriam atraídos investimentos.
serviços, é necessário aumentar a Nada obstante, a venda das reservas,
competitividade das mercadorias e como afirma a proposta, teria efeitos
serviços nacionais. Ceteris paribus, deletérios, pois, ou o governo vende
o principal condicionante da suas reservas e, ceteris paribus, valoriza
competitividade internacional é o o câmbio sobremaneira, na medida em
câmbio. Assim sendo, para aumentar que a subida de juros para atração de
esse saldo, como diz a proposta, é investimentos inicialmente já elevou o
necessário desvalorizar o câmbio, o valor da moeda nacional, ou o governo,
que estimula exportações e restringe também para evitar o inchaço dos
importações. Além disso, se a conta meios de pagamento, ao passo que
corrente do balanço de pagamentos vende reservas, coloca títulos da dívida
(BP) está positiva, disso decorre que pública no mercado para enxugar
não há necessidade de poupança esse excesso de liquidez, em uma
externa para fechar esse balanço, política monetária contracionista, que
pelo contrário, há a possibilidade também enseja o aumento da taxa de
de aplicar a poupança interna em juros. Dessa maneira, de toda forma,
outros países de modo a, futuramente, a venda de reservas engendraria uma
repatriar essas remessas de lucros e elevação dos juros e uma valorização
dividendos mediante o aumento da do câmbio que anularia o efeito inicial
renda primária da conta corrente do da desvalorização cambial para criar
BP. Nada obstante, a proposta pugna superávits na conta corrente do BP.
pela atração de investimento externo;
assim sendo, tudo mais constante, a Ademais, a proposta af irma a
taxa de juro é o principal fator para necessidade de estimular a atração de
incentivar o aporte de capitais no investimentos, ano a ano, como forma
Brasil. Consequentemente, o aporte de avançar o crescimento brasileiro.
de investimentos mediante a alta dos Ora, os juros e rendimentos desses
juros valorizaria o câmbio, anulando o investimentos feitos na conta financeira
efeito da desvalorização que garantiria do BP devem ser pagos na conta de
o saldo positivo da balança de bens renda primária da conta corrente do

263
BP, mas, como demonstrado, com o suas contas são interdependentes. Se a
câmbio valorizado, o saldo da balança intenção é aumentar o saldo em conta
de bens e serviços fica afetado, o que, corrente para diminuir a necessidade
muito provavelmente, enseja déficits de poupança externa, é imprudente
na conta corrente que, além de anular atrair mais poupança externa ao
os “constantes superávits” da proposta, custo de anular o efeito da alta das
tornam o país mais dependente da exportações. Finalmente, alienar
atração de investimento externo reservas é tornar o país dependente
para fechar o BP, na medida em que de financiamento externo em caso de
as reservas poderiam auxiliar em choques especulativos.
momentos de desequilíbrio foram
vendidas. Isso criaria um ciclo vicioso
em que o país dependeria de altas
taxas de juros para fechar o BP, como
uma verdadeira âncora, estando
vulnerável a choques especulativos
e variações de liquidez internacional,
em um cenário semelhante ao da
crise cambial brasileira de 1999. Dessa
forma, praticamente todos os efeitos
positivos da proposta seriam anulados:
o juro alto para atrair investimento
e da venda de reservas valorizaria
o câmbio, afetando o superávit de
bens e serviços, que seria incapaz de
compensar a remessa de rendimentos
da renda primária decorrente dos
investimentos atraídos; outrossim, sem
reservas, o país ficaria com o risco de
não fechar seu BP em caso de choques
especulativos, acumulando atrasados
no saldo final. No contexto da realidade
das famílias e dos agentes econômicos,
eles sofreriam duplamente: primeiro,
com a desvalorização cambial para
fomentar a balança comercial e
restringir importações e, em segundo
momento, com a alta taxa de juros
que restringiria a renda e a demanda
agregada, além dos riscos decorrentes
de uma crise do BP em decorrência da
falta de reservas, o que levaria o Brasil
a pedir empréstimos a instituições
como o FMI, ensejando novos ajustes,
com novas desvalorizações cambiais e
altas de juros.

Solucionar problemas
macroeconômicos não é simples. O
balanço de pagamentos apresenta as
trocas do país com o resto do mundo, e

264
duas hipóteses justificam a presença
Questão 03 do comércio intrassetorial.

Relatório de notas
Média Ampla Concorrência: 13,8
Média Pessoas com Deficiência: 11,3
Média Candidatos Negros: 11,1 Extensão do texto: até 40 linhas
[valor: 20,00 pontos]

PADRÃO DE RESPOSTA

Espera-se que o candidato redija o texto


MÉDIAS POR QUESITO considerando os aspectos a seguir.

Q1. Conceito de vantagem comparativa.


Vantagem comparativa é a capacidade
de um agente ou país de realizar uma
atividade de maneira mais eficiente
(com menor custo de oportunidade)
do que as demais atividades. Um país
possui vantagem comparativa na
produção de um bem se ele for capaz
de produzir esse bem de maneira
mais eficiente (com menor custo de
oportunidade) do que os demais bens.

Q2. Como vantagens comparativas


podem dar origem ao comércio
Leia, com atenção, a internacional? A existência de países
situação hipotética a com vantagens comparativas na
produção de bens diferentes pode dar
seguir. origem ao comércio internacional ao
permitir que cada país se concentre na
Redija um texto dissertativo produção do bem sobre o qual possui
explicando o conceito de vantagem vantagem comparativa, exportando
comparativa e como ele pode dar parte de sua produção em troca dos
origem ao comércio internacional bens sobre os quais o país não possui
nos modelos tradicionais ricardiano vantagem comparativa.
e Hecksher-Ohlin, evidenciando as
diferenças entre os dois modelos Q3. Vantagens comparativas no modelo
quanto ao aspecto, e esclareça por que ricardiano. No modelo ricardiano, as
esses modelos não são adequados vantagens comparativas decorrem de
para se compreender a existência diferenças na tecnologia de produção:
do comércio intrassetorial. Além países diferem na produtividade do
disso, cite os fatores que diferenciam trabalho – que é o único fator de produção
esses dois modelos no que tange – entre produtos, e um país terá vantagem
às hipóteses de concorrência comparativa na produção do bem que
monopolística e de economias de necessitar da menor quantidade de
escala, e especif ique como essas trabalho por unidade produzida.
265
Q4. Vantagens comparativas no modelo Q9. Economias de escala e
Hecksher-Ohlin. No modelo Hecksher- concorrência monopolística podem
Ohlin, as vantagens comparativas dar origem ao comércio internacional.
decorrem de diferenças na dotação A existência de economias de escala
relativa de fatores de produção (que, ao e concorrência monopolística pode
contrário do modelo ricardiano, são ao levar ao surgimento de comércio
menos dois): um país terá vantagem internacional, mesmo na ausência de
comparativa sobre o bem cuja produção diferenças em tecnologias ou dotação
necessitar mais intensivamente do fator de fatores entre países, uma vez que
de produção que for relativamente firmas em diferentes países podem se
abundante naquele país. especializar em variedades específicas
para aproveitar as economias de escala
Q5. Definição de comércio intrassetorial. e trocar o excedente com outros países.
Comércio intrassetorial ocorre quando
há comércio de um mesmo tipo de Q10. Economias de escala e concorrência
bem nas duas direções – isto é, quando monopolística podem explicar o
um mesmo país exporta e importa um comércio intrassetorial. Nesse caso,
mesmo tipo de bem. é possível que firmas em diferentes
países se especializem na produção de
Q6. Ausência de comércio intrassetorial variedades de um mesmo tipo de bem,
nos modelos ricardiano e Hecksher- de modo que um mesmo país pode
Ohlin. Em ambos os modelos, o comércio exportar e importar um mesmo produto
decorre do fato de que países concentram (em variedades diferentes), dando
sua produção em diferentes bens para origem ao comércio intrassetorial.
aproveitar as vantagens comparativas,
de modo que não há razão para o Será avaliada a capacidade do
surgimento de comércio internacional candidato de estabelecer uma tese e
de bens semelhantes. sustentá-la coerentemente. A avaliação
seguirá o critério comparativo (i.e.). A
Q7. Economias de escala. Nesses dois avaliação individual será feita de acordo
modelos, há retornos constantes de com a comparação do nível de outros
escala: os custos unitários são constantes, exercícios. Nesse sentido, embora
independentemente do volume o candidato possa ter respondido
produzido. A introdução de economias de forma correta, abrangendo os
de escala (retornos crescentes de requisitos anteriormente indicados,
escala) implica que custos unitários sua nota poderá ser menor do que
serão inversamente proporcionais à a atribuída a outros que f izerem
quantidade produzida. o exercício com maior qualidade
intelectual, acadêmica e formal.
Q8. Concorrência monopolística. Nos
Referência: KRUGMAN, P. R.; OBSTFELD, M.; MELITZ, M.
dois modelos, há também concorrência J. Economia Internacional (10. ed.). São Paulo: Pearson
perfeita, isto é, nenhum produtor Education do Brasil, 2015, caps. 3, 5, 7.
ou consumidor possui poder de
mercado, e os lucros econômicos são
nulos. A introdução de concorrência
monopolística implica que firmas
produzem variedades diferenciadas de
um mesmo bem com poder de mercado,
mas a existência de um grande número
de variedades substitutas faz com que os
lucros econômicos também sejam nulos.

266
João Pedro Portella abundante em mão-de-obra deveria
se especializar em bens intensivos
Ribeiro Cardoso nesse fator. Ao fazer comércio, essas
17 economias estariam comercializando
seus respectivos fatores abundantes.
TL - 40 ;
580 palavras; Esses modelos não são adequados
14,5 palavras/linha para explicar o comércio intrassetorial.
Essa constatação foi feita por Leontief
Os modelos tradicionais de David ao analisar um suposto “paradoxo” no
Ricardo e Hecksher-Ohlin têm como comércio dos EUA, que exportariam
pressuposto a existência de um bens intermediários e importariam bens
mercado em concorrência perfeita. de alta complexidade apesar de serem
Assim, os agentes são tomadores de uma economia abundante em capital e
preços, não há barreiras à entrada, os mão de obra qualificada. Ocorre, porém,
bens são homogêneos, as informações que o comércio intrassetorial permite a
são simétricas e os retornos de escala segmentação da produção de um bem
são constantes. Partindo desses entre firmas distintas, com o objetivo
pressupostos, David Ricardo modela de extrair economias de escala. Assim,
uma economia de fator único em que um país como os EUA pode terceirizar
os ganhos de comércio são extraídos da parte de sua cadeia produtiva para
especialização produtiva em um bem outros países, beneficiando-se de
que apresente vantagem comparativa. ganhos de escala externos e internos.
Uma economia tem vantagem Nesse sentido, é necessário relaxar o
comparativa na produção de um bem pressuposto da concorrência perfeita e
quando seu custo de oportunidade dos ganhos de escala constantes para
em termos de outros bens é menor. explicar o comércio intrassetorial.
Assim, mesmo que a economia tenha
vantagens absolutas em mais de Quando há economias externas de
um bem, deverá produzir somente escala, como no modelo de Kemp, há
o bem com vantagem comparativa ganhos de eficiência quando o setor
(especialização relativa) e adquirir como um todo cresce. A presença
o outro bem por meio de comércio de múltiplas firmas em um único
internacional. Dessa forma, o comércio setor favorece as trocas intrassetoriais
funciona como uma comercialização de tecnologia, insumos e fatores
de fatores de produção e a fronteira de produção, além de favorecer a
de possibilidades de produção da segmentação produtiva conforme a
economia como um todo é expandida. produtividade relativa de cada fator.
Assim, as firmas têm maior eficiência
O modelo de Hecksher-Ohlin se seu setor for maior. Já as economias
também trabalha com a ideia de internas de escala ocorrem quando há
vantagem comparativa. Nesse ganhos de eficiência a partir do aumento
modelo, porém, há mais de um fator de na escala de produção individual da
produção, e a vantagem comparativa firma. Assim, se determinada etapa
é explicada pela dotação relativa de da produção de um bem apresentar
fatores de produção. Nesse sentido, economias internas de escala, pode
a vantagem comparativa é obtida ser mais eficiente deslocá-la para
quando se produz o bem que for mais outra firma do mesmo setor, obtendo
intensivo no fator abundante. Esse ganhos de escala mediante o comércio
modelo pressupõe que as dotações intrassetorial. Esse é o caso do modelo
são estáticas. Assim, uma economia de Panagarya.

267
Por fim, a concorrência monopólica Vinicius Kuczera
ocorre quando se relaxa o
pressupostos dos bens homogêneos. Zampier
Há concorrência monopólica quando 17
muitas firmas produzem bens que são
substitutos imperfeitos entre si. Para TL – 40;
Krugman, esse é o principal fator a 535 palavras;
explicar o comércio intrassetorial. O 13,37 palavras/linha
maior poder de mercado das firmas
estimula aumentos de escala na O modelo ricardiano representa
produção, mas a relativa semelhança uma das vertentes da teoria clássica
dos bens permite que as firmas do que busca explicar a existência
mesmo setor possuam fornecedores do comércio internacional e a sua
similares. Assim, terceirizam parcelas composição. As suas premissas são:
da produção umas às outras, dentro existência de dois países e 2 produtos,
do mesmo setor, de modo a maximizar concorrência perfeita, ausência de
os ganhos de escala. custos de transporte e ganhos de
escala, existência de um único fator
de produção (trabalho), existência
de funções de produção diferentes
entre os países, existência de comércio
internacional de fatores de produção.
Com base nelas, Ricardo defende que
o país deve se especializar no setor
que melhor utilize o fator (vantagens
comparativas), que tal especialização
é benéf ica (aumento da utilidade)
e gera uma especialização da
divisão internacional do trabalho
(DIT). O modelo Heckscher-Ohlin,
por outro lado, representa uma
vertente neoclássica, de modo que
há premissas similares (modelo
2+2, c. perfeita, ausência de custos
e ganhos de escala). Contudo, nele
há 2 fatores de produção (trabalho e
tecnologia) e as funções de produção
são iguais nos mesmos setores
produtivos (independente do país).
Como resultado, o modelo advoga
que cada país deve se especializar no
setor em que o fator intensivo for mais
abundante (vantagem comparativa),
o que resultaria em maior bem-estar
(deslocamento entre produção e
consumo, aumento da produção) e
especialização da DIT.

Ambos os modelos não são


adequados para explicar o comércio
intrassetorial (fluxo internacional de

268
bens pertencentes a um mesmo e a conquista de novos mercados, o
setor produtivo) porque tal comércio que enseja a formação de grandes
demanda a presença de uma oligopólios internacionais. Destaca-
concorrência imperfeita (fenômeno se também que economias de escala
estudado pela teoria contemporânea dinâmicas favorecem firmas líderes
do comércio internacional). O comércio (conquista de consumidores, controle
intrassetorial, assim, é explicado pela do acesso a insumos) e contribuem
existência de diferenciação horizontal para a consolidação de especializações
e vertical de produtos. No caso da d. não explicadas pelas teorias clássicas
horizontal, há produtos com as mesmas (ausência de vantagens c.). Além disso,
qualidades técnicas, mas atributos econômicas externas à firma podem
sensoriais ou estéticos os tornam causar perdas a econômicas menores
mais ou menos úteis ao consumidor. em caso de abertura.
A globalização comercial gerou um
aumento exponencial do fluxo desses
produtos, sobretudo entre países
de maior renda (Krugman). Como
resultado, os balanços de pagamento
registram a exportação/importação
de produtos aparentemente iguais. A
atuação crescente de transnacionais,
capazes de produzir bens com
características específicas para cada
mercado consumidor, também
favoreceu o comércio intrassetorial.

Os modelos ricardiano e de H.O.


também são inadequados para explicar
a concorrência monopolística e a
presença de economias de escala. A c.
monopolística pressupõe a existência de
produtos heterogêneos (marca) e a posse
de certo poder de mercado (preço de
longo prazo diferente do custo marginal),
o que fere pressupostos clássicos e
possibilita à firma algum lucro anormal.
Tal atributo justifica a internacionalização
de empresas (via comércio ou IDE) pois
as possibilita cobrir os custos derivados
da comercialização fora das fronteiras
nacionais. A ausência dessa vantagem
específ ica à propriedade (como
patentes) reduziria as possibilidades de
proliferação do comércio intrassetorial. O
mesmo pode ser dito das economias de
escala (redução do custo médio frente
ao aumento da produção da firma
ou do seu setor). Tais economias, não
consideradas pelos modelos clássico
e neoclássico, fomentam o comércio
internacional (intrassetorial e intrafirmas)

269
Bruno Brito da a especialização é um resultado da
dotação dos fatores entre os países.
Cruz Abaurre Assim como o modelo ricardiano,
15,5 o Modelo Hecksher-Ohlin leva à
especialização total e à divisão
TL – 40; internacional do trabalho. Portanto,
525 palavras; ambos são incapazes de explorar o
13,12 palavras/linha fato empiricamente constatável de
que há comércio intrassetorial, que não
O comércio internacional é existiria se a especialização fosse total.
defendido como a fonte da riqueza
desde Adam Smith, mas foi David Sob a ótica da imperfeição da
Ricardo quem desenvolveu a teoria concorrência e da circulação da
das vantagens comparativas, informação, Kruger é um dos
explicando por que mesmo o país que economistas que estudam o comércio
tem vantagem absoluta na produção intrassetorial. Esse modelo de comércio
de 2 produtos frente a outro deverá explica tanto o comércio entre matriz
escolher se especializar em um deles e e filiais, como o comércio entre países
efetivamente comerciar. Desde então, que produzem o mesmo tipo de bem;
as teorias do comércio internacional por exemplo, o comércio de carros
evoluíram e foram complementadas, japoneses, europeus e americanos
como demonstram os estudos de entre essas três regiões. Sob essa
Hecksher-Ohlin e de Paul Kruger. visão (diferente da de Ricardo), há
economias de escala, tanto intrafirma
O modelo de vantagens comparativas com o seu crescimento, quando para
de Ricardo é baseado no 2 x 2: dois as firmas em geral com o crescimento
produtos e dois países. Sob a lógica dos mercados. Com isso, as firmas
ricardiana, a produtividade marginal trabalham com mercados mundiais,
do trabalho é o fator que determina o inclusive o de outros países produtores.
produto no qual o país se especializará Nesse sentido, aliás, os consumidores
(e a tecnologia não é conhecimento têm acesso a mais marcas, ainda que
público). Como pontuado acima, no cômputo total mundial possa haver
mesmo que o País A seja mais eficiente um número menor de firmas.
que o País B na produção de X e Y, ele
se especializará no produto em que for Outro ponto importante a explicar o
relativamente mais eficiente quando comércio intrassetorial é a concorrência
comparado a B. O modelo ricardiano monopolística. Trata-se do mercado
leva à especialização total e à divisão em que os bens não são homogêneos
internacional do trabalho, e considera (premissa da qual partem as teorias
economias constantes de escala. das vantagens comparativas), de
modo que os produtos têm alguma
O modelo Hecksher-Ohlin de diferenciação. O exemplo clássico é de
vantagens comparativas difere do restaurantes, mercado onde também
ricardiano na medida em que se não há barreiras à entrada, de modo
baseia no 2 x 2 x 2: dois produtos, dois que a tendência de longo prazo é
países e dois fatores; ou seja, não é só lucro econômico zero. Porém, pensar
o fator trabalho que importa. Sob o no comércio internacional sob essa
Modelo Hecksher-Ohlin, a tecnologia ótica, da concorrência monopolística,
é amplamente conhecimento, há ajuda a entender os esforços de
mobilidade de fatores entre setores, diferenciação entre os produtos:
mas não entre países. Nesse Modelo, comprar um carro Toyota pode não

270
ser o mesmo que comprar um carro NOTA MÉDIA
BMW, o que contribui para o comércio
intrassetorial, dadas as diferenças de Anônimo
qualidade percebidas. 13
TL – 40;
504 palavras;
12,6 palavras/linha

O conceito de vantagem comparativa


foi desenvolvido em oposição ao de
vantagem absoluta, defendido por
Adam Smith. Para este, apenas haveria
comércio quando dois países tivessem
vantagens absolutas, cada um em um
bem. Isso significa que a produção
total desse bem deveria ser maior, em
termos absolutos, em comparação à
do outro país. Por sua vez, o conceito da
vantagem comparativa envolve uma
comparação relativa, e não absoluta.
Isso significa uma comparação entre
as produções de diferentes bens
internamente (entre elas) e, depois,
externamente (em relação às do outro
país). A especialização da produção e
da exportação, desse modo, ocorreria
em relação à produção do bem em que
se tem vantagem comparativa. Como,
ao contrário das vantagens absolutas,
não é possível não ter vantagens
comparativas em nada, ou tê-las
em tudo, os países necessariamente
comercializariam, aumentando seu
bem-estar.

Tanto Ricardo quanto Hecksher


e Ohlin concordam sobre serem as
vantagens comparativas aquilo que
explica o comércio internacional;
discordam, porém, quanto à origem
delas. No modelo ricardiano,
elas surgem das diferenças da
produtividade relativa do trabalho.
Trata-se, nesse sentido, de uma
diferença tecnológica entre dois países
que, considerando haver apenas
um fator de produção, explicam
as especializações produtivas e o
comércio. Cada país produziria aquele
bem em cuja produção apresenta

271
maior produtividade relativa do que lhe proporcionassem economias
trabalho: deixa de produzir menos de escala. Desse modo, tomariam
de um outro bem que o outro país grande parte do mercado mundial ou
em relação a esse mesmo bem. No até mesmo ele todo. A despeito disso,
modelo Hecksher-Ohlin, as vantagens na hipótese de formar-se, tão somente,
comparativas derivam da dotação um oligopólio, nada impede que um
relativa dos fatores de produção e da país que produza dado bem também
intensidade relativa com que esses o compre de empresa estrangeira.
fatores são utilizados na produção de
um bem. Presume-se que os países
têm um mesmo nível tecnológico, mas
que têm dotações distintas dos fatores
trabalho e capital. Nesse modelo, os
países especializam-se e exportam
aqueles bens que são relativamente
intensivos nos fatores de produção
relativamente abundantes.

Percebe-se que tanto o modelo


ricardiano quanto o de Hecksher-
Ohlin, ao explicar a origem do
comércio com base nas vantagens
comparativas, justificam, em última
análise, as trocas internacionais na
existência de diferença entre os
países na produção de dois ou mais
bens. O comércio apenas existira de
se houvesse diferenças produtivas
que justif icassem produzir apenas
um bem e comprar o outro bem
que fosse diferente deste. Trata-se,
necessariamente, de um comércio
intersetorial, em que os países não
compram os mesmos bens que
produzem internamente. Para explicar
o comércio intrassetorial, é preciso
recorrer às teorias que justificam o
comércio na existência de economias
de escala.

Para autores como Krugman, o


comércio internacional teria um
caráter oligopolista ou até mesmo
monopolista, a depender do nível de
barreiras à entrada de novas firmas
no mercado. Por essa teoria, aquelas
firmas que fossem pioneiras em seus
mercados teriam a “vantagem do
pioneirismo”, conseguindo atingir
amplas parcelas do mercado mundial
e, portanto, atingir níveis de produção

272
MENOR NOTA enquanto o desemprego de fatores
escassos diminuiria sua remuneração
Anônimo inicialmente alta. Uma vez que ambos
7,5 os modelos interpretam a convergência
de lucros e de remuneração de
TL – 40; fatores como fenômenos advindos
479 palavras; de dinâmicas entre diferentes setores
11,97 palavras/linha (agricultura em contraposição à
manufatura, por exemplo), eles não
D. Ricardo avança a noção de são adequados para se compreender
“vantagens absolutas” de Adam o comércio intrassetorial. Os aspectos
Smith e cria a noção de “vantagens analisados levam em conta elementos
comparativas” a partir dos conceitos entre diferentes setores (como no
de “produtividade relativa” (a relação caso da convergência de lucros de
entre um fator específ ico e seu Ricardo) ou de setores iguais, porém
produto) e “custo de oportunidade” (o exclusivamente empregados ou não
custo de empregar um fator de uma empregados em diferentes economias
forma determinada, e não de outras). (como no caso das dotações relativas de
A partir dessa ideia, Ricardo entende Hecksher-Ohlin).
o comércio internacional como sendo
sempre positivo, ainda que um país Na concorrência monopolística,
detivesse vantagem absoluta na apesar de haver inúmeros produtores,
produção de todos os bens possíveis. sem barreiras à entrada de novos
O modelo Hecksher-Ohlin, por sua vez, atores, e produto homogêneo, o lucro
explora as ideias ricardianas, e entende econômico não tende a zero, uma vez
a vantagem comparativa como sendo que há esforço constante dos produtores
consequência da dotação relativa de em diferenciar seus produtos. Nesse
fatores por diferentes produtores: países sentido, há uma alteração nas relações
exportariam bens intensivos em seus ricardianas de produtividade relativa e
fatores de produção abundantes, e vantagem comparativa, o que impede
importariam bens intensivos em seus a convergência de lucros. No modelo
fatores de produção escassos. Hecksher-Ohlin, isso muda a relação de
remuneração dos fatores, uma vez que
Segundo Ricardo, os lucros de pode diferenciar preços do produto final,
diferentes setores seria o mesmo no indo além das relações de abundância e
longo prazo, uma vez que os produtores escassez. No que tange à escala, Ricardo
utilizariam, primeiramente, seus fatores entende que a produtividade relativa
de alta produtividade relativa e baixo dos fatores é fixa por fator, mas que seu
custo de oportunidades; os lucros seriam custo de oportunidade é cada vez maior.
reinvestidos na produção, que passaria, Hecksher-Ohlin não abarca noções de
gradativamente, a utilizar fatores escala ou tecnologia.
menos produtivos e de maior custo de
oportunidade; até o momento em que o As hipóteses de escala e concorrência
lucro de outro setor fosse mais atrativo, monopolística justificam a presença
ponto no qual o produtor migraria de do mercado intrassetorial, na medida
setor. O modelo Hecksher-Ohlin, por em que alteram a relação entre
sua vez, entende que a remuneração emprego de fatores produtos e produto,
dos fatores de produção converge no por diferenciação (concorrência
longo prazo, uma vez que o emprego monopolística) ou por queda do custo
de fatores abundantes aumentaria médio (escala).
sua remuneração, inicialmente baixa,

273
um quinto o afia nas pontas para a
Questão 04 colocação da cabeça do alf inete;
para fazer uma cabeça de alfinete,

requerem-se três ou quatro operações
Relatório de notas
Média Ampla Concorrência: 16,3 diferentes; montar a cabeça já é
Média Pessoas com Deficiência: 15,5 uma atividade diferente, e alvejar os
Média Candidatos Negros: 15,2 alfinetes é outra; a própria embalagem
dos alfinetes também constitui uma
atividade independente. […] Vi uma
pequena manufatura desse tipo,
com apenas 10 empregados, e na
qual alguns desses executavam duas
ou três operações diferentes. Mas,
embora não fossem muito hábeis,
MÉDIAS POR QUESITO conseguiam produzir, entre elas, mais
do que 48 mil alfinetes por dia. Assim,
já que cada pessoa conseguia fazer
1/10 de 48 mil alfinetes por dia, pode-
se considerar que cada uma produzia
4 mil e 800 alfinetes diariamente.

SMITH, A. A riqueza das nações: investigação sobre sua


natureza e suas causas. São Paulo: Nova Cultural, 1996,
v. 1, Coleção Os Economistas, p. 65-66, com adapta-
ções.

O excerto mostra como várias


pessoas trabalhando em conjunto
podem produzir mais que a soma
do que cada uma produziria por
conta própria. A teoria da f irma,
Leia, com atenção, o em economia, trata do processo de
excerto a seguir. produção — não em seus aspectos
técnicos, mas nos quantitativos — e
Um operário, em uma fábrica de dos custos envolvidos. Ela permite que
alf inetes, não treinado no uso das a firma decida quanto vai produzir e
ferramentas ali presentes dificilmente vender de seu produto, tendo em vista
poderia talvez fabricar um único as condições de mercado (demanda
alf inete em um dia, empenhando esperada, preços dos insumos, preço
o máximo de trabalho; de qualquer do produto final, entre outros fatores).
forma, certamente não conseguirá
fabricar 20. Entretanto, da maneira Considerando o excerto apresentado
como essa atividade é hoje executada, tem caráter meramente motivador,
não somente o trabalho todo constitui redija um texto dissertativo mostrando
uma indústria específica, mas ele está como a função de produção determina,
dividido em uma série de setores, em um mercado de concorrência
dos quais, por sua vez, a maior parte perfeita, a oferta do produtor. Aborde,
também constitui provavelmente um necessariamente, os seguintes tópicos:
ofício especial. Um operário desenrola
o arame, outro o endireita, um terceiro
o corta, um quarto faz as pontas,

274
fatores de produção; PADRÃO DE RESPOSTA

descrição geral de uma função de Espera-se que o candidato redija


produção; o texto considerando os aspectos a
seguir.
tipos de escala que podem
corresponder à função de produção; A produção de uma firma é o processo
de transformação de insumos em
custos envolvidos; produtos. Do ponto de vista econômico,
os insumos, ou fatores de produção,
distinção entre curto e longo podem ser classificados como trabalho
prazo; e (incluindo a mão de obra envolvida na
operação dos demais fatores físicos),
como os custos permitem terra (isto é, o local de produção),
determinar a oferta do produtor. capital (incluindo as instalações,
ferramentas, máquinas e matérias
primais) e capacidade empresarial (a
capacidade de organizar os demais
fatores da maneira mais ef iciente
possível). A função de produção permite
determinar quanto será produzido
a partir da quantidade de cada fator
Extensão do texto: até 40 linhas empregado no processo. Ela reflete a
[valor: 20,00 pontos] tecnologia de produção adotada pela
firma. Conforme essa tecnologia, pode-
se definir os rendimentos de escala, que
mostram a relação entre o crescimento
percentual da quantidade de todos os
fatores empregados e o crescimento
percentual da produção resultante. Há
processos com rendimentos crescentes,
constantes ou decrescentes de escala,
conforme o aumento percentual da
produção seja superior, igual ou inferior
ao aumento percentual da quantidade
de fatores empregados.

A firma também depende dos custos


de produção de seus bens ou serviços
para tomar sua decisão de ofertar. Esses
custos são a soma do valor monetário
de cada fator utilizado, considerando
o custo de oportunidade, ou seja, o
melhor retorno que se teria com cada
fator caso não fosse usado na produção
da firma em questão. Na análise dos
custos, a firma deve considerar acerca
de quais fatores ela pode tomar
decisões. Se puder decidir a respeito de
todos os fatores de produção, a análise
é de longo prazo. Se, porém, algum

275
fator tem sua quantidade fixada, a Q2. Def inir função de produção.
análise é de curto prazo. Assim, para A função de produção permite
esses fatores cuja quantidade não pode determinar quanto será produzido
ser mudada, consideram-se os custos a partir da quantidade de cada fator
fixos. Por outro lado, no longo prazo, empregado no processo.
todos os fatores podem ser mudados, e
a firma analisa apenas custos variáveis. Q3. Classificar os crescimentos de escala.
Conforme essa tecnologia, podem-se
Para a decisão de quanto produzir, definir os rendimentos de escala, que
de acordo com o preço de mercado mostram a relação entre o crescimento
sob concorrência perfeita, a firma deve percentual da quantidade de todos os
realizar também a análise do custo fatores empregados e o crescimento
médio de cada unidade produzida, ou percentual da produção resultante. Há
seja, o custo total da produção rateado processos com rendimentos crescentes,
pelo total de unidades do produto. Por constantes ou decrescentes de escala,
fim, irá considerar ainda o custo de conforme o aumento percentual da
produzir a próxima unidade do produto, produção seja superior, igual ou inferior
que é o custo marginal. Enquanto o ao aumento percentual da quantidade
custo marginal está abaixo do custo de fatores empregados.
médio, é mais eficiente para a firma
aumentar sua quantidade produzida. Q4. Definir os custos de produção (não é
Isso significa que a firma apenas produz necessário separar por fator). Esses custos
quantidades que estejam acima do são a soma do valor monetário de cada
ponto de equilíbrio médio-marginal, fator utilizado, considerando o custo de
ponto em que o custo médio e o marginal oportunidade. Em outras palavras, o
se igualam. O preço a ser cobrado deve melhor retorno que se teria com cada
ser, no mínimo, igual ao custo marginal. fator caso não fosse usado na produção
Como há concorrência perfeita, a firma da firma em questão.
se mantém no menor preço possível, e
a curva de oferta coincide, então, com Q5. Distinguir curto prazo de longo prazo.
a curva de custo marginal, a partir do Se puder decidir a respeito de todos os
equilíbrio médio-marginal. É assim que fatores de produção, a análise é de longo
eventos que afetem a estrutura de custos prazo. Se, porém, algum fator tem sua
da firma mudam também a curva de quantidade fixada, a análise é de curto
oferta, por meio do custo marginal. prazo.

Q1. Enumerar os fatores de produção Q6. Enunciar que, no longo prazo, há


(apenas a menção é suficiente, sendo apenas custos variáveis. Assim, para esses
considerados eventuais sinônimos, fatores cuja quantidade não pode ser
como “trabalho” e “mão de obra”). Do mudada, consideram-se os custos fixos.
ponto de vista econômico, os insumos, Por outro lado, no longo prazo, todos os
ou fatores de produção, podem ser fatores podem ser mudados, e a firma
classificados como trabalho (incluindo analisa apenas custos variáveis.
a mão de obra envolvida na operação
dos demais fatores físicos), terra (isto é, Q7. Definir custos médios. A firma deve
o local de produção), capital (incluindo realizar também a análise do custo
as instalações, ferramentas, máquinas médio de cada unidade produzida, que
e matérias primais) e capacidade é o custo total da produção rateado pelo
empresarial (a capacidade de organizar total de unidades do produto.
os demais fatores da maneira mais
eficiente possível).

276
Q8. Definir custos marginais. Por fim, Adriana de Medeiros
vai considerar ainda o custo de produzir
a próxima unidade do produto, o custo Gabinio
marginal. 20
Q9. Enunciar que, sob concorrência TL – 40;
perfeita, a firma produz nos pontos 623 palavras;
acima do equilíbrio médio-marginal 15,57 palavras/linha
(não é necessário mencionar esse nome).
“Enquanto o custo marginal está abaixo Em um mercado de concorrência
do custo médio, é mais eficiente para perfeita (inf initos ofertantes e
a firma aumentar sua quantidade demandantes, agente price takers,
produzida. Isso significa que a firma produto homogêneo, ausência do
apenas produz quantidades que estejam poder de mercado), o produtor se
acima do ponto de equilíbrio médio- deparar com uma curva de demanda
marginal, ponto em que o custo médio horizontal (no caso da firma individual),
e o marginal se igualam. o que indica que, dado o preço de
mercado, ele só poderá definir seu
Q10. Enunciar que a curva de oferta nível de oferta. Para tanto, o ofertante
corresponde à curva de custo marginal seguirá a regra do produto, segundo
a partir do equilíbrio médio-marginal. O o qual deve ofertar a quantidade em
preço a ser cobrado deve ser, no mínimo, que custo marginal (Cmg) se iguala
igual ao custo marginal. Como há à receita marginal (Rmg), que, no
concorrência perfeita, a firma se mantém caso da concorrência perfeita, será
no menor preço possível, e a curva de equivalente ao preço. Graficamente,
oferta coincide, então, com a curva de sendo “quantidade” (Q) representada
custo marginal, a partir do equilíbrio no eixo das abcissas, e o “preço” (P), no
médio marginal. Caso queira, embora das ordenadas, a quantidade ofertada
não haja necessidade, o candidato pode pelo produtor em concorrência
usar formulações matemáticas como perfeita será encontrada no ponto “q”.
parte do argumento. Se o fizer, eventuais
erros na formulação serão devidamente Para produzir essa quantidade,
considerados na correção e pontuação o ofertante necessita dos insumos
da resposta. descritos na função de produção, qual
seja, Q (x) = f (K, L), isto é, a quantidade
Será avaliada a capacidade do candidato produzida depende dos fatores de
de estabelecer uma tese e sustentá-la produção “K” (capital) e “L” (trabalho).
coerentemente. A avaliação seguirá o Importa ressalta que o fator “capital”
critério comparativo (i.e.). A avaliação inclui os insumos relativos a terra
individual será feita de acordo com a (aluguel) e maquinário (tecnologia),
comparação do nível de outros exercícios. mantendo-se “K” para f ins de
Nesse sentido, embora o candidato simplificação. Conforme descreveu
possa ter respondido de forma correta, Smith acerca dos alfinetes, os insumos
abrangendo os requisitos anteriormente “K” e “L” submetem-se ao princípio dos
indicados, sua nota poderá ser menor do rendimentos marginais decrescentes,
que a atribuída a outros que fizerem o com magnitudes particulares ao bem,
exercício com maior qualidade intelectual, à tecnologia e ao insumo, de modo
acadêmica e formal. que se pode descrevê-las como “α” e
“β”. Logo, sendo a função de produção
Referências: KRUGMAN, P. R., WELLS, R. Introdução à Eco-
nomia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017, p. 293. do tipo Cobb-Douglas, Q(x) = f(K, L),

277
isto é, a função de produção apresenta marginal (Rmg). Todavia, caso o preço
os insumos capital e trabalho, cujos de mercado caia, ele deve fazer uma
rendimentos marginais possuem escolha entre continuar produzindo
magnitudes “α” e “β”. Caso α + β > 1, a com prejuízo ou suspender atividade.
função terá rendimentos crescentes Como, no curto prazo, os custos fixos
de escala, o que significa que, caso os são irreversíveis (afundados), ele
insumos “L” e “K” dobrem, a produção deverá considerar apenas os custos
total mais que dobrará; caso α + β < variáveis, representado no gráfico de
1, haverá rendimentos decrescentes abcissa “Q” (quantidade) e ordenada
de escala, de modo que, se “L” e “K” “P” (preço) como “Cvme” (custo
dobrarem, a produção terá resultado variável médio). Assim, se o preço for
menor que o dobro; caso α + β = 1, menor que “Cvme”, o produtor deve
ter-se-á rendimentos constantes de suspender produção no curto prazo e,
escala, e, ao dobrar “L” e “K”, o produtor no longo prazo, encerar as atividades.
terá o dobro do produto. Comparando-
se as isoquantas, no primeiro caso,
elas se aproximarão; no segundo caso,
elas se afastarão umas das outras; no
terceiro caso, a distância entre elas
será constante.

Ademais de considerar a quantidade,


o produtor precisa considerar seus
custos, que incluem os custos fixos
(que não dependem da quantidade
produzida), dos custos variáveis (que
variam de acordo com a quantidade)
e os custos de oportunidade (perda de
oportunidade por não estar investindo
em outra atividade). Entre os custos
variáveis, têm-se o custo médio (relação
entre o custo total e quantidade
produzida total) e o custo marginal
(custo adicional pela produção de
uma unidade a mais). Além desses, o
ofertante deve observar a existência
de custos afundados (irrecuperáveis),
a fim de desconsiderá-los na tomada
de decisões. Como, no curto prazo,
ao menos um insumo de produção é
fixo (enquanto, no longo prazo, todos
os insumos são variáveis), algumas
decisões do ofertante dependerão do
horizonte temporal.

Veja-se, por exemplo, como os custos


impactam na oferta do produtor. Como
já destacado, o produtor determinará
sua oferta no ponto em que o custo
marginal (Cmg) for igual à receita

278
Liz Pinhata de Souza dos pratos de um restaurante). O
custo total é a soma do custo fixo e
20 do custo variável. O custo médio é o
custo total dividido pela quantidade
TL – 40; produzida, equivalendo ao custo de
486 palavras; qualquer unidade produzida. O custo
12,15 palavras/linha
marginal é o custo de produção de
uma unidade adicional, calculado pela
Na concorrência perfeita, a oferta de divisão da variação do custo total pela
produtos é determinada pelos custos variação na quantidade produzida.
de produção. A curva de oferta do Há ainda os custos irrecuperáveis
produtor é positivamente inclinada nos (no exemplo do restaurante, poderia
eixos custo e quantidade produzida, ser o valor que o chef pagou por sua
indicando que os custos aumentam à formação em gastronomia) e os custos
medida que a quantidade produzida implícitos, que equivalem ao custo de
aumenta, pois os insumos estão oportunidade, aquilo que se deixou de
submetidos à lei dos rendimentos ganhar com outra atividade.
decrescentes. Os principais fatores de
produção são o trabalho (empregados) Na microeconomia, o curto prazo
e o capital (máquinas), ainda que é aquele em que apenas um insumo
a terra também seja considerada pode ser alterado (capital ou trabalho)
como tal, especialmente em relação e o longo prazo é o tempo em que
à produção agrícola. Nesse contexto, todos os insumos se tornaram
a função de produção relaciona variáveis. Por isso, no curto prazo, a
positivamente o trabalho e o capital firma deve paralisar suas atividades
à quantidade produzida: quanto se o custo variável médio for maior
mais insumos empregados, maior que o preço (prejuízo); nesse caso,
será a quantidade produzida. Podem o preço ainda cobre os custos fixos.
corresponder, à função de produção, No mesmo sentido, se o prejuízo
escalas crescentes, constantes permanece no longo prazo, depois
e decrescentes de escala. Nas da variação de todos os insumos, a
escalas crescentes, as quantidades firma deveria fechar. Note-se que a
empregadas de insumos levam ao firma só deve produzir com preço
crescimento proporcionalmente maior maior que o custo variável médio. Para
da quantidade produzida. Nas escalas maximizar seus lucros, a firma produz
constantes, a produção é proporcional quantidade em que a receita marginal
aos insumos empregados. Já nas seja igual ao custo marginal e ao preço.
escalas decrescentes, a produção Como resultado, a curva de oferta do
cresce a taxa proporcionalmente produtor equivale à curva de custo
menor que o aumento dos insumos. marginal a partir do seu cruzamento
com a curva de custo variável médio,
Há diversos custos envolvidos o qual acontece no ponto de custo
na produção. O custo f ixo refere- variável médio mínimo. Essa é a forma
se aos gastos que independem da como os custos permitem determinar
quantidade produzida e que se a oferta do produtor.
diluem quando aumenta a produção
(ex.: o salário dos garçons de um
restaurante). O custo variável é o que
aumenta ou diminui de acordo com
a alteração na quantidade produzida
(ex.: os ingredientes para o preparo

279
Renato de de não dedicar-se a outra atividade;
o custo f ixo, que não depende do
Mendonça Neves volume de produção (o aluguel do
20 espaço, por exemplo [sic], o custo
variável, que muda com o volume de
TL – 40; produção; o custo afundado, que é
575 palavras; irrecuperável após assumido; e o custo
14,38 palavras/linha marginal, que é o custo gerado pela
produção de uma unidade adicional
Na teoria da f irma, a função de do bem. Esses custos também podem
produção determina a produção de ter a vertente média, quando divididos
uma empresa, a quantidade que pela quantidade produzida.
produzirá e o preço a ser cobrado. A
função de produção depende dos O comportamento da f irma se
fatores de produção (o custo dos distingue no curto e no longo prazo.
fatores, em geral, capital e trabalho); Quanto aos fatores de produção, um
do preço de mercado; das expectativas dos fatores é considerado fixo no curto
em torno da demanda; e da tecnologia prazo; já no longo, ambos são variáveis.
adotada. Nessa produção, a receita Quanto aos custos, o acúmulo de
total do produtor será dada pelo experiência pode levar a aumento da
produto do preço cobrado e a produtividade no longo prazo, com
quantidade produzida (RT = PxQ). redução do custo unitário.

Na concorrência perfeita, o produtor Em um mercado de concorrência


pode ampliar sua receita reduzindo os perfeita, nem ofertantes nem
custos ou aumentando a produção. consumidores são capazes de,
Trata-se das economias ou retornos de individualmente, influenciar o preço
escala. Uma firma pode ter retornos de modo que o preço é dado pelo
constantes de escala (aumento na mercado. Para determinar a oferta do
dotação dos fatores leva a aumento produtor, ele deve fixar sua produção
proporcional da produção); retornos no ponto em que o custo marginal
crescentes de escala (aumento na equivale ao rendimento marginal
dotação dos fatores leva a aumento (Cmg = Rmg). Como o preço é dado,
mais que proporcional da produção haverá equivalência entre os três (P
[sic] ou retornos decrescentes = Cmg = Rmg). Nesse ponto, o lucro
de escala. No primeiro caso, as econômico obtido é zero, sendo o
isoquantas (curvas que relacionam lucro máximo da firma competitiva.
as quantidades empregadas de Não há incentivos à saída, e todos os
fator trabalho e capital) se afastam custos são compensados. Os custos
do centro a distâncias regulares; no podem apresentar variações no
segundo, a distâncias menores; e no curto prazo. Se o preço de mercado
terceiro, a distâncias maiores. Uma for menor que o custo total médio
firma pode experimentar um primeiro (soma do custo fixo médio e do custo
momento de retornos crescentes variável médio), a firma pode optar
de escala, até chegar a um ponto por interromper temporariamente as
de saturação, a partir de onde terá atividades (como no caso da fábrica
retornos decrescentes de escala. de sorvete no inverno) ou operar no
prejuízo. Contudo, caso o preço esteja
Uma f irma pode controlar sua abaixo do custo variável médio, a firma
produção pelos custos envolvidos. Há deverá encerrar suas atividades. Como
o custo de oportunidade, que é o custo se trata de concorrência perfeita, não

280
há barreiras à entrada nem à saída; NOTA MÉDIA
uma firma entrará no mercado se
vislumbrar lucro positivo, e sairá se Jonas Paskauskas
vislumbrar lucro negativo no longo Werdine
prazo. O amplo conhecimento de sua
função de produção é fator essencial
16
para o êxito da firma em concorrência
TL – 40;
perfeita, reduzindo custos a fim de
547 palavras;
garantir o lucro econômico máximo, 13,67 palavras/linha
com produção socialmente eficiente
nos termos de Pareto. A Teoria da Firma, via de regra, aborda
as escolhas produtivas do ofertante
com base nos custos envolvidos
nos fatores de produção capital (K)
e trabalho (L). Por custos relativos
ao trabalho, entende-se aqueles
relacionados ao pagamento de
salários e encargos de trabalhadores,
ao passo que o capital tem relação
com a estrutura propriamente dita,
como máquinas, equipamentos,
espaço da fábrica, etc. Os custos
de capital geralmente envolvem o
pagamento de aluguéis, impostos,
manutenção de equipamentos e
outros. Assim, os fatores de produção
são os elementos usados pelas firmas
na produção do bem.

No contexto da Teoria da Firma,


lida-se com a ideia de que custos
f ixos, que não variam conforme o
aumento ou a redução da atividade
produtiva; custos variáveis, que variam
conforme se pretende aumentar
ou reduzir a quantidade produzida;
custo marginal, que cuida do custo
adicional que cada nova unidade de
fator produtivo variável acrescenta ao
custo total, que é assoma dos custos
f ixos e custos variável; custo total
médio, que é a razão entre custo total
e quantidade produzida; custo variável
médio, sendo a razão entre custo
variável e a quantidade produzida; e
custo fixo médio, razão entre custo
fixo e quantidade produzida. Desse
modo, no curto prazo, lida-se com
o fator L como fator variável e o fato
K como fator fixo, ao passo que, no

281
longo prazo, tanto L quanto K são ponto de fechamento imediato da
fatores variáveis, na medida em que empresa, onde a produção será zero.
se considera possível a expansão A representação gráfica da presente
ou redução quantitativa de fatores resposta é exposta a seguir:
ligados ao capital.
O ponto A representa onde o
Considerando-se o curto prazo e preço de mercado equivale ao custo
admitindo-se que F (P) = [K, L], a curva marginal, o que define a quantidade
de custo marginal poderá indicar a ofertada (qo).
quantidade a ser produzida com o fim
de maximização do lucro econômico.
Isso porque, considerando um mercado
de concorrência perfeita, a receita
total (R) do produtor será definida
pelo produto da quantidade vendida
(q) e do preço (P), na fórmula R = P x
q. Por outro lado, enquanto tomador
preços a receita marginal equivalerá
ao preço, na medida em que cada
unidade adicional vendida aumentará
a receita no exato valor do preço de
mercado. Com isso, considerando que
a lei dos rendimentos decrescentes
importa o progressivo aumento dos
custos marginais após breve início de
rendimentos crescentes de escala,
tem-se que o produtor obterá lucro
enquanto o preço do mercado do bem
for capaz de cobrir o custo marginal.
O lucro econômico máximo, traduzido
na maior quantidade de bem estar
obtida pelo produtor, ocorrerá quando
Cmg = Rmg, a qual equivale a P.

Isso porque, ao se igualar o


custo marginal ao preço, não será
vantajoso ao ofertante acrescentar
nova unidade de fator variável (L), o
que representaria perda de receita
líquida e produtividade. Assim, em um
mercado de concorrência perfeita, o
lucro econômico buscado equivale a
0 (zero), o que se obtém ao produzir a
quantidade onde Cmg = P.

Assim, a curva de custo marginal


é capaz de revelar a própria curva
de oferta, na medida em que, nas
hipóteses onde o preço de mercado
for insuficiente a cobrir mesmo o custo
variável médio, será determinado o

282
MENOR NOTA o longo prazo. No curto prazo, existe,
ao menos, um fator de produção fixo
Anônimo e um variável. Consequentemente, o
7,5 produtor depara-se com custos fixos e
com custos variáveis. Em contrapartida,
TL – 39; no longo prazo, existem apenas fatores
487 palavras; de produção variáveis, de modo que
12,48 palavras/linha os custos envolvidos na produção se
tornam variáveis: quanto mais fatores
Função de produção é uma fórmula empregados, maiores os custos –
matemática que expressa quanto embora não necessariamente maior a
de produto é possível alcançar com produção, já que os retornos de escala
determinada quantidade de fatores de podem ser crescentes, constantes ou
produção e determinada tecnologia, decrescentes, independentemente da
ou seja, a forma como esses fatores produtividade marginal decrescente
são combinados entre si. Em um eixo dos fatores.
cartesiano onde o eixo X representa
um fator de produção e o eixo Y O produtor, em um mercado
representa outro, as isoquantas lá competitivo, depara-se, sempre, com
dispostas representam cada um delas uma demanda perfeitamente elástica.
uma função de produção diferente, ao Diante dela, produz até o nível em que
passo que os pontos ao longo de uma seu custo marginal, que é crescente,
mesma isoquanta representam as encontra-se com a curva de demanda.
diferentes formas de combinar aqueles Isso porque esta também representa
fatores de produção mantendo um sua curva de receita marginal. Ao
mesmo nível de produção. igualar custo marginal e receita
marginal, a firma estará maximizando
Às funções de produção podem seus lucros. Dado que, na concorrência
corresponder diferentes formas de perfeita, não há barreiras à entrada e
escala, de modo que os retornos podem à saída de firmas, o lucro econômico,
ser diferentes ao longo do tempo. a longo prazo, será zero. Isso significa
É possível haver escalas internas à que a receita total média, que equivale
firma, quando a redução dos custos ao preço (representado pela curva
médios se faz mediante o aumento de demanda), é igual ao custo total
do tamanho da f irma. E possível, médio. Desse modo, percebe-se que,
também, que haja escalas externas à a longo prazo, é possível determinar se
firma, relacionadas a questões como a oferta do produtor está em equilíbrio
ampliação da infraestrutura, o que quando há uma situação de igualdade
beneficiará todo o setor e não apenas entre custo marginal, receita marginal,
a firma individualmente. Além disso, preço, receita total média e custo
também existem escalas relacionadas média, esse último estando em seu
à experiência da firma, quando esta, ponto mínimo.
por já estar no mercado há bastante
tempo, adquiriu “know-how” suficiente A partir da análise da função
que lhe permita reduzir seus custos- de produção e das questões a ela
médios. correlatas, como tipos de escala e
custos, é possível compreender as
Em um mercado competitivo, escolhas feitas por uma determinada
assim como nas demais estruturas firma. Isso é válido, como visto, tanto
de mercado, existe uma função de no curto quanto no longo prazo.
produção para o curto prazo e uma para

283
Direito
284
TANAKA, Yoshifumi. The Peaceful Settlement of Inter-
national Disputes. Cambridge: Cambridge University
Questão 01 Press, 2018, p. 3 (tradução livre).


Considerando que o excerto
Relatório de notas
Média Ampla Concorrência: 25,5 apresentado tem caráter meramente
Média Pessoas com Deficiência: 25,5 motivador e tendo em vista o lugar que
Média Candidatos Negros: 23,8 a solução pacífica de controvérsias
internacionais ocupa na estrutura do
sistema jurídico-internacional, como
um pré-requisito para a manutenção
da paz e da segurança internacionais,
entendimento delineado por
Yoshifumi Tanaka, redija um texto
dissertativo acerca desse assunto.
Aborde, necessariamente, os
MÉDIAS POR QUESITO seguintes tópicos:

a obrigação de solução pacífica


de controvérsias internacionais no
Direito Internacional, delimitando
as suas principais características e
especificidades;

os meios de solução pacífica


de controvérsias internacionais:
negociação, bons ofícios, mediação,
conciliação e inquérito;

indicação, de forma sucinta e objetiva,


de dois tratados internacionais e
de duas declarações internacionais,
Leia, com atenção, o contendo menção expressa à
obrigação de solução pacíf ica das
excerto a seguir.
controvérsias internacionais;

A solução de controvérsias é uma descrição e explicação quanto à


das funções essenciais do Direito e importância do Pacto de Bogotá
isso vale igualmente para o Direito ou Tratado Americano de Soluções
Internacional. De fato, a solução pacífica Pacificas, assinado pelo Brasil e por
de controvérsias internacionais é um outros países, em Bogotá, em 30 de
pré-requisito para a manutenção da abril de 1948, para a resolução pacífica
paz e da segurança internacionais. de controvérsias internacionais
Além disso, o estabelecimento perante a Corte Internacional de
de mecanismos de solução de Justiça (CIJ); e
controvérsias internacionais é
necessário para garantir a efetividade possível relação a ser estabelecida
do sistema jurídico internacional. entre a obrigação de solução pacífica
A solução pacífica de controvérsias de controvérsias internacionais, no
internacionais ocupa, portanto, um âmbito do Direito Internacional, e a
lugar central no Direito Internacional. Constituição da República Federativa
do Brasil de 1998.

285
PADRÃO DE RESPOSTA
Extensão do texto: até 60 linhas
[valor: 30,00 pontos]
Espera-se que o candidato redija o texto
considerando os aspectos a seguir.

Q1. Espera-se que o candidato discorra


acerca da obrigação de solução pacífica
de controvérsias internacionais, tanto
no plano conceitual como no das
características gerais desta obrigação
no Direito Internacional. A título
exemplificativo, segundo Yoshifumi
Tanaka, “The obligation of peaceful
settlement of international disputes
means that States must settle disputes
by peaceful means, not coercive means.
It is not suggested that all international
disputes must be resolved immediately.
In appropriate circumstances, wisdom
may require parties to freeze disputes
and maintain the status quo. The 1959
Antarctic Treaty that freezes claims to
territorial sovereignty over Antarctica
is a case in point. However, it must
be remembered that f reezing of
international disputes is only possible
as long as all parties in dispute agree to
do so. In addition, absence of solution
must not constitute a threat to the
maintenance of international peace
and security.” TANAKA, Yoshifumi. The
Peaceful Settlement of International
Disputes. Cambridge: Cambridge
University Press, 2018. p. 6

Q2. Espera-se que o candidato


disserte, com riqueza de detalhes
e características, a respeito de
negociação e de bons ofícios, ambos
como meios de solução pacífica de
controvérsias internacionais. A título
exemplificativo, segundo Yoshifumi
Tanaka, (a) negociação: “Whilst
negotiation is an elusive concept, the
ICJ in the 2011 Georgia/Russia case
clarified to some extent the concept of
negotiations. Three points in particular
merit highlighting. First, negotiations
must be distinct from mere protests or
disputations. Negotiation entails more
than the plain opposition of legal views
286
or interests between two parties, or the Q3. Espera-se que o candidato
existence of a series of accusations and disserte, com riqueza de detalhes e
rebuttals, or even the exchange of claims características, acerca de mediação;
and directly opposed counterclaims. e conciliação, ambas como meios
Second, negotiation requires, at the de solução pacífica de controvérsias
very least, a genuine attempt by one internacionais. A título exemplificativo,
of the disputing parties to engage in segundo Yoshifumi Tanaka, (c)
discussion with the other disputing mediação: “Mediation is a process
party with a view to resolving the whereby a third party actively assists
dispute, even though an obligation to two or more parties in dispute, with
negotiate does not imply an obligation their consent, to develop a mutually
to reach agreement.” Third, to meet acceptable solution in the settlement of
the precondition of negotiation in the an international dispute by offering its
compromissory clause of a treaty, these own proposals. By offering mediation,
negotiations must relate to the subject a third party intervenes in the
matter of the treaty containing the negotiation process between parties to
compromissory clause. In other words, a dispute with a view to reconciling the
the subject matter of the negotiations claims of the contending parties and
must relate to the subject matter of to advance his own proposals aimed
the dispute which must concern the at a mutually acceptable compromise
substantive obligations contained solution. The ICJ formulated mediation
in the treaty in question.” TANAKA, as third States, on their own initiative,
Yoshifumi. The Peaceful Settlement endeavoured to bring together the
of International Disputes. Cambridge: viewpoints of the States concerned by
Cambridge University Press, 2018. p.30. making specific proposals to them?
(b) Bons ofícios: “Good offices are a The importance of mediation in the
procedure in which a third party seeks peaceful settlement of international
to facilitate efforts towards a peaceful disputes was acknowledged by UN
settlement of disputes between parties General Assembly Resolution 70/304
by providing them with a channel of of 2016.” TANAKA, Yoshifumi. The
communication. Good off ices may Peaceful Settlement of International
be performed by a single State or a Disputes. Cambridge: Cambridge
group of States, or by non-State actors, University Press, 2018. p. 45. (d)
such as international institutions and Conciliação: “Conciliation performs
individuals acting independently. a dual function: (i) To investigate
[…] Normally good offices involve no and elucidate the issues of facts,
more than helping to bring the parties and (ii) to facilitate the settlement
in dispute into direct negotiations. of disputes by suggesting mutually
However, the role of a third party acceptable solutions to the parties in
exercising good offices may change dispute. […] Three requirements must
over time and involvement of the third be met to secure the effectiveness
party may be deepened according of conciliation: independence and
to the developments of the events impartiality of conciliation commission,
concerning the dispute.Hence the confidentiality and non aggravation
distinction between good offices and of the situation. […] Normally a
mediation is thin in practice.” TANAKA, conciliation commission is composed
Yoshifumi. The Peaceful Settlement of three or five members. While the
of International Disputes. Cambridge: modes of selecting conciliators vary
Cambridge University Press, 2018. p.43. according to treaties, usually each
party to a dispute appoints either
one of the three conciliators or two of

287
the five conciliators. The third or the on every State as a rule of customary
fifth conciliator is then appointed by a international law. This obligation is
joint decision of the two parties to the also to apply to the United Nations
dispute or by a joint decision of either itself. Subsequently the obligation of
the two or the four conciliators already peaceful settlement of international
appointed by the parties. Under the disputes is conf irmed in multiple
traditional conciliation, composition of international instruments, such as the
a conciliation committee is largely left 1970 Friendly Relations Declaration,
in the hands of the parties in dispute.” the 1982 Manila Declaration, and the
TANAKA, Yoshifumi. The Peaceful 2012 Declaration on the Rule of Law.”
Settlement of International Disputes. TANAKA, Yoshifumi. The Peaceful
Cambridge: Cambridge University Settlement of International Disputes.
Press, 2018. p.65-68. Cambridge: Cambridge University
Press, 2018. p.05-06.
Q4. Espera-se que o candidato
disserte, com riqueza de detalhes e Q6. Espera-se que o candidato
características, quanto ao inquérito, elenque, de forma sucinta e objetiva,
como meio de solução pacíf ica de 2 (duas) Declarações internacionais,
controvérsias internacionais. A título contendo menção expressa à
exemplificativo, segundo Yoshifumi obrigação de solução pacíf ica das
Tanaka, (e) inquérito: “As noted, the controvérsias internacionais. A título
primary role of inquiry is to facilitate the exemplificativo, segundo Yoshifumi
settlement of international disputes by Tanaka, “The obligation of peaceful
elucidating issues of facts underlying settlement of international disputes
international disputes. The role of is clearly embodied in Article 2(3) of
inquiry is increasingly important in the the Charter of the United Nations
settlement of international disputes (hereafter the UN Charter). […] Whilst
involving scientif ic and technical the obligation under this provision is
matters, such as international water primarily incumbent upon members
disputes.6 Inquiry can also contribute of the United Nations, it is binding
to the prevention of international on every State as a rule of customary
disputes.” TANAKA, Yoshifumi. The international law. This obligation is
Peaceful Settlement of International also to apply to the United Nations
Disputes. Cambridge: Cambridge itself. Subsequently the obligation of
University Press, 2018. P.53. peaceful settlement of international
disputes is conf irmed in multiple
Q5. Espera-se que o candidato international instruments, such as the
elenque, de forma sucinta e objetiva, 1970 Friendly Relations Declaration,
2 (dois) Tratados internacionais, the 1982 Manila Declaration, and the
contendo menção expressa à 2012 Declaration on the Rule of Law.”
obrigação de solução pacíf ica das TANAKA, Yoshifumi. The Peaceful
controvérsias internacionais. A título Settlement of International Disputes.
exemplificativo, segundo Yoshifumi Cambridge: Cambridge University
Tanaka, “The obligation of peaceful Press, 2018. p.05-06.
settlement of international disputes
is clearly embodied in Article 2(3) of Q7. Espera-se que o candidato
the Charter of the United Nations descreva, ainda que de forma objetiva,
(hereafter the UN Charter). […] Whilst o contexto de formação, a estrutura
the obligation under this provision is e a função do Pacto de Bogotá ou
primarily incumbent upon members “Tratado Americano de Soluções
of the United Nations, it is binding Pacificas”, assinado pelo Brasil e por

288
outros países, em Bogotá, em 30 de themselves to submit [a dispute] to
abril de 1948. A título exemplificativo, arbitration, in accordance with the
segundo María Teresa Infante Caffi, provisions of Chapter Five of this Treaty”.
“The American Treaty on Pacif ic • It lists a number of conditionalities
Settlement, or the “Pact of Bogota”, that establish limits to the competence
adopted at the Ninth International and admissibility of cases before
Conference of American States in 1948, international tribunals as well to other
relates to the structure of the Inter- mechanisms of dispute settlement. •
American System while remaining It allows for reservations by the parties
independent from the Charter of the with the result that they can be subject
Organization of American States (oas), to different mechanisms or obligations
which sets forth the political premises with respect to each and every other
of the System. The Pact inherits party. […] The jurisprudence illustrates
proposals already advanced by the that the jurisdictional clause embodied
Inter-American Juridical Committee in Article XXXI considered together
since 1945, when a draft Inter-American with Article VI, and even Article II, have
System of Peace emerged. Draft stood up over the past 15 years. With
studies conducted over the years 1938- all its weaknesses and despite the
45 and the work of the Inter-American criticisms directed at it, the Pact has
Juridical Committee to coordinate and been considered a sort of corpus juris
systematize Inter-American Peace of international law in the Americas.”
Agreements had shown preferences INFANTE CAFFI, María Teresa. The Pact
for a combination of procedures for of Bogota: Cases and Practice. ACDI,
dispute settlement, including voices in Bogotá, v. 10. p. 85-116, 2017. Disponível
favor of a regional court. On the whole, em: https: . Acesso em: 1o maio 2022.
the concept of an Inter-American
System of Peace was enshrined at Q8. Espera-se que o candidato explique
the Chapultepec Conference. Judicial a importância do Pacto de Bogotá
and arbitral procedures subsequently ou “Tratado Americano de Soluções
took center stage in the discussion Pacificas”, assinado pelo Brasil e por
in Bogota, resulting in an innovative outros países, em Bogotá, em 30 de
scheme of compulsory jurisdiction abril de 1948, para a resolução pacífica
subject to limits and exceptions. […] The de controvérsias internacionais perante
characteristics of the Pact of Bogota a Corte Internacional de Justiça (CIJ). A
as an instrument for the settlement título exemplificativo, segundo María
of disputes may be systematized Teresa Infante Caffi, “The American
as follows: • The Pact contains a Treaty on Pacific Settlement, or the
complete set of mechanisms raging “Pact of Bogota”, adopted at the
f rom diplomatic means including Ninth International Conference of
conciliation, to adjudication through American States in 1948, relates to
judicial and arbitral procedures; • It the structure of the Inter-American
establishes a complex relationship System while remaining independent
between recourse to the International from the Charter of the Organization of
Court of Justice, the competence of American States (oas), which sets forth
the Court, and arbitration, whereas the political premises of the System.
the latter may be available in case The Pact inherits proposals already
the ICJ declares itself to be without advanced by the Inter-American
jurisdiction in controversies other than Juridical Committee since 1945, when
those set out in Articles V, VI and VII a draft InterAmerican System of Peace
of the Treaty (Article XXXV). Thus, the emerged. Draft studies conducted over
“High Contracting Parties obligate the years 1938-45 and the work of the

289
Inter-American Juridical Committee criticisms directed at it, the Pact has
to coordinate and systematize Inter- been considered a sort of corpus juris
American Peace Agreements had of international law in the Americas.”
shown preferences for a combination INFANTE CAFFI, María Teresa. The Pact
of procedures for dispute settlement, of Bogota: Cases and Practice. ACDI,
including voices in favor of a regional Bogotá, v. 10. p. 85-116, 2017.
court. On the whole, the concept of
an Inter-American System of Peace Q9. Espera-se que o candidato delimite
was enshrined at the Chapultepec a possível relação entre a obrigação
Conference. Judicial and arbitral de solução pacífica de controvérsias
procedures subsequently took center internacionais e a Constituição da
stage in the discussion in Bogota, República Federativa do Brasil de
resulting in an innovative scheme 1988, fazendo apenas menção, básica
of compulsory jurisdiction subject e elementar, ao princípio da solução
to limits and exceptions. […] The pacífica dos conflitos inscrito no art 4º,
characteristics of the Pact of Bogota inciso VII, da Constituição da República
as an instrument for the settlement Federativa do Brasil de 1988.
of disputes may be systematized
as follows: • The Pact contains a Q10. Espera-se que o candidato
complete set of mechanisms raging disserte, de modo criativo e analítico,
f rom diplomatic means including a respeito da relação entre a obrigação
conciliation, to adjudication through de solução pacífica de controvérsias
judicial and arbitral procedures; • It internacionais, no âmbito geral do
establishes a complex relationship Direito Internacional, e os princípios
between recourse to the International que devem reger a República
Court of Justice, the competence of Federativa do Brasil, em suas relações
the Court, and arbitration, whereas internacionais, mais particularmente, a
the latter may be available in case solução pacífica dos conflitos, contida
the ICJ declares itself to be without no art. 4, inciso VII, da Constituição da
jurisdiction in controversies other than República Federativa do Brasil de 1988.
those set out in Articles V, VI and VII Será avaliada a capacidade do
of the Treaty (Article XXXV). Thus, the candidato de estabelecer uma tese e
“High Contracting Parties obligate sustentá-la coerentemente. A avaliação
themselves to submit [a dispute] to seguirá o critério comparativo (i.e.). A
arbitration, in accordance with the avaliação individual será feita de acordo
provisions of Chapter Five of this Treaty”. com a comparação do nível de outros
• It lists a number of conditionalities exercícios. Nesse sentido, embora
that establish limits to the competence o candidato possa ter respondido
and admissibility of cases before de forma correta, abrangendo os
international tribunals as well to other requisitos anteriormente indicados,
mechanisms of dispute settlement. • sua nota poderá ser menor do que
It allows for reservations by the parties a atribuída a outros que f izerem
with the result that they can be subject o exercício com maior qualidade
to different mechanisms or obligations intelectual, acadêmica e formal.
with respect to each and every other
party. […] The jurisprudence illustrates
that the jurisdictional clause embodied
in Article XXXI considered together
with Article VI, and even Article II, have
stood up over the past 15 years. With
all its weaknesses and despite the

290
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de Vinícius Kuczera
1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 1 º maio 2022. Zampier
29,5
INFANTE CAFFI, María Teresa. The Pact of Bogota: Cases
and Practice. ACDI, Bogotá, v. 10. p. 85-116, 2017. Disponível
em: <https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/5910889.
pdf>. Acesso em: 1 º maio 2022.
TANAKA, Yoshifumi. The Peaceful Settlement of Internatio- TL – 60;
nal Disputes. Cambridge: Cambridge University Press, 2018.
844 palavras;
14 palavras/linha

O dever dos Estados em buscar


a solução pacífica de controvérsias
internacionais representa um dos
fundamentos (prima principia)
do Direito Internacional, possui
natureza costumeira e convencional,
e conforma uma série de regras
do sistema. Uma controvérsia
entre Estados representa qualquer
desacordo em relação à questão de
fato ou de direito (Caso Mavrommatis,
CPJI). A sua solução pacífica pode
envolver meios diplomáticos ou
jurisdicionais. No caso dos primeiros,
as tratativas envolvem somente
as partes ou terceiros, possuem
diferentes graus de institucionalidade,
demandam a concordância de todos
os envolvidos e não necessitam estar
de acordo com o DIP. As jurisdicionais
englobam o recurso à arbitragem
(discricionaridade das partes,
escolha do árbitro e direito aplicável,
obrigatoriedade do laudo arbitral) ou
a algum tribunal internacional (como
cortes universais – CIJ, T. do Direito do
Mar – ou regionais), sendo necessário
aceitar a sua jurisdição de forma
tácita ou expressa.

A busca de soluções pacíficas tem


como base os princípios da boa-fé
(ius cogens segundo a CIJ), igualdade
soberana dos Estados e imunidade
absoluta dos atores estatais para
atos de império. Segundo a CIJ,
contudo, os Estados não têm
obrigação de encontrar uma solução
e não há prazo determinado para as
tratativas (Caso Bolívia x Chile). Por
outro lado, a busca de uma solução
pacífica não impede, ad aeternum,

291
eventual jurisdicionalização frente Ata de Washington). A conciliação
ao fracasso de soluções diplomáticas também envolve a apresentação
(entendimento do T. I. do Mar, caso de uma alternativa não-vinculante
envolvendo instalação nuclear, para a controvérsia, mas é revestida
Irlanda x GB). De forma paralela aos de maior formalidade (existência
princípios e costumes, tal dever foi de uma estrutura e procedimentos
progressivamente codificado, ao pré-determinados, por exemplo).
mesmo tempo em que o direito à Tal mecanismo está previsto na
guerra (ius ad bellum) era restringido: CONVEMAR, que prevê uma lista em
Convenção Drago-Porter, C. de Paz anexo de conciliadores e a necessidade
de Paris, Tratado Constitutivo da LDN, de buscar a conciliação antes de
Tratado do Rio de Janeiro (T. Saavedra acionar a jurisdição compulsória.
Lamas). Como consequência, a Por fim, o inquérito representa um
Carta das NU reforçou tal previsão mecanismo de averiguação dos fatos
e elencou a solução pacífica de envolvidos, geralmente realizada por
controvérsias como um de seus uma comissão de inquérito, e pode
princípios, determinando também preceder a conciliação (exemplo:
que qualquer ação do CSNU deve ser comissão de inquérito criada durante
precedida de diplomacia preventiva. a Guerra do Chaco, Paraguai x Bolívia).
Ademais, a Declaração Universal
dos DH também previu tal dever O Pacto de Bogotá (1948) deu
estatal e seguidas resoluções da continuidade à tradição latino-
AGNU o reforçaram, como a res. americana de valorização da solução
2625 (Declaração sobre os princípios pacíficadecontrovérsias(criaçãodaCorte
que regem as relações entre os de Justiça Centro-Americana, doutrina
Estados) e a res. 1415 (D. sobre o Drago, Convenção Drago-Porter, T. do
direito à independência dos povos Rio de Janeiro) e previu o dever de seus
colonizados). Como consequência, o membros em solucionar pacificamente
princípio ganhou densidade (parte eventuais controvérsias. Na convenção
da doutrina defende o seu caráter de são elencados meios diplomáticos (rol
ius cogens). exemplificativo) e também é previsto
que, em falta de consenso, a parte que
A Carta das NU elenca, em rol se sentir prejudicada pode acionar a
exemplificativo, alguns métodos CIJ. Assim, a convenção possui uma
diplomáticos. A negociação (bilateral, cláusula compromissória que vincula os
trilateral, plurilateral, multilateral) Estados-partes à jurisdição compulsória
representa o mais simples deles, não da CIJ, um meio expresso de aceitação
havendo exigências de forma. Os de sua jurisdição. Contudo, tal previsão
bons ofícios envolvem a participação só é válida entre as partes do Pacto de
de um terceiro que atua para Bogotá (reciprocidade). Assim, o Brasil
proporcionar um ambiente de pode acionar a Corte ou ser acionado
diálogo, mas não oferece solução por outras partes, visto que ratificou o
específica (exemplo: bons ofícios documento sem reservas. Logo, apesar
de Portugal na controvérsia da Ilha de não mais fazer parte da cláusula Raul
Trindade, Brasil x GB). Na mediação, Fernandes, o Brasil está vinculado à
por outro lado, permanece o caráter jurisdição da CIJ cumpridos os requisitos
informal, mas o terceiro envolvido do Pacto e do Estatuto da Corte. A Bolívia
apresenta uma solução possível utilizou o Pacto para acionar o Chile na
não-vinculante (exemplo: mediação CIJ em duas ocasiões (dever de negociar
dos EUA na controvérsia fronteiriça e garantia de acesso ao mar).
entre Brasil, Colômbia e Peru –

292
A primazia da busca por Ana Cecília
soluções pacíficas na arena
internacional consta expressamente Sabbá Colares
no preâmbulo da CF/88 (que serve 29
de vetor interpretativo para toda a
constituição) e no art. 4º, que elenca TL – 59;
os princípios que devem guiar a 902 palavras;
política externa brasileira. Assim, a 15,3 palavras/linha
prevalência de um atuar pacífico
e em prol do encontro de soluções O Direito Internacional, que surgiu
comuns deve guiar não somente as como um direito “ad bellum”, tornou-
ações do P. Executivo, como também se, paulatinamente, um direito
do Legislativo (ao analisar tratados, “contra bellum”. São marcos desse
aprovar indicações de embaixadores) processo a Carta da Liga das Nações
e do Judiciário (julgamento de e o Pacto Briant-Kellog (1928), mas,
contenda envolvendo atores devido ao caráter não vinculante das
exteriores, análise de pedidos de decisões do Conselho da Liga e da
cooperação jurisdicional), o que abrangência limitada do Pacto, foi só
reforça o tradicional respeito e com a promulgação da Carta da ONU
valorização do DIP pelo Brasil. (1945) que a guerra foi definitivamente
proscrita do DIP.

A Carta da ONU prevê que todos os


Estados-membros têm a obrigação
de solucionarem suas controvérsias
por meios pacíficos, e, por força dos
artigos 2.6 e 25 da Carta, o CSNU pode
fazer inclusive com que Estados não
membros se submetam aos seus
preceitos, caso ameacem a paz e a
segurança internacional. A obrigação
de solução pacífica de controvérsias
implica que a guerra não é mais meio
legítimo de solução de conflitos (a
não ser nas duas hipóteses previstas
pela Carta da ONU: legítima defesa
e autorização do CSNU), e o Estado
que desrespeita essa obrigação
comete um ilícito internacional e,
portanto, pode ser responsabilizado
internacionalmente. Tal obrigação
reveste-se, ainda, de obrigação “erga
omnes”, tendo em vista que a CIJ, no
Caso Nicarágua (1984), já se pronunciou
no sentido de que a Resolução 2625
da AGNU, que proíbe o uso da força,
seria norma costumeira, com diversos
autores chegando inclusive a defender
que se trata de matéria de “jus cogens”.

293
Há uma gama de meios OMC, que, no seu Anexo referente ao
disponíveis para a solução pacífica SSC, prevê tal obrigação. A Convenção
de controvérsias, dentre os quais das Nações Unidas sobre Direito do
a negociação, os bons of ícios, a Mar (CNUDM) também estabelece que
mediação, a conciliação e o inquérito. os Estados têm o dever de solucionar
Na negociação, não há terceiro ator qualquer conflito relacionado aos
envolvido, e as partes buscam, por temas tratados pela Convenção de
conta própria, negociar a resolução forma pacífica e prevê, ainda, uma série
da questão. É o que se verifica, por de meios para tal, como a arbitragem
exemplo, na fase de consultas do e o próprio recurso ao Tribunal do
Sistema de Solução de Controvérsias Mar (TIDM). Quanto a declarações
(SSC) da OMC. No caso da utilização internacionais, as declarações contidas
de bons ofícios, uma terceira parte nas Resoluções 1514 (1960) e 2625
coloca as partes conflitantes em (1970) da AGNU, sobre a Concessão
contato, mas não oferece soluções de Independência dos Países e Povos
nem participa diretamente do Coloniais e as Relações Amistosas entre
processo negociador. Na mediação, os Povos, respectivamente, preveem
há uma atuação mais ativa de uma em seu texto a obrigação da solução
terceira parte, que propõe soluções pacífica, ainda que, posteriormente,
e apresenta alternativas à saída do a Resolução 2708 (1970) estabeleça
conflito, tal como feito pelo Papa João que os povos coloniais poderiam lutar
Paulo II no caso do Canal de Beagle, pela sua independência por todos
na década de 1980, entre Argentina os meios cabíveis (caso de direito à
e Chile. A conciliação, por sua vez, autodeterminação externa).
oferece um aparato mais elaborado
para a solução pacíf ica, sendo Nesse contexto, merece destaque o
normalmente feita por uma comissão Pacto de Bogotá, que prevê, entre os
conciliadora (ao invés de um único Estados-membros da OEA, uma série
mediador), que participa ativamente de mecanismos de solução pacífica
do processo, tentando angariar de controvérsias e contem cláusula
concessões de ambas as partes compromissória para a CIJ. Com efeito,
para um acordo final. O inquérito trata-se do único instrumento jurídico
é utilizado para esclarecer fatos e abrangente no continente que prevê
determinar autorias, de modo que, a possibilidade de resolução de uma
por vezes, o simples esclarecimento controvérsia com potencial para
leva à resolução do conflito. Pode, abalar a paz hemisférica por meio de
ainda, ser usado por mediadores um tribunal internacional. Por meio
e conciliadores, para auxiliar seu dessa cláusula, diversos conflitos
trabalho. Vale notar, por fim, que todos americanos já foram levados à CIJ, a
esses meios diplomáticos são capazes exemplo da controvérsia envolvendo
de criar direito, diferentemente dos Chile e Bolívia a respeito do direito
meios judiciais. de uma saída para o mar do Estado
boliviano, que se prolonga desde a
Diversos tratados e declarações Guerra do Pacífico – o que, por si só,
internacionais contêm menção já demonstra o potencial belicoso da
expressa à obrigação de solução controvérsia.
pacífica de controvérsias, coadunando-
se, assim, com o novo “jus gentium” É princípio constitucional das
do Direito Internacional de proteção relações internacionais do Brasil a
máxima do indivíduo. Entre os tratados, defesa da paz, assim como a solução
pode-se citar o tratado constitutivo da pacífica de controvérsias, previstos no

294
art. 4º da CRFB, de modo que o Estado Anônimo
brasileiro se coaduna com a evolução
do Direito Internacional não só na 28,5
prática – por meio da sua tradição
pacifista -, mas também na lei. Esses TL – 60;
princípios constitucionais inserem- 783 palavras;
13 palavras/linha
se, ainda, na lógica da abertura do
direito constitucional contemporâneo
ao Direito das Gentes, fenômeno que A solução pacífica de controvérsias
Peter Häberle chama de “Estado internacionais configura-se como pré-
Constitucional Cooperativo” e Gomes requisito para a manutenção da paz e
Canotilho de “constitucionalismo da segurança internacionais, conforme
global”. Se a proscrição da guerra e argumento exposto por Y. Tanaka. A
a implementação da obrigação de obrigação de soluções pacíficas de
solucionar os conflitos pacificamente controvérsias internacionais sempre foi
foi um processo lento e gradual no uma reivindicação antiga dos Estados,
DIP, a inter-relação entre o Direito mas encontrou sua máxima expressão
Constitucional e o Direito Internacional na Carta da ONU, em diversos artigos,
é um fenômeno que avança em especial os arts. 18, 45 e seguintes,
rapidamente, e que nos faz perceber bem como no Estatuto da CIJ. Trata-
que vivemos mesmo em uma grande se de importante instrumento para
rede multissetorial, de diálogo não só coibir o uso da força nas relações
de cortes e de fontes, mas também do internacionais, o qual, atualmente,
direito, como assevera Anne Peters. apenas é permitido em situação de
legítima defesa ou quando autorizado
pelo CSNU. A solução pacíf ica de
controvérsias é, assim, importante
princípio de direito internacional,
podendo o CSNU convidar as partes a
ela se submeterem.

Da obrigação de resolver
p a c i f i c a m e n te controvérsias
internacionais, conforme dita a Carta
da ONU, resulta a possibilidade de os
Estados recorrerem a meios de solução
pacífica dessas controvérsias. Esses
meios recebem diversas categorizações
didáticas, como a que os divide em
meios jurisdicionais, judiciais, políticos,
além de diplomáticos. Meios judiciais
de solução de controvérsias são aqueles
esposados por tribunais internais que
exercem jurisdição, como a CIJ e o TIDM.
Meios jurisdicionais configuram-se por
meio da arbitragem internacional, por
meio do qual as partes se submetem
a cláusulas compromissórias e
compromissos arbitrais, podendo, a
depender do caso, escolher os árbitros
e o procedimento a ser adotado.

295
Nos meios políticos e diplomáticos por meio de notas diplomáticas,
inserem-se a negociação, os bons ofícios, encontros de cúpula ou reuniões entre
a mediação, a conciliação, o inquérito, autoridades, bem como que não há
além da atuação da AGNU e do CSNU na uma ordem de utilização dos meios
solução de controvérsias. A negociação de solução. Alguns órgãos exigem,
corresponde ao método pelo qual as contudo, que os Estados empreguem
partes procurar resolver controvérsias prontamente esses meios antes de
por meio de negociações entre as suas analisar as controvérsias (ex: consultas
autoridades ou delegações. Nesse da OMC). Recorde-se que as decisões
sentido, os diplomatas podem exercer da CIJ possuem caráter vinculante.
papel relevante nas negociações. Trata-
se de meio pouco institucionalizado. Sucintamente, pode-se citar o Pacto
Os bons ofícios ocorrem quando uma de Bogotá (1948), a Convenção de
terceira parte se oferece para aproximar Viena sobre Relações Diplomáticas, a
as partes, mostrando-se como Declaração de Havana, a Declaração
interlocutora e promotora do diálogo. de Cartagena e a Convenção de
No caso do Canal de Beagle (Argentina Viena sobre Relações Consulares,
vs. Chile), o Papa prestou bons ofícios que contêm a obrigação de solução
para a resolução da questão. pacíf ica de controvérsias. Quanto à
importância do Pacto de Bogotá para
A mediação corresponde a método a solução pacíf ica de controvérsias,
pelo qual as partes convidam é possível identif icá-lo como marco
uma terceira parte para mediar a interamericano da questão. Por meio
controvérsias. A parte terceira busca, dele, os países signatários, inclusive
assim, aproximar as partes, identificar o Brasil, se obrigaram a resolver
as demandas de cada mediado e suas controvérsias pacif icamente
apresentar uma solução para as partes. perante a CIJ. Assim, antes de
Essa solução, contudo, não é vinculante. submeter um caso à Corte, as partes
Na conciliação, as partes também devem recorrer aos meios pacíf icos
convidam uma parte terceira para de solução, como a mediação, a
empregar esse meio, o qual buscará negociação, a conciliação, entre
aproximar as partes e apresentar outros, compromisso que tem
uma solução. Trata-se, contudo, de ajudado na manutenção da paz
meio mais institucionalizado que a no continente. São exemplos de
mediação, uma vez que o conciliador soluções que ocorreram ao seu
apresentará uma solução concreta, amparo, a questão do Canal de
def inindo a responsabilidade ou o Beagle e a Guerra do Cenepa.
direito de cada parte. Apesar disso, a
solução também não é vinculante. Há uma íntima relação entre a
obrigação de solução pacíf ica de
O inquérito corresponde a controvérsias internacionais e a
procedimento com o objetivo de CF/88. Como é cediço, o artigo 4º da
investigar fatos pertinentes a uma Constituição enuncia os princípios
controvérsia internacional. Reúnem- que devem reger as relações
se, assim, informações a respeito internacionais do Estado Brasileiro
dos fatos que deram origem ou (RFB). Entre eles, encontramos
agravaram a controvérsia. O inquérito diversos pontos de contato com a
normalmente ocorre antes da sobredita obrigação, como o fato
utilização de outros meios, mas essa de esses princípios determinarem
ordem não é obrigatória. Lembrando a busca pela cooperação entre
que a negociação pode ocorrer os Estados, a solução pacíf ica de

296
controvérsias, o respeito à soberania NOTA MÉDIA
e à autodeterminação dos povos,
além do respeito à paz e o repúdio Vinícius Henrique
ao terrorismo. Frise-se, ademais, Fontana
que o ar.t 5º determina o respeito
à legalidade, privilegiando, assim,
25
soluções que estejam em consonância
TL – 60;
com o Direito Internacional e com o
600 palavras;
primado do Direito. 10 palavras/linha

A Carta das Nações Unidas (CNU)


prevê, em seu capítulo VI, que todos
os seus membros busquem resolver
os seus desentendimentos por
meios pacíficos acima de qualquer
ato de uso da força (capítulo VII da
CNU). Qualquer nação pode chamar
a atenção da Assembleia Geral das
Nações Unidas ou do Conselho de
Segurança para situações que possam
representar ameaça ou ruptura da
paz, sendo que o Conselho pode
convidar os países a utilizar sua
estrutura institucional para solucionar
pacíficamente controvérsias. Sempre
que o Conselho estiver deliberando
sobre questões de ameaça ou ruptura
da paz e segurança, a Assembleia Geral
fica impedida de atuar (CNU, art.12).

Há cinco meios de solução pacífica


de controvérsias arroladas na CNU,
em rol não exaustivo: negociação,
bons ofícios, mediação, conciliação
e inquérito. A negociação é realizada
de forma direta pelas partes, sem a
intervenção de um terceiro, sobretudo
pela via diplomática. Os bons ofícios
são oferecidos por um ator fora da
disputa que fornece um espaço ou
plataforma para que as partes possam
dialogar, sem participação direta do
ofertante. A mediação conta com a
intervenção de um terceiro no sentido
de busca ativa pelo diálogo e soluções,
realizando propostas e sugestões.
A conciliação funciona de modo
semelhante à mediação, contudo
costuma seguir um rito com maior grau
de institucionalização. O inquérito, por

297
sua parte, consiste na mera apuração O Brasil tem posição de destaque
dos fatos, sem qualquer juízo de como país promotor de soluções
mérito. Além desses cinco meios, pacíficas de disputas. A Constituição
conhecidos como extrajudiciais, há Federal de 1988 abraça, em seu artigo
os métodos jurisdicionais de solução 4º, como princípios das relações
pacífica de controvérsias: a arbitragem internacionais, a defesa da paz e a
e a apreciação judicial. solução pacífica de controvérsias, de
forma expressa. Além disso, engaja-se
A necessidade de solução pacífica em organismos multilaterais a fim de
das controvérsias aparece em tratados buscar ameaçar no aprimoramento
como a própria Carta das Nações do arsenal normativo internacional,
Unidas e também na Convenção de como nos trabalhos realizados junto
Montego Bay sobre o Direito do Mar, de à Comissão de Direito Internacional,
1982. Em declarações internacionais, que realiza estudos e propõe projetos
ou seja, sem caráter vinculante, a de resoluções. Mesmo dentro de
solução pacíf ica está presente na organismos internacionais como o
Declaração Universal dos Direitos Conselho de Segurança, vinculados
Humanos, aprovada pela Assembleia frequentemente ao uso da força, o Brasil
Geral das Nações Unidas em 1948, e busca avançar para uma agenda de paz,
na Declaração do Rio, em 1986, sobre valorizando a prevenção e pacificação
a intervenção dos Estados Unidos em como pilar do mandato 2022-23.
países da América Latina.

É inclusive dentro do sistema


interamericano que se desenvolve
parte importante da doutrina de
soluções pacíficas das controvérsias
com considerável sucesso, tendo em
vista a ausência de conflitos bélicos
internacionais ativos no continente. É
uma tradição que vem desde o tempo de
conferências e da União Pan-Americana,
porém que ganha corpo em 1948 com
a criação da Organização dos Estados
Americanos, em Bogotá, e de todos os
instrumentos que servem como seu
arcabouço jurídico. O Tratado Americano
de Soluções Pacíficas de Controvérsias
prevê que as disputas entre Estados
americanos sejam resolvidas sem
recurso às armas, sendo possível às partes
remeter o caso à Corte Internacional de
Justiça. É um mecanismo facilitador,
tendo em vista que a OEA não conta
com uma corte de temática universal
como a CIJ e que simplifica o processo
de submissão, já que as partes devem
estar de acordo para aceitação da
jurisdição da Corte onusiana (ou terem
depositado a cláusula facultativa de
jurisdição obrigatória).

298
MENOR NOTA O art. 42 da Carta da ONU prevê meios
de solução pacífica de controvérsias.
Anônimo A negociação consiste no contato
20,5 direto, sem intermediários, entre dois
Estados soberanos, com vistas a uma
TL – 59; solução pacífica transacional. Os bons
857 palavras; ofícios consistem na participação
14,5 palavras/linha de um 3º Estado como facilitador do
diálogo entre duas partes envolvidas
A Carta da ONU inaugurou um novo em uma controvérsia, como ocorreu
período nas reações internacionais, recentemente com Israel, no tocante à
porque af irmou a proscrição do invasão russa da Ucrânia. A mediação
uso da força em seu artigo 2 (4). A consiste na participação ativa de um 3º
proibição da guerra de agressão Estado nos diálogos entre dois Estados
também possui natureza costumeira envolvidos em uma controvérsia
e de jus cogens, como reconheceu a internacional, como ocorreu com a
CIJ no Caso Nicarágua; as Emendas Noruega nos Acordos de Oslo, entre Israel
de Kampala ao Estatuto de Roma e Palestina. A conciliação consiste em
criaram a competência rationae uma participação ainda mais ativa de um
materiae para o TPI julgar indivíduos 3º Estado, que chega a apresentar uma
pelo crime de agressão. proposta de solução (não obrigatória)
para os Estados envolvidos em uma
A obrigação de solução pacífica controvérsia. O inquérito consiste na
de controvérsias consiste em uma coleta das informações factuais de uma
obrigação positiva imposta aos controvérsia jurídica, e essas informações
Estados. Essa obrigação é prevista no poderão ser utilizadas em qualquer outro
preâmbulo, no art. 2 (6) e no capítulo modo de solução pacífica de conflitos.
VI da Carta da ONU; o Estatuto da CIJ
também privilegia a solução pacífica Além da Carta da ONU, o Pacto
de conflitos por meios jurisdicionais. Os Briand-Kellog e o Tratado do Rio de
Estados têm a obrigação de negociar Janeiro (Saavedra Lamas) previam
para encontrar uma solução pacífica a solução pacífica de conflitos. O
toda vez que surgir uma controvérsia otimismo de Briand-Kellog foi rompido
internacional. A busca por uma solução com o flagelo das duas guerras
pacífica pode tomar três formas: a mundiais, e o Tratado do Rio chegou
diplomática (entre Estados), a política a contar com a ratificação de diversos
(com intermédio de uma organização Estados europeus. Em nenhum dos
internacional) e a jurisdicional dois casos, todavia, a proibição do uso
(com a participação de um tribunal da força foi absoluta. Apesar de existir
internacional). Os artigos 41 e seguintes uma obrigação inicial de solução
da Carta da ONU estabelecem que o pacífica, a possibilidade de uso da força
CSNU poderá recomendar medidas a estava resguardada. A Declaração de
serem tomadas por Estados no âmbito Princípios (Resolução 2625 da AGNU)
de uma controvérsia internacional, afirmou a solução pacífica de conflitos
quando considerar que existe como um princípio internacional, ao
uma ameaça à paz e à segurança lado da independência e do direito à
internacionais. O capítulo VII da Carta autodeterminação. A Declaração de
da ONU prevê as duas únicas hipóteses Teerã, negociada por Brasil e Turquia
de uso da força: a legítima defesa antes da assinatura do Acordo Nuclear
(individual ou coletiva) e a autorização iraniano (P5+1), também afirmava a
pelo CSNU (art. 51). solução pacífica de controvérsias.

299
Para exercer sua jurisdição intimamente relacionados à histórica
contenciosa, a CIJ precisa verificar 3 atuação brasileira em defesa da paz
requisitos: existência de controvérsia internacional, como comprovam a
jurídica (objetiva, Caso Mavrommatis; participação de Ruy Barbosa na 2ª
ou subjetiva, Caso Ilhas Marshall), a Conferência da Haia, a não participação
parte deve ser um Estado, e a parte brasileira em guerras desde 1945 e o
deve reconhecer a jurisdição da CIJ. engajamento nacional em missões
O reconhecimento da jurisdição pode de paz (comando da MINUSTAH,
ocorrer de maneira ad hoc (caso a caso) comando naval da UNIFIL e force-
ou por tratado. O reconhecimento commander da missão na RDC). A
por tratado pode ocorrer de 3 formas: af irmação constitucional também
tratado com cláusula compromissória inclui a defesa da paz, o que se coaduna
(CVDT/1969, Brasil fez reserva ao com o pleito brasileiro por um assunto
artigo), cláusula Raul Fernandez (Brasil permanente no CSNU.
fez reserva) ou tratado de solução de
controvérsias.

O Pacto de Bogotá (48) é um tratado


de solução de controvérsias no âmbito
interamericano. Em seu preâmbulo e
art. 3º e seguintes, o tratado prevê que
uma controvérsia entre os Estados-
partes será remetida à CIJ em caso
de fracasso dos meios diplomáticos e
políticos de solução de controvérsias. O
Pacto de Bogotá, assim, é importante
mecanismo de garantia da paz no
hemisfério Ocidental. Controvérsia
entre Chile e Bolívia pelos territórios
anexados na Guerra do Pacífico foi
enviada à CIJ com base no Pacto de
Bogotá.

A CF/88 inovou na tradição


constitucional brasileira ao prever os
princípios constitucionais de relações
internacionais (art. 4º), que possuem
natureza dupla: quanto à forma, são
princípios de direito interno; quanto
ao conteúdo, são princípios de direito
internacional, conforme def inição
de João Christófolo. O art. 4º replica,
em grande parte, a Declaração de
Princípios da AGNU da década de 1970,
o que comprova a relação entre a CF/88
e a solução pacífica de controvérsias.
O art. 4º prevê, explicitamente, a
solução pacífica de controvérsias, a
não intervenção, a independência
nacional e a igualdade entre os
Estados. Todos esses princípios estão

300
[…] numa época em que escutamos
Questão 02 falar tanto de progresso e civilização,
uma vez que infelizmente não

podemos sempre evitar as guerras,
Relatório de notas
Média Ampla Concorrência: 29,4 não seria uma questão de urgência
Média Pessoas com Deficiência: 28,5 apoiar, dentro de um espírito humano
Média Candidatos Negros: 30 e verdadeiramente civilizado, a
tentativa de evitar, ou pelo menos
aliviar, os horrores da guerra?
DUNANT, Henry. Lembrança de Solferino. CICV: Gene-
bra, 2016, pp. 37 e 126.

Considerando que o excerto


apresentado tem caráter meramente
MÉDIAS POR QUESITO
motivador, redija um texto dissertativo
acerca do Direito Internacional
Humanitário que se desenvolveu
contemporaneamente a partir da
segunda metade do século 19, em
particular após a Segunda Guerra
Mundial, de modo a constituir
conjunto normativo que disciplina as
relações entre Estados, organizações
internacionais e outros sujeitos de
Direito Internacional em tempo de
guerra. Aborde, necessariamente, os
seguintes tópicos.

definição de Direito Internacional


Humanitário e identificação de suas
características fundamentais;
Leia, com atenção, o
embora a base normativa
excerto a seguir.
convencional do Direito Internacional
Humanitário seja constituída por
Durante uma batalha, uma bandeira dezenas de tratados, não é exagero
preta tremulando de um ponto no afirmar que as quatro Convenções de
alto costuma ser a maneira habitual Genebra de 1949 e os dois Protocolos
de mostrar a localização de postos de Adicionais de 1977 continuam a
primeiros socorros ou de hospitais de ser a pedra angular desse ramo do
campanha militar, e existe um acordo direito. A esse respeito, identifique
tácito de que ninguém deve disparar o conteúdo principal de cada um
naquela direção. Porém, às vezes os desses seis textos convencionais;
obuses atingem mesmo assim esses
locais, e seus oficiais intendentes e citação e explicação de três das
homens que servem nos hospitais não principais normas ou princípios
são mais poupados do que os vagões que regulamentam as operações
carregados de pão, vinho e carne para militares em um conflito armado;
preparar sopa para os feridos.

301
explanação quanto ao estatuto PADRÃO DE RESPOSTA
das armas químicas e das armas
biológicas à luz dos princípios e das Q1. Espera-se que o (a) candidato(a)
normas do Direito Internacional mencione que o Direito Internacional
Humanitário e menção aos principais Humanitário é um conjunto de
marcos normativos concernentes à normas internacionais provenientes
matéria; e principalmente dos tratados e do
costume internacional. Deve afirmar,
comentários acerca do estatuto das ademais, que tais normas devem
armas nucleares e das controvérsias ser aplicadas em conflitos armados,
jurídicas com base no assunto, à internacionais ou não (SWINARSKI, 1996;
luz dos desenvolvimentos recentes CICV, 2015).
envolvendo a matéria.
Q2. A def inição proposta pelo (a)
candidato(a) deverá, também,
mencionar que as normas de Direito
Internacional Humanitário limitam, por
razões humanitárias, o direito das partes
em conflito de escolher livremente os
métodos e os meios utilizados na guerra,
Extensão do texto: até 60 linhas e que protegem, além disso, as pessoas
[valor: 30,00 pontos]
e os bens afetados ou que venham a
ser afetados pelo conflito (SWINARSKI,
1996; CICV, 2015).

Q3. Espera-se que o (a) candidato(a) cite


que a primeira Convenção de Genebra
de 1949 disciplina a Melhoria das
Condições dos Feridos e dos Enfermos
das Forças Armadas em Campanha;
que a segunda Convenção de Genebra
de 1949 versa acerca da Melhoria das
Condições dos Feridos, Enfermos e
Náufragos das Forças Armadas no Mar;
que a terceira Convenção de Genebra
dispõe a respeito do Tratamento dos
Prisioneiros de Guerra. Espera-se,
ainda, que o (a) candidato(a) se recorde
que a quarta Convenção de Genebra
de 1949 regulamenta a Proteção dos
Civis em Tempos de Guerra, como civis
estrangeiros no território das partes em
conflito, civis em territórios ocupados,
civis detidos e internados e pessoal
sanitário e religioso ou unidades de
defesa civil; que o Primeiro Protocolo de
1977 fortalece a proteção das vítimas de
conflitos armados internacionais, e que
o Segundo Protocolo de 1977 disciplina
a proteção das vítimas de conflitos
armados não internacionais.

302
Q4. O (A) candidato(a) poderá recordar, Deverá se referir, por oportuno, que a
por exemplo, que a norma básica da Corte Internacional de Justiça, na Opinião
“distinção” obriga as partes a “distinguir, Consultiva no caso “Armas Nucleares”
em todas as circunstâncias, entre (1996), reconheceu a aplicabilidade
pessoas e bens civis por um lado, e do princípio da proporcionalidade, ao
combatentes e objetivos militares por afirmar que “o respeito ao meio ambiente
outro. Uma parte em um conflito armado é um dos elementos a serem levados
pode dirigir um ataque unicamente em conta para avaliar se uma ação está
contra combatentes e objetivos em conformidade com os princípios da
militares. Nem a população civil, nem necessidade e da proporcionalidade”.
indivíduos civis podem ser atacados,
exceto se participarem diretamente Q6. Poderá indicar, por exemplo, que,
das hostilidades e enquanto durar a sua segundo o dever de precaução, uma
participação” (CICV, 2015). Dessa forma, parte em um conflito “deve tomar
ataques indiscriminados são proibidos, cuidado constantemente para poupar
como determinam os arts. 48 e 52 (2) do civis ou bens civis durante a realização
Primeiro Protocolo Adicional de 1977 e as de operações militares. A parte que
Regras 7, 11, 12 e 13 do Estudo de Direito conduz um ataque deve fazer todo o
Consuetudinário de Direito Internacional possível para verificar que os alvos sejam
Humanitário do Comitê Internacional da objetivos militares. Deve escolher meios
Cruz Vermelha. Deverá dizer que a Corte e métodos de ataque que evitem, ou pelo
Internacional de Justiça, na Opinião menos minimizem, os danos incidentais
Consultiva no caso “Armas Nucleares” a civis e a bens civis. Deve abster-se de
(1996), afirma que o princípio da distinção lançar um ataque se parecer claro que
é um dos “princípios cardeais” do Direito as perdas ou danos causados seriam
Internacional Humanitário e um dos excessivos em relação à vantagem
“princípios inderrogáveis do direito militar concreta e direta prevista”
consuetudinário internacional”. (CICV, 2015). Os arts. 57 e 58 do Primeiro
Protocolo Adicional de 1977 determinam
Q5. Nesse quesito poderá citar, por o dever de precaução quando objetivos
exemplo, que os ataques contra um civis e militares estão próximos um do
combatente ou um objetivo militar outro. As Regras 18, 19, 22, 23 e 24 do
devem estar de acordo com o princípio Estudo de Direito Consuetudinário de
da “proporcionalidade”. Isso significa Direito Internacional Humanitário do
que “é proibido lançar um ataque Comitê Internacional da Cruz Vermelha
que provavelmente cause a morte determinam que medidas de precaução
incidental ou danos a civis e (ou) devem ser tomadas em face dos efeitos
estragos excessivos aos bens civis em dos ataques.
relação à vantagem militar concreta
e direta prevista” (CICV, 2015). O dever Q7. Poderá também relatar que as
de calcular a proporcionalidade do armas químicas e as armas biológicas
ataque está codificado nos arts. 51 (ou bacteriológicas) integram a
(5) (b) e 57 do Primeiro Protocolo categoria das armas de destruição em
Adicional de 1977. Tornou-se regra massa. Uma vez que seus efeitos são
do direito consuetudinário, aplicável indiscriminados por natureza, seu uso é
tanto a conflitos internacionais quanto incompatível com o Direito Internacional
a conflitos não internacionais, e se Humanitário, embasado no dever de
encontra codificada na Regra 14 do distinguir entre objetivos militares e
Estudo de Direito Consuetudinário de civis, e entre civis e membros de forças
Direito Internacional Humanitário do armadas (BOUCHET-SAULNIER, 2014).
Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Além disso, deverá relatar o banimento

303
do emprego de armas químicas e quando da assinatura ou adesão ao
biológicas depois da Primeira Guerra mencionado texto convencional.
Mundial, mediante o Protocolo de
Genebra para a Proibição do Emprego Q10. Caberá, ademais, mencionar que a
na Guerra de Gases Asfixiantes, Tóxicos Corte Internacional de Justiça afirmou,
ou Similiares e de Meios Bateriológicos em 1996, em opinião consultiva a
de Guerra, de 1925. Cumpre mencionar pedido da Assembleia Geral das Nações
do mesmo modo que tal banimento foi Unidas, que o uso de armas nucleares
reforçado em 1972, com a Convenção não é nem formalmente proibido nem
sobre Armas Biológicas, que entrou formalmente autorizado; que a ameaça
em vigor em 1975 e constitui o primeiro ou uso de armas nucleares em violação
tratado multilateral de desarmamento do art. 2 (4) e do art. 51 da Carta das Nações
a proscrever uma categoria inteira de Unidas é ilegal; que a ameaça ou o uso
armas de destruição em massa. de armas nucleares seriam geralmente
contrários a normas fundamentais
Q8. Quanto às armas químicas, desde o do Direito Internacional Humanitário,
século 19, há textos proibindo a utilização particularmente o princípio da distinção
dessa categoria de armas. A Convenção e a proibição de causar sofrimento
sobre Armas Químicas firmada em 1992 desnecessário. Não obstante, a Corte
baniu o emprego de tais armas, seu não concluiu definitivamente se, na
desenvolvimento, armazenamento circunstância extrema de ameaça à
e transferência, além de exigir a sobrevivência de um Estado, o uso de
destruição dos arsenais. Ensejou, armas nucleares seria legítimo.
ademais, a criação da Organização
Internacional para a Proscrição das Os quesitos correspondem aos seguintes
Armas Químicas, sediada na Haia. tópicos do enunciado da questão:
Finalmente, as Regras 74, 75 e 76 do
Estudo de Direito Consuetudinário de Q1 e Q2: tópico 1;
Direito Internacional Humanitário do Q3: tópico 2;
Comitê Internacional da Cruz Vermelha Q4, Q5 e Q6: tópico 3;
proíbem o emprego de armas químicas Q7 e Q8: tópico 4; e
e biológicas. Q9 e Q10: tópico 5.

Q9. A proibição abrangente ou Será avaliada a capacidade do


universal do emprego de armas candidato de estabelecer uma tese e
nucleares é inexistente, embora sustentá-la coerentemente. A avaliação
parte da doutrina considere que tais seguirá o critério comparativo (i.e.). A
armas são de destruição em massa avaliação individual será feita de acordo
e, por consequência, geram efeitos com a comparação do nível de outros
indiscriminados. Por ambas as razões, exercícios. Nesse sentido, embora o
deveriam ser proibidas nos termos do candidato possa ter respondido de
Primeiro Protocolo Adicional de 1977, forma correta, abrangendo os requisitos
que veda armas incapazes de distinguir anteriormente indicados, sua nota
entre civis e combatentes e que poderá ser menor do que a atribuída
causam sofrimentos desnecessários a outros que fizerem o exercício com
(BOUCHET-SAULNIER, 2014). Apesar maior qualidade intelectual, acadêmica
disso, potências nucleares, como os e formal.
Estados Unidos da América, a França
e o Reino Unido, apuseram reservas
quanto a eventuais efeitos do Primeiro
Protocolo sobre armas nucleares

304
Referências:
BOUCHET-SAULNIER, Françoise. The Practical Guide Dandara Miranda
Guide to Humanitarian Law. 3. ed. Plymouth: Rowman
& Littlefield, 2014. Teixeira de Lima
30
COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA. Direito
Internacional Humanitário (DIH). Respostas às Suas
Perguntas. Genebra: CICV, 2015.
CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Opinião Consul-
tiva. Legality of the Threat or Use of Nuclear Weapons. TL – 60;
ICJ Reports, 1996.
MALANCZUK, Peter. Ackhurst’s Modern Introduction to
710 palavras;
International Law. 7. ed. Nova York: Routledge, 1997. 11,8 palavras/linha
SWINARSKI, Christophe. Introdução ao Direito Interna-
cional Humanitário. Brasília: CICV, Instituto Interameri-
cano de Direitos Humanos, 1996. O Direito Humanitário consiste
SHAW, Malcolm N. International Law. 6. ed. Cambrid-
ge: Cambridge, 2010.
em vertente dos direitos humanos
destinada à prevenção a graves
violações à integridade e à vida de
combatentes e civis em situação de
guerra. O Direito Humanitário visa,
portanto, a evitar que os horrores da
guerra gerem maiores danos aos
povos, mesmo em situações políticas
em que ela é tida como inevitável. O
Direito Internacional Humanitário
desenvolveu-se a partir da segunda
metade do século XIX, ganhando maior
força após a Segunda Guerra Mundial,
dada a percepção de que a ausência de
um regime internacional de proteção
aos seres humanos fortalecido resulta
em graves crimes contra a humanidade.
Essa vertente dos direitos humanos
impulsionou a criação de instituições
como a Cruz Vermelha e a violação de
seus tratados constitutivas encontra
respaldo no Estatuto de Roma, que
tipifica o crime de guerra e confere
ao Tribunal Penal Internacional a
competência para julgá-los.

Apesar de a base normativa do


Direito Internacional Humanitário
ser constituída por diversos tratados
específicos, as quatros Convenções de
Genebra, de 1949, e seus Protocolos
Adicionais, de 1977, conf iguram-se
como pedra angular desse ramo do
direito. Elas dispõem sobre diversas
situações com possível violação de
direitos humanos in bellu (sic.), como
a não escravização e a proteção de
prisioneiros de guerra, a proteção
de civis e combatentes em caso de
deslocamento por navio ou outro
meio que ofereça riscos, a proteção a

305
civis e a prevenção de situações que Convenção das Nações Unidas sobre
os atinjam desproporcionalmente no Armas Químicas, que conta com uma
momento de guerra, a livre passagem organização internacional que fiscaliza
e a proteção daqueles que realizam e fomenta a destruição de armas
assistência humanitária, devendo ser químicas de Estados membros no
reconhecida sua neutralidade; o direito prazo de 10 anos, aproximadamente.
de assistência médica dos civis e dos Ademais, há também a Convenção das
combatentes feridos; a não submissão Nações Unidas sobre Armas Biológicas,
de combatentes e civis à tortura e que foi a primeira a proibir totalmente
à violações a sua integridade física. a utilização de uma categoria interna
Ademais, os tratados também preveem de armas de destruição em massa. Os
a proteção de estabelecimentos estatutos coadunam-se com o Direito
públicos não militares, pois atingem Humanitário e proíbem a sua utilização
desproporcionalmente civis, além em situações de guerra.
da proteção de símbolos nacionais,
como as instituições do Congresso ou Quanto ao estatuto das armas
Palácio Presidencial. nucleares, o Direito Humanitário
prevê claramente a proibição de
O Direito Humanitário também sua utilização, porém essa vertente
subsidia as normas e princípios proibitiva precisa ser mais fortalecida.
que regulamentam as operações Embora o Tratado de Proliferação de
militares em um conflito armado. A Armas Nucleares preveja a proibição de
atuação militar deve ser pautada armas nucleares, sua regulamentação
pelo princípio da necessidade, de só ocorreu com o TPAN, que está em
modo que ela não pode exacerbar o vigor, mas não possui como membros
objetivo previamente determinado nenhum Estado detentor de armas
é gerar danos desnecessários. Cabe nucleares. Ademais, parecer da CIJ
mencionar ainda o princípio da da década de 1970 não concluiu de
proporcionalidade, isto é, não se pode forma inequívoca a proibição desses
empregar meios desproporcionais ao armamentos. Atualmente, a ameaça
objetivo, gerando mais prejuízos do que de uso de armas nucleares na guerra
o necessário. As operações militares da Ucrânia demonstra a fragilidade
devem igualmente serem pautadas do Direito Humanitário nesse aspecto.
pela adequação estrita, devendo haver Há, hoje, somente um acordo, o
sempre uma análise dos benefícios e Novo Start, que regula a diminuição
do custo humano da missão. O respeito de armas nucleares entre Rússia e
ao Direito Humanitário, a proteção aos Estados Unidos. Exceção a esse cenário
civis e o respeito aos combatentes são são o Tratado de Proibição de Parcial
os princípios básicos das operações. de Testes Nucleares, a Convenção
de Terrorismo Nuclear em vigor e as
As normas de Direito Humanitário zonas livres de armas nucleares, como
também são constituídas por tratados Tlatelolco e Pedinlaba.
que proíbem o uso de armas químicas
e biológicas. Inicialmente, os princípios
tratados sobre a matéria consistiriam
nas Convenções de Haia, que previam,
desde meados do século XX, a proibição
utilização de tipos específicos de armas
químicas e biológicas, como gases e
coquetéis. Atualmente, a proibição
desses armamentos conta com a

306
Daniel Nogueira internacional humanitário, o que
engendrou as quatro Convenções
Chignoli de Genebra de 1949, que tratam
30 da proteção de combatentes e
não combatentes, dos prisioneiros
TL – 60; de guerra (com a exceção de que
817 palavras; espiões e mercenários não estão
13,6 palavras/linha por ela protegidos) a da proteção
de inf raestruturas que não tem
Embora se possa asseverar que, importância militar. Além disso, em 1977,
atualmente, exista um ius contra bellum outros dois protocolos são adicionados
no contexto do direito internacional, às convenções, incorporando avanços
de modo que as alternativas para o como a limitação de certos tipos
uso da força são exceções delimitadas de armas em combate e dispondo
na Carta da ONU, conflitos armados sobre conflitos internos e grupos
ainda existem. Nesse contexto, ainda beligerantes, no segundo protocolo.
é fundamental o ius in bello ou Direito Dessa forma, o direito de Genebra
de Genebra, que dispõe sobre os constitui o arcabouço elementar para
direitos e garantias a combatentes e a regulamentação da conduta dos
não combatentes. Ainda que não seja agentes durante conflitos armados.
suficiente para evitar as guerras, esse
ramo do direito é capaz de regular Como qualquer ramo do direito,
as condutas em combate, apontar o direito internacional humanitário
ilícitos internacionais e limitar o uso apresenta suas normas e princípios
de determinados armamentos. específ icos. Há o impedimento de
se causar sofrimento desnecessário,
O Direito Internacional Humanitário de modo que, ainda que toda ação
surge na segunda metade do século militar cause danos, esses devem
19, no contexto da criação do Comitê ser condizentes com os objetivos
Internacional da Cruz Vermelha, após determinados, evitando meios
os horrores da batalha de Solferino. cruéis ou armamentos que causem
Como objetivo, esse direito busca terror. Além disso, há a necessidade
regulamentar a conduta durante de distinção de combatentes e não
conflitos armados, no que se refere à combatentes, a fim de proteger civis de
utilização de armamentos, proteção serem alvos em confrontos armados,
de prisioneiros de guerra e de civis, mas com a ressalva de que civis que
determinação de alvos militares e passem a participar do conflito como se
contenção de represálias. Houve fossem combatentes terão tratamento
uma grande evolução do Direito de semelhante. Ademais, há a necessidade
Genebra, com contribuições como a de proteção dos prisioneiros de guerra,
Cláusula Martens, na Conferência da na medida em que, uma vez que
Haia de 1899, a respeito de normas deponham suas armas, eles passam
gerais de humanidade durante os a ser responsabilidade do Estado que
conflitos de modo a representar os capturou e os custodia, devendo
restrições mínimas que deveriam ser respeitar seus direitos humanos.
seguidas nas conf rontações, o que Finalmente, há a questão sobre a
foi reconhecido pela Comissão de impossibilidade de o meio ambiente
Direito Internacional da ONU. Nesse ser alvo de represálias militares, o que
contexto, após os horrores da Segunda constitui uma inovação no âmbito do
Guerra Mundial, surgiu a necessidade direito internacional humanitário.
de maior regulamentação do direito

307
Entre as classes de armas que mais não diferencia combatentes de não
causam sof rimento em conflitos combatentes e causa sof rimento
armados, as armas químicas são um desnecessário. Nesse contexto, para
paradigma importante. Desde seu cumprir o art. 6º do TNP, a Coalizão
uso na Primeira Guerra Mundial, a da Nova Agenda, com protagonismo
comunidade internacional apresenta do Brasil, propôs o Tratado para o
profundo repúdio quando armas Banimento de Armas Nucleares, que
químicas e biológicas são empregadas já está em vigor, mas que não conta
no campo de batalha. Entre os princípios com a assinatura de nenhum país
do direito internacional humanitário nuclearmente armado.
desrespeitadas por esse arsenal estão
causar sof rimento desnecessário Dessa forma, embora muito se
e não discriminar combatentes de haja conquistado, há, ainda, muito
não combatentes. Nesse contexto, a que evoluir no âmbito do Direito de
comunidade internacional não poupou Genebra.
esforços para estabelecer a Convenção
Internacional para a Eliminação de
Armas Químicas e Biológicas, que teve
adesão de quase todos os Estados,
além da criação da Organização para
a Proscrição de Armas Químicas
(OPAQ), que atual inspecionando
programas nacionais que possam vir
a desenvolver esses armamentos, bem
como prevenindo seu uso futuro. Nesse
sentido, o direito humanitário evoluiu,
signif icativamente para a solução
desse tipo de armamento.

Em contrapartida, as armas nucleares


seguem uma questão para o direito
de Genebra. Apesar da assinatura do
Tratado de Não Proliferação Nuclear
pela imensa maioria dos Estados e do
estabelecimento de zonas livres de
armas nucleares, seu artigo 6º, que trata
sobre o desarmamento das potências
nuclearmente armadas segue sem
execução, consequentemente,
enquanto o desarmamento não for
completo, a proliferação será um
risco. Em parecer à AGNU, outrossim,
a CIJ fez o non liquet, ao não decidir
se o uso de armas nucleares estaria
de acordo com o direito internacional,
caso a existências do Estado esteja em
risco. Ainda assim, a Corte determinou
a necessidade do desarmamento e
as afetações das armas nucleares ao
direito humanitário, como sendo um
armamento desproporcional, que

308
Jonas Paskauskas e posteriores, as quatro Convenções
de Genebra de 1949 e os Protocolos
Werdine Facultativos de 1977 fornecem a matriz
30 normativa essencial no contexto de
um conflito armado. Nesse contexto,
TL – 60; as convenções tratam de: não
857 palavras; combatentes (civis); prisioneiros de
14,2 palavras/linha guerra (também considerados não
combatentes); náufragos e prisioneiros
Surgido, em sua faceta moderna, no contexto de batalhas navais; e
durante o século XIX, o Direito feridos e médicos voluntários. Por outro
Internacional Humanitário resulta lado, os Protocolos de 1977 buscaram
da sensibilização dos países e da tratar de omissões relevantes das
sociedade civil acerca da necessidade quatro convenções iniciais. A primeira
de proteção a indivíduos vulneráveis omissão suprida refere-se à extensão
no contexto de conflitos armados do Direito de Genebra a conflitos
entre Estados. Durante o século XX, o intraestatais, como guerras civis, que,
“jus in bellum” passa por significativo até então não estavam no escopo
avanço conceitual, ampliando-se o das convenções, exceto por ilações
escopo, os temas regulamentados e o doutrinárias e jurisprudenciais acerca
rol de direitos e obrigações relativos a da “cláusula Martens” (aplicação geral
indivíduos de alguma forma envolvido de regras de humanidade) prevista
em conflitos armados. Hodiernamente, nas quatro convenções e instrumentos
o Direito Humanitário subdivide-se predecessores. A outra omissão que se
em vários ramos, a saber: o Direito de buscou suprir foi a garanta de direitos
Genebra, que trata de combatentes e a combatentes e a reafirmação da
não combatentes durante um conflito; validade dos Direitos Humanos “lato
o Direito de Haia, referentes aos meios e senso” no contexto de um conflito.
métodos passíveis de utilização em um Destaca-se que, para ser considerado
contexto de guerra; o Direito de Roma, “não combatente”, civis, feridos,
pertinente à responsabilização penal prisioneiros e náufragos não podem
de indivíduos sob os auspícios de TPI; e se engajar no conflito, sob pena de se
o Direito de Nova York, uma tentativa de perder o enquadramento jurídico na
afirmar, ainda que não integralmente, referida condição. (16 linhas)
a vigência dos Direitos da Declaração
Universal dos Direitos Humanos de Com relação ao conflito armado
1948 no contexto de um conflito. propriamente dito, regulam-se,
Sendo uma das derivações do estudo sobretudo, os meios e métodos utilizados
mais amplo dos Direitos Humanos, o que perpassa pelos princípios da
o Direito Humanitário busca trazer utilidade, da proporcionalidade e
alguma previsibilidade e princípios de imediaticidade, todos ligados ao princípio
humanidade à excepcional situação geral de proteção a não combatentes.
da guerra, onde nem todos os Direitos Por utilidade, entende-se que, durante
Humanos vigoram. (13 linhas) um conflito militar, as forças em
combate devem atacar apenas alvos
No estudo do Direito Humanitário, úteis a objetivos militares, como bases,
evidencia-se a centralidade do acampamentos, certos modais de
Direito de Genebra, que é o ponto de infraestrutura, de modo a não agredir
partida histórico-conceitual do “jus in alvos desnecessários ao fim militar,
bellum”. Nesse sentido, a despeito da como escolas, hospitais, residência civis.
existência de instrumentos anteriores Quanto à proporcionalidade, entende-se

309
que a destruição causada pelo meio de que proscreve as armas nucleares
combate escolhido deve ser proporcional completamente e foi f irmado em
ao objetivo que se pretende atingir, de 2017, não conta com a participação
modo a evitar danos excessivos no âmbito de nenhum Estado nuclearmente
do conflito, sobretudo à população civil. armado. Por outro lado, em parecer
Por fim, o terceiro princípio indica que consultivo solicitado pela AGNU, a CIJ
os meios escolhidos pelos combatentes afirmou que, embora, via de regra, o
devem evitar ao máximo que os efeitos uso de armas nucleares seria contrário
do conflito perdurem no tempo, afetando ao Direito Internacional Humanitário,
as populações envolvidas mesmo após o sobretudo por violar o princípio da
encerramento das hostilidades. (11 linhas) proporcionalidade, a Corte não teria
como responder ao questionamento
A partir desses princípios, passaram- na hipótese de risco à existência do
se a criar instrumentos normativos Estado. Apesar da inexistência de
internacionais com o fim de conter costume internacional sobre o assento,
a proliferação e o uso de algumas Cançado Trindade defende que o uso
armas convencionais, mas sobretudo dessas armas viola norma de “jus
de armas de destruição em massa cogens”. (10 linhas)
(químicas, biológicas e nucleares).
A Convenção pela Proibição de
Armas Biológicas (CPB), de 1978, é o
primeiro acordo internacional a proibir
integralmente o uso, desenvolvimento,
transporte, estocagem e produção de
um tipo específico de armamento. A
CPB não prevê a criação de organismo
f iscalizador, mas obteve êxito em
extinguir a maior parte das armas
biológicas, contando com ampla
adesão dos países. No tocante às
armas químicas, a Convenção de 1993
estabelece proibição nos mesmos
termos da CPB, porém cria a OPAQ
como organismo internacional capaz
de fiscalizar a completa destruição dos
arsenais químicos declarados, o que
deveria ocorrer em até 5 anos após a
adesão de cada Estado ou entrada em
vigor do acordo. (10 linhas)

Quanto às armas nucleares, a questão


torna-se mais complexa na medida
em que o TNP (1968), embora proíba
Estados não nuclearmente armados de
obter armas nucleares, não estabelece
controle tão rígido quanto ao
compromisso de desarmamento dos
nuclearmente armados, o que sempre
levantou críticas ao tripé do acordo
(não proliferação, desarmamento e
uso pacífico) como desigual. O TPAN,

310
NOTA MÉDIA geral e sem exceções a essas armas,
inclusive obrigando que os países
Anônimo signatários eliminem, imediatamente,
30 seus arsenais químicos e biológicos.
O Brasil é parte das duas convenções
TL – 60; e faz parte da OPAR, organização
751 palavras; humanitária criada para fiscalizar o
12,5 palavras/linha cumprimento da Convenção para a
Proibição das Armas Químicas. Por
O Direito Internacional Humanitário fim, o terceiro grande princípio do
é um ramo específ ico dos Direitos Direito Internacional Humanitário é o
Humanos aplicável aos conflitos da proporcionalidade. De acordo com
armados, o que não impede que este, ao atacar-se um alvo militar, é
também o Direito Internacional dos preciso que os meios utilizados sejam
direitos Humanos se aplique a essas proporcionais aos gastos militares que
situações. Há quem separe o Direito advirão do ataque, a fim de reduzir, ao
Internacional Humanitário em 4 máximo, os danos colaterais a bem,
categorias: o Direito de Genebra, infraestrutura e pessoas civis.
o Direito de Haia, o Direito de Nova
Iorque e, mais recentemente, o Direito O Direito Internacional moderno
de Roma. Dessas categorias o Direito teve seu desenvolvimento iniciado
de Genebra acaba por destacar-se, no século XIX, momento em que já
com suas 4 convenções e seus dois alguns tipos de armas foram proibidas
protocolos adicionais, documentos por tratados internacionais. Além
que, de maneira geral, assentam- disso, é também desse período as 3
se nos princípios gerais do Direito primeiras Convenções de Genebra,
Internacional Humanitário. cada uma delas tratando de um
aspecto específico quanto à proteção
O primeiro princípio a regulamentar daqueles que não participam da guerra
as operações militares em conflitos ou que deixaram de participar. São
armados é o que impõe a obrigação objetos da proteção dessas convenções
de não haver ataques a civis, a bem os náufragos e o feridos de guerra, os
civis ou a infraestrutura civil. Nesse ex-combatentes e aqueles que atuam
sentido, esse princípio proíbe a guerra como profissionais da saúde. Esses
total, restringido os conflitos armados mesmos três grupos seriam objeto das
a alvos militares. O segundo princípio 3 primeiras Convenções de Genebra de
basilar é o da humanidade. Os métodos 1949, elaboradas após a Segunda Guerra
utilizados em uma guerra devem ser Mundial, a fim de atualizar as proteções
aqueles que proporcionem o menor conferidas pelas convenções do século
sofrimento humano possível, motivo XIX. A grande novidade, naquele
pelo qual inúmeras são armas proibidas momento, foi a proteção conferida aos
pelo Direitos Internacional Humanitário, civis, os quais foram o objeto específico
como as armas químicas e as biológicas. da quarta Convenção de Genebra.
No caso específico dessas espécies de
armas, sua proibição decorre não apenas Em comum, as 4 Convenções de
do princípio da humanidade, mas Genebra tinham o fato de dirigir-se,
também de convenções específicas, a precipuamente, à regulamentação
saber a Convenção para Proibição de dos conflitos armados envolvendo
Armas Químicas e a Convenção para a Estados. A respeito de conflitos armados
Proibição de Armas Biológicas. Ambas internos, as convenções de 1949 eram
as convenções impõem um banimento silentes, à exceção de seus artigo 3º,

311
comum a todas elas. Esse artigo permite MENOR NOTA
vislumbrar que aquelas convenções
também se direcionavam aos conflitos Anônimo
internos. Apesar disso, estes vieram, 27
mais tarde, a ser regulamentados pelo
Protocolo I à Convenções de Genebra de TL – 60;
1949, o qual trata especificamente sobre 765 palavras;
conflitos envolvendo civis e o Estado 12,8 palavras/linha
ou apenas entre civis. O Protocolo II às
Convenções de 1949, por sua vez, trouxe O Direito Internacional Humanitário
regulamentações sobre a atuação da compreende normas destinadas à
Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, restrição de determinados tipos de
como seus símbolos. armamentos em conflitos (Direito de
Haia) e à proteção de não combatentes
Preocupação do Direito Internacional e locais civis (Direito de Genebra). A
Humanitário, as armas nucleares origem desse ramo do direito remonta
ainda são um tema controverso, ao fim do século 19, quando foram
dados os aspectos políticos que, realizadas as primeiras conferências em
sempre, o envolvem. O Tratado de Haia, foi criada o Comitê Internacional
Não Proliferação (TNP), ao contrário da Cruz Vermelha (CICV, dotado de
de seus homólogos referentes às personalidade jurídica internacional)
armas químicas e biológicas, nunca e foi firmada a primeira Convenção
vedou, expressamente, as armas de Genebra. O Direito Internacional
nucleares, pois embora não permitisse Humanitário evoluiu rapidamente
o desenvolvimento destas àqueles após a II Guerra Mundial, pois os países
que não as tinham no momento da foram e suas populações civis foram
ratif icação/adesão, não impõe, de profundamente abaladas pelo conflito.
forma peremptória, a obrigação de As normas em questão estabelecem
desarmamento àqueles países que já um patamar de proteção em tempo
eram nuclearmente armados. Por sua de guerra, sendo consideradas normas
vez, a CIJ, no caso Testes Nucleares, de jus cogens. Desse modo, não pode
afirmou que não havia, no Direito um Estado alegar sua não vinculação
Internacional, proibição do uso dessas ao Direito Internacional Humanitário,
armas. Ainda assim, seu uso estaria e a violação dessas normas acarreta a
restrito: apenas em caso de resposta a responsabilidade internacional do país
ataque nuclear, em razão dos princípios ou do indivíduo violador.
da humanidade e da proporcionalidade.
As quatro Convenções de Genebra
Apenas mais recentemente uma de 1949 e os dois Protocolos Adicionais
vedação expressa às armas nucleares de 1977 formam a base do Direito
foi estabelecida. Primeiramente, por Internacional Humanitário. As
meio do Tratado de Proibição Total de Convenções possuem um art. 3º em
Testes Nucleares (CTBT), já ratificado comum, o qual garante um patamar
pelo Brasil, mas ainda não vigente. mínimo de proteção em conflitos não
Em segundo lugar, pelo Tratado de internacionais, uma vez que as normas
Proibição de Armas Nucleares (TPAN), das convenções são primordialmente
que o Brasil assinou, após ser um grande destinadas aos conflitos internacionais.
defensor seu, e que já está em vigor. Cada convenção regula temas
específicos: os grupos de pessoas que
não devem ser alvos de ataques; os locais
que não devem ser alvos de ataques;

312
o auxílio humanitário concedido Armas Biológicas e, depois, nos anos
pela CICV, por outras organizações 1970, foi firmada a Convenção sobre
interacionais e por terceiros Estados; e a Armas Químicas. Ambas proíbem
proteção a combatentes feridos que não o uso, a produção, a estocagem e a
mais estão em batalha. Os Protocolos transferência desses armamentos,
aprofundaram o grau de proteção além de prever sua destruição e/ou
das convenções, sendo um destinado entrega. No entanto, apenas a segunda
a regular o Direito Humanitário convenção conta com um órgão
em conflitos internacionais e outro fiscalizador de seu cumprimento, a
destinado a estabelecer regras para os OPAQ. A essa organização compete a
conflitos não internacionais. A violação monitoração do desenvolvimento de
dos textos mencionados constitui armas químicas, a exemplo de suas
crime de guerra, conforme os termos atividades na Síria.
do Estatuto de Roma do TPI.
O principal tratado acerca do estatuto
A regulamentação das operações das armas nucleares é o TNP, baseado
militares em um conflito armado é nos pilares de não proliferação, uso
âmbito do Direito de Haia, o qual tem pacíf ico da tecnologia nuclear e
seu conjunto normativo segmentado desarmamento. Esse tratado “congelou”
em uma série de tratados. No entanto, o poder mundial, pois permitiu que os
observa-se três princípios centrais do Estados nuclearmente armados em
Direito de Haia. Primeiro, o princípio 1968 (EUA, URSS, Reino Unido, França
da necessidade: as operações militares e China) mantessem seus arsenais
só devem ser executadas caso sejam e apenas se comprometessem de
necessárias para os objetivos do grupo forma vaga com o desarmamento (art.
beligerante, sendo vedadas ações 6º). Os demais Estados-parte foram
supérfluas. Segundo, o princípio da proibidos de adquirir armas nucleares.
humanidade: as operações militares Os testes nucleares foram, de início,
devem causar o menor nível de regulados pelo PTBT (proíbe testes
sofrimento humano possível, sobretudo de superfície) e, depois, pelo CTBT
no que diz respeito aos civis. Terceiro, (proibição completa dos testes). Nos
o princípio da proporcionalidade: as anos 1990, o Protocolo Adicional do
operações militares devem realizar TNP determinou maior ingerência da
ações proporcionais à situação de guerra AIEA nos estabelecimentos nucleares
e aos atos que lhe foram infligidos. dos países signatários. Em 2017, com
a contribuição do Brasil, foi firmado o
O Direito Internacional Humanitário, TPAN, que proíbe as armas nucleares
no ramo do Direito de Haia, também de forma similar ao regime de armas
compreende a proibição a determinados químicas. Os países nuclearmente
tipos de armamentos, os quais são armados não assinaram o TPAN. Em
considerados excessivamente danosos parecer consultivo, a CIJ já afirmou que
aos civis e aos combatentes, como é o o uso de armas nucleares é, a priori,
caso das armas químicas e biológicas. contrário ao Direito Humanitário, mas,
Na década de 1920, o Protocolo de em caso de ameaça à integridade do
Genebra determinou a proibição do uso Estado, a Corte afirmou o “non liquet”.
de armas químicas e biológicas, sem No caso das Ilhas Marshall sobre armas
mencionar sua produção, estocagem nucleares, a CIJ não analisou a questão,
ou venda. A proibição completa desses pois não haveria uma controvérsia
armamentos foi estabelecida apenas jurídica. Em voto divergente, Trindade
após o f im da II Guerra Mundial. condenou a posse e o uso dessas armas.
Primeiro, foi firmada a Convenção sobre

313
17 de julho de 1998, a Conferência de
Questão 03 Roma das Nações Unidas aprovou o
Estatuto do TPI (composto de 13 partes

e 128 artigos), seus anexos e a Ata Final
Relatório de notas
Média Ampla Concorrência: 16,9 da Conferência.
Média Pessoas com Deficiência: 16,5
CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Os Tribunais
Média Candidatos Negros: 16,6 internacionais contemporâneos. Brasília: FUNAG, 2013,
p. 33, com adaptações.

Considerando que o excerto


apresentado tem caráter meramente
motivador e tendo em vista os aspectos
centrais do exercício da jurisdição
penal internacional por Cortes e
Tribunais Penais Internacionais,
MÉDIAS POR QUESITO em especial, pelo TPI na busca pelo
primado da justiça internacional, redija
um texto dissertativo abordando,
necessariamente, os seguintes
tópicos:

indicação das quatro espécies de


crimes da competência do TPI, conforme
o art. 5º do Estatuto de Roma;

citação de um exemplo de conduta


ou ato criminoso previsto no Estatuto de
Roma para cada uma das quatro espécies
de crimes da competência do TPI;

análise quanto à possibilidade jurídica


de o TPI julgar e responsabilizar criminal
e diretamente Estados por crimes contra
Leia, com atenção, o a humanidade, segundo o art. 25 do
excerto a seguir. Estatuto de Roma;

Com efeito, em 1996 foi criado o explanação a respeito da exclusão da


Comitê Preparatório da Conferência das jurisdição do TPI relativamente à idade
Nações Unidas sobre o Estabelecimento dos indivíduos, conforme o art. 26 do
de um Tribunal Penal Internacional Estatuto de Roma; e
(TPI), cujos travaux préparatoires
estenderam-se por dois anos. Os abordagem acerca da possibilidade
debates concentraram-se sobretudo jurídica de o Conselho de Segurança
em três questões centrais de capital das Nações Unidas (CSNU) solicitar o
importância, a saber: a tipificação adiamento de determinado inquérito ou
dos core crimes sob a competência procedimento criminal ao TPI, indicando
ratione materiae do TPI, o princípio da o fundamento jurídico de eventual
complementaridade nas relações entre solicitação pelo CSNU, bem como o
este último e as jurisdições nacionais e o prazo (período) da medida, de acordo
procedimento a ser adotado (incluindo com o art. 16 do Estatuto de Roma.
as prerrogativas da promotoria). Em

314
PADRÃO DE RESPOSTA
Extensão do texto: até 40 linhas
[valor: 20,00 pontos]
Espera-se que o candidato redija o texto
considerando os aspectos a seguir.

Q1. Espera-se que o (a) candidato (a)


apenas elenque a espécie “crime de
genocídio”, prevista no art. 5, parágrafo
1º, alínea “a” do Estatuto de Roma.

Q2. Espera-se que o (a) candidato (a)


apenas elenque a espécie “crimes
contra a humanidade”, prevista no art.
5, parágrafo 1º, alínea “b” do Estatuto
de Roma.

Q3. Espera-se que o (a) candidato (a)


apenas elenque a espécie “crimes de
guerra”, prevista no art. 5, parágrafo 1º,
alínea “c” do Estatuto de Roma.

Q4. Espera-se que o (a) candidato (a)


apenas elenque a espécie “crime de
agressão”, prevista no art. 5, parágrafo 1º,
alínea “d” do Estatuto de Roma.

Q5. Espera-se que o (a) candidato (a)


cite 4 (quatro) exemplos de condutas ou
atos criminosos previstos no Estatuto de
Roma, ou seja, 1 (um) exemplo para cada
uma das 4 (quatro) espécies de crimes
da competência do Tribunal Penal
Internacional (TPI).

Q6. Espera-se que o (a) candidato (a)


desenvolva o argumento segundo o
qual o Tribunal Penal Internacional
(TPI), em harmonia com o art. 25 do
Estatuto de Roma, tem competência
para responsabilizar apenas os indivíduos
(pessoas físicas), criminal e diretamente,
pelos crimes previstos no art. 5 do Estatuto
de Roma.

Q7. Espera-se que o (a) candidato


(a) discorra a respeito da exclusão da
jurisdição do Tribunal Penal Internacional
(TPI) quanto às pessoas que, à data da
alegada prática do crime, não tenham
ainda completado 18 anos de idade,
conforme o art. 26 do Estatuto de Roma.

315
Q8. Espera-se que o (a) candidato (a) Pedro Guilherme
assinale a possibilidade jurídica de
adiamento de determinado inquérito e Bastos Menezes
procedimento criminal, no sentido de de Almeida
que nem um inquérito ou procedimento
crime poderá ter início ou prosseguir os
20
seus termos mediante requisição do
TL – 40;
Conselho de Segurança das Nações
439 palavras;
Unidas (CSNU), segundo art. 16 do 10,9 palavras/linha
Estatuto de Roma.
A competência ratione materiae do
Q9. Espera-se que o (a) candidato (a) TPI abarca quatro espécies de crime:
indique o fundamento jurídico de crimes de genocídio, de guerra e
eventual solicitação pelo Conselho de contra a humanidade, estabelecidos
Segurança das Nações Unidas (CSNU), pelo Estatuto de Roma; e crimes de
qual seja, Resolução aprovada nos agressão, estabelecidos pelas Emendas
termos do disposto no Capítulo VII da de Kampala. Conduta criminosa
Carta das Nações Unidas, segundo art. relativa ao crime de genocídio é, a
16 do Estatuto de Roma. título de exemplo, o estabelecimento
de medidas que impeçam
Q10. Espera-se que o (a) candidato determinado grupo de pessoas de
(a) aponte o prazo (período) de 12 gerar descendentes. Ato criminoso
meses a contar da data em que o que diz respeito a crime de guerra
Conselho de Segurança assim o tiver seria o ataque a civis ou o uso de armas
solicitado em Resolução aprovada nos proscritas. Por sua vez, crimes contra a
termos do disposto no Capítulo VII da humanidade são caracterizados pela
Carta das Nações Unidas, podendo o ação sistemática, geral ou localizada,
pedido ser renovado pelo Conselho de que, intencionalmente, ocasiona
Segurança das Nações Unidas (CSNU), graves danos físicos ou psicológicos
em conformidade com o art. 16 do à população civil, como é o caso da
Estatuto de Roma. prática de tortura. Já os crimes de
agressão são aqueles que violam o
Será avaliada a capacidade do princípio da não agressão e o respeito
candidato de estabelecer uma tese e à soberania estatal e à integridade
sustentá-la coerentemente. A avaliação territorial. É importante ressaltar que,
seguirá o critério comparativo (i.e.). A no caso de crime de genocídio, o
avaliação individual será feita de acordo grupo de pessoas vitimadas torna-se
com a comparação do nível de outros alvo por suas distinções raciais, étnicas
exercícios. Nesse sentido, embora ou religiosas, por exemplo.
o candidato possa ter respondido
de forma correta, abrangendo os O TPI não é capaz de julgar e
requisitos anteriormente indicados, responsabilizar Estados criminalmente,
sua nota poderá ser menor do que e sua competência ratione personae
a atribuída a outros que f izerem abarca apenas pessoas físicas. Ele possui
o exercício com maior qualidade jurisdição complementar àquela dos
intelectual, acadêmica e formal. Estados, e atua a pedido dos Estados
Referências:
ou face a possível conduta omissiva de
CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Os Tribunais suas partes. Caso seja necessário, o TPI
internacionais contemporâneos. Brasília: FUNAG, 2013.
UNITED NATIONS. Rome Statute of the International Cri-
pode demandar a entrega de nacional
minal Court. Disponível em: < https://legal.un.org/icc/statu- para que seja processado e julgado, uma
te/english/rome_statute(e).pdf>. Acesso em: 10 jul. 2021.

316
vez que a presença do réu é condição Lucas Godoy
para o prosseguimento do caso. O
Brasil, particularmente, submete-se Vilela Barbosa
constitucionalmente à jurisdição do 19,5
TPI, obrigando-se, caso demandado, a
efetuar eventual entrega. TL – 40;
561 palavras;
No que se refere à idade dos 14 palavras/linha
indivíduos, o TPI não tem jurisdição para
julgar pessoas que não apresentam O Tribunal Penal Internacional (TPI)
maioridade penal, fixada em 18 anos. tem jurisdição sobre quatro crimes:
Paralelamente, existe a possibilidade (a) o genocídio, quando é praticada
de levar em consideração, para o uma conduta, como assassinato,
exercício de sua jurisdição, para o com o objetivo de aniquilar, no todo
prosseguimento do caso e para ou em parte, grupo étnico, nacional,
a def inição do julgamento, idade racial ou religioso; (b) o crime contra
avançada de indivíduos, na medida em a humanidade, que consiste em uma
que pode haver necessidades especiais série de condutas, como o apartheid,
de saúde, a partir de ótica humanitária. praticadas no contexto de um
ataque generalizado ou sistemático
O CSNU é um dos legitimados a um grupo social; (c) o crime de
para levar casos ao TPI, assim como guerra, que é uma violação grave às
os Estados partes e o Promotor Convenções de Genebra de 1949 e
do Tribunal. O CSNU pode, ainda, a outros instrumentos que regulam
solicitar o adiamento de determinado os conflitos armados, e que pode se
inquérito ou procedimento criminal expressar, por exemplo, no ataque a
ao TPI, com fundamento jurídico em locais de culto, escolas ou hospitais;
resolução de sua parte, conforme o (d) o crime de agressão, que é o
Estatuto de Roma, pelo prazo máximo ataque armado de um Estado contra a
de 12 meses. O CSNU tem primazia soberania, a integridade territorial ou a
na ação para manutenção da paz e independência política de outro estado
segurança internacionais a partir e pode se expressar, por exemplo, no
de suas resoluções embasadas nos bombardeio ou no bloqueio a portos.
capítulos VI e VII da Carta da ONU,
e, na década de 1990, estabeleceu A jurisdição do TPI recai somente sobre
tribunais penais ad hoc para a ex- indivíduos, em complementariedade
Iugoslávia e para Ruanda, prática às jurisdições nacionais. Nesse sentido,
validada pela CIJ no Caso Tadic (1997) não é possível ao tribunal julgar e
e que se prolonga, atualmente, por responsabilizar criminal e diretamente
meio de seu Mecanismo Residual. um estado, nos termos do art. 25 de
seu Estatuto. No caso dos crimes
contra a humanidade, além dos
elementos materiais e do elemento
sistemático, é necessário que o ataque
generalizado se dê no quadro de um
estado ou organização. Assim, embora
a presença de uma política de estado
seja importante para caracterizar o
crime contra a humanidade, não é
possível julgar estados no TPI.

317
De acordo com o art. 26 do Estatuto viole normas sobre imunidades
do TPI, o Tribunal só poderá exercer vigentes para a parte. De todo modo, o
sua jurisdição sobre indivíduos com art. 16 garante ao CSNU a prerrogativa
mais de dezoito anos. A exclusão da de suspender o andamento de
jurisdição do órgão em relação à idade inquérito ou procedimento, mas
dos indivíduos é uma adequação das essa atribuição deve ser exercida
normas do regime penal internacional com o objetivo de manter a paz e a
à Convenção sobre os Direitos da segurança internacionais, função
Criança, assinada em 1991 [NOTA DO precípua do Conselho, em casos nos
AUTOR: a convenção foi assinada em quais o adiamento seja necessário
1989 e entrou em vigor em 1990], no para que uma eventual controvérsia
âmbito da ONU. Esse documento seja resolvida.
garante aos menores de 18 anos
procedimentos penais diferenciados,
com o objetivo de ressocialização
da criança em conflito com a lei. As
garantias processuais específ icas
às crianças e as disposições sobre o
cumprimento da pena não seriam
compatíveis com os mecanismos
previstos no Estatuto de Roma.

O artigo 16 do Estatuto de Roma


permite que o CSNU solicite a
suspensão de um inquérito ou de um
procedimento criminal em curso, para
que o Conselho exerça suas atribuições
relativas à solução de controvérsias
que possam representar ameaça à paz
e à segurança internacionais, seja por
meio do capítulo 6 ou 7 [NOTA DO
AUTOR: de acordo com o art. 16 do
ETPI, a resolução deve ser aprovada nos
termos do capítulo VII]. A suspensão
requerida pelo CSNU pode durar até
um ano, nos termos do art. 16. Na
década de 2000, os Estados Unidos
patrocinaram seguidas resoluções
que requeriam a exclusão de cidadãos
norte-americanos da jurisdição do TPI
pelo prazo de um ano. A recorrência
da resolução suscitou desgaste
diplomático e, a partir de 2004, os EUA
passaram a assinar acordos bilaterais
com outros países proibindo a entrega
de norte-americanos ao TPI. Dessa
forma, estaria excluída a jurisdição
do tribunal, uma vez que o Estatuto
de Roma prevê que o estado-parte
não está obrigado a entregar um
indivíduo ao TPI caso essa entrega

318
Patrícia Camargo in idem), exceto em caso de “sham
trial”. A pena máxima é de 30 anos,
de Sousa mas pode ser, excepcionalmente,
19 perpétua. A obediência a ordens
não afasta a responsabilidade dos
TL – 40; indivíduos acusados, nem a qualidade
478 palavras; de oficial (princípios inspirados no
11,95 palavras/linha tribunal de Nuremberg).

O Tribunal Penal Internacional, O CSONU pode solicitar o adiamento


estabelecido pelo Estatuto de de inquérito ou procedimento criminal
Roma, julga indivíduos acusados de ao TPI pelo prazo de doze meses em
praticar genocídio, crimes de guerra, função de sua competência, pela
crime contra a humanidade e crime Carta da ONU, de manutenção da
de agressão (desde a emenda de paz. A delegação do Quênia chegou
Kampala, para fatos após 2018) em a solicitar ao CSONU o adiamento de
Estados partes ou quando o indivíduo inquérito envolvendo seu nacional,
acusado é nacional de um Estado mas o órgão não aceitou a solicitação.
parte. A competência também pode Como, pelo artigo 103 da Carta da
ser estabelecida de forma “ad hoc”. O ONU, a Carta prevalece sobre outras
genocídio é a tentativa de exterminar normas internacionais, resolução do
um grupo no todo ou em parte CSONU poderiam prevalecer sobre os
(elementos objetivo e subjetivo), como procedimentos prescritos no Estatuto
verificado em Ruanda na década de de Roma. O CSONU também tem
1990. Crimes de guerra são aqueles competência para encaminhar ao
das Convenções de Genebra de TPI casos envolvendo indivíduos de
1949 contra prisioneiros de guerra, Estados que não são parte do Estatuto
médicos, instituições hospitalares e que não praticaram crimes em
(destruição de hospitais, como Estados partes do Estatuto. Isso porque
na Iugoslávia na década de 1990). questões de paz são preferencialmente
Crimes contra a humanidade são tratados pelo CSONU (Carta da
ações de violência contra populações ONU), o que também fundamenta
de forma sistemática e autorizado a possibilidade de suspensão do
pela autoridade, como a tortura e inquérito. O caso Lockerbie, julgado
os desaparecimentos forçados na pela CIJ, sedimentou o entendimento
América Latina nas décadas de que prevalece a Carta da ONU frente
1960 e 1970. Já o crime de agressão, outras obrigações internacionais,
prescrito em Kampala e em resolução tratando da superioridade das
da ONU, é invasão de território, ataque resoluções do CSONU.
a embarcações oficiais, entre outros.
Assim, não há responsabilidade
Estados não podem ser penal de Estados, de modo que
responsabilizados por crimes contra apenas indivíduos são julgados pelo
a humanidade no TP, embora sejam TPI. Este, formado por nove juízes a
praticados por autoridades. Isso título pessoal e o procurador, recebe
porque o TPI só julga indivíduos, denúncias de países parte e do
sempre maiores de 18 anos e nunca CSONU. São respeitados os princípios
“n absentia”, que vão ao TP por meio da legalidade, devido processo egal e
da entrega, que não se confunde proporcionalidade, por exemplo.
com a extradição. A jurisdição do TPI
é subsidiária e complementar (ne bis

319
NOTA MÉDIA posição com a ideia de que o Direito
internacional não deve ser regido
Aline Freitas de por uma raison d’état, mas sim por
Paula e Silva uma raison d’humanité. Aqueles que
16,5 são contrários alertam para o perigo
de transformar o “Estado criminoso”
em pária e, assim, causar danos à
TL – 40;
população pelo incentivo, velado ou
468 palavras;
11,7 palavras/linha não, à xenofobia.

As quatro espécies de crimes da Para que o TPI exerça sua jurisdição é


competência do TPI são o crime preciso que se esgotem as vias jurídicas
de genocídio, o crime contra a internas. Em vista da impossibilidade
humanidade, o crime de guerra e de julgar internamente, em muitos
o crime de agressão. O crime de países, pessoas menores de 18 anos,
genocídio é o ataque direcionado a elas são excluídas da jurisdição do
um grupo étnico ou religioso com TPI, em conformidade com as normas
o objetivo explícito de aniquilá- convencionais sobre os direitos das
lo, como foram o holocausto e o crianças.
genocídio de Ruanda. Os crimes
contra humanidade são ataques Há uma profunda cooperação entre
generalizados a uma população com o TPI e o Conselho de Segurança da
o objetivo de causar grave dano à ONU, que pode solicitar a instauração
integridade física e mental ou à vida. de inquérito ou seu aditamento. O
Os crimes de guerra são aqueles que CSNU é o órgão prioritário para tratar
acontecem no contexto de conflitos questões de paz e de segurança,
armados e que violam os princípios e caso algum inquérito do TPI tenha o
normas do direito humanitário, como potencial de colocar em risco alguma
o ataque a hospitais de campanha e negociação em andamento no
o uso de escudos humanos. O crime Conselho ou se sobrepuser a medidas
de agressão é o que foi definido mais adotadas no CSNU ele poderá ser
recentemente e refere-se à qualquer suspenso por prazo indeterminado,
violação da integridade territorial de enquanto durarem as circunstâncias
um Estado por meio do uso da força. que levaram à suspensão. Essa
prerrogativa não deve, contudo, ser
A possibilidade de o TPI julgar e usada para gerar impunidade.
responsabilizar Estados por crimes
contra a humanidade foi aventada ao O direito penal internacional
longo dos travaux préparatoires, mas representa uma importante evolução
não prosperou. Os Estados possuem no tratamento de crimes internacionais
responsabilidade internacional objetiva e na contenção da impunidade. A forma
em relação aos danos causados, mas desproporcional que ele é usado contra
não estão sujeitos à responsabilização nacionais de países africanos tem sido,
penal. Os responsabilizados pela recentemente, razão de protesto por
agressão serão os chefes de estado esses países. A ratificação do Estatuto
e os chefes militares que idealizaram de Roma por mais países é necessária
e praticaram a ação. Aqueles que, para garantir a universalidade dessa
como Cançado Trindade, defendem instância jurídica.
a possibilidade de responsabilização
criminal do Estado justif icam sua

320
MENOR NOTA O TPI segue o princípio da
complementariedade, na medida
Anônimo em que só exerce sua jurisdição
13,5 sobre crime grave, que ameace a
paz e a segurança internacionais e
TL – 40; que já não tenha sido julgado (ou
453 palavras; esteja em julgamento) por tribunais
11,3 palavras/linha internos efetivos. Ele se destina a
evitar a impunidade de indivíduos que
O único tribunal penal em controlam as instâncias judiciais em
funcionamento na atualidade é o TPI. seus países de origem, graças a fatores
No passado, os tribunais de Nuremberg, políticos, econômicos ou hierárquicos.
de Tóquio, de Ruanda e da Ex- Nesse contexto, o TPI dialoga com o
Iugoslávia já haviam responsabilizado CSNU, órgão máximo na definição do
indivíduos criminalmente por meio do que, efetivamente, constitui ameaça à
exercício da jurisdição internacional. paz e segurança. O art. 16 do Estatuto
de Roma chega a prever a possibilidade
O art. 5º do Estatuto de Roma de que o CSNU solicite o adiamento
estabelece a competência do TPI para de inquérito ou de procedimento
julgar os crimes de guerra (ex.: estupro criminal ao TPI, sob o fundamento de
coletivo), crimes contra a humanidade que ainda não foi definido se o crime
(ex.: escravidão), crime de genocídio cometido ensejou ameaça à paz com
(ex.: não punição de civis que atentem repercussão internacional, pelo prazo
contra a vida e integridade de pessoas máximo de 3 meses.
de grupo étnico específico, como no
genocídio de Ruanda dos anos 1990) O procedimento padrão do TPI
e crime de agressão (ex.: envio de começa com o inquérito instaurado
tropas militares a país estrangeiro pelo procurador do tribunal, de ofício,
sem autorização deste). As Emendas por denúncia de membro do Estatuto
de Campala, que entraram em vigor de Roma ou por denúncia do CSNU.
em 2018, regulam a responsabilização Exige-se que o crime tenha sido
pelo crime de agressão. cometido após 2002, por nacional de
Estado parte do Estatuto de Roma
O TPI somente julga indivíduos, em ou no território de um. Nos crimes de
oposição à CIJ, que somente julga agressão, é necessário que o crime
Estados. Decisões do TPI até chegaram seja posterior a 2018 e que o acusado
a atingir presidentes em exercício, seja nacional de e tenha praticado
como no caso do sudanês Omar al- o crime em Estado que ratificou as
Bashir. O TPI não tem jurisdição, Emendas de Campala. Todas essas
contudo, para julgar indivíduos de exigências não se sustentam em caso
idade muito avançada, pois, devido às de indicação direta do indivíduo para
limitações decorrentes da idade, esses o procurador do TPI pelo CSNU.
indivíduos deixaram de oferecer risco
à paz e à segurança internacionais. O
direito penal, como ultima ratio, tem
como objetivo principal a proteção
da sociedade, em detrimento da
vingança contra o criminoso.

321
onde ela finda; daí segue em linha reta,
Questão 04 ou que mais se lhe aproxime, pelos
terrenos mais elevados a encontrar a

Serra Amambaí; prossegue pelo mais
Relatório de notas
Média Ampla Concorrência: 12,3 alto desta serra até a nascente principal
Média Pessoas com Deficiência: 7,75 do rio Apa, e baixa pelo álveo deste
Média Candidatos Negros: 11 até a sua foz na margem oriental do
rio Paraguai; todas as vertentes que
correm para Norte e Leste pertencem
ao Brasil e as que correm para o Sul e
Oeste pertencem ao Paraguai. A Ilha do
Fecho dos Morros é domínio do Brasil.
(Tratado de Limites, celebrado entre Brasil e Paraguai,
no Rio de Janeiro, em 9 de janeiro de 1872, art. 1º).

MÉDIAS POR QUESITO


Se acontecer (o que não é de esperar)
que uma das altas partes contratantes,
por qualquer motivo que seja, deixe
de nomear o seu comissário dentro do
prazo acima marcado, ou que, depois
de nomeá-lo, sendo mister substituí-lo,
o não substitua dentro de igual prazo, o
comissário da outra parte contratante
procederá à demarcação, e esta será
julgada válida, mediante a inspeção e
parecer de um comissário nomeado
pelos governos da República Argentina
e da República Oriental do Uruguai.

(Tratado de Limites, celebrado entre Brasil e Paraguai,


no Rio de Janeiro, em 9 de janeiro de 1872, art. 2º, pri-
meira parte).

Leia, com atenção, os Da confluência do rio Apa, no rio


Paraguai, até a entrada ou desaguadouro
excertos a seguir.
da Baía Negra, a fronteira entre os
Estados Unidos do Brasil e a República
Sua Alteza a Princesa Imperial do do Paraguai é formada pelo álveo do
Brasil, Regente em nome do Imperador rio Paraguai, pertencendo a margem
o Senhor D. Pedro II, e a República esquerda ao Brasil e a margem direita
do Paraguai, estando de acordo em ao Paraguai.
assinalar seus respectivos limites,
convieram em declará-los, defini-los, (Tratado de Limites Complementar, celebrado entre
Brasil e Paraguai, no Rio de Janeiro, em 21 de maio de
e reconhecê-los do modo seguinte: o 1927, preâmbulo, art. 1º).
território do Império do Brasil divide-se
com a República do Paraguai pelo álveo Além da ilha do Fecho dos Morros,
do rio Paraná, desde onde começam as que é brasileira, conforme f icou
possessões brasileiras na foz do Iguaçu estipulado na parte final do artigo 1o do
até o Salto Grande das Sete Quedas do Tratado de Limites de 9 de janeiro de
mesmo rio Paraná; do Salto Grande das 1872, pertencem, respectivamente, aos
Sete Quedas continua a linha divisória Estados Unidos do Brasil ou ao Paraguai,
pelo mais alto da Serra de Maracaju até

322
as demais ilhas que fiquem situadas A República do Paraguai reconhece
do lado oriental ou do lado ocidental o domínio territorial e a soberania
da linha de fronteira, determinada da República Federativa do Brasil
pelo meio do canal principal do rio, sobre a ilha denominada ilha do
de maior profundidade, mais fácil e Chapéu, pelo Brasil, e conhecida até
f ranca navegação, reconhecido no agora como “Isla Del Sombrero”, pelo
momento da demarcação, segundo Paraguai, de coordenadas geográficas
os estudos efetuados. Uma vez feita aproximadas vinte graus, trinta e três
a distribuição geral das ilhas, elas minutos, trinta e oito segundos e nove
só poderão mudar de jurisdição por décimos de Latitude Sul (20º 33’ 38” S)
acessão à parte oposta. As ilhas que e cinquenta e oito graus de Longitude
se formarem posteriormente à data Oeste (058º 00’ 00.0” W).
da distribuição geral das mesmas
(Protocolo Adicional ao Tratado de Limites Comple-
serão denunciadas por qualquer das mentar, celebrado entre Brasil e Paraguai, em Assun-
partes contratantes e se fará a sua ção, em 4 de dezembro de 1975, art. 2º).
adjudicação de acordo com o critério
estabelecido no presente artigo.
Considerando que os excertos
(Tratado de Limites Complementar, celebrado entre
Brasil e Paraguai, no Rio de Janeiro, em 21 de maio de
normativos apresentados têm caráter
1927, preâmbulo, art. 2º). meramente motivador, redija um texto
dissertativo a respeito da aplicação dos
As Altas Partes Contratantes convêm tratados concernentes à delimitação
em realizar, em comum e de acordo territorial e ao aproveitamento fluvial,
com o previsto no presente Tratado que vinculam o Brasil ao Paraguai.
e seus Anexos, o aproveitamento Aborde, necessariamente, os
hidrelétrico dos recursos hídricos do rio seguintes tópicos:
Paraná, pertencentes em condomínio
aos dois países, desde e inclusive o explanação acerca dos pressupostos
Salto Grande de Sete Quedas ou Salto da personalidade jurídica do Estado,
de Guaíra até a foz do rio Iguaçu. vinculando-os ao Brasil, quando da
celebração do Tratado bilateral de
(Tratado de Itaipu, celebrado entre Brasil e Paraguai,
em Brasília, em 26 de abril de 1973, art. 1º).
1872, tendo em vista o seu art. 1º;

A República Federativa do Brasil definição, diferenciação e indicação


reconhece o domínio territorial e a dos critérios de delimitação territorial e
soberania da República do Paraguai aproveitamento hídrico utilizados pelo
sobre a ilha denominada “Isla Brasil e pelo Paraguai nos Tratados
Margarita”, pelo Paraguai, e conhecida bilaterais de 1872, 1927, 1973 e 1975;
até agora como ilha de Porto Murtinho,
ou Banco das Três Barras, pelo Brasil, de definição, diferenciação e indicação
coordenadas aproximadas vinte e um dos critérios de delimitação territorial e
graus, quarenta e um minutos, vinte aproveitamento hídrico utilizados pelo
e sete segundos e três décimos de Brasil e pelo Paraguai nos Tratados
Latitude Sul (21º 41’ 27.3” S) e cinquenta bilaterais de 1872, 1927, 1973 e 1975;
e sete graus, cinquenta e três minutos,
vinte e três segundos e seis décimos análise da possibilidade de
de Longitude Oeste (057º 53’ 23.6” W). modif icação de dispositivos do
Tratado bilateral de 1973 em razão
(Protocolo Adicional ao Tratado de Limites Comple- do princípio da utilização equitativa
mentar, celebrado entre Brasil e Paraguai, em Assun-
ção, em 4 de dezembro de 1975, art. 1º).
como obrigação jurídica ambiental.

323
PADRÃO DE RESPOSTA
Extensão do texto: até 40 linhas
Q1. Espera-se que o candidato seja capaz
[valor: 20,00 pontos]
de identificar e dissertar a respeito da
distinção entre a personalidade jurídica
do Estado e a do seu representante.
A personalidade jurídica do Estado
é originária. Logo, todo Estado tem
capacidade para celebrar tratados por
meio de seu representante, que é, em
regra, o chefe de Estado, mas pode
ser um plenipotenciário (REZEK, 2018,
pp. 60-61). No art. 1o, mencionam-se
como partes do tratado o imperador
D. Pedro II e a República do Paraguai,
o que pode induzir que se trata de
um instrumento celebrado entre uma
pessoa física e um Estado.

Q2. Espera-se que o candidato seja


capaz de identificar e dissertar quanto
aos elementos constitutivos do Estado,
isto é, o que faz com que um Estado seja
um sujeito de Direito Internacional. A
personalidade internacional originária
do Estado ostenta três elementos
conjugados: base espacial territorial,
comunidade humana nacional, forma
e governo independente (REZEK, 2018,
p. 201). É importante que o candidato
faça uma análise individualizadas
desses três elementos.

Q3. Espera-se que o candidato seja


capaz de identificar e dissertar acerca
dos aspectos jurídicos da delimitação
territorial como condição de igualdade
entre Estados nacionais, tendo em
vista que o exercício da soberania só
se realiza especialmente até a fronteira
com os vizinhos. Isso faz com que
seja, muitas vezes, complexa a fixação
dos limites espaciais do exercício da
soberania ou de direitos soberanos.
(MAZUOLLI, 2020, p. 429). Para tanto, a
celebração de tratados de delimitação
territorial é necessária. (MAZUOLLI,
2020, p. 431).

324
Q4. Espera-se que o candidato seja Q6. Espera-se que o candidato seja
capaz de identificar e dissertar com capaz de identificar e dissertar quanto
relação à delimitação territorial fluvial. à possibilidade jurídica de criação de
Quando a f ronteira entre Estados obrigação convencional para terceiros
ribeirinhos é representada por Estados. Nos termos do art. 36 da
cursos d’água, as controvérsias são Convenção de Viena sobre o Direito
ainda mais complexas. Sendo assim, dos Tratados, adotada em 1969, é
alguns critérios têm sido utilizados possível que um tratado internacional
pelos Estados, que compartilham crie direito a um Estado terceiro, i.e.,
cursos d’água internacionais. Espera- Estado não parte, quando as partes
se que o candidato descreva os do tratado têm a intenção de criar tal
seguintes critérios: (i) critério de “uma direito e o Estado terceiro, por sua vez,
das margens”, que corresponde aceita-o de modo expresso ou tácito
à nacionalização do curso d’água (AMARAL JÚNIOR, 2015, p. 75).
contíguo, i.e., este encontra-se
integralmente no território de um Q7. Espera-se que o candidato seja
dos Estados ribeirinhos; (ii) critério capaz de identificar e dissertar acerca
do “condomínio”, segundo o qual o do fato de que, por meio do Tratado de
curso d’água é internacionalizado 1872, Brasil e Paraguai, no art. 2, preveem
pelos Estados Partes do tratado o direito de a Argentina e o Uruguai
internacional de delimitação; (iii) inspecionarem e opinarem acerca da
critério da “equidistância”, por meio demarcação entre Brasil e Paraguai
do qual traça-se uma linha mediana por intermédio de um comissário
entre as margens do curso d’água; (iv) nomeado por tais Estados terceiros.
critério do “talvegue”, segundo o qual Tais direitos só vão ser adquiridos em
a linha fronteiriça se confunde com o caso de consentimento pelo Uruguai
canal mais profundo do curso d’água e Argentina. Por este motivo, o mesmo
internacional (MAZZUOLI, 2020, p. 432). artigo, em sua parte final, determina
que “Se os ditos governos [da Argentina
Q5. Espera-se que o candidato seja e do Uruguai] não puderem aceder à
capaz de identif icar e dissertar a solicitação que para esse fim lhes será
respeito dos critérios adotados por dirigida, começará ou prosseguirá a
Brasil e Paraguai nos Tratados de 1872, demarcação, da fronteira, da qual será
1927, 1973 e 1975. No primeiro, as partes levantado por duplicada um mapa
adotaram dois critérios: (i) “talvegue”, individual com todas as indicações
no trecho que segue o álveo do Rio e esclarecimentos precisos para ser
Paraná, da foz do Iguaçu até o Salto um deles entregue à outra parte
Grande das Sete Quedas; (ii) “talvegue” contratante, ficando a esta marcado
e “uma das margens” do trecho que vai o prazo de seis meses para mandar,
da nascente principal do Rio Apa, até se assim lhe convier, verificar a sua
a sua foz na margem oriental do Rio exatidão”.
Paraguai. No Tratado de 1927, adotou-
se o critério do talvegue. No tratado de Q8. Espera-se que o candidato seja
1973, foi a vez do critério do condomínio. capaz de identif icar e dissertar a
Por fim, no Tratado de 1975, legitimou- respeito da consolidação de um
se um critério diferente dos quatro novo direito internacional dos cursos
indicados no Q4, que corresponde a d’água, favorecido pela Declaração de
coordenadas geográficas por meio de Estocolmo (1972) e pela Declaração do
georreferenciamento. Rio de Janeiro (1992), que culminaram
na Convenção das Nações Unidas
sobre Cursos d’Água, celebrada em

325
1997. Este novo direito internacional dos Será avaliada a capacidade do
cursos d’água implica a obrigação de candidato de estabelecer uma tese e
utilização equitativa, que é considerado sustentá-la coerentemente. A avaliação
um princípio do direito internacional seguirá o critério comparativo (i.e.). A
(BIRNIE; BOYLE; REDGWELL, 2009, avaliação individual será feita de acordo
pp. 540-541). Nos termos do art. 38 com a comparação do nível de outros
do Estatuto da Corte Internacional exercícios. Nesse sentido, embora
de Justiça, são fontes do direito o candidato possa ter respondido
internacional os princípios gerais do de forma correta, abrangendo os
direito (ACCIOLY; NASCIMENTO E requisitos anteriormente indicados,
SILVA; CASELLA, 2009, p. 122). sua nota poderá ser menor do que
a atribuída a outros que f izerem
Q9. Espera-se que o candidato o exercício com maior qualidade
seja capaz de identificar e dissertar intelectual, acadêmica e formal.
acerca do fato de que o equilíbrio
Referências:
entre considerações econômicas ACCIOLY, Hildebrando; NASCIMENTO E SILVA, G. E. do;
e ambientais deve ser feito a partir CASELLA, Paulo Borba. Manual de Direito Internacio-
nal Público. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
da consolidação do princípio do AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Curso de Direito Interna-
desenvolvimento sustentável em cional Público. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
BIRNIE, Patricia; BOYLE, Alan; REDGWELL, Catherine.
meados dos anos de 1980. Desde a International Law & the Enviroment. Oxford: Oxford
década anterior, tem-se reconhecido University Press, 2009.
LEE, Karen. International Environmental Law Reports.
de modo amplo e geral a obrigação Vol. 5. New York: Cambridge University Press, 2007.
de preservação ambiental quando da MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Inter-
nacional Público. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
aplicação de um tratado internacional REZEK, José Francisco. Direito internacional público:
em vigor anteriormente (LEE, 2007, p. curso elementar. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
283). Existindo essa obrigação, cujos
efeitos são erga omne, o Brasil e o
Paraguai se vinculam por meio dela.

Q10. Espera-se que o candidato seja


capaz de identificar e dissertar em
relação ao fato de que o Tratado
bilateral de 1973, celebrado entre
Brasil e Paraguai, deve ser cumprido
pelas partes levando-se em conta a
obrigação geral de não causar dano
ambiental signif icativo ao Estados
vizinhos ou em espaços fora de
jurisdição nacional (BIRNIE; BOYLE;
REDGWELL, 2009, p. 549). Desta forma,
é possível que, quando da aplicação
do Tratado de 1973, haja conflito entre
a norma convencional e o princípio,
aquela devem ser hermeneuticamente
modif icada para se adequar ao
princípio (MAZZUOLI, 2020, p. 86).

326
Andrea Kakitani 1973, o critério para a delimitação
territorial e o aproveitamento hídrico
Carbone foi a soberania compartilhada dos
18 recursos hídricos do rio Paraná, com
a formação de um condomínio entre
TL – 40; os países. No tratado de 1975, Brasil
497 palavras; e Paraguai realizaram compensação
12,4 palavras/linha territorial, reconhecendo o domínio
da “Isla Margarita” pelo Paraguai e
Os elementos constituidores o domínio da ilha do Chapéu pelo
de um Estado são listados na Brasil. Trata-se de casos de anexação
Convenção de Montevidéu de 1933: parcial de território.
população permanente, território
delimitado, governo constituído e No art. 2º do Tratado bilateral de
capacidade de relacionar-se com 1872, Brasil e Paraguai criaram direitos
outros Estados. Entende-se que o convencionais para a Argentina e o
reconhecimento da personalidade Uruguai (Estados terceiros), os quais
jurídica do Estado é ato meramente poderiam nomear um comissário
declaratório. Quando da celebração para a inspeção e parecer de
do Tratado bilateral de 1872, o Brasil demarcação territorial e realizada
tinha população permanentemente pelo comissário de apenas uma das
i n s t a l a d a e m s e u te rri tó ri o, partes. Como regra geral, os direitos
delimitado por acordos territoriais e obrigações criados em favor de
da época da Colônia e do Império, Estados terceiros não os vinculam,
e um governo soberano, sendo d. pois, no direito internacional,
Pedro II o Chefe de Estado brasileiro, impera a doutrina voluntarista. Seria
encarregado de representar o país necessária, assim, a manifestação
nas relações com outros Estados. de consentimento dos Estados que
A Princesa Regente, a qual assinou não participaram da negociação do
o tratado em nome do Imperador, tratado. Contudo, há tratados que
estava habilitada a realizar atos geram efeitos para terceiros, como
internacionais, representando o os tratados territoriais. No caso do
Império brasileiro, pelos poderes que tratado de 1872, Argentina e Uruguai
lhe foram concedidos por d. Pedro teriam que consentir com o acordo
II. Desse modo, não houve vícios na para exercer seus direitos e não são
celebração do tratado. juridicamente obrigados a cumprir
o texto do art. 2º.
Nos tratados de 1872 e 1927, o
critério utilizado para a delimitação Os dispositivos do Tratado bilateral
territorial foram as f ronteiras de 1973 poderiam ser modif icados
naturais: no primeiro, os rios Paraná, pelo princípio da utilização equitativa
Apa e Paraguai foram usados para como obrigação jurídica ambiental.
determinar os limites internacionais; À luz do Direito Ambiental, os
no segundo, recorreu-se ao Paraguai. Estados não podem fazer uso de
Esse método facilita a demarcação recursos compartilhados de modo
f ronteiriça. Também no tratado que outros países sejam afetados
de 1927, observa-se o critério de sem prévia consulta a esses países.
distribuição geral das ilhas formadas Além disso, recursos f ronteiriços
no rio Paraguai, cuja jurisdição devem ser utilizados de modo
só mudaria por consequências comum e sustentável. O uso não
naturais (acessão). No tratado de equitativo dos recursos pode

327
resultar na responsabilização do Luiza Valladares
Estado. Considerando que o Tratado
de 1973 afetava os recursos hídricos de Gouvêa
argentinos, o princípio em discussão 16
demandaria a inclusão da Argentina
nas negociações. Isso foi realizado TL – 39;
com o Acordo Tripartite de 1979. 558 palavras;
14 palavras/linha

No Direito Internacional, a
personalidade jurídica do Estado é
plena (têm todas as capacidades),
originária e objetiva (reconhecida
ipso facto). Segundo os costumes e
a Convenção de Montevidéu de 1933,
a existência dos Estados pressupõe
governo efetivo, independência
jurídica, população permanente e
território definido, ainda que sujeito
a alterações. O Tratado de 1872 foi
celebrado entre a República do
Paraguai e o Império do Brasil. A
transição brasileira para a República,
em 1889, não afetou as relações
jurídicas. Em primeiro lugar, porque
os pressupostos da personalidade
objetiva do Brasil foram mantidos,
apesar da transição de governo (o
reconhecimento de governo não é
pressuposto de existência do Estado).
Em segundo lugar, porque segundo os
costumes refletidos na Convenção de
Viena sobre Sucessão de Estados em
matéria de Tratados (de 1978, ratificada
pelo Brasil em 2020 [sic: ratificada
em 2019, promulgada em 2020]),
consagra-se a sucessão automática de
tratados territoriais, em consonância
com o princípio da aplicação territorial
e da intangibilidade de fronteiras.

Diferentes critérios de delimitação


territorial e aproveitamento hídrico
foram usados nos Tratados de 1872, 1927,
1973 e 1975. Tradicionalmente, usa-se o
critério dos limites naturais, segundo o
qual as fronteiras são definidas a partir
de marcos geológicos ou hídricos,
como rios (Rio Paraná, 1872), serras
(de Maracaju, 1927), ilhas (Fecho do
Morros, 1927 – e Margarita, 1975). O

328
critério do uti possidetis (ocupação para o aproveitamento conjunto dos
efetiva) também foi largamente usado. recursos hídricos da região do Salto
O condomínio territorial, segundo o das Sete Quedas. Em que pesem as
qual os dois países exercem soberania considerações anteriores, a própria
paralelamente sobre um território e noção de condomínio comporta uma
seus recursos, foi usado em 1973 para interpretação favorável à aplicação do
o aproveitamento hídrico da região princípio da utilização equitativa. É o
das Sete Quedas. A demarcação por que se verifica no caso concreto: com
critérios de georreferenciamento, efeito, o Tratado de 1973 criou a Itaipu
em que se faz uso de coordenadas Binacional, que faz a gestão da energia
geográficas para a delimitação precisa, elétrica produzida, distribuindo
foi usado em 1975. igualmente seus benefícios entre os
dois países. A noção de equidade,
O art. 2º do Tratado de 1872 cria a
prerrogativa, para a Argentina e para
o Uruguai, de nomear comissários
para o julgamento da demarcação
entre Brasil e Paraguai. Segundo a
Convenção de Viena sobre o Direito
dos Tratados de 1969, é possível criar
direitos para terceiros, desde que
estejam previstos por escrito e que não
tragam ônus, salvo quando o tratado
cria situações jurídicas objetivas.
Pode-se, também, criar obrigações,
desde que sejam aceitas pelo terceiro.
A exigibilidade do cumprimento no
disposto no art. 2º do Tratado de 1872
_condiciona-se, portanto, à aceitação
dessa incumbência pela Argentina e
pelo Uruguai, na condição de terceiros
Estados, já que não integram o
Tratado de 1872, e tanto a CVDT de
1969, quanto os costumes vedam [sic:
estabelecem, não?] o pacta tertiis.
Os tratados, esclarece-se, vinculam
apenas os signatários.

O princípio da utilização equitativa


não é uma obrigação jurídica
ambiental absoluta. Por tratar-se de
princípio, deve ser sopesado diante da
existência de outras normas, no caso
concreto. Se, por um lado, a utilização
equitativa preconiza o aproveitamento
proporcional e comum, por outro,
o Direito Internacional reconhece
princípios como a soberania sobre
recursos e a aplicação territorial dos
tratados. No caso do Tratado de
1973, estabeleceu-se condomínio

329
Vinícius Kuczera exclusiva sobre uma porção do rio
(linha paralela às margens). O tratado
Zampier de 1973 resolveu a controvérsia lindeira
15,5 ao prever o exercício da soberania em
condomínio no trecho indicado do
TL – 40; rio Paraná. Por fim, o acordo de 1975
567 palavras; adotou um critério geográfico natural
14,1 palavras/linha ao indicar especificadamente a quem
pertence a soberania de cada ilha.
O costume internacional e tratados
como a Convenção de Montevidéu Segundo a CVDT, um tratado
sobre os Dtos e Obrigações dos internacional pode criar direitos para
Estados consolidaram que a existência terceiros, sem o seu consentimento
de um território definido, população expresso, desde que tal direito fique
permanente, governo (exercício claro no corpo do documento e não
da jurisdição) e soberania estatal preveja contrapartidas (relativização
representa os elementos constitutivos do pacta tertiis). Tal previsão gera o
de um Estado. A presença de tais direito ao terceiro Estado de exigir a sua
pressupostos confere personalidade efetivação (via reclamação) e não pode
jurídica internacional ao ente estatal, ser excluída arbitrariamente sem o seu
de forma que reconhecimentos consentimento. Contudo, também se
posteriores possuem natureza faz necessário analisar o conteúdo da
meramente declaratória. Além disso, previsão e se houve, de fato, intenção
o elemento “governo” engloba todo o de criar o referido direito. A análise
poder público. Contudo, cabe a cada do art. 2º do tratado bilateral de 1872
Estado decidir soberanamente quem o demonstra que tal comprovação resta
representará nas relações externas. No pouco evidente, visto que Argentina
caso do Brasil imperial, tal competência e Uruguai são mencionados como
cabia ao Imperador (chefe de Estado), espécie de mediadores/árbitros, de
que poderia atribui-la a outro indivíduo. modo que as partes contratantes, de
Atualmente, tal prerrogativa cabe ao comum acordo, poderiam modificar a
P. da República e vigora o princípio da solução de controvérsias eleita sem a
função (a presidência representa o país necessidade de consultar os governos
nas relações internacionais via previsão argentino e uruguaio.
constitucional – competência exclusiva),
de modo que deixa de prevalecer o O Tratado de Itaipu (1973) previu o
caráter personalista característico dos aproveitamento hidrelétrico conjunto
regimes monárquicos (o que leva o do rio Paraná por Brasil e Paraguai,
monarca – e não o Estado em si – a países que exercem soberania
figurar como contratante). partilhada sobre suas águas. Tal
previsão encontra respaldo no DIP,
O tratado bilateral de 1872 entre como comprova o princípio do
Brasil e Portugal prevê uma fronteira direito soberano à exploração dos
seca entre ambos no rio Paraná, recursos naturais nacionais presente
atribuindo soberania integral ao nas Declarações de Estocolmo e do
Brasil de suas águas (entendimento Rio de Janeiro. Tal direito também
pátrio até os anos 1970, recusado pelo foi previsto no T. da Bacia do Prata.
Paraguai). Já o tratado de 1927 prevê o Contudo, o DIP também prevê o dever
critério da equidistância para delimitar de não causar dados ambientais
a fronteira no rio Paraguai, de modo a outros Estados e de informar
que cada país exerce soberania previamente países à jusante acerca

330
de modificações realizadas no curso NOTA MÉDIA
dos rios. Tais previsões coadunam-se
com o dever de utilização equitativa, Otávio Forattini
também expresso no T. da Bacia do Lemos Igreja
Prata. Apesar desse princípio não
constar expressamente no tratado de
11,5
1973, as suas previsões não o violaram,
TL – 40;
fato reforçado pela solução pacífica da
522 palavras;
controvérsia envolvendo a Argentina 13,05 palavras/linha
(tese da otimização de Corpus, T.
Tripartite, 1979). Tal acordo, inclusive, A Co n f e r ê n c i a Americana
poderia servir de base para interpretar de Montevidéu de 1933 gerou
o de 1973, segundo a CVDT. entendimento que se generalizou
no direito internacional público a
respeito do surgimento do Estado
enquanto novo ator internacional.
O Estado estaria condicionado a
demonstração de efetivo domínio
sobre um território, de população
fixa e capacidade soberana externa e
interna, podendo se fazer representar.
Disputas territoriais, à luz do direito
internacional, não inf ringem no
reconhecimento do Estado enquanto
tal. Em 1872, entretanto, quando da
assinatura do Tratado de Limites com
o Paraguai, a figura do Estado estava
diretamente ligada ao soberano, no
caso brasileiro, que se organizava em
sistema monárquico. A personalidade
jurídica internacional do Estado se
realizava na figura do soberano, que
era legítimo para o estabelecimento
de fronteiras e de relações com os
demais Estados na seara internacional.

Em específ ico nas delimitações


com o Paraguai, os dois países
desenvolveram os métodos de
delimitação acompanhando as
evoluções tecnológicas. Se em primeiro
momento, em 1872, a demarcação
era realizada por comissários à luz de
determinações imprecisas, seguindo
nascentes de rio e formações de
relevos de acordo com traçados gerais,
o Tratado Complementar de 1927
evoluiu em critérios de delimitação.
Possibilitou-se a indicação precisa do
início e término da via fluvial utilizada

331
para demarcação, incluindo-se ainda por valor reduzido diante do maior
estudos científicos de demarcação financiamento brasileiro da usina e da
do meio do rio, o que proporcionou maior demanda energética nacional.
a divisão de ilhas. Em 1972, verifica- Entretanto, o princípio da utilização
se o viés econômico presente, pelo equitativa é utilizado pelo Paraguai
desenvolvimento de técnicas para visando a possibilidade de f ixação
uso dos recursos hídricos com autônoma de preços e venda para
finalidade energética, demonstrando países terceiros de sua metade do
a complexif icação da temática aproveitamento de recursos hídricos.
f ronteiriça. No Protocolo Adicional Esse posicionamento conforma
de 1975 ao Tratado de 1927, o avanço o cerne da negociação acerca da
científico é nítido na troca de domínios renovação do Tratado, tendo ambas
territoriais pela menção a coordenadas as partes argumentos jurídicos válidos
exatas espaciais para identificação para manutenção ou modificação dos
das ilhas. A evolução dos critérios de dispositivos em questão.
delimitação territorial garante maior
segurança jurídica sobre o tema,
evitando futuras disputas.

Em evidência da dif iculdade de


demarcação física enfrentada à época,
o Tratado de 1872 previu a participação
de Estados terceiros para auferição e
aprovação de demarcação quando
esta fosse realizada por apenas uma
das partes, em caso de ausência
de comissário da outra parte. Esse
mecanismo objetivava garantir a
segurança jurídica dos resultados
do tratado às duas partes, de forma
reduzir os riscos de questionamentos
futuros. O cumprimento dos direitos
dos Estados terceiros (Argentina e
Uruguai, no caso em tela) dependeria,
no entanto, necessariamente
da acquiescência de ambos em
participarem do Tratado, tendo em
vista a soberania que lhes permite
recursar obrigações às quais não se
vincularam expressamente.

O mais intenso debate jurídico


assenta-se no Tratado de Itaipu,
cuja revisão está prevista para o
ano de 2023, o que demanda densa
negociação jurídica. Pelas bases
do Tratado, o domínio dos recursos
hídricos é compartilhado pelos dois
países. Entretanto, foi previsto que o
Paraguai venderia seu aproveitamento
hidrelétrico excedente ao Brasil

332
MENOR NOTA Em 1973, mantêm-se os critérios
de delimitação, mas o paradigma de
Anônimo aproveitamento hídrico é alterado,
6 prevendo-se o aproveitamento
hidrelétrico dos recursos hídricos
TL – 34; do Paraná. Finalmente, em 1975,
404 palavras; Brasil e Paraguai reconhecem,
11,8 palavras/linha respectivamente, a soberania paraguaia
da Isla Margarita e a soberania brasileira
Os Estados são sujeitos plenos da ilha do Chapéu, em linha com o que
e originários de DIP, possuindo dispõe o tratado de 1927.
capacidades jurídicas ilimitadas.
Se, atualmente, a titularidade da No DIP atual, é preciso utilizar a
personalidade jurídica do Estado Convenção de Viena de 1969 para
brasileiro é exercida pela República que se formule um parecer quanto
Federativa do Brasil, em 1872, na ocasião ao art. 2° do tratado de 1872. A rigor,
da celebração do tratado bilateral tratados são instrumentos baseados
com o Paraguai, ela era exercida pelo em uma lógica sinalagmática, criando
Imperador, no caso, representado pela direitos e obrigações apenas para
Princesa Regente Isabel. suas partes. Em casos excepcionais, é
possível que um tratado crie direitos
A análise dos tratados bilaterais para terceiros, como faz o instrumento
entre Brasil e Paraguai, em 1872, 1927, de 1872, ao estabelecer uma condição
1973 e 1975, concernentes à delimitação em que Argentina e Uruguai possam
territorial e ao aproveitamento fluvial, vir a participar, via nomeação de
mostra que os princípios e as definições um comissário, do processo de
de território e de aproveitamento demarcação. Se Brasil e Paraguai
hídrico se transformam ao longo quiserem alterar esse dispositivo,
do tempo. Em 1827, o objetivo era devem comunicar e consultar os
elencar elementos naturais que Estados citados.
fundamentassem a demarcação da
f ronteira, com um paradigma de Não há uma incompatibilidade
aproveitamento hídrico soberanista jurídica entre o Tratado de 1973, que
- cada um aproveita os recursos define o aproveitamento hidrelétrico
presentes em seu território. no rio Paraná e o princípio de utilização
equitativa do direito ambiental. A
Em 1927, acordou-se um ajuste no prática e a interpretação, dessa maneira,
critério de delimitação do instrumento deve levar o princípio em consideração.
anterior, complementando-o. O Caso desejem e haja um acordo, Brasil e
álveo do rio Paraguai continua a ser Paraguai podem fazer uma emenda ao
referência, mas são acrescentados texto original, incluindo, textualmente,
critérios para identif icar a qual a utilização equitativa.
território pertencem as ilhas fluviais,
também fundamentados em
elementos naturais. Abre-se, porém,
a possibilidade de mudança de
jurisdição por acessão à parte oposta. O
critério soberanista continua presente
no aproveitamento hídrico.

333
Língua
Espanhola
334
al país ya con la doble. Pero ¿cómo se
Resumen transformó España con el boom de la
migración latinoamericana? ¿Cómo
siguen dinamizando el país?

1. Refuerzo económico: Con la


entrada del euro a comienzos de 2000,
4 MANERAS EN QUE LOS se inició una de las mayores épocas
LATINOAMERICANOS de prosperidad en la historia del país
INFLUYEN EN LA ibérico. Aumentaron el consumo, la
ECONOMÍA Y demanda de viviendas y la inversión
extranjera. España se erigió como un
SOCIEDAD DE ESPAÑA país de oportunidades. Cientos de
miles de ciudadanos latinoamericanos
acudieron a la demanda pujante de
mano de obra. “Los latinoamericanos
España no es la misma hoy que
han sido necesarios para varias
hace 25 años. A comienzos de los 90
industrias españolas, como la
apenas todavía buscaba modernizarse
construcción, o la agricultura, donde
y europeizarse en varias esferas. En
muchos ecuatorianos, por ejemplo,
1995 apenas atraía migrantes en
acudieron a trabajar”, dice a BBC
comparación con la media de sus
Mundo el sociólogo Alejandro Portes,
vecinos europeos. Y entonces todo
ganador del Premio Princesa de
cambió en pocos años. Entre 1998
Asturias en 2019, entre otros logros,
y 2007 España creció como pocas
por sus trabajos sobre migración
veces en su historia. Fueron los
internacional. Su llegada masiva
años del doble boom: el económico
coincide con el buen estado de salud
y el migratorio. Cientos de miles de
de la economía y también con la
latinoamericanos, entre otras personas
llegada de migrantes de otras regiones
de otras regiones, migraron a España
del mundo. Son fenómenos que van
buscando oportunidades. Por las
de la mano, aunque América Latina
calles de las principales ciudades,
fue una de las regiones con mayor
con Madrid a la cabeza, comenzó a
peso migratorio desde los años del
extenderse el chupe, la bandeja paisa,
boom. Y también, la que encontró
el cebiche y la arepa. Aparecieron
una adaptación aparentemente más
las peluquerías dominicanas, los
plácida por el idioma y los vínculos
locutorios ecuatorianos, las tiendas
históricos. “Esto hace pensar que
de comestibles sudamericanas. El
mucho de lo que se atribuye a la
impacto fue tan visual como profundo.
población extranjera es extrapolable
“Lo mejor que le ha pasado a España”,
a los latinoamericanos porque son
dice Juan Cruz Díez, sociólogo español
muchos y dominan la media”, explica
y doctor en ciencias políticas por la
Dirk Godeanu, profesor de economía
Universidad Complutense de Madrid.
aplicada en la Universidad de La Laguna
En España hoy viven alrededor de un
en Tenerife. Actualmente, Europa
millón y medio de latinoamericanos,
es la región con más extranjeros en
según datos del Instituto Nacional
España, seguido de cerca por América
de Estadística (INE); pero se estima
Latina, pero los expertos estiman que
que el peso real es bastante mayor
la presencia de latinoamericanos es
ya que muchos aparecen en los
mucho mayor por sus facilidades
registros como españoles, por haber
para adquirir la nacionalidad. Tanto
conseguido la nacionalidad o llegar
Portes como Godeanu coinciden en

335
que los latinoamericanos “realizaron Godeanu analiza que la llegada de
contribuciones signif icativas al muchos migrantes pendientes de
crecimiento económico del país”. regularizar también provocó un
“Su fuerza productiva se convirtió aumento de la economía sumergida
en parte de una cadena de valor y, por consiguiente, una precarización
y del valor del Producto Interior de condiciones laborales en varios
Bruto (PIB). Eso generó una riqueza sectores, especialmente aquellos con
económica a través del mercado de importante presencia migratoria como
trabajo”, apunta Godeanu. Y no solo en el caso de la hostelería. “Si hay una
eso, este boom migratorio en que migración sin papeles, esas personas
los latinoamericanos tuvieron un contribuyen irremediablemente a una
papel protagonista también significó mayor economía informal”, apunta.
un refuerzo del sistema f iscal. “En
términos generales, la migración 3. Un mercado de consumo más
tuvo un balance económico positivo variado: La llegada y el asentamiento
en los servicios públicos y ayudó a de latinoamericanos cambió el paisaje
solucionar problemas financieros en urbano español. En Carabanchel, el
la Seguridad Social y las pensiones”, distrito más grande de Madrid y donde
agrega Godeanu. más migrantes viven, es fácil perderse
entre cebicherías peruanas, locutorios
2. Más población activa: “Si la ecuatorianos, tiendas de comestibles
población en España no disminuyó sudamericanas y establecimientos
entre 2000 y 2010, e incluso hasta la de envío de remesas. “Todo esto es
década de 2020, ha sido por la llegada muestra de cómo la migración amplió
masiva de migrantes, que ayudaron el mercado de consumo, incluyendo
a neutralizar la disminución de la la vivienda, el mercado bancario y las
población y la baja fertilidad de los remesas. Son también más estómagos
nativos”, explica Portes. Datos oficiales que alimentar, algo que las cadenas
constatan que el incremento de de distribución saben y por eso han
población activa en España se ha diversificado sus ofertas al tener una
nutrido especialmente de la oferta clientela importante de migrantes”,
laboral extranjera. La llegada de explica Godeanu. “Los consumidores
muchas mujeres latinoamericanas migrantes tienen necesidades
en edad fértil no solo contribuyó a particulares y eso el márketing lo sabe
rejuvenecer la población, sino que muy bien. Las instituciones financieras
también aumentó la tasa de fertilidad tienen en los latinoamericanos
en el país. En unos años se generó una un objetivo preferido para abrir
demanda importante de cuidados cuentas corrientes, enviar remesas y
de personas mayores y niños y otras financiar hipotecas”, añade. “Los más
actividades del servicio doméstico. interesados en invertir son mexicanos,
Una demanda, que, a su vez, dejó de venezolanos, colombianos y peruanos,
corresponderse con una oferta de llegando a ocupar en torno al 60% de
mano de obra autóctona”, explica las ventas en el barrio de Salamanca”,
Laura Oso, socióloga de la Universidad explicó Calzada, de la inmobiliaria
de A Coruña en España. Oso dice que, a Promora Madrid, especializada en
comienzos de los 90, empiezan a llegar viviendas de lujo. Para Calzada, los
mujeres migrantes y “estas mujeres compradores latinoamericanos han
tuvieron un papel fundamental, clave, contribuido a mejorar el comercio y
para que generaciones más jóvenes la restauración del barrio, dándole un
de mujeres españolas pudieran valor añadido. “No hay más que ver
conciliar su vida laboral y doméstica. que los grupos de restauración más

336
conocidos siguen abriendo nuevos Elabore un resumen, en lengua
restaurantes. También las mejores española, con su propio vocabulario,
firmas de moda se pelean por alquilar del texto presentado.
los mejores locales de la zona”, apunta.

4. Inversión vital: Las inversiones


latinoamericanas en el mundo son
un fenómeno consolidado y en los
últimos años España se ha convertido
en uno de los principales destinos.
Según datos de ICEX, la región es el Extensión del texto: hasta 60 líneas.
cuarto inversor en importancia en [valor: 25,00 puntos]
España, solo por detrás de Estados
Unidos, Reino Unido y Francia, y por
delante de potencias como China y
Alemania. “En el panorama económico
siempre ha habido una tradición de
inversión latinoamericana, pero en los
últimos años se ha ido acelerando y
acrecentando” dice Alfredo Arahuetes,
doctor de economía por la Universidad
Pontif icia Comillas de Madrid.
Arahuetes explica que el mayor peso
de inversión latinoamericana en
España viene de México. La inversión
de capitales latinoamericanos en
sectores profundamente dañados,
como el inmobiliario y el financiero,
argumenta el experto, tuvo un efecto
mitigador en la crisis. “Si viene un
inversor venezolano a comprar cajas
[de ahorros] en una región importante
como Galicia, eso ayuda a la
estabilización del sector.”, ejemplifica
Arahuetes. Cuantificarlo es complejo,
pero expertos en inversiones coinciden
en que la entrada de más capital
latinoamericano, en un momento
crítico como 2008, contribuyó a
fortalecer varios sectores en España.
Una ganancia bidireccional, dice
Arahuetes: “España ganó estabilización
en sectores críticos y los inversores
latinoamericanos consiguieron
presencia en Europa y otros mercados
al comprar capital español”.
CUETO, José Carlos. 4 maneras en que los latinoame-
ricanos influyen en la economía y sociedad de España.
BBC News Mundo.
Disponible en: <https://www.bbc.com/mundo/noticias-
-internacional-60763364>. Acceso en: 9 mayo 2022, con
adaptaciones.

337
PADRÃO DE RESPOSTA 90 tuvieron un papel principal para
que generaciones más jóvenes de
Desde 1998 hasta 2007 España mujeres españolas pudieran conciliar
vivenció un boom de crecimiento su vida laboral y doméstica. Lo que
económico y se estableció como preocupa es que, debido a la falta de
un país atractivo para la migración. regularización, muchos migrantes se
Muchos latinoamericanos, entre someten a condiciones precarias de
otras nacionalidades, emigraron para trabajo contribuyendo al aumento
España buscando oportunidades. de la economía informal. Ya por
A partir de ese momento, la cultura otra parte, Godeanu señala que “Las
latina empezó a circular en las instituciones financieras tienen en los
calles españolas y surgieron, así, las latinoamericanos un objetivo preferido
tiendas regionales. Para Juan Cruz para abrir cuentas corrientes, enviar
Díez, sociólogo español y doctor en remesas y f inanciar hipotecas”, los
ciencias políticas por la Universidad latinoamericanos están dispuestos
Complutense de Madrid, este boom a realizar inversiones fortificando un
de migrantes latinoamericanos fue mercado de consumo diversificado.
“lo mejor que le ha pasado a España”.
Según el Instituto Nacional de Por último, el texto señala que
Estadística (INE), viven alrededor de España se estableció como el principal
un millón y medio de latinoamericanos destino de inversionistas. Según datos
en España y los inmigrantes fortalecen de ICEX, América Latina es el cuarto
el país de diversas maneras. inversor en importancia en el país
siendo precedido apenas por Estados
A partir del cambio de moneda Unidos, Reino Unido y Francia. Alfredo
en el 2000 para el euro, la economía Arahuetes, doctor de economía por
española se volvió próspera y España la Universidad Pontificia Comillas de
se estableció como una nación llena Madrid, declara que “En el panorama
de oportunidades. En consecuencia, económico siempre ha habido una
ciudadanos l a t i n o a m e ri c a n o s tradición de inversión latinoamericana,
concurrieron para suplir la demanda pero en los últimos años se ha ido
de mano de obra. Podemos observar acelerando y acrecentando”, siendo
que América Latina se adecuó mejor México el mayor inversionista. Además,
a la migración por tener la lengua en los sectores inmobiliario y financiero
común y su relación histórica y cultural. en crisis se vieron beneficiados por el
Para Dirk Godeanu, profesor de ingreso de capitales latinoamericanos.
economía aplicada en la Universidad Los técnicos en finanzas concuerdan
de La Laguna en Tenerife, “En términos en que el ingreso de más capital
generales, la migración tuvo un latinoamericano favoreció varios
balance económico positivo en los sectores económicos de España. Según
servicios públicos y ayudó a solucionar Arahuetes: “España ganó estabilización
problemas financieros en la Seguridad en sectores críticos y los inversores
Social y las pensiones”. latinoamericanos consiguieron
presencia en Europa y otros mercados
Informaciones oficiales constatan al comprar capital español”.
que el aumento de población activa
en España ocurrió principalmente
de la mano de obra extranjera. Laura
Oso, socióloga de la Universidad de
A Coruña, en España, menciona que
las mujeres migrantes de los años

338
Raíssa Guimarães y las pensiones. Los latinoamericanos
también contribuyeron al crecimiento
Carvalho del Producto Interior Bruto (PIB) de
25 España.

Según las informaciones del texto, Una consecuencia fue también el


los latinoamericanos provocaron incremento de la población activa
efectos importantes en la economía española. La llegada signif icativa
y en la sociedad de España. En razón de migrantes fue importante para
de los cambios en la economía y en la evitar la disminución de la población
sociedad, España no es la misma de los española, en razón de las bajas tasas
años 90. El país buscaba modernización de fertilidad de los nativos. Además,
y la integración con los países europeos. por su participación en las actividades
Siendo así, entre 1998 y 2007, hubo una laborales del servicio doméstico, las
explosión económica y migratoria en mujeres migrantes ayudaron a las
España, y muchos latinoamericanos españolas a conciliar la vida laboral
migraron al país, en la búsqueda por y la doméstica. Sin embargo, hubo
mejores oportunidades. Según el también un aumento de la economía
sociólogo Juan Cruz Díez, el impacto fue informal en España.
positivo, y muchos latinoamericanos
que viven en España no están en los La migración cambió
datos oficiales del Instituto Nacional irremediablemente el paisaje de las
de Estadística (INE). ciudades españolas. La llegada de los
migrantes contribuyó también para el
La prosperidad económica de crecimiento del mercado de consumo,
España en el período también del mercado bancario y de las
es explicada por la entrada de la remesas internacionales. Instituciones
circulación del euro a comienzos financieras buscaron a los migrantes
de 2000 y por el aumento de la para invertir y para abrir sus cuentas
inversión extranjera. Siendo así, varios corrientes. Según las informaciones
latinoamericanos buscaron el país con del texto, España ha sido uno de los
el objetivo de mejores condiciones principales destinos de las inversiones
de vida. Los latinoamericanos fueron latinoamericanas. Alfredo Arahuetes,
extremamente importantes para las doctor en economía por la Universidad
industrias de construcción y para Pontificia Comillas de Madrid, afirma
la agricultura, según el sociólogo que el mayor peso de esas inversiones
Alejandro Portes, ganador del Premio es de México. Además, las inversiones
Princesa de Asturias. Los migrantes latinoamericanas, principalmente
de América Latina son una parte en el momento crítico de 2008,
demasiadamente importante del fueron importantes para estabilizar
movimiento migratorio desde los y fortalecer varios sectores de la
años del “boom”. economía española.

Además, otra consecuencia


del “boom” migratorio de los
latinoamericanos fue el refuerzo
del sistema fiscal. La migración fue
importante para ayudar el gobierno
español a solucionar sus problemas
financieros, como la Seguridad Social

339
Luiza Valladares entre 2000 y 2020. El incremento
de población activa tuvo un papel
de Gouvêa fundamental en el aumento de la
24,5 tasa de fertilidad, por la llegada de
mujeres latinoamericanas en edad
A f ines de los años 1990, España se fértil, que también posibilitaron que
transformó mediante la presencia las mujeres españolas más jóvenes
de migrantes, principalmente los pudieran conciliar tareas laborales y
latinoamericanos, que hoy en día son domésticas. Si, por un lado, el boom
cerca de un millón y medio, según migratorio rejuveneció la población,
el Instituto Nacional de Estadística. por otro, provocó el aumento
Aunque hace 25 años el país no era de la economía informal, por la
moderno en comparación con el resto precarización del trabajo.
de Europa, entre 1998 y 2007 hubo
un boom migratorio que cambió La migración latinoamericana
profundamente las principales además, diversificó el mercado de
ciudades españolas, incluso su consumo español en sectores como
aspecto visual. Cabe investigar de la vivienda, el mercado bancario y las
qué manera el país se transformó y remesas. Las necesidades particulares
cómo la migración sigue influyendo de los consumidores migrantes provocó
en la economía y sociedad de España. la ampliación de la oferta. En el caso
Las cuatro principales maneras del barrio de Salamanca, los mexicanos,
se relacionan con la economía, la venezolanos, colombianos y peruanos
población, el mercado de consumo representan el 60% de los clientes de
y las inversiones. servicios imobiliario y financieros.

El euro, implementado a Es importante también destacar


comienzos de 2000, inició una que España se convertió en uno
época de prosperidad económica de los principales destinos de las
que provocó la migración de inversiones latinoamericanas en el
latinoamericanos, en razón del mundo, que solo están por detrás
aumento en la demanda de mano de las estadounidenses, inglesas
de obra. De forma concomitante, y f rancesas. Aunque la inversión
llegaron migrantes de otras partes latinoamericana es tradicional, se
del mundo. Sin embargo, el peso ha incrementado en los últimos
de la migración latinoamericana se años, con destaque para los aportes
explica por la facilidad de adaptación de México. Sectores españoles
por la lengua y la historia comunes. perjudicados por la crisis, como
Algunos expertos están de acuerdo el inmobiliario y el f inanciero,
con la perspectiva según la cual se ben ef iciaron de capitales
los migrantes contribuyeron a la latinoamericanos, especialmente
economía española mediante el en momentos críticos, como 2008.
refuerzo del sistema f iscal y del Sin embargo, los benef icios fueran
mercado de trabajo, solucionando bidireccionales, pues las inversiones
problemas f inancieros y latinoamericanas lograron abrir
previdenciarios. mercados en Europa a través de esas
operaciones.
La segunda gran contribución de los
migrantes fue la neutralización de la
disminución poblacional en España,

340
Se puede concluir que la migración Pedro Guilherme
latinoamericana transformó la
economía, la población y los mercados Bastos Menezes
de consumo y de inversiones en de Almeida
España, ayudando la recuperación
del país después de sucesivas
24,5
crisis. Los efectos de la influencia
Migrantes latinoamericanos han
latinoamericana en la economía y
tenido un impacto muy positivo
cultura española se sienten hasta
en España en las últimas décadas.
el presente y se proyectarán en el
Entre f ines de los años 1990 y 2007,
futuro.
hubo gran crecimiento económico y
migratorio, y se pudo ver iniciativas de
latinoamericanos en sus principales
ciudades. Según Juan Cruz Diéz,
sociólogo, eso ha sido muy bueno
para el país. Datos del Instituto
Nacional de Estadística demuestran
que hay alrededor de un millón y
medio de latinoamericanos en
España, pero las estimativas son de
que haya muchos otros.

Hubo, por esa razón, un gran impacto


económico en el país, junto a la entrada
del euro, en los años 2000, lo que generó
aumento en el consumo, en la búsqueda
por viviendas y en las inversiones
extranjeras. Según Alejandro Portes,
sociólogo, la llegada de latinoamericanos
en ese contexto fue importante para la
construcción y la agricultura, en términos
de mano de obra. A pesar de que haya
migrantes de otras partes del mundo,
los latinoamericanos tienen una mejor
adaptación, una vez que tienen lenguas
e historias comunes.

Migrantes de América Latina tienen


facilidades para obtener la nacionalidad,
y su presencia en España contribuyó
para el incremento del PIB y del sistema
fiscal, según Dirk Godeanu, profesor
de economía aplicada, lo que ayudó
el gobierno a solucionar problemas
financieros. Antes de la llegada de
migrantes, la media de edad de la
población española era más alta, y la
fertilidad más baja. Los latinoamericanos
contribuyeron para rejuvenecer la
población y para aumentar la tasa de

341
nacimientos. Por esa razón, la población NOTA MÉDIA
de España no disminuyó entre 2000
y 2010. Según Laura Oso, socióloga, Dandara Miranda
jóvenes latinoamericanas aumentaron la Teixeira de Lima
oferta de mano de obra para el sector de
cuidados de personas mayores y niños,
19,75
lo que posibilitó que jóvenes españolas
El autor José Carlos Cueto aborda
pudieran tener mejores vidas laboral y
el tema de la influencia de los latino-
doméstica. Por otro lado, la presencia de
americanos en la economía y en la
migrantes sin regularización contribuyó
sociedad de España. A comienzos de los
para la informalidad y para peores
años 90, España buscaba modernizarse
condiciones de trabajo.
y europeizarse en varias esferas, pero
no atraía migrantes como sus vecinos
Los migrantes también ayudaron
europeos. No obstante, entre 1998 y 2007,
a cambiar el paisaje de las ciudades
el país creció rapidamente en el aspecto
españolas, con tiendas de nuevos
económico y migratorio, como pocas
tipos y más variedad en el mercado de
veces ocurrió en su historia. El impacto de
consumo. Hubo, incluso, ampliación en
la presencia de tantos latinoamericanos
los mercados bancario y de remesas.
fue tan visual como profundo y hoy viven
Hay interés por tener cuentas corrientes,
en España más de un millón de latinos.
enviar remesas y financiar hipotecas,
El autor investiga entonces el impacto
pero también por hacer inversiones.
de la migración latinoamericana e la
Según Calzada, que trabaja en una
manera por la cual estos migrantes
inmobiliaria, el impacto sobre los
siguen dinamizando el país.
negocios ha sido muy positivo.
En primer lugar, la entrada de
Además del refuerzo económico,
migrantes latinoamericanos contribuyó
de aumentar la población activa y de
signif icativamente al crecimiento
hacer el mercado de consumo más
económico del país. Aumentaron el
variado, hay una cuarta manera con
consumo, la demanda de viviendas y
que los latinoamericanos provocaron
la inversión extranjera. Además, estos
cambios en España: con grandes
migrantes acudieron a la demanda
inversiones. España es uno de los
de mano de obra en varias industrias
principales destinos de las inversiones
españolas, como la construcción y
latinoamericanas, y América Latina es
la agricultura. Su llegada también
la cuarta inversora más importante del
coincidió con el buen estado de
país, solo por detrás de Estados Unidos,
salud de la economía y con la llegada
Reino Unido y Francia, e incluso tiene
de migrantes de otras regiones.
más inversiones que China o Alemania.
Aparentemente, hubo una adaptación
Alfredo Arahuetes, doctor de economía,
más fácil por el idioma y los vínculos
las inversiones latinoamericanas no son
históricos. Asimismo, el boom migatorio
nuevas, pero su volúmen y velocidad son
fue un refuerzo al sistema fiscal y ayudó
cada vez más grandes. La mayor parte
a solucionar problemas financieros en
de las inversiones vienen de México, y
la Seguridad Social. Hoy Europa es la
tuvieron un impacto muy importante
región con más extranjeros em España
en los sectores inmobiliario y financiero
y la fuerza productiva de los migrantes
durante la crisis de 2008. Según
se convirtió en crecimiento económico.
Arahuetes, las dos partes ganan: España,
con más estabilidad y crecimiento;
América Latina, con más presencia en
Europa y otros mercados.

342
En segundo lugar, la llegada masiva inmobiliario y financiero. Al mismo
de migrantes ayudó a neutralizar la tiempo, los inversores latinoamericanos
disminución de la población y la baja también consiguieron presencia en
fertilidad de los nativos. Según datos Europa y otros mercados.
oficiales, hubo un incremento de la
población activa de España e de la
oferta laboral extranjera. La llegada de
mujeres latinoamericanas en edad fértil
contribuyó a rejuvenecer la población
y a aumentar la tasa de fertilidad en el
país. Además, ellas fueron importantes
para responder a la demanda de
cuidados de personas mayores y
niños y otros servicios domésticos.
Así, las mujeres españolas pudieron
conciliar su vida laboral y doméstica.
En contrapartida, la llegada de muchos
migrantes pendientes de regularizar
también provocó un aumento de la
economía sumergida.

En tercer lugar, la llegada de


latinoamericanos generó un mercado
de consumo más variado y cambió el
paisaje urbano español. En las calles
de España, hay viviendas de muchas
nacionalidades. La migración amplió
también el mercado bancario y generó
una diversif icación de las cadenas
de distribución alimentares. Las
instituciones financieras tienen en los
latinoamericanos un objetivo preferido
para abrir cuentas corrientes y financiar
hipotecas. Los mexicanos, venezolanos,
colombianos y peruanos son los más
interesados en invertir. Además, los
compradores latinoamericanos han
contribuido a mejorar el comercio y la
restauración de los barrios.

En último lugar, las inversiones


latinoamericanas son fundamentales
para España, uno de sus destinos
principales. La región es el cuarto
inversor en importancia en España.
Aunque siempre ha habido una tradición
de inversión latinoamericana, en los
últimos años hubo una aceleración.
Las inversiones fueron importantes
para mitigar los efectos de la crisis de
2008, especialmente en los sectores

343
la em casamento!
Versión — Eu? Sério?
— Sim, meu amigo. Bem sabes
como sou tímido. Apenas me atrevo
a fixá-la durante alguns momentos
Minervino ouviu tocar a campainha, quando me aproximo da janela ou
levantou-se do canapé, atirou para a cumprimentá-la quando entro ou
o lado o livro que estava lendo, e foi saio. Se eu mesmo fosse falar a ela
abrir a porta ao seu amigo Salema. algo, era capaz de não articular três
palavras. Lembras-te daquela ocasião
— Entra. Disse para o amigo. em que fui pedir ao ministro que me
— Vim, mal recebi o teu bilhete. Que designasse para a vaga do Florêncio?
desejas de mim? Pus-me a tremer diante dele e a muito
— Um grande serviço! custo consegui expor o que desejava.
— Oh, diabo! Trata-se de algum E quando o ministro me disse: — Vá
duelo? embora descansado, hei de fazer
— Trata-se simplesmente de amor. justiça —, eu respondi-lhe: — Vossa
Senta aqui. excelência, se me nomear, não choverá
no molhado! — Ora, se sou assim com
Sentaram-se ambos. Eram dois os ministros, que dirá com as viúvas.
rapagões de vinte e cinco anos, oficiais
da mesma Secretaria do Estado; dois — Mas tu a conheces?
colegas, dois companheiros, dois — Estou perfeitamente informado:
amigos, entre os quais nunca houvera é uma senhora digna e respeitável,
a menor divergência de opinião ou viúva do Senhor Perkins, negociante
sentimentos. Estimavam-se muito, americano. Mora ali def ronte, no
estimavam-se deveras. número 37. Peço a ti que a procures
imediatamente e lhe faças o pedido de
— Mandei-te chamar — continuou minha parte. És tão desembaraçado
Minervino — porque aqui podemos como eu sou tímido; estou certo que
falar mais à vontade; lá em tua casa serás bem-sucedido. Dize-lhe de mim
seríamos interrompidos por teus o melhor que puderes dizer; advoga
sobrinhos. Esperarmos até amanhã? a minha causa com a tua eloquência
Só seria possível se não se tratasse de habitual e a gratidão do teu amigo
uma coisa inadiável. Há de ser hoje será eterna.
por força!
— Mas que disparate! — observou
— Estou às tuas ordens. Salema. — Isto não é sangria desatada!
— Bom. Lembras-te de um dia ter te Por que há de ser hoje e não outro
falado de uma viúva bonita, minha dia? Não vim preparado!
vizinha, por quem andava muito — Não pode deixar de ser hoje. A
apaixonado? viúva Perkins vai-se amanhã para a
— Sim, lembro-me. Um namorico... fazenda da irmã, perto de Vassouras,
— Namoro que se converteu em e eu não queria que partisse sem
amor, amor que se transformou em deixar lavrada a minha sentença.
paixão! — Mas, se lhe não falas, como sabes
— Quê? Tu estás apaixonado? que ela vai partir?
— Apaixonadíssimo... E é preciso — Ah! Como todos os namorados,
acabar com isto! tenho a minha polícia... Mas vai, vai,
— De que modo? não te demores.

— Casando-me; és tu quem vai pedi-

344
AZEVEDO, Artur. Contos fora da moda. São Paulo: Co-
leção Acervo Brasileiro, 2018, com adaptações.
PADRÃO DE RESPOSTA

Traduzca al español el texto Minervino oyó sonar el timbre, se


presentado. levantó del sofá, tiró hacia un lado el libro
que estaba leyendo/leía y fue a abrirle la
puerta a su amigo Salema.

- Entra. Le dijo al amigo.


- Vine/He venido, apenas recibí/he
recibido tu nota. ¿Qué quieres de mí?
[valor: 25 puntos] - ¡Un gran servicio!/¡Un servicio/trabajo
muy importante!
- ¡Ay, Dios mío! ¿Se trata de algún duelo?
- Se trata simplemente de amor. Siéntate
aquí.

Los dos se sentaron. Eran dos


muchachos/chicos/jóvenes de
veinticinco años, oficiales de la misma
Secretaría de Estado; dos colegas, dos
compañeros, dos amigos, entre los cuales
nunca había habido ninguna/la menor
divergencia de opinión o sentimientos.
Se estimaban/se querían mucho, se
estimaban/se querían verdaderamente.

— Mandé/He mandado llamarte


—continuó Minervino— porque
aquí podemos hablar más a gusto/
tranquilamente; allá/allí en tu casa tus
sobrinos nos interrumpirían. ¿Esperar
hasta mañana? Solo sería posible si no se
tratase/tratara de algo que no se puede
posponer/aplazar/inaplazable. ¡Tiene
que ser hoy sí o sí/de cualquier manera/
obligatoriamente!
- Estoy a tus órdenes.
- Bueno. ¿Recuerdas que un día te hablé
de una viuda bonita/guapa, mi vecina, de
la que/quien estaba muy enamorado?
- Sí, lo recuerdo. Un amorío. . .
- ¡Amorío que se convirtió en amor, amor
que se convirtió en pasión!
- ¿Qué? ¿Estás enamorado?
- Enamoradísimo… ¡Y hay que acabar
con esto!
- ¿De qué modo?/¿Cómo?
- ¡Casándome! Y tú eres el que/quien le
propondrá matrimonio.
- ¿Yo? ¿En serio?

345
— Sí, mi amigo/amigo mío. Sabes Vinícius Gonzalez Nóbrega
bien lo tímido que soy. Solo me atrevo
a mirarla durante unos momentos/ 23
instantes cuando me acerco a la ventana
o a saludarla cuando entro o salgo. Si Minervino escuchó sonar el timbre,
fuera a decirle algo, sería capaz de no se levantó del sofá, puso a su lado el
articular ni tres palabras. ¿Recuerdas libro que leía e fue a abrirle la puerta
aquella vez que fui a pedirle al ministro a su amigo Salema.
que me asignase/asignara la plaza/el
puesto de Florencio? Me eché/Empecé — Adelante, dijo al amigo.
a temblar delante de él, y con mucha — Vine, pues acabé de recibir tu
dificultad conseguí/pude/logré exponer mensaje. ¿Qué deseas de mí?
lo que deseaba. Y cuando el ministro - ¡Un gran servicio!
me dijo: “Váyase tranquilo, he de hacer — Ay, diablos. ¿Se trata de algún duelo?
justicia/haré justicia”, (yo) le respondí/ — Se trata simplemente de amor.
contesté: “¡Su excelencia/excelentísimo, Siéntate aquí.
si me nombra, no lloverá sobre mojado/
no se equivocará/no repetirá el error!”. – Los dos se sentaron. Eran dos
Pues/Ya ves, si así soy con los ministros, muchachos de veinticinco años,
imagínate con las viudas. oficiales de la misma Secretaría de
— ¿Pero la conoces? Estado; dos colegas, dos compañeros,
— Estoy perfectamente informado: es dos amigos, entre los cuales nunca
una señora digna y respetable, viuda del había sucedido ninguna divergencia
Señor Perkins, negociante americano. de opinión o de sentimientos. Los dos
Vive allí enfrente, en el número 37. Te se estimaban mucho.
pido que la busques inmediatamente
y le hagas el pedido de mi parte. Eres — Mandé llamarte - continuó Minervino
tan ingenioso/listo como yo tímido; estoy - porque aquí podemos hablar de
seguro de que tendrás éxito. Dile de mí una manera más confortable; en tu
lo mejor que puedas; aboga mi causa casa, seríamos interrumpidos por tus
con tu elocuencia habitual, y la gratitud sobrinos. ¿Esperar hasta mañana?
de tu amigo será eterna. Solo sería posible si no se tratara de
una cosa inadiable. ¡Hay que ser hoy!
— ¡Pero qué locura! —observó Salema— — Estoy a tus órdenes.
¡Esto no es cuestión urgente/un — Bueno. ¿Tú te acuerdas que un día te
desangramiento! ¿Por qué tiene que hable de una viuda bonita, vecina mía,
ser hoy y no otro día? ¡No he venido/estoy por quién estuve muy enamorado?
preparado! — Sí, me acuerdo. Un encanto...
— Tiene que ser hoy/No puede dejar de — ¡Un encanto que se convirtió en
ser hoy. La viuda Perkins se va mañana amor, amor que se convirtió en pasión!
a la granja de su hermana, cerca de — ¿Qué? ¿Estás enamorado?
Vassouras, y no quería que se fuera sin — Muy enamorado... ¡y hay que acabar
dejar expresada mi decisión/sin que con eso!
conociese/conociera mi decisión. — ¿Cómo?
— Pero si no le hablas, ¿cómo sabes que — Casándome; ¡tú eres el que va a
se irá? pedirla en matrimonio!
— ¡Ah! Como todos los novios/amantes/ — ¿Yo? ¿En serio?
enamorados, tengo mi policía... pero — Sí, mi amigo. Tú sabes bien como
vete, date prisa. soy tímido. Solo me atrevo a mirarla
durante algunos momentos, cuando
me acerco a la ventana, o a saludarla

346
cuando entro o salgo. Si yo fuera a Liz Pinhata de Souza
hablarle algo, probablemente no
lograría articular ni tres palabras. ¿Te 21,25
acuerdas de aquella ocasión cuando
fui a pedirle al ministro que me Minervino escuchó el timbre, se
indicara para el puesto de Florêncio? levantó del sofá, tiró al lado el libro
Me puse a temblar delante de él, y me que estaba leyendo, y se fue a abrir la
costó mucho lograr exponer lo que puerta a su amigo Salerma.
deseaba. Y cuando el ministro me dijo
– Vé descansado, yo haré justicia -, le - Entra. Dijo para el amigo.
contesté: - Excelencia, si me indicas, - Vine, apenas recibí tu nota. ¿Qué
¡no lloverá sobre el mojado! - Si soy deseas de mí?
así con los ministros, imagínate con - ¡Un gran servicio!
las viudas. - ¡Oh, diablos! ¿Se trata de algún duelo?
— ¿Pero tú la conoces? - Se trata simplemente de amor.
— Estoy perfectamente informado; es Siéntate aqui.
una señora digna y respetable, viuda
del Señor Perkins, un negociante Se sentaron los dos. Eran dos
americano. Vivo alí al frente, en el muchachotes de veinte y cinco años,
número 37. Te pido que la busques oficiales de la misma Secretaría de
inmediatamente y le hagas el pedido Estado; dos colegas, dos compañeros,
de mi parte. Eres tan extrovertido dos amigos, entre los cuales nunca
como soy tímido, estoy cierto que había habido ni un pequeño
lo lograrás. De mí, le dí lo mejor que desacuerdo de opinión o sentimientos.
puedas; def iende mi causa con la Se estimaban mucho, se estimaban de
elocuencia habitual, y tu amigo será verdad.
siempre agradecido de ti.
— ¡Pero qué disparate! - observó - Mandé que te llamaran – siguió
Salema. ¡Eso no es una sangría sin Minervino – porque aquí podemos
control! ¿Por qué hoy y no otro día? hablar con más tranquilidad; allí en
¡No vine preparado! tu casa seríamos interrumpidos por
— No puede suceder otro día. La viuda tus sobrinos. ¿Que esperáramos hasta
Perkins se va mañana a la hacienda mañana? Solo sería posible si no se
de la hermana, cerca de Vassouras, y tratara de una cosa que no puede
yo no quería que ella partiera sin que esperar. ¡Tiene que ser hoy por fuerza!
fuera enregistrada mi sentencia. - Estoy a tus órdenes.
— Pero, si no le hablas, ¿cómo sabes - Bueno. ¿Te acuerdas que un día te
que va a partir? hablé de una viuda bonita, mi vecina,
— ¡Ah! Como todos los enamorados, de quien andaba muy enamorado?
tengo mi policía... Pero vé, vé, no te - Sí, me acuerdo. Un pequeño
demores. noviazgo…
- ¡Noviazgo que se convirtió en amor,
amor que se transformó en pasión!
- ¿Qué? ¿Estás enamorado?
- Enamoradísimo… ¡Y es necesário
acabar con eso!
- ¿De qué manera?
- Casándome; ¡eres tú quien le va a
pedir en matrimonio!
- ¿Yo? ¿En serio?
- Sí, mi amigo. Sabes bien como soy

347
tímido. Apenas me atrevo a f ijarla Renato de
cando me acerco de la ventana o a
saludarla cuando entro o salgo. Si yo Mendonça Neves
mismo fuera a decirle algo, sería posible 21
que no consiguiera decir tres palabras.
¿Te acuerdas de aquella ocasión en Minervino escuchó sonar la
que le fui pedir al ministro que me campana, se levantó del canapé, atiró
nominara al cupo de Florencio? Me al lado el libro que estaba leyendo, y
puse a temblar delante de él y con fue a abrir la puerta para su amigo
mucho esfuerzo conseguí exponer lo Salema.
que deseaba. Y cuando el ministro
me dijo: - Ve descansado, voy a hacer — Entra. Dijo a su amigo.
justicia -, yo le contesté: - ¡Vuestra — Vine en el momento que recebí tu
excelencia, si me nomina, no lloverá recado. ¿Qué deseas de mí?
en lo mojado! – Pues, si soy así con los — ¡Un gran servicio!
ministros, imagínate con las viudas. — ¡Oh, Diablo! ¿Se trata de algún
- ¿Pero tú la conoces? duelo?
- Estoy perfectamente informado: es — Se trata simplemente de amor.
una señora digna y respetable, viuda Siéntate aquí.
del Señor Perkins, hombre de negocios
americano. Vive ahí en frente, en el Se sentaron ambos. Eran dos rapaces
número 37. Te pido que la busques de 25 años, of iciales de la misma
inmediatamente y le hagas mi pedido. Secretaría del Estado; dos colegas,
Tienes tan poca verguenza como yo dos compañeros, dos amigos, entre los
tengo mucha timidez; estoy seguro cuales nunca hubiera la más pequeña
de que tendrás éxito. Dile de mí lo divergencia de opinión o sentimientos.
mejor que puedas decir; defiende mi Se estimaban bastante, se estimaban
pedido con tu elocuencia habitual y de verdad.
el agradecimiento de tu amigo será
eterno. — He enviado por tí — continuó
- ¡Pero que absurdo! – Comentó Minervino — porque aquí podemos
Salerma. - ¡Esto no es tan urgente! hablar con más comodidad; en tu
¿Por qué debe ser hoy y no otro día? casa seríamos interrumpidos por tus
¡No vine preparado! sobrinos. ¿Esperamos hasta mañana?
- No se puede dejar que no sea hoy. Solamente sería posible si no fuera
La viuda Perkins se va mañana para una cosa inadiable. ¡Hay que ser hoy
la hacienda de su hermana, cerca de por fuerza!
Vassouras, y yo no querría que partiera — Estoy a servicio.
sin dejar decidida mi sentencia. — Bueno. ¿Te acuerdas de que un día
- Pero, si no le hablas, ¿cómo sabes he hablado contigo sobre una viuda
que ella se va? muy bonita, mi vecina, de quien yo
- ¡Oh! Como todos los novios, tengo estaba muy enamorado?
mi policía…Pero ve, ve, no te demores. — Sí, me acuerdo. Un lío...
— ¡Lío que se convertió en amor, amor
que se transformó en pasión!
— ¿Qué? Tú estás enamorado?
— Apasionadísimo... ¡Y hay que
acabarse con eso!
— ¿De qué modo?
— Casándome; ¡eres tú quien va a

348
pedirla en matrimonio! NOTA MÉDIA
— ¿Yo? ¿En serio?
— Sí, mi amigo. Sabes bien que soy Guilherme Dias
tímido. Solo me permito mirarle 14
por pocos momentos cuando me
aproximo de la ventana, o saludarla Minervino escuchó el sonido de la
cuando entro o salgo. Si yo mismo campana, se levantó del canapé, tiró
fuera a hablar con ella, era posible al lado el libro que estaba leyendo, y
que no articularía tres palabras. ¿Te fue abrir la puerta a su amigo Salema.
acuerdas de aquella ocasión en que fui
a pedirle al ministro que me designara — Entra. Dijo a su amigo.
para la posición de Florencio? Me puse — Vení luego que recibí tu billete. ¿Qué
a temblar delante él y con mucho deseas de mí?
esfuerzo logré exponer lo que yo — ¡Un gran servicio!
deseaba. Y cuando el ministro me dijo: — ¡Oh, diablo! ¿Se trata de algún
—Vete descansado, haré justicia —, duelo?
yo le contesté: —¡Vuestra excelencia, — Se trata simplemente de amor.
si me nombras no te arrepentirás! — Sentate aquí.
Bueno, si soy así con los ministros, qué
dirá con las viudas. Se sentaron ambos. Eran dos mozos
de veinticinco años, oficiales de la
— ¿Pero tú la conoces? misma Secretaría del Estado; dos
— Estoy perfectamente informado: es colegas, dos compañeros, dos amigos,
una señora digna y respetable, viuda del entre los cuales nunca hubo la menor
señor Perkins, negociante americano. divergencia de opinión o sentimientos.
Vive ahí delante, en el número 37. Te Se estimaban mucho, se estimaban
pido que la procures ahora y le hagas demasiado.
el pedido por mi parte. Es tan corajoso
cuanto yo soy tímido; estoy seguro de — Mandé llamarte — continuó
que tendrás éxito. Dile de mi lo mejor Minervino — porque aquí podemos
que puedas decir; aboga mi causa con hablar más tranquilos; en tu casa
tu elocuencia habitual y la gratitud de seríamos interrompidos por tus
tu amigo será eterna. sobrinos. ¿Esperar hasta mañana?
— ¡Pero qué absurdo! —observó Solo sería posible si no tratase de una
Salerma. —¡Esto es una sangría cosa inadiable. ¡Hay que ser hoy por
desatada! ¿Por qué hay de ser hoy y fuerza!
no otro día? ¡No vine preparado! — Estoy a tus órdenes.
— No pude dejar de ser hoy. La viuda — Bueno. ¿Te acuerdas de un día
Perkins se va mañana a la hacienda haberte hablado de una viuda bonita,
de su hermana, cerca de Vassouras, mi vecina, por quién andaba muy
y yo no quería que se fuera sin dejar enamorado?
puesta mi sentencia. — Sí, me acuerdo. Un pequeño gusto…
— ¿Pero si no hablas con ella, cómo — Gusto que se convirtió en amor,
sabes que ella se va? ¡amor que se transformó en pasión!
— ¡Ah! Como todos los novios, yo — ¿Qué? ¿Estás apasionado?
tengo mi policía... Pero vete, vete, no — Muchísimo… ¡Y hay qué acabar con
te demores. esto!
— ¿De qué modo?
— Casandome; ¡eres tú quién vas a
pedirla en casamiento!

349
— ¿Yo? ¿En serio?
— Sí, mi amigo. Sabes bien como soy
tímido. Solo puedo f ijarla durante
algunos momentos cuando me acerco
de la ventana o cumprimentarla
cuando entro o salgo. Si yo mismo
fuera hablar algo a ella, no podría
articular tres palabras. ¿Te acuerdas de
la ocasión en que fui pedir al ministro
que me apuntara para el puesto de
Florencio? Empecé a tremblar delante
de él y a mucho costo conseguí exponer
lo que deseaba. Y cuando el ministro
me dijo: — Va embora descansado,
yo haré justicia —, yo le contesté: —
¡Vuestra excelencia, si apuntarme, no
será sin motivos! — Si yo soy de esta
manera con los ministros, imagine con
las viudas.

— ¿Pero tú la conoces?
— Estoy perfectamente informado:
es una señora digna y respectable,
viuda del señor Perkins, negociante
americano. Vive allí en frente, en el
número 37. Te pido que la busques
inmediatamente y le hagas el pedido
de mi parte. Eres tan extrovertido
como soy tímido; estoy cierto que
tendrás éxito. Le digas de mí lo mejor
que puedas; abogues mi causa
con tu elocuencia habitual y seré
eternamente grato.
— ¡Pero qué disparate! — observó
Salema. — ¿Esto no és una emergencia!
¿Por qué hay que ser hoy y no otro día?
¡No he venido preparado!
— No puede dejar de ser hoy. La
viuda Perkins se va mañana hacia la
hacienda de su hermana, cerca de
Vassouras, y yo no quería que partise
sin saber del resultado.
— Pero, si no le hablas, ¿Cómo sabes
que ella partirá?
— ¡Ah! Como todos los nobios, tengo
mi policía… Pero va, va; no te demores.

350
Língua
Francesa
351
calculer le mouvement des corps
Résumé pesants, mais pas la folie des foules. »

Pour d’autres, au contraire, la stricte


neutralité n’est plus envisageable
dès lors que leurs recherches ont des
implications fortes et immédiates.
SCIENCE ET POLITIQUE, UN Lorsqu’il est avéré que certaines
DIALOGUE IMPOSSIBLE ? régions du monde vont devenir
inhabitables par submersion ou bien
[...] Beaucoup de scientifiques font du fait du dépassement des seuils
avec amertume le constat que leur de températures physiologiquement
parole a peu de poids, dès lors que tolérables par les organismes humains,
leurs découvertes vont à l’encontre le scientif ique peut se contenter
des intérêts socioéconomiques d’informer sur le résultat immédiat
dominants ou pourraient contraindre de ses recherches : la mer va monter
les gouvernements à prendre des de telle hauteur ; la température
décisions perçues négativement par va augmenter de telle valeur. A
leur base électorale. Ils sont aussi contrario, il peut adopter une vision
confrontés à l’émergence de sociétés systémique qui va le pousser à mettre
où le gourou est facilement préféré en garde contre les conséquences
à celui qui questionne le monde et vraisemblables pour les populations.
où la croyance prend le pas sur la Ces conséquences sont diff iciles
raison. Enfin, ils prennent pleinement à cerner précisément, car on ne
conscience que malentendus et dispose d’aucune loi physique ni de
confusions sont des obstacles majeurs protocole expérimental pour valider
à un dialogue constructif entre eux et les projections socioéconomiques des
les différents acteurs de la société. Les effets du dérèglement climatique.
divergences profondes d’intérêts, de Mais alerter sur les impacts potentiels
hiérarchies de valeurs et de pratiques du dérèglement climatique consiste
ont un poids souvent plus important déjà à prendre parti. C’est davantage
que les arguments rationnels fondés vrai encore quand on aff irme
sur des faits. qu’on ne peut pas lutter contre ces
impacts en recourant à des mesures
Face aux attentes bien souvent de sécurisation à court terme qui
contradictoires de ses interlocuteurs, s’appuient elles-mêmes sur des
il n’est pas toujours facile pour le émissions additionnelles de gaz à
scientifique de bien cerner jusqu’à quel effet de serre — par la climatisation ou
point il peut simplifier la formulation l’enneigement artificiel par exemple
des connaissances, leurs limites et —, renforçant par là même la cause du
les incertitudes, pour faire ressortir problème que l’on s’efforce de traiter.
les implications de ses découvertes,
le plaçant ainsi de facto dans un rôle L’essentiel reste de permettre aux
de lanceur d’alerte. Certains refusent interlocuteurs de bien séparer ce qui
d’assumer ouvertement cette forme est du domaine de la connaissance
d’engagement. Pour eux, un message scientifique, de la spéculation (qui est
neutre et factuel est nécessaire afin au cœur du métier de chercheur) et
de garantir la crédibilité du messager de la préconisation (la part citoyenne
et de maintenir le savoir à distance de du scientifique chercheur), sachant
l’instrumentalisation, dans la lignée que la réception du message par ses
d’Isaac Newton déclarant : « Je sais destinataires se fait à travers une série

352
de filtres liés à leur personnalité (culture, PADRÃO DE RESPOSTA
croyances, sensibilité au risque) et à
leur position sociale (notamment les Les découvertes des scientif iques
conflits d’intérêts et d’usages que cette ne sont pas toujours en accord avec
dernière peut susciter). Il semble donc les intérêts socioéconomiques ou
vain de considérer que le dialogue politiques. En outre, la société est parfois
entre scientifiques et citoyens puisse plus encline à adhérer aux discours
échapper à une certaine forme de de charlatans qu’à écouter la raison et
subjectivité et d’engagement. accepter les arguments et les faits qu’ils
avancent. Les chercheurs s’aperçoivent
Face à une demande grandissante ainsi qu’il est difficile d’être entendus.
de la société, nombre de scientifiques Pour pouvoir instaurer un dialogue
du climat et de l’environnement avec la communauté, ils doivent rendre
ressentent le besoin de développer accessibles leurs connaissances, mais
un cadre de réflexion collectif au sein aussi se transformer en lanceurs d’alerte
de la communauté académique sur en expliquant quelles peuvent être les
l’éthique et la responsabilité de nos implications de leurs découvertes. Si
engagements publics comme de nos quelques-uns refusent de s’engager et
pratiques. Ceci a notamment motivé pensent que le message scientifique
la création du mouvement « Labo 1.5 », doit être neutre et reposer uniquement
qui vise à mieux comprendre et réduire sur des faits pour être crédible,
l’empreinte environnementale de la d’autres croient qu’il faut choisir un
recherche. Ce faisant, les chercheurs camp quand les conséquences sont
se heurtent à une contradiction graves et avérées. Pour ce qui est des
centrale : s’ils doivent montrer projections socioéconomiques liées
l’exemple, jusqu’où peuvent-ils aller au changement climatique, elles ne
sans que la qualité de leur travail en peuvent pas toujours être validées, car
soit trop affectée ? Ce tiraillement on manque d’instruments scientifiques
entre l’objectivité nécessaire à une pour cela. C’est alors que la société doit
bonne recherche et la subjectivité qui comprendre la différence entre ce qui
sous-tend l’engagement au service de relève de la connaissance scientifique,
la société n’est pas nouveau, mais les ce qui concerne la recherche et ce
crises environnementales le remettent qui est du ressort de la préconisation,
au premier plan. sans oublier que la réception du
message dépendra également de
LEBEL, Thierry. Manière de voir. Octobre 2021.
la personnalité et de la position
sociale de l’interlocuteur. Par ailleurs,
Résumez le texte présenté avec vos la propre recherche scientif ique a
propres mots. un impact sur l’environnement que
les chercheurs doivent prendre en
compte pour montrer l’exemple, sans
que leur travail en soit toutefois affecté.
Ainsi, ils se retrouvent eux-mêmes
confrontés à des contradictions dans
l’exercice de leurs fonctions, ce qui est
Extension du texte: une vieille bataille, mais qui redevient
maximum de 60 lignes. particulièrement apparent avec les
[valeur: 25,00 points] questions environnementales.

353
Raíssa Guimarães possibilité d’alerter les populations. À
l’égard du changement climatique,
Carvalho les scientif iques peuvent proposer
25 des meilleures actions pour freiner
les impacts environnementaux. Par
Selon les informations du texte, les exemple, les scientifiques déclarent
crises environnementales remettent la que la climatisation et l’enneigement
question d’un dialogue possible entre artificiel renforcent le problème des
la science et la politique au premier émissions de gaz à effet de serre. Ainsi,
plan. Beaucoup de scientif iques d’autres mesures sont nécessaires.
affirment que leur parole a peu de poids
dans le débat public, principalement La communauté scientifique sait
quand leurs idées sont contre les aussi que la réception du message par
intérêts dominants. En effet, les les destinataires passe par les filtres de
gouvernements ne prennent pas de la personnalité, de la position sociale
décisions qui peuvent être perçues de et économique, des croyances et de la
manière négative par la population. En culture. Les destinataires doivent ainsi
outre, les scientifiques pensent qu’un séparer la connaissance scientifique
dialogue constructif sera seulement de la spéculation et de la préconisation.
possible si les obstacles, comme les Néanmoins, une certaine forme de
malentendus et les confusions, sont subjectivité est inévitable.
évités. Dans ce cadre, les divergences
d’intérêts, les valeurs personnelles Beaucoup de scientifiques du climat
et les pratiques communes sont suggèrent le développement d’un
plus importantes que les arguments cadre de réflexion collectif au sein
rationnels des scientifiques. de la communauté académique à
l’égard des engagements publics. Le
Pour le scientifique, il est difficile problème est qu’il y a une contradiction
de simplif ier ses formulations. En centrale entre l’objectivité nécessaire à
outre, beaucoup de scientif iques une bonne recherche et la subjectivité
refusent d’assumer un engagement essentielle aux intérêts de la société. Le
qui peut être considéré politique. Ces mouvement « Labo 1.5 » a aussi essayé
scientifiques soulignent l’importance de définir le rôle de la communauté
des positions neutres et factuelles, qui académique dans les questions
seraient nécessaires pour garantir la environnementales.
propre crédibilité des scientifiques.
Selon Isaac Newton, il est capable
de calculer le mouvement des corps
pesants, mais il ne peut pas calculer
la folie des personnes.

Cependant, il y a des scientifiques


qui pensent et affirment que la stricte
neutralité n’est plus envisageable. Pour
eux, les recherches ont des implications
réelles, fortes et immédiates. Ainsi, elles
peuvent provoquer des conséquences
négatives aux populations. En effet,
ces conséquences sont diff iciles à
cerner, mais les scientifiques ont la

354
Ana Luiza Pinto En fait, les interlocuteurs doivent
être capables de distinguer les
Cardão informations scientif iques de la
24 spéculation et de la préconisation. Les
scientifiques doivent considérer que
Il y a beaucoup de scientifiques qui le message peut être interprété des
savent que leurs oeuvres ne sont pas façons différentes, que dépendent de
toujours prises en compte, surtout si la personnalité et de la position sociale
elles sont en contradiction avec les de leur cible. Ainsi, la subjectivité et
intérêts des élites socioéconomiques l’engagement ne sont pas toujours
et politiques. En plus, il y a des sociétés observés dans ce dialogue entre la
où il est plus acceptable d’écouter un science et la société.
gouru que la raison. Par conséquent,
ils savent que le dialogue entre eux Considérant l’expansion de la
et d’autres acteurs de la société est demande de la société, il y a beaucoup
assez compliqué, étant donné leurs de scientifiques du climat et de
divergences concernant d’intérêts, de l’environnement qui pensent que la
hiérarchie de valeurs et de pratiques. communauté académique doit entamer
un débat sur l’éthique et la responsabilité
À cause des attentes contradictoires des engagements publics de ses
de ceux qui les écoutent, les membres. Le mouvement « Labo 1.5 »;
scientifiques ont des difficultés par a le but de comprendre les impacts
rapport à la communication, comme la environnementaux de la recherche
simplification des concepts e la clarté et de les réduire. Si les scientifiques
de leurs alertes. Dans ce contexte, il y a fassent ce qu’ils demandent de
ceux qui préfèrent s’éloigner de ce type la société, est-ce qu’ils peuvent
d’engagement, en soulignant que la garder la qualité de leur travail? La
crédibilité du messager et la distance contradiction entre l’objectivité d’une
vis-à-vis de l’instrumentalisation sont bonne recherche et la subjectivité qui
le plus important. sous-tend l’engagement au service
de la communauté n’est pas une
Cependant, il y en a d’autres qui nouveauté, mais elle se souligne à
mettent la stricte neutralité en question, cause des crises environnementales.
car leurs études ont des implications
immédiates. Dans le sujet de la
montée de la température mondial,
on peut parler de ses implications
techniques immédiates ou mettre en
évidence ses conséquences pour les
sociétés humaines. Il est vrai qu’il est
difficile de prévoyez les effets concrets
du dérèglement climatique. Or, il
faut jouer un rôle dans la question,
en faisant des alertes. De surcroît,
force est d’éviter des mesures de
sécurisation à court terme, qui non
seulement se basent sur des émissions
additionnelles de gaz à effet de serre,
mais aussi contribuent pour rendre le
problème encore plus grave.

355
Vinícius Gonzalez aux effets socioéconomiques de ce
phénomène. En tout cas, une grande
Nóbrega partie des scientifiques ne veulent pas
24 assumer une posture de neutralité,
car ils trouvent important d’alerter
Dans le domaine de la science, il sur les possibles conséquences du
y a parfois quelques difficultés par changement climatique, parfois en
rapport au dialogue avec la société. aff irmant que quelques mesures
Plusieurs scientif iques constatent à court terme peuvent renforcer le
que, fréquemment, leurs découvertes problème.
ont peu de poids dans le débat
public, particulièrement quand leurs Les scientif iques doivent donc
conclusions s’opposent à des intérêts presenter leurs messages d’une
dominants ou à la volonté des bases manière qui permet la séparation par
politiques. De plus, ils constatent que rapport à la connaissance scientifique,
les gourous sont souvent préferés à la spéculation et à la préconisation.
aux scientifiques et que les croyances De plus, le message doit être adéquat
triomphent sur la raison. Dans ce par rapport au public destinataire.
contexte, il y a des différentes opinions C’est-à-dire, il faut élaborer le message
par rapport à la manière d’édifier un en considérant des spécificités par
dialogue constructif entre la science rapport à la culture, à la position
et le public général. sociale et aux croyances du public. Il
y a donc une subjectivité inhérente
Pour une partie des scientifiques, il est au dialogue entre les scientifiques
difficile de cerner comment simplifier et la société. Dans ce contexte,
les connaissances techniques pour que plusieurs scientif iques ont élaboré
le public puisse mieux les comprendre. des initiatives pour encourager une
Donc, ils refusent d’assumer une réflexion à propos des responsabilités
position engagée dans les débats, de leur communauté. C’est le cas
car un message neutre et factuel du mouvement « Labo 1.5 », qui a
pourrait mieux garantir leur credibilite. le but de réduire les conséquences
D’autres scientifiques argumentent environnementales des activités
qu’ils ne peuvent pas assumer une scientif iques. Cependant, il est
position neutre, car les conclusions de souvent difficile de cerner comment
leurs recherches ont des implications le faire sans affecter la qualité de la
immédiates par rapport à la société. production académique. La crise
C’est le cas de la science climatique climatique met en évidence le conflit
: quand les scientifiques constatent entre l’objectivité de la connaissance
que les changements climatiques scientif ique et la subjectivité
peuvent occasionner la submersion de nécessaire à l’engagement.
quelques régions ou une augmentation
extrême des temperatures, il ne
faut pas rester neutre. Donc, ces
scientifiques adoptent une posture
engagée, afin d’alerter le public par
rapport aux implications de leurs
découvertes. Les conséquences
du dérèglement climatique sont
pourtant difficiles à spécifier, car il
n’y a aucune loi naturelle par rapport

356
NOTA MÉDIA réfllexion coletif sur la responsabilité
et l’ethique des engagements publics
Aline Freitas de de la communauté académique. Cette
Paula e Silva demande a abouti à le mouvement
16,75 « Labo 1.5 ». Les chercheurs sont
toujours face à la contradiction entre
l’objectivité de leurs recherches et
Le dialogue entre la science et
la subjectivité de l’engagement au
la politique est difficile, parce que
service de la société.
fréquemment les découvertes des
scientifiques contradisent les intérêts
socioéconomiques et politiques. Les
sociétés courantes préfèrent le gourou
à le scientifique et la raison est moins
importante que la croyance. Il y a
beaucoup de malentendus au dialogue
entre les scientifiques et les différents
secteurs de la socieété. Les arguments
rationels sont soumisent aux intérêts
e aux valeurs. La contradictions rend
la formulation d’une simplification
des découvertes scientif ique trés
compliquée et les scientifiques ne
peuvent pas faire ressortir la significance
des choses qu’ils étudient. D’un côté, il
y a centains que préfèrent la neutralité
pour éviter l’instrumentalisation de
leurs travaux. De l’autre, il y a certains
qui préfèrent sousligner l’importance
de leurs recherches.

Le résultat neutre des rechercehs


scientif iques sur le dérèglement
climatique ne peuvent pas mettre
en garde les conséquences, il fault
présenter une vision systémique à
la population. Pour lutter contre les
impacts de dérèglement climatique,
on ne peut pas utiliser des mesures
à court terme, parce qu’elles causent
des émissions additionnelles.

Il est essentiel que les interlocuteurs


séparent la connaissance scientifique
de la spéculation et de la préconisation.
La réception des messages par le
destinataire est influenciée par des
aspects de la culture, de la personnalité
et des conflits d’intérêt de la societé.
La subjectivité est aussi présent que
c’est nécéssaire de créér un cadre de

357
do que o século 19. Quanto a mim,
Version já tomei o meu partido... Uma vez
me pronunciei entre os dois e como
o fiz no livro de uma jovem senhora
do nosso patriciado, pedir-lhe-ei
licença para reproduzir, creio que nos
mesmos termos, essa minha última
[...] A Europa exerceu sempre sobre
prof issão de fé. “Nascido, dizia eu,
a imaginação dos nossos homens de
em uma época de transição, prefiro
letras uma atração perigosa. Houve,
em tudo, arte, política, religião, ligar-
talvez, tempo em que Magalhães,
me ao passado que ameaça ruína
Gonçalves Dias, Porto-Alegre, Odorico
do que ao futuro que ainda não tem
Mendes, João Francisco Lisboa, Sales
forma.” É apenas, como vedes, uma
Torres-Homem, Maciel Monteiro,
preferência; resta-me ainda muita
Gomes de Sousa, Varnhagen, Joaquim
simpatia pelas quimeras que disputam
Caetano, Pereira da Silva, podiam ter
umas às outras o toque da vida e
formado uma Academia Brasileira em
muita curiosidade pelas invenções e
Paris. Isso vinha de trás, e continua
revelações iminentes. Eu não sou o
hoje com mais força. Bem poucos dos
poeta do quadro de Gleyre, vendo a
nossos homens de letras recusariam
barca das ilusões perdidas, dourada
em qualquer tempo um desterro
pelo crepúsculo da tarde, e abismado
para longe do país. Há felizmente
no seu próprio isolamento. O coração,
muito entre nós, quem de coração,
que é a parte fixa de nós mesmos,
de sentimento, pela imaginação,
está em mim voltado para o céu
pelo espírito, por todo o prazer de
estrelado, para a cúpula de verdades
viver, prefira o quadro, o aspecto, a
imortais, de princípios divinos, que
sensação do nosso torrão brasileiro
sucede ao trabalho, aos esforços,
a todos os panoramas d’arte da
às ardentes decepções do dia. Oh!..,
Europa. Para se ser assim tão sincero,
meus senhores, é quando a vida para,
tão definitivamente brasileiro, - em
que se tem a plenitude do viver. Ao
alguns isso vem de uma reação natural
contrário de tudo o mais, a vida, falo da
contra o egoísmo estético - parece, a
vida intelectual, não é o movimento;
julgar pelo nosso confrade, o autor da
é a parada do espírito, a absorção, a
Retirada da Laguna, que o melhor é ter
dilatação infinita do pensamento em
tido no sangue a inoculação da própria
um só objeto, em um só gozo, em uma
arte europeia. Como quer que seja,
só compreensão. Quieta non movere.
foi preciso contar com essa migração
Serei talvez um velho imaginário; é o
certa do talento nacional, com esse
meio de não ser um jovem imaginário.
tributo que ele pagou sempre a Paris.
Há na vida uma coisa que não se deve
fingir: - é a mocidade. [...]
Havia também que atender à
representação igual dos antigos e dos NABUCO, Joaquim. Discurso pronunciado na Sessão
modernos... Uma censura não nos hão Inaugural da Academia Brasileira de Letras, em 20 de
julho de 1897, na qualidade de secretário-geral. Dispo-
de fazer: a de sermos um gabinete de nível em: <https://www.academia.org.br/academicos/
antigualhas. A Academia está dividida joaquim-nabuco/discurso-de-posse>. Acesso em: 22
abr. 2022, com adaptações.
ao meio, entre os que vão e os que
vêm chegando; os velhos, aliás sem
velhice, e os novos; os dois séculos
estão bem acentuados, e se algum
predomina é o que entra; o século 20
tem mais representação entre nós

358
PADRÃO DE RESPOSTA dans le livre d’une jeune femme de
notre patriciat, je lui demanderai la
[...] L’Europe a toujours exercé sur permission de reproduire, je crois que
l’imagination de nos hommes de dans les mêmes termes, ma dernière
lettres une dangereuse attraction. Il y a profession de foi. « Né, disais-je, dans
eu, peut-être, un temps où Magalhães, une époque de transition, je préfère en
Gonçalves Dias, Porto-Alegre, Odorico tout, art, politique, religion, me lier au
Mendes, João Francisco Lisboa, Sales passé qui menace de s’effondrer qu’au
TorresHomem, Maciel Monteiro, futur qui n’a pas encore de forme. »
Gomes de Sousa, Varnhagen, Joaquim C’est seulement, comme vous le voyez,
Caetano, Pereira da Silva, auraient pu une préférence ; j’ai encore beaucoup
former une Académie brésilienne de sympathie pour les chimères qui
à Paris. Cela n’est pas nouveau et se disputent entre elles le soupçon de
continue aujourd’hui avec plus de vie et beaucoup de curiosité pour les
force. Bien peu de nos hommes de inventions et révélations imminentes.
lettres refuseraient à tout moment Je ne suis pas le poète du tableau de
une expatriation loin du pays. Il y en a Gleyre, voyant la barque des illusions
heureusement beaucoup parmi nous perdues, dorée par le crépuscule du
qui, du fond du cœur, par sentiment, soir, et stupéfait dans son propre
par imagination, par esprit, pour tout isolement. Le cœur, qui est la partie
le plaisir de vivre, préfère le cadre, fixe en nous-mêmes, se tourne chez
l’aspect, la sensation de notre terre moi vers le ciel étoilé, vers la coupole de
brésilienne à tous les panoramas d’art vérités immortelles, de principes divins,
de l’Europe. Pour être ainsi si sincère, qui succède au travail, aux efforts, aux
si déf initivement brésilien, – chez ardentes déceptions du jour. Oh !...
certains, cela vient d’une réaction Messieurs, c’est quand la vie s’arrête
naturelle contre l’égoïsme esthétique –, qu’on a la plénitude du vivre.
il semble, à en juger par notre confrère,
l’auteur de « La retraite de Laguna », Contrairement à tout le reste, la
que le mieux est d’avoir eu dans le sang vie, je parle de la vie intellectuelle,
l’inoculation du propre art européen. n’est pas le mouvement ; c’est l’arrêt
Quoi qu’il en soit, il a fallu faire avec de l’esprit, l’absorption, la dilatation
cette migration certaine du talent infinie de la pensée en un seul objet,
national, avec ce tribut qu’il a toujours en une seule jouissance, en une seule
payé à Paris. compréhension. Quieta non movere.
Je serai peut-être un vieil imaginaire ;
Il fallait également attribuer la c’est le moyen de ne pas être un jeune
même représentation aux anciens et imaginaire. Il y a dans la vie une chose
aux modernes... Un reproche ne peut qu’on ne doit pas feindre : — c’est la
nous être fait : celui d’être un cénacle jeunesse. [...]
d’antiquailles. L’Académie est divisée
Referência: NABUCO, Joaquim. Discurso pronunciado
en deux, entre ceux qui s’en vont et na Sessão inaugural da Academia Brasileira de Letras,
ceux qui arrivent ; les vieux, d’ailleurs em 20 de julho de 1897, na qualidade de Secretário
Geral. Disponível em: <https://www.academia.org.br/
sans vieillesse, et les jeunes ; les deux academicos/joaquim-nabuco/discurso-de-posse>.
siècles sont bien mis en valeur, et s’il y Acesso em: 22 abr. 2022.
en a un qui prédomine, c’est celui qui
commence ; le XXe siècle est mieux
représenté parmi nous que le XIXe
siècle. Quant à moi, j’ai déjà choisi mon
camp... Une fois, je me suis prononcé
entre les deux et comme je l’ai fait

359
Otávio Forattini a plus de représentation parmi nous
que le XIXème siècle. Quant à moi, j’ai
Lemos Igreja pris mon parti… Certaine fois me je suis
16,75 prononcé entre les deux et comme je
l’ai fait dans le livre d’une jeune dame
L’Europe a toujours exercé sur de notre groupe, je lui demanderai
l’imagination de nos hommes lettrés pardon pour reproduire, je crois
une attraction dangereuse. Il y a peut- que dans les mêmes termes, cette
être eu un moment pendant lequel dernière exclamation de croyance qui
Magalhães, Gonçalves Dias, Porto- m’appartient. « Né, je disais, dans une
Alegre, Odorico Mendes, João Francisco époque de transition, je préfère en
Lisboa, Sales Torres-Homem, Maciel tout, art, politique, religion, me lier au
Monteiro, Gomes de Sousa, Varnhagen, passé qui menace faillite plutôt qu’au
Joaquim Caetano, Pereira da Silva futur que n’a pas encore de forme ».
auraient pu formar une Académie C’est seulement, comme vous pouvez
brésilienne à Paris. Cela venait d’avant, le voir, une préférence ; il me reste
et continue aujourd’hui avec plus encore beaucoup de sympathie pour
de force. Très peux de nos hommes les chimères qui disputent les unes
lettrés refuseraient à n’importe quel avec les autres la touchée de la vie,
moment un voyage lointain hors du et beaucoup de curiosité envers les
pays. Heureusement, il y en a plusieurs intentions et révélations imminentes.
parmi nous qui à cœur, à sentiment, Je ne suis pas le poète du tableau de
pour l’imagination, pour l’esprit, Gleyre, voyant la barque des illusions
pour le plaisir de vivre, préfèrent le perdues, dorée par l’aube, et suspendu
tableau, l’aspect, la sensation de notre dans son propre isolement. Le cœur,
sécheresse brésilienne, plutôt que tous qui est la partie figée de nous-mêmes,
les panoramas d’art d’Europe. Pour est en moi tourné vers le ciel étoilé, vers
être ainsi, si sincère, si définitivement le panthéon de vérités immortelles,
brésilien, - dans certains cela vient de principes divins, qui succède au
d’une réaction naturelle contre travail, aux efforts, aux douloureuses
l’égoïsme aesthétique – il semble, à déceptions du jour. Oh ! …, mes
juger par notre confrère, l’auteur de « messieurs, c’est quand la vie s’arrête,
Retirada da Laguna », qu’il faut mieux qu’on a la plénitude du vivre. Au
avoir eu dans le sang l’inoculation de contraire du reste, la vie, je parle de la vie
l’art européen même. Quoi qu’il n’en intellectuelle, n’est pas du mouvement
soit, cette migration certaine du talent ; c’est l’arrêt de l’esprit, l’absorption,
national a été nécessaire, avec cet l’étalage infini de la pensée dans un
hommage qu’il paye toujours à Paris. seul objet, dans un seul plaisir, dans
une seule compréhension. « Quieta
Il fallait aussi s’y attendre à la non movere ». Je serai peut-être un
représentation égale des anciens et des vieux imaginaire ; c’est le moyen de
modernes… Une critique qu’il ne nous ne pas être un jeune imaginaire. Il y
feront pas : celle de que nous faisions a dans la vie une chose qu’on ne doit
partie d’un cabinet de répression. pas faire semblant : c’est d’être jeune.
L’Académie est partagée en deux,
entre ceux qui s’en vont et ceux qui
arrivent ; les vieux, d’ailleurs sans âge,
et les nouveaux ; les deux siècles sont
bien marqués, et s’il y en a qui domine,
c’est celui qui entre ; le XXème siècle

360
Gabriel Joaquim parti… À une fois, je me suis manifesté
entre les deux et comme je l’ai fait chez
14,75 un livre d’une jeune femme de notre
élite, je demanderais des excuses pour
L’Europe a toujours exercé une réproduire, je crois dans les mêmes
attraction dangereuse sur l’imagination termes, ma dernière profession de
de nos hommes de lettres. Il y a eu foi. « Né, je le disais, à une époque
peut-être un temps où Magalhães, de transition, je préfère en tout, art,
Gonçalves Dias, Porto-Alegre, Odorico politique, réligion, de me lier au passé
Mendes, João Francisco Lisboa, Sales qui menace devenir une ruine qu’au
Torres-Homem, Maciel Monteiro, futur qui n’a encore aucune forme
Gomes de Sousa, Varnhagen, Joaquim ». C’est seulement, comme l’on voit,
Caetano, Pereira da Silva, pourraient une préférence ; j’ai encore beaucoup
avoir formé une Académie brésilienne de sympathie pour les monstres qui
à Paris. Cela venait d’avant, et continue disputent les uns avec les autres le
aujourd’hui avec plus d’intensité. Peu toucher de la vie et beaucoup de
de nos hommes de lettres refuseraient curiosité pour les inventions et les
à n’importe quel temps l’isolement révélations urgentes. Je ne suis pas
loin du pays. Il y a malhereusement le poète de l’œuvre de Gleyre, voyant
plusieurs entre nous, qui de cœur, le bateau des illusions perdues, doré
de sentiment, par l’imagination, par par le crépuscule de la tard, et surpris
l’esprit, par tout le plaisir de vivre dans mon propre isolement. Le cœur,
préfèrent le cadre, l’aspect, la sensation qui est un morceau permanent de
de notre identité brésilienne à toutes nous mêmes, est – chez moi tourné
les formes d’art européenne. Pour être vers le ciel étoillé, vers le sommet
si sincère, si définitivement brésilien, - des vérités imortelles, des principes
chez certains cela vient d’une réaction des dieux, qui succède le travail, les
naturelle contre l’égoïsme esthétique efforts, les déceptions intenses du
– il semble, à juger par notre ami, jour. Oh !..., messiers, c’est quand
l’auteur de « Retirada da Laguna » , la vie arrête qu’on a l’intégralité de
qu’il est mieux avoir dans le sang la vivre. Au contraire de tout, la vie, je
pénétration de l’art européenne elle- parle de la vie intellectuelle, n’est pas
même. Dans n’importe quelle façon, le mouvement ; c’est l’esprit arrêté,
on a dû compter avec cette migration l’absorbtion, l’augumentation sans
du talent national, avec cet hommage fin de la pensée dans un seul objet,
qu’il a toujours payé à Paris. dans un seul jouir, dans une seule
compréhension. « Quieta non movere ».
On devait aussi respecter la Je serais peut-être une personne âgée
représentation égale des personnes imaginaire ; c’est la façon de n’être pas
âgées et modernes… On ne nous une personne jeune imaginaire. Il y a
fera pas une critique : celle selon dans la vie une chose que l’on ne doit
laquelle nous sommes un groupe pas chercher à jouer le rôle : - c’est le
de personnes âgées. L’Académie est rôle d’être une personne jeune.
divisée, entre ceux qui partent et ceux
en train d’arriver ; les personnes âgées,
sans être anciennes, et les personnes
jeunes ; les deux siècles sont beaucoup
marqués, et si quelqu’un domine c’est
celui qui rentre ; le XXe siècle a plus de
représentation entre nous que le XIXe
siècle. Quant à moi, j’ai déjà pris mon

361
Luiza Valladares le XIXe siècle. En ce qui me concerne,
j’ai déjà pris mon parti… Une certaine
de Gouvêa fois je m’ai pronnoncé entre les deux
14 et comme je l’ai fait dans le livre
d’une mademoiselle de notre parti, je
(…) L’Europe a toujours exercé une vais leur demander les permis pour
attraction dangereuse sur l’imagination reproduire, je crois qu’avec les mêmes
de nos hommes de lettres. Il y a eu, termes, ma dernière manifestation de
peut-être, un temps où Magalhaes, foi. « Né je disait, dans une époque
Gonçalves Dias, Porto-Alegre, Odorico de transition, je prefère en tout, art,
Mendes, Jean François Lisbonne, politique, religion, me lier au passé
Sales Torres-Homem, Maciel Monteiro, que représente la menace de ruine
Gomes de Sousa, Varnhagen, Joaquim qu’au futur qui n’a pas encore de
Caetano, Pereira da Silva pouvaient forme ». C’est seulement, comme
former une Académie Brésilienne à vous voyez, une préférence ; il me reste
Paris. Cela fait longtemps et continue encore beaucoup de simpatie pour les
aujourd’hui avec plus de force. Très rêves que disputent les uns entre les
peu d’hommes entre nos hommes autres la touché de la vie et beaucoup
de lettres refuseraient de rester loin de curiosité pour les inventions et
du pays à n’importe quel temps. Il y a révélations imminents. Je ne suis pas
hereusement beaucoup de personnes le poète du portait de Gleyre, voyant
entre nous qui prefèrent, sincèrement, le bateau des illusions perdues, doré
de sentiment, par l’imagination, par par le coucher du soleil de la soirée,
l’esprit, par tout le plaisir de vivre, le et étonné dans son propre isolement.
cadre, l’aspect, la sensation de notre Le cœur, qui est la parti fixée de nous-
terre brésilienne à tous les possibilités mêmes, est en moi tourné vers le
d’art de l’Europe. Por être si sincère, si ciel étoilé, vers la réunion de vérités
définitivement brésilien, - en certains immortelles, de principes divins,
cela l’origine d’une réaction naturelle qui sucède le travail, les efforts, les
contre l’égoïsme estétique – il semble, en brûlantes déceptions de la journée. Oh
jugeant par notre compagnon, autheur !..., mesieurs, c’est lorsque la vie s’arrête
de la Retraite de Laguna, que le meilleur de l’espirit, l’absorbtion, la dilatation
c’est d’avoir dans le sang l’innoculation infinite de la pensée dans un seul
de l’art européen lui-même. De toute objet, dans une seule jouissance, dans
manières, il a fallu cette migration une seule compréhension. Quieta non
certaine du talent, cette hommage qu’il movere. Je serau peut-être un ancien
a toujours rendu à Paris. imaginaire ; c’est le moyen de ne pas
être un jeune imaginaire. Il y a dans la
Il a fallu on aussi représenter vie une chose que l’on ne doit fausser
également les anciens et les : - c’est la jeunesse. (…)
modernes… On ne peut pas nous
accuser d’être un bureau plein
d’antiquités. L’Académie est partagée
en deux, entre ceux qui partiront
et ceux qui arrivent ; les anciens,
d’ailleurs, sans anachronismes, et les
nouveaux ; les deux siècles sont bien
accentués, et si certain prévaut, c’est
celui qui commence ; le XXe siècle a
plus de représentation entre nous que

362
CAC D
2017
363
O cacdista mais atento pode ter Considerando que o texto acima tem
percebido que, apesar de o concurso caráter meramente motivador, redija
ter aberto apenas 34 vagas em 2022, um texto dissertativo contextualizando
a turma é formada por 36 diplomatas e analisando a gestação da política
brasileiros. Isso ocorreu porque africana brasileira na década de 60 do
tivemos a satisfação de receber século passado e a aproximação efetiva
Rebeca e Verônica, colegas aprovadas com a África na década seguinte. Em seu
no CACD 2017, em nossa turma. Para texto, discuta os fatores que retardaram
integrá-las ao Guia da Ema Oblíqua ou dificultaram a concretização dessa
e Dissimulada, apresentamos, nessa política — especialmente os aspectos
seção, suas respostas para uma das políticos que retardaram sua ampla
questões de 2017. Ambas obtiveram implementação ainda na década de 60
nota máxima na questão 4 da prova — e a atuação da diplomacia brasileira
de Política Internacional. Acreditamos diante dos desafios então colocados.
que essas respostas ainda são
oportunas para os cacdistas que veem
os Guias de Estudo como uma boa
ferramenta para alcançar esse sonho
diferente que é ser diplomata.

Extensão máxima: 60 linhas


[valor: 20,00 pontos]

Política Internacional
Questão 04

O retorno à África foi talvez um dos


capítulos mais marcantes da política
exterior do Brasil na década de 70
do século XX. Os novos movimentos
tornaram o Atlântico cada vez mais
mediterrâneo. A visita de presidentes
africanos ao Brasil e o intercâmbio de
diplomatas e empresários no Atlântico
aproximaram a África do Brasil de forma
inconteste. Deu-se, afinal, consistência
prática aos discursos de aproximação
gestados no início da década de 60
pelo presidente Jânio Quadros.

José Flávio Sombra Saraiva. O lugar da África — A


dimensão atlântica da política externa brasileira (de
1946 a nossos dias). Brasília: UnB, 1996, p. 133-4 (com
adaptações).

364
PADRÃO DE RESPOSTA Rebeca Silva Mello
O candidato deverá fazer uma 20
reda çã o com argum enta çã o
consistente, na forma e no conteúdo. Comentário da autora
No texto deverão ser abordados os Agradeço muito a oportunidade de
seguintes aspectos: não só poder participar desse guia,
mas também de ser parte integrante
1 O apoio, em determinados momentos, da turma Rio Branco 2022-2023, essa
e a ambiguidade, em outros, com turma tão querida e unida, que me
relação ao colonialismo português na acolheu tão bem! A questão escolhida
África, e a crescente crítica dirigida é bem velhinha (5 anos já!), mas
ao Brasil por suas posições políticas espero que possa ajudar os nossos
perante o colonialismo português. cacdistas que continuam na luta. Um
abraço, Rebeca.
2 A questão das relações do Brasil
com a África do Sul, que, em tempos
de pleno Apartheid, era o principal
parceiro comercial do Brasil na África e
que causava certos constrangimentos A África tem papel singular para a
para uma plena inserção brasileira na política externa brasileira. Não obstante
África. os laços históricos entre o Brasil e o
continente africano, até o governo
3 A evolução do pensamento de Jânio Quadros as relações entre
diplomático brasileiro com relação esses dois atores permaneceram um
ao continente africano e sua posição pouco adormecidas. Com o advento
estratégica para o Brasil, que foi se da Política Externa Independente
modificando desde o governo de Jânio (PEI), a retórica do país se tornou mais
Quadros até atingir maior maturidade próxima do continente africano, de que
a partir, sobretudo, do governo de o discurso dos três D’s de Araújo Castro
Médici. (Descolonização, Desenvolvimento e
Desarmamento) é exemplo simbólico.
4 Discussão, mesmo que genérica, das No entanto, a permanência do
dificuldades de finalização do processo discurso luso-tropical dificultava uma
de descolonização, principalmente aproximação profunda, que só foi
com relação ao colonialismo português efetivada no pragmatismo responsável
e à problemática envolvendo a África do governo Geisel.
do Sul. Esses dois aspectos devem
ser problematizados considerando a A década de 1960 foi a década da
reação dos países africanos a qualquer descolonização. Desse modo, surgiram
tipo de apoio ou ambiguidade diante novos Estados Nacionais, que foram
do colonialismo português e do garantindo um a um o seu assento
Apartheid. na Organização das Nações Unidas,
ONU. A política externa do governo
Jânio Quadros e, posteriormente, do
governo Jango não foram displicentes
em relação a isso. Portanto, o Brasil
começou a defender o direito à
descolonização dos países africanos
em fóruns multilaterais, marcando

365
sinais de autonomia na política portuguesas. Esse paradigma
externa do país. No entanto, o país não começa a mudar no governo Geisel,
defendia a independência das colônias com Azeredo da Silveira, que passa
portuguesas, porque, na visão brasileira, a ir contra a colonização portuguesa
elas eram parte integrante de Portugal, em fóruns multilaterais, como
eram territórios ultramarinos. Essa na ONU. Além disso, o Brasil, que
posição dificultava a cooperação mais durante todo esse período tinha sido
profunda do continente africano com omisso em relação à conduta racista
o Brasil. Para tentar obter um maior promulgada pela África do Sul por
apoio africano, mesmo com o discurso meio do Apartheid, passa a criticar
luso-tropical, o Brasil marcou posições este Estado com veemência. Geisel,
desenvolvimentistas na UNCTAD, que não só por imperativos econômicos,
auxiliaram não só o próprio país, mas mas também políticos, propiciou uma
todo o mundo em desenvolvimento verdadeira aproximação entre esses
(de que a África fazia parte). Além dois polos, que não se verificou apenas
disso, o país consolidou sua posição no plano da retórica, já que permitiu
de membro observador do Movimento maior concertação política em temas
dos Não Alinhados, que abarcava importantes para a diplomacia
grande parte dos países africanos. brasileira, como a autonomia, a não
intervenção e o desenvolvimento.
A historiograf ia sustenta que o
passo da PEI foi importante, mas ficou Os anos 1960 e 1970 foram decisivos
muito preso à retórica, principalmente para construir o caminho de cooperação
por causa do comportamento cordial que os dois lados do Atlântico formam.
e silente em relação à Portugal. De Nessa época, foram exacerbados os
fato, a relação Brasil-Portugal era laços históricos entre os dois polos e,
tradicional, mas a configuração da gradualmente, construiu-se o discurso
ordem mundial estava mudando. de dívida. Hoje, o Brasil entende, mais
Não obstante isso, o governo Castello do que nunca, que o continente
Branco não apresentou uma forte africano precisa de parcerias e não
proatividade nas relações com a assistencialismo, o que permite que os
África, porque a prioridade do país mecanismos de cooperação políticos,
estava essencialmente voltada para sociais e econômicos se multipliquem
as questões de segurança tanto no e se aprofundem.
âmbito externo quanto no âmbito
interno. Em contrapartida, o Governo
Costa e Silva recuperou alguns
aspectos da PEI, a fim de promover o
crescimento e o desenvolvimento do
país, o que inclui uma aproximação
com a África. No entanto, a defesa do
luso-tropicalismo se fez presente em
todo período, assim como o silêncio
sobre o Apartheid sul-africano.

O périplo pelo continente africano


do chanceler do governo Médici,
Mário Gibson Barboza, foi marcante
na aproximação entre o Brasil e o
continente africano. Apesar disso, o
chanceler ainda não visitou colônias

366
Verônica Couto de das Relações Exteriores brasileiro. As
mudanças administrativas devem ser
Oliveira Tavares compreendidas em sua amplitude,
20 uma vez que revelam a mudança
estrutural de paradigma pela qual
A África revelou-se como parceira passava a diplomacia brasileira.
inconteste do Brasil, após os
anos 1960, quando uma política José Flávio Sombra Saraiva define
direcionada ao continente começou a política af ricana brasileira como
a ser gestada, no âmbito da política errática, um caminho em “zigue-zague”,
externa independente de Jânio com avanços e recuos importantes.
Quadros e Afonso Arinos de Melo Pode-se af irmar como avanços os
Franco. A PEI conformou-se como câmbios proporcionados pela PEI.
um novo paradigma da política Ao mesmo tempo, a PEI apresentou
externa brasileira, que buscava uma recuo por não se posicionar, de forma
atuação universalista e queria ampliar definitiva, a favor da descolonização
seus parceiros. Com o advento da e contra o regime de apartheid na
descolonização e a multiplicação de Áf rica do Sul. Colaboraram para
novos Estados nacionais af ricanos, os recuos a aproximação do Brasil
além do desejo de se afastar da com a antiga metrópole, além da
lógica bipolar da Guerra Fria, o Brasil influência que a comunidade lusa
percebeu a oportunidade de revitalizar exercia sobre a sociedade brasileira.
seus laços com o continente, de O Brasil participava de resoluções na
forma não somente paradigmática AGNU condenando a colonização e a
– instrumental e utilitária –, mas favor da autodenominação dos povos,
também de modo a resgatar seus mas recusava-se a condenar Portugal,
laços histórico-culturais. com suas colônias sendo chamadas
de territórios ultramarinos. A atitude
A PEI foi a primeira política externa brasileira causava grande desconforto
desenvolvida pela diplomacia brasileira aos líderes africanos.
que tinha um trilho encaminhado
para o continente af ricano. Muito Embora o governo de tenha-se
em razão da conjuntura histórica, revelado como um “passo fora da
a oportunidade de diversificação e cadência”, acordo com o professor
de ampliação de relações foi bem Amado Cervo, verifica-se continuidade
recepcionada pelo Brasil. No marco e mesmo aprofundamento da política
da PEI, Jânio Quadros nomeará o af ricana brasileira conduzida por
primeiro embaixador negro do Brasil, líderes militares. Os governos mais
Raimundo de Souza Dantas, que prof ícuos, em termos de avanços
ficará a cargo da embaixada em Acra. da política af ricana, foram os de
Visitas de presidente e mandatários Garrastazu Médici e Ernesto Geisel,
africanos são organizadas e Senghor, com suas políticas executadas pelos
presidente do Senegal, faz visita ao respectivos chanceleres, Mário Gibson
Brasil, porém já sob o comando de Barboza e Azeredo da Silveira.
Castello Branco. Representações
brasileiras são elevadas a nível de Após as reformas econômicas
embaixada, além da abertura de empreendidas por Castello Branco,
novos postos em solo africano. Uma o Brasil inicia uma fase de amplo
divisão específica para África e Ásia crescimento econômico, impulsionado
é estabelecida dentro do Ministério pelo consumo interno e pela conjuntura
internacional favorável. Médici foi

367
responsável pelo governo que entregou
ao Brasil o “milagre econômico”,
com taxa média de crescimento do
PIB de 11%, entre 1969 e 1972. Essa
pujança econômica ofereceu ao país
maior liberdade de ação no cenário
internacional, que pôde executar
sua independência e universalismo
autóctones, em conformidade com
suas demandas internas e seu desejo
de expansão de influência externa.

Médici e Mário Gibson Barboza


empreendem atuação efetiva da
política africana: o périplo africano. O
chanceler visita nove nações e consegue
importantes avanços em termos não
somente de comércio, mas também
de construção de confiança entre as
nações. O Brasil assume sua aproximação
definitiva com os países africanos na
cena internacional multilateral e, com
Geisel e Azeredo da Silveira, condena
a atuação colonialista. Reconhece,
dessa forma, o governo português pós-
Revolução dos Cravos imediatamente,
e é o primeiro país a reconhecer as ex-
colônias portuguesas de Guiné-Bissau,
Moçambique e Angola como Estados
independentes, entre 1974 e 1975, mesmo
com fortes divergências em relação ao
comunismo, que liderou os movimentos
libertários. Na ONU, condena o
apartheid, afastando-se de seu maior
parceiro comercial na África e visando
a ampliação de parcerias. Embora não
seja um momento de orgulho para a
diplomacia, condena o sionismo como
forma de racismo, aproximando-se de
países africanos árabes.

Embora Sombra Saraiva acerte ao


definir a política africana brasileira como
instável e inconstante, verifica-se que, ao
longo do período, avanços prevaleceram
sobre os recuos, deram ensejo à
exitosa política africana empreendida
nos últimos anos e posicionaram o
continente africano como uma das
prioridades da diplomacia brasileira.

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