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Agora, se for objetado, a respeito dos compossíveis, que, segundo a expressão de Leibnitz, “não
existe senão um mundo”, das duas uma: ou esta afirmação é uma pura tautologia, ou ela não tem
nenhum sentido. De fato, se por “mundo” entendermos aqui o Universo total, ou mesmo, limitando-
nos às possibilidades de manifestação, o domínio completo de todas estas possibilidades, vale dizer
a Existência universal, o que se enuncia é bem evidente, embora o modo com que se exprima seja
bastante impróprio; mas, se não entendermos por esse termo senão um certo conjunto de
compossíveis, como se faz normalmente, e como fizemos nós mesmos, é tão absurdo dizer que sua
existência impede a coexistência de outros mundos como seria, retomando nosso exemplo
precedente, dizer que a existência de uma figura redonda impede a coexistência de uma figura
quadrada, ou triangular, ou de qualquer outro tipo. Tudo o que se pode dizer, é que, como as
características de um objeto determinado excluem deste objeto a presença de outras características
com as quais elas estariam em contradição, as condições pelas quais é definido um mundo
determinado excluem deste mundo os possíveis cuja natureza não implique uma realização
submetida a estas mesmas condições; estes possíveis estarão assim fora dos limites do mundo
considerado, mas não estarão por isto excluídos da Possibilidade, porque trata-se de possíveis por
hipótese, e nem mesmo, em casos mais restritos, da Existência no sentido próprio do termo, ou seja
entendida como compreendendo todo o domínio da manifestação universal. Existem no Universo
modos de existência múltiplos, e cada possível tem aquele que convém à sua natureza própria;
quanto a dizer, como se faz às vezes (e precisamente referindo-se à concepção de Leibnitz), de uma
espécie de “luta pela existência” entre os possíveis, eis uma concepção que nada tem de metafísico,
e este ensaio de transposição daquilo que não passa de uma hipótese biológica (em conexão com as
modernas teorias “evolucionistas”) é mesmo totalmente ininteligível.
A distinção do possível e do real, sobre a qual muitos filósofos tanto insistiram, não tem portanto
nenhum valor metafísico: todo possível é real à sua maneira, e segundo o modo que comporta sua
natureza[27]; de outra forma, existiriam possíveis que não seriam nada, e dizer que um possível é
nada é uma contradição pura e simples; é impossível, e apenas o impossível pode ser, como já
dissemos, um puro nada. Negar que hajam possibilidades de não-manifestação, é pretender limitar a
Possibilidade universal; por outro lado, negar que, dentre as possibilidades de manifestação,
existam diferentes ordens, é pretender limitá-la ainda mais estreitamente.
Antes de avançarmos mais, lembraremos que, em vez de considerar o conjunto das condições que
determinam um mundo, como fizemos, poderemos também, do mesmo ponto de vista, considerar
isoladamente uma de suas condições: por exemplo, dentre as condições do mundo corporal, o
espaço, considerado como o continente das possibilidades espaciais[28]. É evidente que, por
definição, somente as possibilidades espaciais podem realizar-se no espaço, mas não é menos
evidente que isto não impede as possibilidades não-espaciais de se realizarem igualmente (e aqui,
limitando-nos à consideração das possibilidades de manifestação, “realizar-se” deve ser tomado
como sinônimo de “manifestar-se”), fora desta condição particular de existência que é o espaço. No
entanto, se o espaço fosse infinito como querem alguns, não haveria lugar no Universo para
nenhuma possibilidade não-espacial, e, logicamente, o próprio pensamento, para tomarmos o
exemplo mais comum e mais conhecido, não poderia então ser admitido à existência senão com a
condição de ser concebido como extenso, concepção que até a psicologia “profana” reconhece
como falsa sem nenhuma hesitação; mas, longe de ser infinito, o espaço não passa de um dos modos
possíveis da manifestação, a qual não é absolutamente infinita, mesmo na integralidade de sua
extensão, com a indefinidade de modos que ela comporta, dos quais cada um por sua vez é
igualmente indefinido[29]. Observações similares poderiam aplicar-se a não importa qual outra
condição particular de existência; e o que é verdade para cada uma destas condições tomadas à parte
o é também para o conjunto de uma variedade delas, cuja reunião ou combinação determina um
mundo. É claro, aliás, que é preciso que as diferentes condições assim reunidas sejam compatíveis
entre si, e sua compatibilidade implica evidentemente a dos possíveis que elas compreendem
respectivamente, com a restrição que os possíveis que estão submetidos ao conjunto das condições
consideradas podem não constituir senão uma parte daqueles que estão compreendidos em cada
uma das mesmas condições encaradas isoladamente das outras, donde resulta que estas condições,
em sua integralidade, comportarão, além de sua parte em comum, prolongamentos em diversos
sentidos, pertencentes ainda ao mesmo grau da Existência universal. Estes prolongamentos, de
extensão indefinida, correspondem, na ordem geral e cósmica, àquilo que são, para um ser
particular, os prolongamentos de um de seus estados, por exemplo os de um estado individual
considerado integralmente, para além de uma dada modalidade definida deste mesmo estado, tal
como a modalidade corporal em nossa individualidade humana[30].