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Bom dia, me chamo Luan.

Sou orientado por Telma Dias Fernandes, no


mestrado em História na UFPB. E essa pesquisa está sendo financiada pela
FAPESQ-PB. Além disso, recebi uma bolsa da CAPES para este evento da
ANPUH. Esse é um trabalho que vai ser finalizado daqui alguns dias e aqui
mostro um pequeno recorte desse estudo que venho fazendo desde a
graduação.
Vou começar contando uma história bem resumida que foi escrita por
João Jesus de Paes Loureiro.

O Adamastor naufragou e deixou 7 sobreviventes. Atores de uma peça


que estava sendo transportada pelos rios do Pará para ser exibido nos
interiores do estado. Eles estão ilhados, numa terra úmida, nublada, por
muitas dias não há Sol. Uma terra quente e ao mesmo tempo fria. Nessa Ilha
também estão ilhados um Coro de pessoas que entoam ladainhas e
respondem em conjunto à Senhora dos Desesperados. Também estão ao
redor o Caapora e uma Velha. A Ilha um dia teve um nome diferente, mas
naquele momento é A Ilha da Ira.
Os atores tem nomes: Patroni, Heitor, Tião, Silvia, Ana, Leo e Ulisseu. Eles
buscam uma maneira de sair dali. Procuram uma maneira de voltarem à vida
comum. Nas várias vezes que conversam sobre um plano de sobrevivência,
se deparam com respostas do Coro e do Caapora que avisam que daquela
Ilha é impossível sair. Porque aquela Ilha, que um dia já foi outra, estava ali
encantada pela Velha. Jogou sobre aquela terra um feitiço que lhes tirou o
amor, a felicidade, o carinho e as memórias. Naquela Ilha da Ira, ninguém
poderia resistir a isso. Poruqe a Velha também era uma Boiúna, uma grande
cobra que sobrepujava naquela Ilha um medo panóptico: sabia de tudo
porque tudo era ela também. Quem a olhasse nos olhos, não vivia para contar
a história. Ninguem nunca a viu, mas todos já ouviram suas histórias. Por
vezes alguém desaparecia, mas poucos dias depois, era difícil saber se ela
realmente havia desaparecido ou sequer havia existido naquele lugar.
Essa dramaturgia foi premiada em 1975, quando concorreu ao Prêmio
Universitário de Peças Teatrais. A Ilha da Ira foi uma das 6 premiadas, cada
qual de sua região. E nesse período outra história também estava sendo
contada: a da necessidade de Integração da Amazônia para o crescimento
brasileiro. Rodovias, hidrelétricas, indústrias e uma cultura completamente
alheias aquela região seriam necessárias para que a modernização pudesse
trazer alguma civilização para os povos dali.

Nessa história, o grande vilão para o futuro do Brasil está impregnado


nos habitantes daquela região. Ribeirinhos, caboclos, indígenas e
ex-escravizados comungam da mesma vilania: cultivar na Amazônia suas
culturas. E com elas estão incluídas um modo de vida, uma alimentação
própria, formas de expressão, relacionamentos e uma diversidade de
emoções que lhes cabem comumente: aquilo que chamamos de
Cultura-Amazônica.
Embora este seja um resumo parco em informações sobre a peça,
alguns pontos são importantes para que o leitor perceba a importância desta
obra. O texto é publicado em 1975, quando concorre no Concurso
Universitário de Peças Teatrais e conquista o primeiro lugar na região norte.
Alegorias muito densas e complexas em suas histórias estão imbricadas na
relação entre personagem histórico, fictício e mitológico, com exemplos
respectivos: Patroni, figura chave na Cabanagem; A Velha, com sua relação
com o estado de exceção vivido no período; e o Caapora, que na mitologia
representa um ser zombeteiro cuja expressão mais confunde do que explica.
Como plano de fundo de toda essa obra de ficção, está a realidade do caso:
Paes Loureiro foi preso nos porões da Ditadura. Alguns anos antes da
publicação da obra, o autor foi interceptado no aeroporto de Belém pela
Marinha; viajou desaparecido. A obra pode ser considerada como a
ficcionalização da memória traumática, com dispositivos de Partilha e
Suplementação da experiência vivida em um momento de terror. Abaetetuba
seria seu destino posterior à prisão, para que “falasse aqueles que você não
conhece o que acontece”.

E a pesquisa que eu recortei para esse evento passa por 3 eixos:


1) entender como a partilha do sensível aborda a construção de
formações discursivas sobre a Amazônia;
- O que Rancière chamou de Parilha do Sensível, ao olhar a Amazônia
pode ser bem analisado quando nos debruçamos sobre a história da ditadura
militar. Porque não só foram divididas classes sociais, mas foram aglutinados,
em um amplo marcador de diferença, pessoas que não estavam alinhados
com a Ordem e o Progresso expedido em Planos de Integração Nacional.
Aquilo que transformou a vida de muitos cidadãos comuns em uma jornada do
Herói. Desapareceu com aqueles que resistiram, como o autor da peça,
torturou-lhes, tirou de suas vidas seus trabalhos, suas alcunhas e tentou lhes
tirar da memória daqueles que o conheceram. O Poeta João Jesus de Paes
Loureiro, transformou-se em um alienígena, como o Jornal Província do Pará,
de 1968, expedia.
Os que sobreviveram, lutaram para terem suas peles de ser humano de
volta: suas carreiras, seus direitos e até suas vontades que ali ficaram
menores: desejos, amores e até a felicidade.
“Escrever a história e escrever histórias pertencem a um mesmo regime
de verdade” não conclui uma “tese de realidade ou irrealidade das coisas”,
mas como essas escritas fazem efeito no real a partir da relação entre
literalidade e historicidade. Não só definindo modelos de palavras e ações,
mas também moldando regimes de intensidade sensível, mapeando as
trajetórias entre o que é visível e o que é dito, e estabelecendo relações entre
modos de ser, fazer e dizer. Essa relação também define variações nas
intensidades sensíveis, nas percepções e nas capacidades dos corpos
humanos, reconfigura o mapa do sensível, confundindo a funcionalidade dos
gestos e ritmos adaptados aos ciclos naturais de produção de saberes
(RANCIÈRE, p. 58-59). As partilhas do sensível, da qual Ranciére discorre em
seu livro, demonstra como determinadas relações podem modificar
percepções da realidade sensível a partir da relação entre aquilo que a língua
apresenta como comum e a sensibilidade disponível na atribuição dos
espaços; é, portanto, deixar de representar, ou seja: apresentar uma noção
pertinente à realidade sensível entre a “‘razão das histórias’ e as capacidades
de agir como agentes históricos” conectadas. (IDEM, p. 59) A Cena VI, a
seguir transcrita, está como exemplo prático de como reconhecer estas
realidades de uma forma concreta:

Cena VI
(PATRONI, LEO E HEITOR)
PATRONI_____ Tenho medo. Há tanto tempo que
naufragamos e não temos a menor esperança. E cada vez
nos tornamos dóceis a tudo o que essa mulher sem alma
deseja.
LEO_________ Cuidado. Se alguém nos escuta,
estaremos mal.
PATRONI_____Há vários anos naufragamos e ainda
não posso esquecer o coro de lamentações dessa gente
implorando naufrágio para que houvesse fartura na praia.
LEO_________ Pareciam piranhas sobre nossos
víveres, roupas…
PATRONI_____ Sinto raiva só de pensar nisso. O
pior de tudo é que, ultimamente, eu tenho sentido vontade
de me unir ao grupo, implorando o naufrágio das
embarcações que passam.
LEO_________ Você está louco.
PATRONI_____ Pelo menos sei que não era louco.
LEO_________ Nós temos de dar um jeito nisso.
Encontrei o Tião muito próximo da Sílvia. Eles sabem que
o amor foi proibido entre nós, porque não podemos
aumentar. Essa mulher diabólica que domina o povoado,
depois que ficou sozinha, odeia tudo. Seria terrível se ela
percebesse alguma coisa. (LOUREIRO, 1975, p. 154-155)

2) Perceber como as emoções e as linguagens ajudam a perceber as


potencialidades na literatura de testemunho de Paes Loureiro;

3) como a ficcionalização do trauma pode apresentar uma história da


ditadura militar.

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